Agonistas adrenérgicos ß2 e produção animal: III

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REVISTA PORTUGUESA
ARTIGO DE REVISÃO
DE
CIÊNCIAS VETERINÁRIAS
Agonistas adrenérgicos ß2 e produção animal:
III - Efeitos zootécnicos e qualidade da carne a
ß2 - Adrenergic agonists and animal production:
III – Zootechnical effects and meat quality a
Fernando Ramos* e Maria Irene Noronha da Silveira
Centro de Estudos Farmacêuticos da FCT - Laboratório de Bromatologia, Hidrologia e Nutrição Faculdade de Farmácia
Universidade de Coimbra, 3000-295 Coimbra
Resumo: O presente trabalho constitui a terceira e última parte
de uma revisão sobre agonistas adrenérgicos ß2 e produção
animal e nele são abordados os efeitos zootécnicos e a qualidade
da carne. São apresentados os resultados da acção dos agonistas
adrenérgicos ß2 sobre o ganho médio de peso diário de ratos,
frangos, suínos, ovinos e bovinos, dando-se particular destaque
ao aumento da massa muscular e ao decréscimo da gordura
corporal dos citados animais. A dose de fármaco administrada,
a duração do tratamento e a idade e o sexo dos animais
são, também, analisados. A qualidade da carne produzida,
nomeadamente o aspecto, tenrura e paladar, constituem outro
dos assuntos estudados, bem como se destacam algumas das
características desta carne importantes para a sua transformação
industrial. A revisão conclui com a avaliação da segurança/
toxicidade dos agonistas adrenérgicos ß2 no animal, no meio
ambiente e no Homem, neste caso quer como manipulador, quer,
sobretudo, como consumidor. As intoxicações resultantes da
ingestão de carne e fígado contendo clembuterol, com especial
destaque para o caso português, encerram o artigo.
gordura é, hoje em dia, considerada pela maioria
dos consumidores como um nutriente desnecessário
ou, pelo menos, a evitar, sendo que a sua produção
envolverá, então, custos desnecessários. Nesse sentido,
os agricultores, particularmente os ligados à pecuária,
tentam melhorar o rendimento das suas explorações
através da produção de mais e melhor carne magra e no
mais curto espaço de tempo. A utilização de agonistas
adrenérgicos ß2 pode facilitar esta acção (Ramos e
Silveira 2000 e 2001), embora as consequências daí
resultantes nem sempre sejam as melhores, como a
seguir se pode constatar ao analisarmos os seus efeitos
a nível zootécnico, sobre a qualidade da carne e,
também, sobre a segurança/toxicidade que evidenciam,
enquanto promotores do crescimento animal.
Summary: Zootechnical effects and meat quality are the subject
of the third part of the review on β2-adrenergic agonists and
animal production. Anabolic results of the referred drugs in rats,
chickens, swines, ovines and bovines are presented, particularly
their special action in increasing protein and decreasing fat.
Considerations about animal age and sex, β-agonist intake
dosage and treatment period are also related. Meat quality
including general appearance, colour, tenderness or taste is studied, as well as other important characteristics for meat industry
transformation. Man, animal and environmental β-agonists
toxicity evaluation is studied on the last chapter of the paper.
Foods intoxication’s following consumption of liver and meat
from clenbuterol treated animals are reviewed. A special note is
done of Portuguese situation.
Efeitos zootécnicos
Introdução
A população dos chamados países do primeiro
mundo está cada vez mais preocupada com os aspectos
da sua saúde, sobretudo ligada ao que come. A
* Correspondente: e-mail: [email protected]
a
Os artigos anteriores que fazem parte deste trabalho foram:
Agonistas adrenérgicos ß2 e produção animal: I – Mecanismo
de acção. RPCV, (2000) 95: 99 – 110
Agonistas adrenérgicos ß2 e produção animal: II – Relação
estrutura-actividade e farmacocinética. RPCV, (2001) 96:
167-175
Os quadros 1, 2, 3, 4 e 5 revelam-nos os resultados
de agonistas adrenérgicos ß2 sobre o ganho médio de
peso diário (G.M.P.D.), o músculo e a gordura de
ratos, frangos, suínos, ovinos e bovinos, tomando-se o
valor 100 (cem por cento) como relativo aos controlos
efectuados paralelamente.
A observação do quadro 1 permite verificar que
os agonistas adrenérgicos ß2, em ratos, são capazes
de desenvolver o aumento da massa muscular em
percentagens que variam entre 6 e 18%, ao mesmo
tempo que promovem a diminuição da gordura em
teores que oscilam entre 6 e 33%.
Cardoso e Stock (1996) e Carter et al. (1991)
explicam que a diminuição da gordura no peso da
carcaça é acompanhada por um aumento do teor
em água que andará associado ao correspondente
incremento da proteína.
Os estudos com ratos demonstraram ainda que as
fêmeas eram mais sensíveis ao efeito de promotor de
crescimento do salbutamol do que os ratos jovens ou
machos (Correia et al., 1992) e que o clembuterol
era capaz de estimular o crescimento dos músculos
51
Ramos, F. e Silveira, M.
esqueléticos e do conteúdo proteico da carcaça independentemente da idade dos animais (Carter et al.,
1991).
Quadro 1 - Resultados de agonistas adrenérgicos ß2 como promotores de
crescimento em ratos
Fármaco
G.M.P.D. Músculo Gordura Bibliografia
Salbutamol
138
113
(Correia et al., 1992)
Clembuterol
110
106
94
(Bates e Pell, 1991)
Clembuterol
126
108
67
(Cardoso e Stock, 1996)
Clembuterol
101
116
68
(Carter et al., 1991)
Clembuterol
161
118
91
(Orcutt et al., 1989)
Em frangos, quadro 2, a utilização de agonistas
adrenérgicos ß2 é traduzida por um pequeno aumento
do G.M.P.D. com o conteúdo proteico a ser também
minimamente afectado, sendo a gordura o parâmetro
onde mais consistentemente se verifica a acção dos
fármacos em análise.
A avaliação dos efeitos do cimaterol em frangos
no período de horas, máximo 48 horas, não permite
encontrar grandes diferenças entre o grupo de controlo
e o grupo alimentado com suplemento do agonista
adrenérgico ß2 referido. No entanto, quando o tratamento é por um período de dias, máximo 14,
verifica-se que o cimaterol já consegue fazer notar os
seus efeitos como promotor de crescimento (Gwartney
et al., 1992).
Muramatsu et al. (1991) estudaram o efeito promotor de crescimento do clembuterol em frangas com
uma dose na ração de 0,25 ppm desde as 3 até às 6
semanas de vida. Os resultados obtidos não evidenciaram nenhum aumento da síntese proteica, confirmado
através da injecção endovenosa de fenilalanina titriada
[3H], nem nenhum ganho de peso extra, quando comparados com o grupo de controlo. No entanto, a
gordura apareceu significativamente reduzida quer no
fígado quer no músculo do peito.
