UTILIZAÇÃO DE BENZODIAZEPÍNICOS POR PACIENTES ATENDIDOS NA CLÍNICA DE PSICOLOGIA DO NASF DE SANTA VITÓRIA– MG. SANTOS, Samara Pinheiro, Unitri, [email protected] ROSA, Sheila Nogueira, Unitri, [email protected] CARDOSO, Rita Alessandra, Unitri, [email protected] Resumo: Devido ao grande número de prescrições de benzodiazepínicos, torna-se necessário uma especial atenção sobre como estes medicamentos estão sendo utilizados pelos pacientes. O objetivo deste estudo foi avaliar a utilização de benzodiazepínicos por pacientes atendidos na Clínica de Psicologia do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) da cidade de Santa Vitória-MG. Os dados foram obtidos através da aplicação de um questionário semiestruturado a 30 pacientes com idade entre 20 e 90 anos. Entre os entrevistados, 53% tinham somente o primeiro grau, 73% das prescrições foram feitas pelo psiquiatra, 83% das indicações dos benzodiazepínicos foram feitas para ansiedade e insônia, 77% dos pacientes utilizam esses medicamentos há mais de 1 ano, 80% dos pacientes nunca abandonaram o uso dos benzodiazepínicos e somente 57% dos pacientes foram orientados sobre os cuidados quanto ao uso da medicação. Os resultados apontam para a necessidade de maior atenção para com as orientações fornecidas aos pacientes em tratamento com benzodiazepínicos, o que passa pela orientação fornecida pelo médico no momento da prescrição e a implantação da dispensação orientada por farmacêuticos. Palavras-chave: Benzodiazepínicos, prescrição, orientação. 1 Introdução: No início dos anos 60, os benzodiazepínicos rapidamente deslocaram os barbitúricos e tornaram-se os mais utilizados entre os medicamentos com propriedades sedativas. Isso ocorreu em virtude do menor potencial de causar dependência e maior índice terapêutico dessas substâncias, isto é, a diferença entre a dose terapêutica e a dose letal. Fora da área da psiquiatria, suas principais indicações são como antiepiléticos, relaxantes musculares e coadjuvantes na anestesia (HUF et al., 2000). O uso de benzodiazepínicos foi disseminado nas últimas décadas devido ao aumento de distúrbios do humor e de ansiedade, à facilidade de posologia, à maior segurança e ao melhor conhecimento da classe médica e da população sobre a importância do sono e de suas doenças, como insônia, parassônias, dentre outras (COELHO et al., 2006). Os benzodiazepínicos estão entre os medicamentos mais prescritos a idosos, e as mulheres utilizam benzodiazepínicos em uma proporção duas vezes maior que os homens. De fato, a maioria das prescrições de benzodiazepínicos é dirigida a mulheres e idosos com insônia ou queixas físicas crônicas (HUF et al., 2000). As drogas ansiolíticas diminuem a ansiedade, moderam a excitação e acalmam o paciente, e por isso possuem indicações precisas, como no controle de crises de abstinência em etilistas, além de serem drogas de escolha em alguns transtornos do humor, como ansiedade generalizada e síndrome do pânico (COELHO et al. 2006). Além do risco de dependência, estudos demonstram que há um aumento das taxas de acidentes, quedas e fraturas entre usuários de benzodiazepínicos e há evidências de que doses terapêuticas podem prejudicar as funções cognitivas em idosos, mesmo após a interrupção do medicamento. Não existem estudos que contemplem a efetividade do tratamento em longo prazo e que, a par dos benefícios do tratamento em curto prazo, este não é isento de riscos. O uso de benzodiazepínicos em doses terapêuticas numa base diária por mais de quatro meses constitue, isolada ou combinadamente, fator de risco para o aumento de toxicidade, especialmente déficit cognitivo e desenvolvimento de dependência (HUF et al., 2000). A diminuição progressiva da resistência da humanidade para tolerar o estresse, a introdução profusa de novas drogas e a pressão propagandística crescente por parte da indústria farmacêutica podem ter contribuído para o aumento da procura pelos benzodiazepínicos (AUCHEWSKI et al., 2004). Este estudo visa descrever a utilização de benzodiazepínicos por pacientes atendidos na Clínica de Psicologia do NASF da cidade de Santa Vitória, Minas Gerais. Métodos: O presente trabalho consiste em uma pesquisa de campo com pacientes em tratamento com benzodiazepínicos, na Clínica de Psicologia do NASF (Núcleo de apoio à Saúde da Família), na cidade de Santa Vitória, Minas Gerais, no período de setembro e outubro de 2009. 