Habilidade Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público Módulo 4. Saúde do Idoso Cassyano J Correr; Michel Otuki; Paula Rossignoli Outubro de 2010 OBJETIVO GERAL O Módulo IV – Saúde do Idoso – aborda condições crônicas mais importantes da geriatria e o papel do farmacêutico no manejo da farmacoterapia nesta população. O objetivo principal é capacitar o farmacêutico a identificar os problemas mais comuns ligados à farmacoterapia e promover ações de prevenção e assistência, voltados à melhoria dos resultados clínicos e da qualidade de vida dos idosos. Expediente: Guia de referência do curso “Habilidades Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público de Saúde” – Módulo IV – Saúde do Idoso Guia Elaborado por: Cassyano J. Correr Farmacêutico, Ph.D., M.Sc. Departamento de Farmácia Universidade Federal do Paraná - UFPR Michel F. Otuki Farmacêutico, Ph.D., M.Sc. Departamento de Ciências Farmacêuticas Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG Paula S. Rossignoli Farmacêutica, M.Sc. Núcleo de Ciências da Saúde Universidade Positivo - UP Organização : Comissão de Serviço Público – CRF-PR Coordenação Geral do Curso: Natália Maria Maciel Guerra Vice-Coordenação: Deise Sueli de Pietro Caputo Coordenação Didática: Cassyano Januário Correr Apoio: Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná – CRF-PR Associação Paranaense de Farmacêuticos – ASPAFAR Grupo de Pesquisa em Prática Farmacêutica UFPR Novembro de 2010 Curitiba, PR 2 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO A humanização do atendimento ao idoso O acolhimento do idoso na atenção primária Competência da equipe de saúde da família e a rede de atendimento ao idoso Farmacoterapia no paciente idoso As grandes síndromes geriátricas Instabilidade postural e quedas no idoso Incontinência urinária e fecal Insuficiência cerebral – incapacidade cognitiva Iatrogenia no idoso Imobilidade no idoso LEITURA COMPLEMENTAR RECOMENDADA Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso. Brasília: MS, 2003. 70 p. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/estatuto_do_idoso.pdf Martínez FM, Dáder MJF (Org.). Seguimiento farmacoterapéutico y educación sanitaria en pacientes con edad avanzada. Granada: UGR, 2007. 161 p. Disponível em: http://www.atencionfarmaceutica-ugr.es/ 3 O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL BRASILEIRO: ASPECTOS DEMOGRÁFICOS, EPIDEMIOLÓGICOS E SOCIAIS1 O aumento da representatividade dos idosos2 é um fenômeno mundial que afeta tanto países desenvolvidos como em desenvolvimento. O Brasil ocupa posição de destaque nesse cenário internacional. Estima-se que entre 1950 e 2025, a população de idosos no Brasil crescerá 16 vezes contra 5 vezes a população total, o que nos colocará em termos absolutos como a sexta população de idosos no mundo, isto é, com mais de 32 milhões de pessoas com 60 anos e mais (BRASIL, 2001; FAUSTO, 2002), crescimento comparável somente ao do México e Nigéria (BRASIL, 2001). Se tomarmos como exemplo a França, 115 anos deverão transcorrer antes que a proporção de idosos duplique, passando de 7% para 14% (85 anos transcorrerão na Suécia, 66 anos nos EUA), aqui o mesmo fenômeno deverá ocorrer em apenas 30 anos (CHAIMOWICZ, 1997). Projeções estatísticas, ainda, demonstram que a população de idosos passará de 7,3% em 1991 (11 milhões) para cerca de 15% em 2025 (BRASIL, 2001) e 14,2% em 2050 (CHAIMOWICZ, 1997). Num país continental como o Brasil, observa-se, além disso, diferenças regionais características na população idosa e suas famílias (BRASIL, 2002). Na região Sudeste, por exemplo, a população com mais de 60 anos saltou de 4% para 8,6% entre 1940 e 1996 (CAMARANO; PASCOM, 2000). Na região Sul, a participação dessa faixa etária subiu de 2,2% em 1970 para 5,2% em 2000 no