Quadro 2 - Resultados de agonistas adrenérgicos ß2 como promotores de
crescimento em frangos
Fármaco
G.M.P.D. Músculo Gordura Bibliografia
Cimaterol
104
106
93
(Gwartney et al., 1991)
Clembuterol
102
94
(Buyse et al., 1991)
Clembuterol
105
101
92
(Dalrympe et al., 1984)
Clembuterol
98
96
83
(Muramatsu et al., 1991)
Os outros dois estudos consultados sobre a utilização de clembuterol em frangos (Buyse et al., 1991;
Dalrympe et al., 1984) provam o ganho de peso das
aves acompanhado de um aumento da proteína e da
redução na deposição de gordura, continuando, no
entanto, a ser este o efeito mais evidente.
A diminuição da gordura verifica-se mais nos adipócitos situados ao nível subcutâneo abdominal e nas
fêmeas (Williams, 1987), já que estas acumulam, no
geral, mais gordura que os machos, tendo Dalrympe
et al. (1984) verificado que o aumento da proteína da
carcaça é mais evidente também nas fêmeas, o que
pressupõe uma melhor resposta ao clembuterol das
fêmeas destas aves do que os machos respectivos.
52
RPCV (2002) 97 (542) 51-62
Buyse et al. (1991) demonstraram ainda que a
redução da gordura é mais visível se o tratamento for
efectuado apenas no período final antes do abate e
que a administração prolongada de clembuterol não
apresenta qualquer vantagem acrescida, notando-se
mesmo uma diminuição no peso se tal se verificar,
quando comparado com o grupo de controlo.
A importância dos ovos na alimentação humana
conduziu à pesquisa de eventuais efeitos dos agonistas
adrenérgicos ß2 sobre a postura. Contudo, tal não
se mostrou significativamente feliz. Apenas se conseguiu identificar um estudo realizado por Merkley e
Garwood (1989) com codornizes, cujos resultados não
foram conclusivos quanto aos efeitos anabolizantes do
cimaterol. No entanto, os resultados foram inequívocos
num ponto: a idade do primeiro ovo das aves foi
retardada, entre 6 e 7 dias com 0,5 ppm de cimaterol
na dieta, quando comparadas com o lote testemunha.
Dado que os resultados do cimaterol sobre o teor de
gordura das carcaças de codorniz não apontam para a
sua redução, julgamos que tal efeito pode ser atribuído
a um atraso na maturação sexual das codornizes, uma
vez que a quantidade de lípidos disponível é mais que
suficiente para o desenvolvimento da gema do ovo.
No quadro 3 apresentam-se os resultados de treze
estudos diferentes efectuados em suínos com agonistas adrenérgicos ß2, verificando-se que na maioria
dos estudos o ganho médio diário de peso não é
significativamente aumentado com a administração de
agonistas adrenérgicos ß2, o que vai ao encontro do que
foi também verificado por Moloney e Allen (1992). A
acção a nível muscular é traduzida por um aumento
médio de cerca de 10%, em relação aos grupos de
controlo, com oscilações que vão de um máximo de
30% a um mínimo de 1%, enquanto em relação à
gordura se constata uma diminuição média do seu teor
a rondar os 9%, com o intervalo maior de variação a
situar-se entre 1 e 16%, sendo que o seu efeito é mais
pronunciado na gordura subcutânea e inter-muscular
do que na intra-muscular (Engeseth et al., 1992).
Quadro 3 - Resultados de agonistas adrenérgicos ß2 como promotores de
crescimento em suínos
Fármaco
G.M.P.D. Músculo Gordura Bibliografia
Ractopamina
110
114
91
(Bark et al., 1992)
Ractopamina
111
130
84
(Crome et al., 1996)
Ractopamina
142
126
86
(Engeseth et al., 1992)
Ractopamina
103
106
96
(Gu et al., 1991a)
Ractopamina
105
101
99
(Mills et al., 1990)
Ractopamina
98
103
94
(Mitchell et al., 1991)
Ractopamina
109
106
93
(Stites et al., 1991)
Ractopamina
112
105
96
(Yen et al., 1991)
L-644,969
102
107
85
(Wallace et al., 1987)
Salbutamol
109
107
86
(Cole et al., 1987)
Salbutamol
105
106
84
(Warris et al., 1990)
Cimaterol
103
110
90
(Jones et al., 1985)
Cimaterol
106
103
97
(Walker et al., 1989)
Wallace et al. (1987) compararam a utilização
do agonista adrenérgico ß2 L-644,969 (6-amino-a{[(1-metil-3-fenilpropil)amino]metil}-3-piridina-meta-
Ramos, F. e Silveira, M.
nol) na ração de suínos em concentrações de 0; 0,25;
1 e 4 ppm durante um período de 7 semanas. A dose
de 1 ppm foi a que produziu melhores resultados, particularmente no período inicial do tratamento. A partir
das 7 semanas parece não haver qualquer benefício
acrescido sendo que esse tempo é reduzido para 5
semanas no caso de 4 ppm. A dose de 0,25 ppm,
tirando a primeira semana onde se verificou cerca de
5% de ganho de peso, apresentou resultados idênticos
aos do grupo controlo.
Numa experiência levada a cabo com salbutamol em
suínos, fêmeas e machos castrados, verificou-se que as
fêmeas apresentavam uma redução maior na espessura
da gordura dos presuntos do que os machos castrados,
embora quanto à eficácia da ração, a expressão dos
resultados fosse mais visível nos machos castrados, se
bem que moderadamente (Cole et al., 1987).
Os resultados obtidos por Bark et al. (1992) e
Engeseth et al. (1992) indicam que a adição de
ractopamina à dieta de suínos numa concentração
de 20 ppm na ração alimentar melhora o rácio e a
eficácia do crescimento bem como as características
da carcaça, especialmente se os suínos forem geneticamente seleccionados para produção de carne magra
e se o seu abate for efectuado até aos 114 kg de
peso (Gu et al., 1991a,b). Com o aumento de peso,
para além do referido, o crescimento em carne magra
vai diminuindo, o que reduz a eficiência da ração
alimentar que os suínos comem, aumentando, portanto,
os custos de manutenção e enfraquecendo o rendimento da produção (Gu et al., 1991b)
O aumento de peso diário é mais conseguido numa
fase inicial, primeiros catorze dias, diminuindo com o
tempo até às 4 semanas, sendo o efeito da ractopamina,
a partir deste período, praticamente sem significado,
quando comparado com o grupo controlo (Bark et
al., 1992; Engeseth et al., 1992). Por outro lado, a
ractopamina demonstrou ser mais eficaz quando a sua
administração é feita a animais mais pesados (Crome
et al., 1996) o que vem corroborar a ideia geral de que
a administração de agonistas adrenérgicos ß2 é mais
rentável quando é feita no período final de engorda.
Mitchel et al. (1991), por sua vez, concluíram que
o efeito da ractopamina nos metabolismos proteico e
lipídico dos suínos estava associado com a disponibilidade energética da ração e que o impacto da restrição
de energia no crescimento animal era muito maior do
que a restrição proteica.