2 A coleta de dados se deu através da aplicação de questionário semiestruturado direcionado a 30 pacientes adultos, homens e mulheres, em tratamento com benzodiazepínicos. O questionário consistia de perguntas sobre dados socioeconômicos, o tipo de atendimento médico recebido, particularidades sobre o benzodiazepínico prescrito, patologia para qual o medicamento foi indicado, orientações recebidas do médico prescritor. Todos os pacientes entrevistados foram esclarecidos sobre o propósito da pesquisa, e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, concordando com a aplicação do questionário. Resultados: Foram entrevistados 30 pacientes, cuja faixa etária compreendeu de 20 a 90 anos, 16 (53%) eram do sexo feminino e a maioria dos pacientes (16; 53%) tinha somente o 1º grau de escolaridade. Entre os entrevistados, 26 (87%) receberam atendimento médico pelo SUS e os demais receberam atendimento particular na prescrição do benzodiazepínico. 27% Psiquiatra n:22 Clínico Geral n:08 73% Figura 1: Especialidades médicas que prescreveram benzodiazepínicos Entre os especialistas médicas que prescreveram os benzodiazepínicos, 22 (73%) eram psiquiatras e 08 (27%) clínicos gerais. Na Figura 2, pode-se notar que 67% dos pacientes retornavam ao médico com intervalos menores que 6 meses, o que demonstra que recebem monitoramento frequente, 20% vão ao médico a cada 6 meses e 13% anualmente. 3 13% 27% 20% Bimestral n:08 Trimestral n:06 Quadrimestral n:06 20% 20% Semestral n:06 Anual n:04 Figura 2: Frequência das consultas Na Figura 3 pode-se observar que a indicação de benzodiazepínicos para ansiedade e insônia foi predominante em 83% dos entrevistados, 43% utilizam benzodiazepínicos para o tratamento da irritabilidade e 7% foram indicados para crises convulsivas, 7% para fobia social e 7% distúrbio do pânico. Vale apontar que um mesmo paciente pode utilizar o benzodiazepínico para mais que uma indicação. Ansiedade e Insônia 83% Irritabilidade 43% Crises Convulsivas 7% Fobia Social 7% Distúrbio do Pânico 7% Figura 3: Patologia para qual o benzodiazepínico foi indicado Observou-se que 77% dos pacientes usavam o medicamento por mais de um ano e de modo contínuo. Dentre os entrevistados, apenas 13% foram orientados a usar o benzodiazepínico por tempo determinado. 4 7% 23% 17% Menos que 1 ano n:07 De 1 a 5 anos n:16 De 6 a 10 anos n:05 Mais de 10 anos n:02 53% Figura 4: Tempo de uso de benzodiazepínicos Detectou-se que 20% dos pacientes tentaram interromper o uso do benzodiazepínico sem orientação médica, sendo que os demais nunca tentaram interromper o tratamento. Os benzodiazepínicos mais utilizados pelos pacientes entrevistados foram: diazepam por 13 pacientes (43%) e clonazepam utilizados por 09 (30%; Figura 5). 7% 13% Diazepam n: 13 43% 7% Clonazepam n:09 Alprazolam n:02 Bromazepam n: 04 30% Cloxazolam n:02 Figura 5: Benzodiazepínicos utilizados Em relação às orientações recebidas quanto aos cuidados que devem ser tomados durante o tratamento com benzodiazepínicos, tais como, não ingerir bebidas alcoólicas, não operar máquinas, não dirigir, não interromper o tratamento sem orientação médica, 17 (57%) dos pacientes entrevistados foram orientados sobre estes cuidados (Figura 6). 