Estado do Paraná (PARANÁ, 2001), e para 6,33% da população total na capital, Curitiba (BRASIL, 2000). Essa mudança demográfica acarreta profundas alterações nos perfis epidemiológico e social do país, criando a necessidade de adequações em praticamente todas as áreas, mas principalmente no setor de saúde. A transição demográfica brasileira, ocorrida principalmente no século XX e início do século XXI, pode ser dividida em quatro etapas (BRASIL, 2001): 1) Alta fecundidade / alta mortalidade: no início do século, a população brasileira era extremamente jovem, sendo a faixa etária com menos de 15 anos responsável por 42 a 46 % do total e os idosos por, somente, 2,5 % (CHAIMOWICZ, 1997). As taxas de nascimentos eram muito altas, porém eram compensadas por coeficientes de 1 Texto elaborado por Cassyano J Correr; Para efeito deste trabalho, será considerada a definição da Política Nacional do Idoso (BRASIL, 1996) em que são consideradas idosas pessoas com 60 anos ou mais. Nos estudos citados em que a faixa de idade amostrada for diferente, esta será citada. 2 4 mortalidade também altos, de 29,1 por mil em 1900 e 24,4 por mil em 1940. A população se mantinha mais ou menos estável. Com grande porcentagem de jovens na população. 2) Alta fecundidade / redução da mortalidade: A taxa de mortalidade passou a diminuir consideravelmente em relação à etapa anterior (MOREIRA, 2000). Somente na década de quarenta, houve uma queda de 13% nessa taxa, contra 16% de queda total nas quatro décadas anteriores (Tabela 1), sendo essa redução devida principalmente à queda da mortalidade infantil. Houve, em contrapartida, um grande crescimento da população, que saltou de 41 para 93 milhões de habitantes entre 1940 e 1970 (média=2,8% ao ano), às custas da população jovem. (CHAIMOWICZ, 1997) Esse período foi chamado “Baby Boom” e ocorreu no Brasil nas décadas de 40 e 50. 3) Redução da fecundidade / mortalidade continua a cair: A partir de 1960, começou o envelhecimento populacional brasileiro, devido à queda da fecundidade, ocorrida inicialmente em algumas regiões mais desenvolvidas do país (MOREIRA, 2000). A taxa de fecundidade total (número médio de filhos que uma mulher teria ao terminar o período reprodutivo, em determinado local e época) caiu de 5,8 para 2,7 filhos por mulher entre 1970 e 1991 (CHAIMOWICZ, 1997). Isso gerou uma diminuição do crescimento populacional total, com conseqüente aumento da porcentagem de adultos jovens, nesse período. O índice de envelhecimento populacional (maiores de 64 anos x 100 / menores de 1 5 anos), entretanto, subiu de 6,4 (1960) para 13,9 (1991) (CHAIMOWICZ, 1997). 4) Fecundidade continua a cair / mortalidade continua a cair em todas as faixas etárias: A partir do ano 2000, até 2050, deverá se observar o mais rápido incremento na proporção de idosos brasileiros jamais vista. Deverá haver um salto de 5,1% para 14,2 %, em 2050. Em 2020, essa população deverá ser de 7,7% (CHAIMOWICZ, 1997). A quantidade total da população porém deverá entrar em um certo equilíbrio, devido também à persistente redução das taxas de fecundidade. Segundo o mesmo autor, essa queda será de 2,6 para 2,2 entre os períodos de 1995-2000 e 2015-2020. Por volta de 2080, a proporção de jovens e idosos deverá se estabilizar, com 20% e 15% do total, respectivamente. A partir de então, novos incrementos na proporção de idosos dependerão da redução da mortalidade após os 64 anos. Poderemos, então, chegar no ponto em que a taxa de nascimento cai mais que a taxa de mortalidade, tendo assim um crescimento negativo da população, como acontece hoje na Dinamarca, Hungria e Canadá (BRASIL, 2001). Em termos relativos, a fecundidade responde por 5 quase 70% do movimento de envelhecimento demográfico nacional, enquanto outros fatores como a mortalidade, a inércia