Nos estudos com cimaterol em suínos, verificou-se
que intervalos de segurança de cinco dias (Walker
et al., 1989) ou sete (Witkamp e van Miert, 1992)
parecem ser suficientes para que os animais recuperem
a gordura perdida durante o tratamento. No que diz
respeito aos músculos constatou-se que, apesar de
haver uma redução do peso ganho durante o tratamento, o efeito do cimaterol ainda se mantinha visível,
ao fim de sete dias de retirada (Jones et al., 1985). Já
o teor de água avaliado na carcaça dos suínos tratados
RPCV (2002) 97 (542) 51-62
era superior ao existente na dos animais controlo,
embora em pequena percentagem (± 2%) (Walker et
al., 1989; Witkamp e van Miert, 1992).
No que concerne às lesões nos cascos de suínos,
Jones et al. (1985) encontraram uma relação directa
entre estas e a dose administrada no caso do cimaterol,
que Walker et al. (1989) e Hill e Dalrymple (1987),
curiosamente com doses idênticas do mesmo agonista
adrenérgico ß2, não referem, afirmando inclusive que
não existem quaisquer outras alterações significativas
nas capacidades de locomoção quando se comparam
os animais tratados com os do grupo controlo. Já
Wallace et al. (1987) e Biolatti et al. (1994) utilizando,
respectivamente, L-644,969 e clembuterol concluíram
pela presença de um maior número de lesões nos cascos
caracterizadas por um aumento da erosão e ulceração
dos mesmos acompanhados de uma vermelhidão das
partes que contactavam directamente o solo.
O quadro 4 mostra os dados de onze estudos efectuados com ovinos, sendo de referir que a acção
dos agonistas adrenérgicos ß2 se manifesta por um
aumento muscular médio de 20%, com um máximo de
41% e um mínimo de 4%, e uma diminuição média de
gordura a rondar os 25%, com 8 e 48% a cotarem-se
como os valores de menor e maior redução do teor
de gordura.
Rikhardsson et al. (1991) estudaram a acção do
cimaterol enquanto promotor do crescimento na dieta
de ovinos, tendo verificado que o aumento da retenção
de azoto pelos animais ocorria principalmente nas primeiras três semanas de tratamento, sobretudo quando
comparado com seis e mais semanas. Tal constatação
poderá levar à conclusão que a acção sobre a síntese
proteica dos agonistas adrenérgicos ß2 só se desenvolve
durante um curto período de tempo. Kim et al. (1987)
verificaram que os animais tratados apresentavam uma
maior área do músculo dorsal bem como uma conformação das ancas muito superior quando comparados
com o grupo não tratado, o que proporciona um maior
rendimento, já que as partes referidas são as mais
nobres da carcaça.
Quadro 4 - Resultados de agonistas adrenérgicos ß2 como promotores de
crescimento em ovinos
Fármaco
G.M.P.D. Músculo Gordura Bibliografia
L-644,969
116
111
72
(Koohmaraie et al., 1991)
L-644,969
109
105
92
(Koohmaraie et al., 1996)
L-644,969
108
106
71
(Koohmaraie e
Shackelford, 1991)
L-644,969
134
104
72
(Kretchmar et al., 1990)
Cimaterol
129
139
78
(Kim et al., 1987)
Cimaterol
163
111
91
(Rikhardsson et al., 1991)
Cimaterol
125
127
78
(Warris et al., 1989)
Clembuterol
124
123
63
(Baker et al., 1984)
Clembuterol
107
141
52
(Bohorov et al., 1987)
Clembuterol
101
123
67
(Sordo e Berzal, 1990)
Clembuterol
121
134
90
(Warris et al., 1989)
Baker et al. (1984) observaram que o conteúdo
em água da carcaça dos animais tratados com clembuterol aparecia aumentado, embora o rácio humidade/
53
Ramos, F. e Silveira, M.
proteína se mantivesse constante, indicando, portanto,
que o aumento de ambos se encontra associado. Os
mesmos autores verificaram também que os cordeiros
mais pesados responderam melhor que os mais leves
ao tratamento o que parece induzir uma eficácia
acrescida do clembuterol na fase final da engorda dos
animais.
Os efeitos de “repartição” dos agonistas adrenérgicos ß2 em bovinos podem ser observados no quadro 5.
O crescimento muscular varia entre um mínimo de 5%
e um máximo de 18% com um valor médio da ordem
dos 14%, enquanto a redução da gordura se cifra numa
média de 30% com 20% e 42% como as menor e
maior percentagens alcançadas para este parâmetro.
Quadro 5 - Resultados de agonistas adrenérgicos ß2 como promotores de
crescimento em bovinos
Fármaco
G.M.P.D. Músculo Gordura Bibliografia
Cimaterol
118
115
67
(Quirke et al., 1988)
Cimaterol
106
117
65
(Williams, 1987)
Clembuterol
11
6118
60
(Miller et al., 1988)
Clembuterol
12
4105
58
(Parat et al., 1990)
Clembuterol
92
113
80
(Ricks et al., 1984)
Clembuterol
98
111
77
(Sordo et al., 1990)
Clembuterol
100
113
80
(Williams, 1987)
Clembuterol
107
117
74
(Williams, 1987)
O clembuterol, num estudo onde foi administrado
na dose diária de 10 mg por animal durante 98
dias, mostrou que, apesar de um G.M.P.D. negativo
em comparação com o controlo, mantinha as suas
propriedades de diminuir a gordura e aumentar a
musculatura, com o conteúdo em água da carcaça
a apresentar-se também aumentado em cerca de 5%
(Ricks et al., 1984).
Num estudo com cimaterol em bovinos provou-se
que o tratamento era eficaz durante, pelo menos
21 dias, embora o período ideal de utilização para
obtenção dos efeitos anabolizantes atinja os melhores
resultados nos primeiros 14 dias de administração
(Byrem et al., 1998).
Em geral, podemos então afirmar que os agonistas
adrenérgicos ß2 não parecem perder a sua actividade
metabólica no tubo digestivo, quer de ruminantes quer
de monogástricos (Williams, 1989), sendo administrados por via oral, misturados nos alimentos compostos ou na água de bebida, por forma a atingir a
sua acção como promotores do crescimento animal,
aumentando a deposição da proteína ao mesmo tempo
que se observa uma diminuição na acumulação de
gordura ou seja, como “agentes de repartição”.
O tipo de tratamento (dose, sexo, duração, idade)
é mais importante no rendimento final dos animais
do que propriamente nos “efeitos de repartição” dos
agonistas adrenérgicos ß2, enquanto a eficácia dos diferentes fármacos apresenta algumas variações, embora
uma dose entre 2 e 4 ppm na ração pareça ser a
indicada para ruminantes, enquanto para aves oscile
entre 0,25 e 0,50 ppm (Moloney e Allen, 1992). No
entanto, a ractopamina, numa dose de 20 ppm, estará
54
RPCV (2002) 97 (542) 51-62
especialmente indicada no caso de suínos (Gu et al.,
1991a; Mitchell et al., 1991; Stites et al., 1991).