5 Foram orientados n:17 43% 57% Não foram orientados n:13 Figura 6: Pacientes que foram orientados quanto aos cuidados necessários durante o tratamento com benzodiazepínicos Dos 30 pacientes entrevistados, 18 (60%) dos pacientes receberam o medicamento na Farmácia Municipal e 12 (40%) adquiriram em drogarias. Discussão: Ao entrevistar os 30 pacientes da Clínica de Psicologia do NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família) da cidade de Santa Vitória-MG, notou-se que os entrevistados apresentaram idades extremamente variadas e uma distribuição equilibrada quanto ao sexo. A maioria tinha o 1º grau de escolaridade (1° grau) renda familiar semelhante, que variava de 1 a 3 salários mínimos. Todos os entrevistados receberam acompanhamento médico pelo Sistema Único de Saúde (SUS), porém 04 destes buscaram atendimento médico particular no início do tratamento com benzodiazepínicos. O uso de benzodiazepínicos tem sido responsabilidade de toda classe médica, desde o serviço de urgência até o especialista de medicina do sono, diferente do que foi detectado em nosso estudo, pois somente duas especialidades médicas foram responsáveis pelas prescrições de benzodiazepínicos na cidade de Santa Vitória, MG: psiquiatria e clínica geral. Esse resultado talvez seja decorrente do pequeno porte da cidade que possui uma população de 18 mil habitantes e não possui profissionais médicos de outras especialidades (POYARES et al., 2003). A maioria dos entrevistados utiliza os benzodiazepínicos para o tratamento da ansiedade e insônia. De acordo com a literatura, os transtornos de ansiedade estão entre os transtornos psiquiátricos mais frequentes na população em geral e sintomas ansiosos estão entre os mais comuns, podendo ser encontrados em qualquer pessoa em determinados períodos de sua existência (ANDRADE; GORESTEIN, 1998). Como os benzodiazepínicos são os principais ansiolíticos utilizados, a alta prevalência dos distúrbios ansiosos pode justificar a grande utilização desses fármacos. Muitos dos pacientes utilizam o medicamento por mais de um ano e de modo contínuo. O tempo de uso da medicação na maioria dos tratamentos não foi definido pelo médico prescritor, apenas alguns pacientes receberam 6 orientação de manter o tratamento por tempo determinado. Esses dados apontam para a necessidade de maior acompanhamento dos pacientes em uso de benzodiazepínicos, pois o uso continuado desses medicamentos dificilmente encontra indicação farmacológica, principalmente devido ao risco de causar dependência (BICCA; ARGIMON, 2008). Alguns pacientes tentaram interromper o tratamento sem orientação médica, porém não tiveram sucesso na suspensão do uso da medicação. Esta atitude demonstra que os pacientes não têm conhecimento sobre a interrupção do tratamento, ao suspenderem o uso apresentaram sintomas de abstinência ou retorno da doença. Embora os benzodiazepínicos sejam fármacos relativamente seguros, a interrupção do tratamento deve ser feita sob orientação médica, pois a interrupção sem orientação caracteriza abandono do tratamento, que pode ter graves consequências sobre o quadro clínico do paciente, por exemplo, exacerbação da sintomatologia decorrente da suspensão indevida do tratamento, bem como ao risco de surgimento de crises de abstinência (BICCA; ARGIMON, 2008). O diazepam foi o benzodiazepínico mais prescrito, o que pode ser devido a sua popularidade entre a classe médica. Apesar do seu alto índice de indicação, o diazepam é considerado inapropriado para o uso em muitas condições clínicas, pois apresenta meia-vida muito longa, que está associada a um aumento da incidência de sedação diurna, sendo que existem benzodiazepínicos com meia-vida mais curta (HUF et al., 2000). A questão da sedação diurna causa desconforto ao paciente, principalmente em idosos que fazem uso de vários medicamentos. Os benzodiazepínicos estão entre os medicamentos mais prescritos a idosos, sendo que o problema quanto ao conhecimento sobre os devidos cuidados em relação ao uso, apresenta-se maior em virtude de não estarem conscientes dos riscos agregados a estas drogas, o que os leva a ignorar a deterioração da atenção e da capacidade cognitiva (BICCA; ARGIMON, 2008). Os pacientes idosos precisam de melhor orientação sobre o uso da medicação, para que possam tomar precauções durante o uso e propiciar um tratamento eficaz e seguro. Muitos