populacional e a interação desses fatores respondem em torno de 10% cada um, respectivamente (MOREIRA, 2000). A tabela 1 demonstra a progressão da expectativa de vida ao nascer ao longo dos anos. TABELA 1- EXPECTATIVA DE VIDA AO NASCER 1900 1935 1950 1960 1980 2000 2025 33,7 anos 39 anos 43,2 anos 55,9 anos 63,4 anos 68,5 anos 72 anos +12 anos +7,5 anos +5 anos +3,5 anos FONTE: BRASIL. Ministério da Saúde. Programas e projetos: Programa de saúde do Idoso. Brasília, 2001. Acompanhando a mudança demográfica, ocorrem também profundas alterações no perfil epidemiológico da população. A essas alterações dá-se o nome de transição epidemiológica 3. Essas mudanças nos perfis de saúde caracterizam-se pelo predomínio das enfermidades crônicas nãotransmissíveis e a importância crescente dos fatores de risco para saúde. Segundo CHAIMOWICZ (1997), esse processo engloba três mudanças básicas: 1) Substituição, entre as primeiras causas de morte, das doenças transmissíveis por doenças não transmissíveis e causas externas. 2) Deslocamento da maior carga de morbi-mortalidade dos grupos mais jovens aos grupos mais idosos. 3) Transformação de uma situação em que predomina a mortalidade para outra em que a morbidade é predominante. As doenças infecto-contagiosas que representavam, em 1950, 40% das causas de morte, não chegaram a 10% das causas no ano 2000; enquanto isso, as doenças cardiovasculares saltaram de 12% para 40% das causas identificadas (BRASIL, 2001). A maior prevalência dessa classe de enfermidades na terceira idade faz com que essa parcela da população carregue consigo uma maior carga de morbimortalidade em relação aos mais jovens. De um modo geral, indivíduos idosos são portadores de múltiplos problemas médicos coexistentes, portando, em média, maior número de condições crônicas. A incidência simultânea de problemas (ex. osteoartrite, dispnéia de esforço ou 3 Esse conceito refere-se às modificações, a longo prazo, dos padrões de morbidade, invalidez e morte que caracterizam uma população específica e que, em geral, ocorrem em conjunto com outras transformações demográficas, sociais e econômicas (CHAIMOWICZ, 1997). 6 diminuição da acuidade visual) aumenta em média de 4,6 para 5,8 entre os 65 e 75 anos de idade (CHAIMOWICZ, 1977). Somada a essas constatações, as observadas quedas nas taxas de mortalidade, ocorridas no Brasil em praticamente todas as faixas etárias, desde a década de 50 até os dias de hoje (BRASIL, 2002), fazem com que cada vez mais idosos convivam com esses problemas crônicos. Isso produz significativo impacto na saúde desses indivíduos, fazendo com que prevaleçam situações de morbidade e controle de enfermidades crônicas, com evidente e prevalente diminuição da autonomia4. Um dos grandes desafios gerados por essa mudança epidemiológica constitui o financiamento do setor saúde (BRASIL, 2001; FAUSTO 2002; OPAS,1998; CHAIMOWICZ, 1997). A necessidade de avaliações globais e mais complexas, a maior incidência de internações e procedimentos de alta tecnologia e a maior demanda por profissionais sanitários especializados faz com que a necessidade de investimentos em saúde sejam potencialmente infinitos, contra recursos sabidamente limitados. No Brasil, vários estudos têm relatado o impacto econômico da população idosa no Sistema Único de Saúde (SUS). Do valor total pago pelo SUS em hospitalizações em 1997, 23,9% foi consumido pelos idosos, 19,7% pela faixa de 0-14 anos e 57,1% pela de 15 a 59 anos (BRASIL, 2001). O custo médio por internação se elevou de U$ 83,4 em 1984 para U$ 268,0 em 1997, sendo os maiores valores aqueles destinados à faixa etária de 60 a 69 anos (aproximadamente U$ 350,0 por internação) (CHAIMOWICZ, 1997). Do total de 12,7 milhões de internações hospitalares realizadas pelo SUS em 1995, quase 