As doses referidas são, no mínimo, 10 vezes superiores às utilizadas para fins terapêuticos nos mesmos
animais, conforme referem Boenish e Quirke (1992)
e como se pode comprovar com o clembuterol, único
agonista adrenérgico ß2 autorizado em medicina veterinária. A administração para fins terapêuticos de
medicamentos de uso veterinário (MUV) autorizados
que contenham agonistas adrenérgicos ß2 é permitida
em bovinos, equinos e animais de companhia como
antitússico, broncodilatador ou tocolítico, neste caso
só para vacas parturientes, desde que a sua utilização
se faça de acordo com as especificações do fabricante
(Directiva 96/22/CE; Lopes, 1999/2000; Miller et al.,
1988; Ricks et al., 1984).
As fêmeas respondem melhor ao tratamento com
agonistas adrenérgicos ß2, sobretudo em ratos (Correia
et al., 1992), frangos (Muramatsu, 1991; Williams,
1987) e suínos (Cole et al., 1987), provavelmente
devido à maior capacidade de mobilizar os lípidos
que possuem, em quantidade superior à dos machos,
e cuja diminuição é principalmente evidente no tecido
adiposo subcutâneo e negligenciável no tecido adiposo
intramuscular (Ferrando e Vanbelle, 1989).
A duração do tratamento afecta a resposta do mesmo,
sendo notório que deve ser levado a cabo no período
antes do abate e em animais que já tenham atingido a
maturidade, ou seja, quando a capacidade de retenção
das proteínas começa a ser mais fraca, mais eficazes
se tornam os agonistas adrenérgicos ß2 e melhor é,
portanto, o resultado obtido (Moloney e Allen, 1992;
Moloney e Beermann, 1996; Williams, 1989). O anabolismo proteico, no entanto, ocorre principalmente
ao nível do músculo esquelético, enquanto ao nível
dos outros músculos, vísceras, por exemplo, há mesmo
uma redução da proteína. Porém, e atendendo a que
é proibido o tratamento zootécnico com este tipo de
fármacos, a sua utilização como MUV, em animais
destinados à produção de alimentos para consumo
humano, está condicionada a algumas restrições, como
sejam a sua não utilização em animais em produção
de leite para uso humano e ao respeito pelo intervalo
de segurança no caso em que a carne e vísceras se
destinam à alimentação humana (Directiva 96/22/CE;
Lopes, 1999/2000).
Do ponto de vista da hipertrofia muscular, e como
se observa pela análise dos quadros 1 a 5, a ordem de
eficácia é superior nos bovinos e ovinos, seguindo-se,
por ordem decrescente, os suínos e as aves (Mersmann,
1998; Moloney e Allen, 1992; Ribeiro, 1995; Williams,
1989).
Qualidade da carne
Independentemente dos hábitos das diferentes populações, verifica-se que dois factores são importantes
quando se trata do consumo de carne, tenrura e paladar,
Ramos, F. e Silveira, M.
englobando este os conceitos de suculência, sabor e
odor. Associado a estes factores, um outro se torna
imprescindível: o aspecto aquando da sua aquisição,
onde a cor e a gordura visível influenciam, muitas
vezes, a decisão de qual carne comprar. Para além
destes factores relativos à “carne verde”, importa
também equacionar a qualidade da carne transformada
industrialmente pelo que todos estes factores serão
objecto de abordagem neste ponto, por forma a verificar a influência dos agonistas adrenérgicos ß2 sobre
aqueles parâmetros.
Porém, hoje em dia, é cada vez mais frequente o
consumidor, para além dos factores referidos, preocupar-se preferencialmente com os possíveis efeitos que
essa carne possa trazer à sua saúde. Nesse sentido, e
dada a importância do assunto, este será desenvolvido
mais à frente no ítem segurança/toxicidade.
Aspecto
As carnes tratadas com agonistas adrenérgicos ß2
apresentam-se com uma diminuição da gordura de
cobertura e mais escuras do que as não tratadas, sendo
possível atribuir esses factos à acção dos fármacos em
estudo. Atendendo a que já foi referido a acção sobre
a gordura, apenas se explica o efeito dos agonistas
adrenérgicos ß2 sobre a cor da carne.
A estimulação ante-mortem da glicogenólise, promovida pelos agonistas adrenérgicos ß2 leva à redução
da concentração do glicogénio muscular, limitando a
normal acidificação post-mortem (Ferreira e Bastos,
1994) em cerca de 0,3-0,4 unidades de pH (Warris
et al., 1989; Williams, 1987) devido às menores
concentrações de ácido láctico muscular (Fernandes,
1995) e constitui a explicação mais frequentemente
apontada como responsável por esse escurecimento,
apesar da menor concentração do pigmento heme (Ferreira e Bastos, 1994; Moloney e Allen, 1992; Warris
et al., 1989 e 1990) ou de uma menor quantidade
de mioglobina oxigenada, como preferem chamar-lhe
Sordo e Berzal (1990).
No entanto, Berge et al. (1990), num estudo com
clembuterol em bovinos, referem que o fármaco não
exerce qualquer efeito sobre a cor da carne, enquanto
Kim et al. (1987) afirmam mesmo que o cimaterol
produz carne de ovino mais clara quando comparada
com a do grupo de controlo.
O aspecto DFD (dark, firm and dry) característico da
carne de animais tratados com agonistas adrenérgicos
ß2 e descrito, por exemplo, por Warris et al. (1990)
não parece ser assim tão característico, tanto mais que,
para além do relatado no parágrafo precedente, não
podemos esquecer os dados referidos anteriormente
onde se mostrou que havia um incremento da quantidade de água das carcaças dos animais tratados,
associado ao aumento da proteína. Aliás, o mesmo
grupo, num outro estudo (Warris et al., 1989), refere
que a capacidade de retenção de água da carne está
aumentada sendo, inclusivé, reduzida a perda por
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“gotejamento” durante o armazenamento.
Estas características da carne, apesar de tudo apetecíveis à vista, não são impeditivas de uma mais rápida
deterioração da mesma, principalmente se tivermos
em consideração que o pH se encontra mais elevado,
o que favorece a contaminação microbiana com as
resultantes consequências prejudiciais em termos de
higiene alimentar (Fernandes, 1995; Ferrando e Vanbelle, 1989; Ribeiro, 1995).
Tenrura
Os agonistas adrenérgicos ß2 levam à obtenção de
uma carne mais dura conforme é demonstrado por
vários estudos em frangos (Gwartney et al., 1991
e 1992), suínos (Jones et al., 1985; Walker et al.,
1989; Warris et al., 1991), ovinos (Kim et al., 1987;
Koohmaraie et al., 1996; Kretchmar et al., 1990) e
bovinos (Berge et al.,1991 e 1993; Williams, 1987).