dos entrevistados não foram orientados quanto aos cuidados necessários durante o uso de benzodiazepínicos, que seriam: não ingerir bebidas alcoólicas, não operar máquinas, não dirigir, não realizar atividades que requeiram maior atenção, só interromper o uso da medicação sob orientação médica, pois os benzodiazepínicos atuam nos sistemas inibitórios do ácido-gama-amino-butírico (GABA), podendo levar a varias reações adversas como: sedação, fadiga, perdas de memória, sonolência, diminuição da atenção, entre outras (AUCHEWSKI et al.,2004). O curto tempo de consulta no sistema público de saúde faz com que o prescritor, muitas das vezes, não tenha oportunidade de melhor avaliar o paciente, podendo levar à repetição de prescrições prévias e prolongamento indevido do tratamento. No Brasil, a comercialização e prescrição de benzodiazepínicos são controladas pela Portaria SVS/MS 344 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1998). Porém esses fármacos permanecem sendo vendidos ilegalmente e utilizados incorretamente (MENDONÇA; CARVALHO, 2005). 7 Em nosso estudo, a maioria dos pacientes recebeu seus medicamentos gratuitamente, através da Farmácia Básica. A ampliação do acesso aos medicamentos é uma conquista muito importante no âmbito da saúde pública no Brasil, no entanto, há a necessidade que essa ampliação do acesso ao medicamento seja acompanhada por uma ampliação do acesso à orientação para o uso correto desses medicamentos, pois o uso inadequado pode levar a agravos à saúde tão severos ou ainda mais severos que o quadro clínico para o qual o medicamento foi prescrito inicialmente. Conclusão: Diante dos resultados obtidos na pesquisa, detectou-se que muitos pacientes não foram orientados quanto aos cuidados necessários na utilização de benzodiazepínicos e que o tempo de uso da medicação foi demasiadamente longo pela maioria dos pacientes. A falta de conhecimento predispõe ao uso inadequado de benzodiazepínicos, visto que o usuário não avalia os riscos aos quais se submete. Faz-se necessário uma particular atenção para com as orientações fornecidas aos pacientes em tratamento com benzodiazepínicos, para que tenham acesso às informações referentes às precauções de uso. Dessa maneira, a adequada orientação por parte dos médicos prescritores e a implantação de política de Assistência Farmacêutica efetiva, contemplando a dispensação orientada de fármacos na rede pública, podem resultar em uma melhora significativa no nível de conhecimento dos pacientes quanto aos medicamentos que utilizam e dessa maneira, a melhores resultados terapêuticos. 8 Referências: ANDRADE, L.H.S.G.; GORESTEIN, C. Aspectos gerais das escalas de avaliação de ansiedade. Rev Psiq Clin. v.26, n.5, p. 285-90,1998. AUCHEWSKI, L.; ANDREATINI,R.; GALDURÓZ, J.C.F.; LACERDA, R.B. Avaliação da orientação médica sobre os efeitos colaterais de benzodiazepínicos. Rev. Bras. Psiquiatr. v.26, n.1, p. 24-31,2004. BICCA, M.G.; ARGIMON, I.I.L. Habilidades cognitivas e uso de benzodiazepínicos em idosas institucionalizadas. J. Bras. Psiquiatr. v.57, n.2, p. 133-8, 2008. COELHO, F.M.S.; ELIAS, R.M.; POYARES, D.; PRADELLA-HALLIMAN, M.; BITTENCOURT, L.R.A.; TUFIK, S. Benzodiazepínicos: uso clínico e perspectivas. Rev. Bras. Med. v.63, n.5, p.196-200, 2006. HUF, G.; LOPES, C.S.; ROSENFELD, S. O uso prolongado de benzodiazepínicos em mulheres de um centro de convivência para idosos. Cad. Saúde Pública. v.16, n.2, p.351-362, 2000. MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil), Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Portaria 344: Regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Brasília: Ministério da Saúde, 1998. POYARES, D.; VIEIRA, S.B.; TUFIK, S. Insônia. Rev. Bras. Med. v.60, n.9, p.650-6, 2003. MENDONÇA, R.T.; CARVALHO, A.C.D. O consumo de benzodiazepínicos por mulheres idosas. Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. v.1, n.2, 2005 . Disponível em: http://www.revistas.usp.br/smad/article/view/38628/41475. Acesso em 12/09/2013. 9