17% corresponderam a pessoas de 60 anos ou mais, com taxa de 197 internações por 1000 habitantes. Valores bastante altos em relação à outras faixas etárias (0-14 anos: 53/1000; 15-59 anos: 93/1000) (OPAS, 1998). Além disso, o tempo de permanência de idosos quando internados é significativamente maior, sendo de 7,1 dias para indivíduos de 60 anos ou mais, 5,5 dias de 0 a 15 anos e 5 dias de 15 a 59 anos (OPAS, 1998). O gasto com medicamentos também possui representatividade bastante relevante. Em estudo realizado em Belo Horizonte, dentre os indivíduos idosos que recebiam até um salário mínimo em 1992 (um terço do total pesquisado), mais da metade gastava parte considerável de sua renda (18,6%) com medicamentos. Ainda segundo o estudo, como conseqüência dessas dificuldades, 25% desses indivíduos utilizava medicamentos sem receita médica, a mesma proporção observada no Rio de Janeiro (CHAIMOWICZ, 1997). Se considerarmos o aumento dos preços dos medicamentos em relação à inflação, constataremos que de lá para cá, provavelmente a situação tenha se agravado. Em dez anos (1989-1999), os preços dos medicamentos aumentaram cerca de 50% acima da inflação 4 Exercício da autodeterminação e independência funcional, como a capacidade do indivíduo em realizar suas atividades diárias, como vestir, comer, banhar-se, etc. (BRASIL, 2001) 7 (SERRA, 2000). Temos que considerar ainda que o gasto com medicamentos inclui, além dos gastos diretos de aquisição, os gastos indiretos causados pelos Problemas Relacionados aos Medicamentos (PRM), tema que será aprofundado ao longo do curso. A SAÚDE DO IDOSO NO BRASIL Nas últimas duas décadas a saúde e condições de vida da faixa etária idosa no Brasil alcançou sensível melhora, coincidente com os avanços nas taxas de mortalidade, na tecnologia médica e na universalização da seguridade social (BRASIL, 2002). Esses avanços porém, não são suficientes para que possamos suprir o aumento das necessidades desses indivíduos com os próximos anos. Além disso, a melhoria de diversos indicadores não reflete uma elevação linear nas condições da população, mas, muitas vezes, pequena melhora em condições extremas de pobreza e desigualdade. As principais causas de óbitos em idosos, em levantamento de 1994. Foram: 1) aparelho respiratório (14%), 2) neoplasias (16%) e 3) aparelho circulatório (47%), sendo as doenças cerebrovasculares (34%) e a cardiopatia isquêmica (28%) as mais prevalentes (OPAS, 1998). Esses números refletem a mudança epidemiológica anteriormente citada. O modelo atual de assistência, porém, não se encontra totalmente adequado às necessidades dos idosos. A infra-estrutura necessária para responder às demandas deste grupo etário em termos de instalações, programas específicos e mesmo profissionais da saúde adequados quantitativa e qualitativamente, ainda é precária (BRASIL, 2001). Como exemplo, temos que no Brasil, em 1994, 60,4% de todos os atestados incluídos na categoria SSAMD (sinais, sintomas e afecções mal definidas) referiam-se aos óbitos de idosos, refletindo as deficiências na notificação (ou no atendimento) desta parcela da população (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997). A não preocupação ou a não identificação de problemas típicos da terceira idade representa também um aspecto da freqüente ineficiência do sistema. Estima-se que condições prevalentes em geriatria (depressão maior, hipotensão ortostática, fecaloma, lesões da cavidade oral e incontinência urinária) cursam em grande parte sem diagnóstico (CUNHA et al., 2002). Em trabalho realizado na cidade de Rio Grande - RS, através da consulta de prontuários médicos, e confirmado de maneira consistente por diversos outros estudos no país, evidenciou-se essa realidade: 8 a) A Incontinência Urinária, de prevalência constatada de 