Entre as propostas para explicar as acções dos agonistas adrenérgicos ß2 na tenrura da carne incluem-se
os efeitos da rápida refrigeração, “cold shortening”,
(Fernandes, 1995; Ferrando e Vanbelle, 1989; Ribeiro,
1995; Sordo e Berzal, 1990; Williams, 1987), o
aumento da produção do tecido conjuntivo e das fibras
de tipo II nos músculos (Moloney e Allen, 1992;
Williams, 1989) e a redução da proteólise post-mortem
(Berge et al., 1993; Correia, 1995; Gwartney et al.,
1992; Koohmaraie et al., 1996; Kretchmar et al.,
1990), a que se acrescentam a dependência directa da
dose, sendo que quanto maior for mais dura encontraremos a carne que resultar desse animal (Moloney e
Beermann, 1996; Walker et al., 1989).
O chamado efeito “cold shortening” fica a dever-se
à redução da gordura da carcaça que leva a um
arrefecimento mais rápido desta durante a maturação
com um encurtamento das fibras musculares e o
consequente aumento da dureza da carne (Sordo e
Berzal, 1990; Williams, 1987).
A existência de uma carne mais dura não será alheia
a uma acção mais efectiva dos agonistas adrenérgicos
ß2 sobre as fibras de contracção rápida (tipo II),
especialmente as glicolíticas, (Williams, 1987 e 1989)
o que, segundo Warris et al. (1990) é traduzido na
necessidade de uma força de corte mais elevada do
que no grupo controlo, em carne cozinhada de suíno
tratado com salbutamol. Aliás, um aumento da força
para cortar a carne cozinhada é um efeito consistente
atribuído ao tratamento com agonistas adrenérgicos ß2
(Moloney e Beermann, 1996). Gwartney et al. (1991)
estudaram a força de corte da carne do peito de frango
tratado com cimaterol e demonstraram claramente que
era superior à dos animais controlo, enquanto Warris et
al. (1991) compararam os resultados de um painel de
provadores com a avaliação mecânica da força de corte
da carne de suíno alimentado com dieta suplementada
com salbutamol. Este último estudo demonstrou que,
embora a avaliação mecânica da carne mostrasse que
era necessária uma força superior para o lote com
55
Ramos, F. e Silveira, M.
salbutamol, tal passou praticamente despercebido ao
painel de provadores. O facto terá ficado a dever-se
a uma maior suculência aparente da carne tratada
referida pelos provadores que consideraram a mesma
média de aceitação, 4,87, para ambas as carnes numa
escala de 1, detestar, a 8, extremamente gostosa.
No entanto, a diminuição da tenrura da carne que
acompanha o tratamento com agonistas adrenérgicos
ß2 não resulta tanto das modificações da estrutura
do tecido conjuntivo muscular, mas mais como consequência dos efeitos da diminuição lipídica do músculo
e das alterações das miofibrilhas musculares, como se
pode constatar durante os processos de maturação da
carne, particularmente os que se encontram relacionados com a proteólise post-mortem (Berge et al., 1993;
Jiang, 1998; Kretchmar et al., 1990). Esta é devida
essencialmente a dois tipos de enzimas proteolíticos:
as proteases dos lisossomas, catepsinas, activas a valores de pH baixos, e as proteases cálcio-dependentes
que actuam a valores de pH próximos da neutralidade,
calpaínas I, activada por micromoles de cálcio, e II,
activada por milimoles de cálcio (Fernandes, 1995). É
sobre estas últimas que, neste caso, recaem principalmente as atenções, com todo o processo a ser associado
ao sistema calpaína/calpastatina, verificando-se que a
actividade da calpastatina, enzima cálcio-dependente
inibidor da capacidade proteolítica, permanece elevada durante a armazenagem post-mortem produzindo, assim, uma carne mais dura (Correia, 1995;
Koohmaraie et al., 1996).
Koohmaraie e Shackelford (1991), num estudo
com cordeiros e utilizando o agonista adrenérgico
ß2 L-644,969, demonstraram o que se descreveu no
último parágrafo ao administrarem cloreto de cálcio,
por via intravenosa, imediatamente após o abate dos
animais, com os resultados a serem expressos num
aumento da tenrura da carne devido à promoção/
facilitação do efeito das proteases cálcio-dependentes.
Um outro processo de actuar sobre este efeito
negativo consiste na introdução de um período de
retirada, verificando-se que quanto maior ele for mais
tenra será a carne (Moloney e Beermann, 1996).
Contudo, intervalos de segurança superiores a 7 dias
eliminaram as vantagens acrescidas obtidas na composição da carcaça de frangos com cimaterol (Gwartney
et al., 1991), enquanto um ciclo de 14 dias mostrou
limitar substancialmente o endurecimento da carne
sem comprometer significativamente os efeitos anabolizantes do clembuterol em bovinos (Berge et al.,
1993; Parat et al., 1990). O decréscimo da tenrura da
carne não é afectado, porém, por todas as espécies
da mesma forma, sendo importante verificar que ele
é menos evidente na carne de suíno do que na dos
ruminantes ou de frangos (Moloney e Allen, 1992).
Paladar
A diminuição da deposição da gordura em animais
tratados com agonistas adrenérgicos ß2 leva a uma
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RPCV (2002) 97 (542) 51-62
diminuição da sapidez da carne, sobretudo de bovino
(Correia, 1995). Os ácidos gordos saturados são os
mais afectados, aumentando a relação insaturados/
saturados, com a ácido linoleico a ser particularmente
importante na composição da carne resultante do
tratamento com agonistas adrenérgicos ß2 (Williams,
1989; Fernandes, 1995). A relação de ácidos gordos
saturados/ácidos gordos insaturados passará segundo
Carraud (1989) de 1/1,2 para 1/2,3 com o tratamento
com agonistas adrenérgicos ß2.
Porém, Engeseth et al. (1992) demonstraram que
a ractopamina provocava, principalmente, esse efeito
ao nível do tecido adiposo, já que ao nível muscular
não encontraram alterações significativas nesse rácio,
mesmo quando a dieta foi suplementada com ácidos
gordos. Ferrando e Vanbelle (1989), ainda em relação
à carne de suíno, afirmam que esta apresenta um défice
de ácidos gordos essenciais ao nível dos principais
músculos, tornando os hipotéticos benefícios para o
consumidor como provavelmente ineficazes.
Se a redução dos ácidos gordos saturados constitui
um aspecto desejável, tendo em vista os conceitos
médicos actuais que aconselham a diminuição da
ingestão das gorduras e, especialmente, da gordura
saturada, já o decréscimo da gordura intramuscular,
embora pouco provável em bovinos (Sordo e Berzal,
1990), pode conduzir a uma menor qualidade da carne,
especialmente ao nível do paladar, com uma suculência
diminuída, após o respectivo processamento culinário
(Moloney e Beermann, 1996).
Por outro lado, não existem por ora dados sobre a
digestibilidade, pelos seres humanos, das proteínas da
carne dos animais tratados com agonistas adrenérgicos
ß2. Mas se estes diminuem a proteólise post-mortem
nas carnes tornando-as mais duras é possível que a
sua digestibilidade e, consequentemente, o seu valor
nutritivo também esteja diminuído (Correia, 1995).