31,4%, somente em 21,8% do casos foi diagnosticada. Em 78,2% não havia nenhum registro no prontuário hospitalar. De todos os casos, ainda, somente 8% recebeu algum tipo de cuidado (sonda ou coletor de urina) e nenhum paciente (0%) teve a incontinência investigada. b) A Instabilidade postural e as quedas, com prevalência de 18,8% na população estudada, não recebeu diagnóstico em nenhum caso. c) A Imobilidade, presente em 18,4% foi diagnosticada em somente 31,4% dos pacientes. d) A Demência e o Delirium, com 5% e 6,1% de prevalência, respectivamente, não foram diagnosticados em nenhum dos casos. e) A Depressão Maior, presente em 10,1% dos idosos, recebeu diagnóstico, neste estudo, somente em 1 (um) caso, e ainda assim sem tratamento. Observou-se, ainda, que todos os pacientes deprimidos estavam fazendo uso de pelo menos um fármaco que comprovadamente precipita ou piora a depressão. (BRASIL, 2001) Em outro estudo feito em Belo Horizonte, em Hospital Geral, randomizado, com 202 idosos hospitalizados, a prevalência de Depressão Maior foi de 8,9%. Destes, porém, somente 3 pacientes receberam diagnóstico médico de depressão e somente 1 paciente fazia uso de antidepressivo (mianserina, 30mg/dia – Tolvon®). Por outro lado, 8 dos 15 deprimidos não diagnosticados faziam uso de fármacos potencialmente causadores de depressão (BRASIL, 2001). A Doença de Alzheimer, que atinge dois milhões de idosos somente nos EUA e responde por um gasto anual de mais de 40 bilhões de dólares (BUTLER, 1994), foi estimada no Brasil como sendo responsável por entre 10.000 e 13.500 mortes, em 1994. Dessas porém, somente foram registradas 391 (378 em domicílio e 13 em hospitais) (BRASIL, 2001). A abundância de diagnósticos incorretos ou mesmo corretos não raro provoca outros problemas comuns em pacientes idosos como o uso inadequado de fármacos e a polifarmácia. A prescrição do idoso deve considerar, além das particularidades da farmacocinética e farmacodinâmica desta faixa etária, o custo e as dificuldades em se obter adesão ao tratamento (CHAIMOWICZ, 1997). O caso clínico abaixo, relatado por esse autor, demonstra bem esse problema: MCM, sexo feminino, 68 anos, utilizando 50mg de Hidroclorotiazida diariamente (dose em geral elevada para idosos) para o tratamento de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) (incorretamente diagnosticada, com valores de 160/90 mmHg [sic] ) retorna ao médico queixando “sensação de cabeça vazia” (causada pela hipotensão postural iatrogênica) e omite o surgimento de incontinência urinária (provocada pelo diurético). Não diagnosticada 9 a hipotensão postural, é prescrito Cinarizina (droga não inócua, amplamente utilizada como placebo em idosos) para “sensação de cabeça vazia” e 10mg diários de Diazepam (dose excessiva de um Benzodiazepínico de ação prolongada) para o tratamento (incorreto) de “depressão”. A paciente se torna sonolenta e começa a passar grande parte do tempo deitada em sua cama, o que traz certo alívio para a família, que passa a ter “menos trabalho” com a paciente. Dez dias depois, ao se levantar rapidamente para tentar urinar no banheiro, apresenta síncope e sofre queda. Por possuir massa óssea bastante reduzida, a queda provoca fratura no colo do fêmur. Após correção cirúrgica da fratura permanece acamada por vários dias. Ao final dos primeiros quinze dias de internação já apresenta úlceras de pressão. Sem perspectivas de transferência para um centro de reabilitação devido à falta de vagas e rejeitada pela família, que não tem meios para cuidar de alguém tão dependente, é encaminhada, após dois meses de internação, a um asilo com dezenas de idosos, visitado regularmente (2 horas/semana) por médico voluntário. Permanece acamada várias semanas e falece alguns dias após internação em CTI devido a episódio de tromboembolismo pulmonar, cujas manifestações de dispnéia, tosse e hemoptise foram indevidamente tratadas com antibióticos no asilo. Algumas distorções no sistema de atendimento também fazem com que os recursos sejam mal utilizados ou direcionados de forma não satisfatória. Estudo realizado pela Escola Paulista de Medicina no serviço de Pronto Atendimento do Hospital São Paulo demonstrou que o idoso procura, freqüentemente em primeiro lugar, a porta do pronto socorro. Nesse estudo, ficou claro que a grande maioria dos paciente não apresentava problemas urgentes de saúde. Esta distorção, além de custar caro, não resolve os problemas do idoso que, em geral, são múltiplos e crônicos, necessitando continuidade no tratamento, o que não se consegue em serviços destinados aos atendimento de urgências e emergências (BRASIL, 2001). A falta existente de serviços domiciliares e/ou ambulatoriais adequados faz, muitas vezes, com que o primeiro atendimento se dê em estágio avançado no hospital, aumentando os custos e diminuindo a possibilidade de um prognóstico favorável. Os problemas de saúde dos mais velhos, além de serem de longa duração, requerem pessoal qualificado, equipe multidisciplinar, equipamentos e exames complementares (BRASIL, 2001). 10 ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS DO ENVELHECIMENTO Ao longo dos anos, o organismo humano sofre inúmeras alterações fisiológicas que tendem a alterar sua capacidade funcional e algumas das características comuns da idade adulta. Esse processo de envelhecimento orgânico, porém, não necessariamente estará acompanhado do surgimento de doenças, perda da autonomia ou diminuição na qualidade de vida. Neste caso, ele pode ser denominado “envelhecimento bem sucedido” e refere-se àqueles indivíduos que demonstram somente diminuições fisiológicas com o passar dos anos e, nos quais, as alterações determinadas pela idade não são complicadas por doenças, exposições ambientais e fatores associados pelo estilo de vida (por exemplo, dieta e exercícios) (SCHNEIDER; ROWE, 1994). Isto representa uma forma de envelhecimento em que o risco do surgimento de doenças é menor e demonstra que componentes anteriormente associados ao envelhecimento normal eram na verdade fatores evitáveis ou reversíveis. O “envelhecimento usual”, por sua vez, é atribuído ao processo de envelhecimento orgânico combinado ao efeito de doenças, fatores ambientais e estilo de vida, que juntos determinam um estado de saúde significativamente inferior. Durante o processo do envelhecimento, a mudança mais importante é a perda da capacidade celular de se recuperar de agressões. Essa perda de capacidade homeostática faz com que a manutenção dos valores fisiológicos normais durante as situações de stress fique prejudicada. Do ponto de vista macroscópico pode-se notar a diminuição do volume geral dos tecidos, com aumento da quantidade de tecido adiposo profundo e redução de tecido adiposo superficial. Outras mudanças significativas podem ser citadas nas funções cardiovascular, do sistema nervoso central (SNC), renal e hepático, na composição corpórea, na sensibilidade do tecido aos medicamentos e em uma menor sensibilidade reflexa baroceptora. O coração pode sofrer uma diminuição tanto de peso como de volume. Há aumento moderado da espessura das paredes do ventrículo esquerdo, ainda que só exacerbado em indivíduos hipertensos. O tamanho do átrio esquerdo também aumenta com a idade e parte do componente miocítico é substituído por tecido fibroso. Além disso, os miócitos restantes tendem a sofrer uma hipertrofia, aumentando de tamanho. As doenças cardíacas isquêmicas (DCI) sintomática e assintomática, que são prevalentes em indivíduos idosos em países mais desenvolvidos, podem resultar em redução da função ventricular, sem