Também a quantidade de água mais elevada em
carcaças produzidas com o auxílio de agonistas adrenérgicos ß2, reflecte-se, como é óbvio, na culinária e,
em definitivo, no prato, com as desvantagens não
só para o sabor, mas também para a qualidade em
geral, onde o bolso do consumidor sai afectado com
o naco de carne cozinhado a libertar a água que
possui, ficando o seu tamanho final mais reduzido
(Fernandes, 1995; Ferrando e Vanbelle, 1989; Warris
et al., 1989).
Transformação industrial
Os lípidos da carcaça, depositados em menores
quantidades e com um rácio mais favorável aos insaturados, como já foi referido, se podem transformar
a carne num alimento mais interessante do ponto de
vista dietético, convertem-no, de certeza, num produto
menos vantajoso durante os processos de armazenagem,
devido à maior oxidação que essa composição facilita
(Fernandes, 1995; Ferrando e Vanbelle, 1989).
No entanto, Stites et al. (1991) num estudo destinado
Ramos, F. e Silveira, M.
a avaliar a ractopamina como promotor de crescimento
em suínos bem como os seus efeitos no processamento
industrial da carne proveniente de porcos tratados,
particularmente na obtenção de presunto e “bacon”,
demonstraram que, apesar da diminuição média da
espessura da pele de porco, coirato, não havia qualquer problema durante o tratamento industrial para a
obtenção de “bacon”. Também Crome et al. (1996)
chegaram à conclusão que os presuntos de porcos
tratados com ractopamina se tornam mais desejáveis
uma vez que apresentam maior quantidade de carne
magra, menos osso e menor quantidade de gordura
subcutânea, quando comparados com o grupo de
controlo. Logo, e neste caso, os benefícios de mais e
melhor pernil e lombo em porcos tratados traduzem-se,
pois, em mais e melhores benefícios económicos
sem alteração do processamento industrial nem da
qualidade dos produtos em causa, presunto e “bacon”.
Segurança/Toxicidade
A avaliação da segurança/toxicidade dos fármacos
utilizados em zootecnia situa-se, principalmente, a três
níveis diferentes: no animal, no meio ambiente e no
Homem (Ramos, 1990).
No animal
Nos aspectos relacionados com a segurança dos
agonistas adrenérgicos ß2 em relação aos animais a
quem são administrados, verifica-se que são os efeitos
secundários aqueles que se revestem de maior importância. O efeito que mais se evidencia na terapêutica
prolongada é a tolerância, ou seja, por exemplo,
redução da relação dose/efeito em indivíduos préexpostos. Ora, apesar da tolerância estar habitualmente
ligada a uma diminuição da toxicidade, já que se
necessita de maior dose para desencadear os mesmos
efeitos adversos, uma posologia aumentada, como é o
caso, conduz ao aparecimento de efeitos tóxicos, uma
vez que os parâmetros cinéticos são característicos da
molécula e não dependentes da dose. Outro fenómeno
que afecta os efeitos sobre os animais tem a ver com a
especificidade dos receptores que, sendo elevada, não
é, no entanto, total. Doses muito elevadas de agonistas
adrenérgicos ß2 produzem estimulação dos receptores
ß1, tratando-se aqui de um efeito secundário claramente de teor tóxico (Fontes, 1995).
Portanto, no animal, os agonistas adrenérgicos ß2
podem originar desde efeitos profiláticos a tóxicos,
passando pelos chamados “efeitos de repartição”,
consoante a dose administrada, o que nos leva a
concluir que o respeito pelas normas de “Boas Práticas
Veterinárias” (G.V.P.) e “Boas Práticas Agrícolas”
(G.A.P.) se reveste de vital importância para a saúde
dos animais e, mesmo, para a do Homem e para
o próprio meio ambiente (Ramos, 1990; Ramos e
Silveira, 1997).
RPCV (2002) 97 (542) 51-62
No meio ambiente
Atendendo a que não se espera que os agonistas
adrenérgicos ß2 tenham qualquer acção ao nível da
actividade antimicrobiana que possa exercer efeito
quer na flora intestinal, quer nos microorganismos utilizados no processamento industrial ou, quer mesmo,
ao nível dos microorganismos do meio ambiente,
pode-se dizer que os mesmos não apresentam problemas de ecotoxicidade (Boenisch e Quirke, 1992).
É com agrado que registamos que, apesar dos
agonistas adrenérgicos ß2 serem eliminados sobretudo
pela urina e pelas fezes, não lhes são atribuíveis
quaisquer efeitos nefastos sobre as qualidades do solo
ou da água.
No homem
A toxicidade dos agonistas adrenérgicos ß2 no
homem pode manifestar-se em dois momentos distintos que se podem definir ao nível da saúde ocupacional, enquanto manipulador dos fármacos referidos, e
ao nível da sua ingestão, enquanto consumidor de
alimentos (Ramos e Silveira, 1997).
Manipulador
Os agonistas adrenérgicos ß2 actuam por via inalatória o que transforma o seu manuseamento numa
actividade perigosa para os manipuladores de prémisturas e de alimentos compostos para animais onde
se incorporem esses fármacos (Ribeiro, 1995). Nesse
sentido, atrevemo-nos a desaconselhar essa profissão
a pessoas que sofram doenças relacionadas com o sistema cárdio-respiratório como, por exemplo, a asmáticos.
Os problemas dermatológicos e, sobretudo, pulmonares, surgirão mais cedo ou mais tarde nesta profissão,
desde que as normas de segurança e higiene no
ambiente de trabalho, como utilização de vestuário
apropriado, luvas e máscara, não sejam respeitadas
(Ramos e Silveira, 1997).
Consumidor
A proliferação do uso ilegal de medicamentos de uso
veterinário, em geral, e dos agonistas adrenérgicos ß2,
em particular, levanta novas preocupações com a sua
segurança/toxicidade, particularmente as que dizem
respeito ao consumidor.
O impacto da disponibilidade de carne magra sobre
a saúde dos consumidores pode eventualmente traduzir-se por uma redução dos casos clínicos agudos
de doenças cardiovasculares e outras doenças potencialmente relacionadas com a gordura da dieta. Porém,
as elevadas concentrações de ácidos gordos livres
já referidas podem, só por si, ser perigosas, já que
possibilitam o desencadear de alterações ao nível das
membranas celulares, podendo alterar o endotélio dos
vasos e favorecer o desenvolvimento de situações
de arteriosclerose ou, mesmo, permitir a agregação
57
Ramos, F. e Silveira, M.
plaquetária com subsequente formação de um trombo,
um enfarte e, até, a morte (Correia, 1995).
Ora, tudo isto tanto pode acontecer ao nível dos
animais tratados com agonistas adrenérgicos ß2 como
ao nível do consumidor dos produtos alimentares provenientes desses animais, onde os principais perigos,
para além das hipóteses referidas anteriormente, se
ficam a dever à ocorrência dos resíduos dos fármacos
nos alimentos, sobejamente comprovada (Brambilla et
al., 1997; Cruz, 1998; Garay et al., 1997; Maistro et
al., 1995; Martinez-Navarro, 1990; Pulce et al., 1991;
Ramos et al., 2001a, b).