doença cardíaca evidente. Como resultado, em muitos indivíduos idosos, há 11 uma redução gradual e assintomática do débito cardíaco, ligada a uma queda gradual no volume sangüíneo (LOWENTHAL, 1994). Observa-se também uma modificação na constituição do sangue, ocorrendo, de forma geral, uma redução na quantidade de proteínas plasmáticas, principalmente a albumina. Paralela a essa diminuição, a α1-glucoproteína tem sua concentração plasmática aumentada. Essas alterações séricas são causas de importantes modificações farmacocinéticas, como se descreverá adiante. A composição corpórea do indivíduo idoso também se altera. Observa-se uma aumento considerável do componente lipídico corpóreo e uma diminuição da massa muscular. Isso faz com que a relação entre a massa muscular e lipídica se altere, a ponto de haver uma prevalência da segunda em detrimento da primeira. A atividade e tensão musculares também estão diminuídas, sendo o período de relaxamento maior que o de contração muscular. O número de célula nervosas, os neurônios, também diminuem com o passar dos anos. Essa perda do sistema nervoso central (SNC), porém, não é igual para todas as partes do cérebro e algumas áreas, como o tronco encefálico, tem se mostrado mais resistentes. O tamanho e peso do cérebro tendem à diminuição e há uma queda generalizada da sensibilidade (gustativa, dolorosa, etc.). Em alguns indivíduos, há o aparecimento do tremor senil. A massa óssea sofre uma involução num processo conhecido por desmineralização. O aumento da atividade osteoclástica associado à deficiência de cálcio são determinantes nessa perda óssea. Na mulher, a perda pode chegar à 25 %. Ao longo dos anos, os indivíduos idosos tendem a apresentar uma redução em suas estaturas, que pode ser atribuída ao estreitamento dos discos vertebrais e ao surgimento de cifose (curvatura da coluna vertebral de convexidade posterior) dorsal. Ocorre também desgaste das articulações dos membros inferiores que, aliado às alterações vertebrais, leva a uma alteração da estabilidade torácica, do equilíbrio, do alinhamento corporal e da marcha ao caminhar. O espaço articular, de forma geral, sofre diminuição na quantidade de água e tecido cartilaginoso, fazendo com que surjam dores nas articulações e limitação dos movimentos. O tecido cutâneo (pele) sofre modificação em sua permeabilidade. Há diminuição das respostas imunológica e inflamatória, decorrente da redução da vascularização cutânea e conseqüente processo de cicatrização (formação de tecido fibroso). O produção de vitamina D ativa (calcitriol) está reduzida e, do ponto de vista macroscópico, nota-se aumento da palidez do tecido superficial. No aparelho digestório, há espessamento da parede do cólon e aparição de vasos sangüíneos varicosos. A mobilidade gástrica e os movimentos peristálticos estão diminuídos, assim como o 12 tônus muscular da parede abdominal. A irrigação sangüínea do estômago encontra-se prejudicada e ocorre atrofia da mucosa gástrica. Todos esses fatores contribuem para aumentar as dificuldades digestórias (digestivas) do idoso. Além disso, outras alterações também prejudicam essa função, incluindo a diminuição do tamanho e funcionalidade do fígado, o retardo no esvaziamento vesicular e espessamento da bile e a diminuição na produção de saliva, que pode gerar sintomas de secura bucal. A função hepática, importantíssima no metabolismo de fármacos, encontra-se alterada em algumas funções e inalterada em outras. Sua capacidade geral de metabolização, porém, encontra-se diminuída, devido à redução no fluxo sangüíneo hepático. As reações de oxidação encontram-se comprometidas, enquanto reações de conjugação, acetilação e metilação praticamente não sofrem alteração. Como se descreverá adiante, medicamentos de eminente metabolização