A avaliação dos riscos que corremos quando ingerimos alimentos provenientes de animais tratados com
agonistas adrenérgicos ß2 depende da qualidade e da
quantidade de resíduos neles presentes no momento da
ingestão. Qualidade e quantidade essas que dependem
(Ferreira e Bastos, 1994): a) do tempo que mediou
entre a última administração do fármaco ao animal
e o abate ou aproveitamento alimentar, leite, por
exemplo; b) do efeito pernicioso directo da molécula
do agonista adrenérgico ß2 como tal; c) da capacidade
de biotransformação do fármaco pelo animal em metabolitos porventura mais tóxicos do que a droga-mãe;
d) da capacidade do fármaco e/ou dos seus metabolitos
reagirem ou não irreversivelmente com as macromoléculas tecidulares, formando resíduos ligados; e)
das alterações que possam ter ocorrido durante o
processamento culinário e o armazenamento a que a
carne tiver sido submetida.
Acresce, ainda, a todas estas situações, o tempo de
exposição do consumidor ao mesmo resíduo (Hermus
e van der Kreek, 1987), uma vez que a ingestão regular
de pequenas quantidades da mesma substância pode
conduzir a manifestações tóxicas a longo prazo, por
exemplo, de tipo canceroso (Rico, 1986).
No entanto, as situações de toxicidade identificadas
como tendo origem na ingestão de alimentos contendo
resíduos de agonistas adrenérgicos ß2 foram todas de
natureza aguda e todas devidas ao clembuterol. Os
efeitos nefastos sobre o consumidor daí resultantes
manifestaram-se particularmente devido a dois aspectos: sobredosagem no animal com período de retirada
não respeitado e quando o consumidor estava sujeito a
terapêutica com o mesmo grupo de fármacos (Fontes,
1995).
A primeira situação a ser relatada ocorreu em Espanha (Martinez-Navarro, 1990) e englobou quarenta
e três famílias num total de 135 pessoas afectadas.
Noventa e sete por cento dos casos foram devidos à
ingestão de fígado, cozinhado de diversas formas, e
os sintomas apareceram 30 minutos a 6 horas após
a ingestão e foram os seguintes: tremores facilmente
perceptíveis, taquicardia, nervosismo, cefaleias e mialgias que duraram entre 8 a 96 horas, não tendo
nenhuma situação sido fatal nem deixado sequelas
posteriores. A urina de dois dos pacientes revelou
conter clembuterol nos teores de 2 e 4 µg/l e as cinco
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RPCV (2002) 97 (542) 51-62
amostras de fígado que conseguiram ser analisadas
apresentaram concentrações de clembuterol entre 160
e 291 µg/kg.
Um outro caso foi também descrito em Espanha
(Garay et al., 1997), afectando quinze pacientes provenientes de quatro famílias, após ingerirem fígado de
vitela contaminado. Os sintomas apareceram logo
trinta minutos a duas horas após a ingestão e consistiram principalmente em tremores, palpitações, ansiedade, taquicardia, mal estar geral e cefaleias. O electrocardiograma confirmou a taquicardia em todos os
casos, as análises ao sangue dos pacientes demonstraram hipocaliémia em 2/3 dos casos e todas as dez
amostras de urina colhidas apresentaram positividade
ao clembuterol com valores a oscilarem entre 5 e os 90
ng/ml. A análise de uma amostra de fígado colhida no
talho onde as famílias se tinham abastecido, revelou
teores de clembuterol bastante elevados, 500 µg/kg.
Todos os pacientes evoluiram bem, apenas tendo
havido necessidade de um internamento por um período de doze horas de uma doente com antecedentes
de miocardiopatia dilatada e que sofreu uma crise
hipertensiva. Os sintomas duraram entre 3 e 72 horas.
Vinte e duas pessoas de oito famílias diferentes
de duas regiões de França foram afectadas por uma
intoxicação com clembuterol após terem, igualmente,
ingerido fígado de vitela (Pulce et al., 1991). Os sintomas comuns foram tremores e cefaleias, apresentando
ainda a grande maioria dos afectados, palpitações,
vertigens, mialgias e, mesmo, algumas cãibras musculares. Os sinais clínicos descritos apareceram 1 a
3 horas após a ingestão do fígado contaminado e
regrediram passados 1 a 3 dias, a maioria dos casos
sem qualquer tipo de terapêutica e sem deixar sequelas.
Duas amostras do fígado idêntico ao que havia sido
ingerido foram analisadas por GC-MS e revelaram
possuir teores de clembuterol de 375 e de 500 µg/kg.
Em Itália, três famílias (Maistro et al., 1995) e 62
pessoas (Brambilla et al., 1997) sofreram os efeitos
do clembuterol após comerem carne de vaca. Dez
minutos a três horas depois das refeições apareceram
os sintomas de tremores, palpitações/taquicardia, nervosismo, associados a distúrbios gastrointestinais, cefaleias, mialgias e, em alguns casos isolados, fraqueza
e uma certa confusão (Brambilla et al., 1997; Maistro
et al., 1995). No entanto, uma das pessoas de uma
família que estava a tomar 50 mg diários de atenolol,
um bloqueador dos receptores ß, não apresentou qualquer sintomatologia, o que prova que os medicamentos
utilizados como ß-bloqueantes podem ser usados no
tratamento sintomático das intoxicações por clembuterol, caso seja necessário (Maistro et al., 1995). Numa
amostra de carne analisada foram encontrados 500
µg/kg de clembuterol (Maistro et al., 1995), enquanto
noutra se encontraram concentrações médias da ordem
dos 4500 µg/kg, verdadeiramente absurdas (Brambilla
et al., 1997).
No nosso País já foram descritos três casos, a saber:
Ramos, F. e Silveira, M.
• Em Ourém foram afectadas dez pessoas de duas
famílias diferentes com idades compreendidas entre
os 5 e os 60 anos, tendo-se verificado que a sintomatologia começou a manifestar-se 7 a 8 horas após
a ingestão de carne de borrego. A determinação de
agonistas adrenérgicos ß2 em três amostras de carne
idênticas às que haviam sido ingeridas pelas famílias
demonstrou a presença de clembuterol em todas elas,
sendo que duas apresentavam quantidades relativamente elevadas, 343 e 275 mg/kg, enquanto a terceira
continha apenas 9,7 mg/kg (Cruz, 1998).
• Em Aveiro, numa amostra de fígado, já confeccionado, proveniente do frigorífico da família intoxicada
foi determinada uma concentração de clembuterol
verdadeiramente preocupante, 1171 mg/kg, enquanto
uma amostra de músculo colhida no talho abastecedor
continha 116 mg/kg (Ramos et al., 2001b)
• Em Coimbra, dois pacientes, pai e filha, de 58
e 28 anos de idade, deram entrada nos serviços de
urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra
com tremores grosseiros das extremidades, taquicardia, ansiedade, mal estar geral, cefaleias, náuseas,
palpitações e tonturas, 2 horas após terem ingerido
fígado de vitela frito. Os antecedentes familiares e
pessoais não acrescentaram nada de relevante para o
esclarecimento clínico da situação, apenas se tendo
registado, nos exames complementares de diagnóstico,
uma hipocaliémia como elemento significativo em
ambos pacientes. A administração de 10 mg de diazepam I.M. na urgência e a prescrição de cloreto de
potássio 600 mg i.d., bem como de propanolol 40
mg 3 i.d., ambos por via oral, constituiu a terapêutica
eleita, a que se seguiu a alta hospitalar com consequente acompanhamento na consulta externa. Dois
dias depois, os pacientes voltaram aos serviços de
urgência com o mesmo quadro clínico, excepto a
hipocaliémia, tendo sido verificado que não tinha
ocorrido a toma de propanolol, conforme tinha sido
prescrito. Administrado o propanolol de acordo com a
prescrição inicial, a situação clínica ficou totalmente
resolvida, e sem sequelas, ao fim de cinco dias. Uma
amostra de fígado remanescente analisada revelou a
concentração de 1420 mg/kg de clembuterol (Ramos
et al., 2001a)
O limite máximo de resíduos (LMR) de clembuterol
permitida num alimento é determinado a partir da dose
do medicamento que não é capaz de provocar qualquer
efeito espasmolítico brônquico, “NOEL – nível sem
efeitos observáveis”, ou seja, 42 ng/kg/dia (Kuiper
e Groot, 1996). A dose diária de ingestão aceitável
(DDA) é calculada através da divisão da NOEL por
um factor de segurança, neste caso 10, o que dá uma
quantidade de 4,2 ng de clembuterol/kg/dia (DDA =
NOEL/10 = 4,2 ng), que poderá ser ingerida sem
qualquer problema de toxicidade. Com este dado, e
partindo do princípio que uma pessoa pesa 60 kg
e come, em média, 500 gramas de carne por dia,
repartidos entre 300 g de músculo, 100 g de fígado,
RPCV (2002) 97 (542) 51-62
50 g de gordura e 50 g de rim, encontramos um
LMR de 0,5 µg/kg de carne, muito distante, portanto,
das quantidades que deram origem às intoxicações
relatadas (Boenisch e Quirke, 1992).
Meyer e Rinke (1991) fizeram o estudo do período
de retirada do clembuterol em bovinos para obter
uma concentração de resíduo da ordem de 0,8 µg/kg
na carne, por forma a evitar os efeitos secundários
aquando da ingestão desse alimento proveniente de
animal tratado com o clembuterol. Duas semanas foi
o tempo encontrado pelos autores, embora, mesmo
assim, desaconselhem o consumo de fígado e de
gordura, enquanto recomendam a análise de resíduos
no olho do animal para verificar a presença/ausência de
resíduos de clembuterol uma vez que neste tecido ele
se acumula durante mais tempo e em maior quantidade
(Ramos et al., 2001c).
Conclusões
A revisão sobre agonistas adrenérgicos ß2 e produção
animal que, agora, se dá por concluída, abordou diversos aspectos, entre os quais se incluem os receptores
adrenérgicos, o mecanismo de acção dos fármacos
referidos, a sua relação estrutura-actividade, a sua
farmacocinética, os seus efeitos zootécnicos e as suas
implicações sobre a qualidade da carne. A questão
principal que levou a este conjunto de três artigos foi
enunciada logo no primeiro da série: os problemas
de Saúde Pública resultantes da utilização ilegal dos
agonistas adrenérgicos ß2.
A BSE, “doença das vacas loucas”, colocou a
questão da segurança alimentar na ordem do dia, com
os consumidores a exigirem, cada vez mais, que a sua
dieta não contenha os chamados “OCNIs” (Objectos
Comestíveis Não Identificáveis).
A quantidade de fármacos utilizados como promotores do crescimento animal tem vindo a crescer
exponencialmente, sobretudo devido às novas formas
de pecuária intensiva, com o resultado a ser traduzido,
é certo, pelo aumento das disponibilidades alimentares,
embora, nalguns casos, com a presença de resíduos
desses fármacos nos alimentos, em quantidades não
desprezíveis.
No caso da carne, o seu controlo de qualidade, mais
do que avaliar o produto final como era prática corrente
até há pouco tempo atrás, começa a estar, hoje em
dia, organizado de forma diferente, compreendendo
o rastreio completo da vida do animal, desde o seu
nascimento até ao seu abate, onde a alimentação e o
próprio habitat constituem factores primordiais a ter
em conta quanto à excelência pretendida. O controlo
completo e permanente em todas as fases do processo
da produção, da quinta ao garfo do consumidor,
torna-se, assim, imperioso.
Como se deixou escrito na revisão efectuada, os
principais efeitos tóxicos dos agonistas adrenérgicos
59
Ramos, F. e Silveira, M.
ß2 são reflexo de respostas farmacológicas exageradas
devidas à administração de doses elevadas. Contudo, e
considerando o significado potencial dos seus resíduos
nos tecidos comestíveis derivados de animais produtores de carne, deve existir uma rigorosa vigilância,
especialmente tendo em atenção as populações-risco.
Esta população é constituída, principalmente, pelos
que sofrem de cardiopatias isquémicas, hipertensão
arterial e/ou que apresentam problemas hidro-electrolíticos (Garay et al., 1997). Também os que necessitam
de tomar diuréticos e todos aqueles que se encontram
sob tratamento com fármacos do mesmo grupo terapêutico, ou seja, cerca de 10% da população mundial
que sofre de problemas asmáticos em maior ou menor
grau (Fontes, 1995), devem merecer especial atenção.
Nesse sentido, e apesar do diagnóstico de intoxicação por agonistas adrenérgicos ß2, num paciente isolado, ser extremamente difícil, os autores atrevem-se
a propor que essa hipótese seja seriamente encarada
quando a sintomatologia descrita no capítulo anterior
aparecer num grupo de pessoas que tenham ingerido
fígado, dado ser este o tecido edível onde os citados
fármacos se acumulam em maior quantidade e por
mais tempo.
Os autores atrevem-se ainda, e como contributo para
a melhoria da segurança alimentar, a sugerir que,
em casos semelhantes, as autoridades sanitárias sejam
logo alertadas, nomeadamente a nova Agência para
a Qualidade e Segurança Alimentar, tendo em vista
a sua imediata actuação. Salvo melhor opinião, o
procedimento a adoptar deverá obedecer aos seguintes
passos: após a recolha de urina e de sangue dos
pacientes na unidade de saúde, bem como dos alimentos envolvidos na intoxicação que ainda permaneçam
na casa das famílias afectadas ou no talho onde foram
adquiridos, identificar o talho distribuidor da carne, o
matadouro e a exploração pecuária, por forma a poder
agir contra a eventual “rede de tráfico de droga para
animais” por crime contra a Saúde Pública.
Os autores, com esta revisão, esperam ter contribuído para que os problemas de Saúde Pública, ocorridos
em Portugal e que resultaram da utilização ilegal dos
agonistas adrenérgicos ß2, possam vir a ser minorados,
quer em quantidade, quer em qualidade.
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