hepática tendem a ter suas meias-vidas plasmáticas aumentadas, elevando seus efeitos terapêuticos e tóxicos. Ainda assim, em indivíduos saudáveis, a capacidade funcional do fígado (incluindo o metabolismo de fármacos) encontra-se conservada. Ao contrário da função hepática que, apesar das alterações da idade, mantém uma capacidade funcional adequada às necessidade do organismo, o sistema renal encontra-se sensivelmente prejudicado nos indivíduos idosos. A queda na massa renal gira ao redor dos 30% e as alterações escleróticas nas artérias renais de grande calibre, principalmente nos hipertensos, faz com que o fluxo sangüíneo renal caía em torno de 33%. Isso gera uma perda no volume final e na capacidade de concentrar a urina. A idade também traz prejuízo à funcionalidade do esfíncter da uretra e ao tônus da bexiga, que se vêem reduzidos. Isso faz aumentar a presença de urina residual e eleva a chance de surgimento de infecções do trato urinário (ITU) incluindo cistites (infecção ao nível da bexiga) e, em casos mais graves, nefrites (infecção a nível renal). O sistema imunológico tem sua capacidade de defesa diminuída, principalmente no nível celular (imunidade celular). Isso gera uma redução das reações de hipersensibilidade do tipo tardia. Há uma queda na produção de anticorpos que também afeta, em grau variável, as reações de imunidade humoral. 13 A FARMACOTERAPIA NO IDOSO As alterações fisiológicas que acompanham o envelhecimento fazem com que a resposta do organismo às substâncias farmacologicamente ativas, ou fármacos, seja diferente daquela demonstrada nos indivíduos jovens ou adultos. Aspectos da farmacocinética (aquilo que o organismo produz sobre o fármaco) e da farmacodinâmica (aquilo que o fármaco produz sobre o organismo) encontram-se sensivelmente alteradas, porém, não de forma linear para todos os fármacos, mas variavelmente para todos eles. Essas alterações fazem com que as necessidades do idoso perante os medicamentos sejam diferentes daquelas apresentadas pela criança, jovem ou adulto. Na maioria dos casos são necessários ajustes terapêuticos para que o tratamento farmacológico seja efetivo e seguro para o paciente. Esses ajustes, porém, também não devem ser tratados de forma linear, pois, apesar do que se imagina, a terceira idade não constitui um grupo homogêneo em que o que é bom para uns é bom para todos (TEIXEIRA; LEFÈVRE, 2001), e pode, muitas vezes, apresentar respostas imprevisíveis aos tratamentos medicamentosos (CUNHA et al., 2002). Na verdade, deve-se entender o envelhecimento como uma continuação natural da idade adulta e deve-se buscar ao máximo a personalização dos tratamentos farmacológicos de modo que diferentes demandas sejam adequadamente atendidas. Apesar de todo avanço científico das últimas décadas, as alterações farmacológicas do envelhecimento ainda não são totalmente compreendidas e isso tem se dado por diversas razões, incluindo uma alta complexidade na interpretação de dados, aspectos éticos e bioéticos da realização de ensaios clínicos em idosos, entre outros. Pode-se afirmar porém que, de modo geral, os idosos são mais sensíveis aos efeitos dos medicamentos - terapêuticos e tóxicos -, incluindo o surgimento de Reações Adversas a Medicamentos (RAM) e apresentam maior risco de desenvolvimento de interações medicamentosas clinicamente relevantes, dada a maior freqüência no uso de vários medicamentos simultaneamente (polifarmácia) e a presença de várias patologias diagnosticadas. Os diagnósticos mais freqüentes entre os idosos com mais de 75 anos incluem: 1. Hipertensão Arterial essencial 2. Doença cardíaca isquêmica crônica 14 3. Diabetes mellitus 4. Osteoartrite e distúrbios afins 5. Catarata 6. Insuficiência cardíaca 7. Disritmias cardíacas 8. Artropatias, outras e inespecíficas 9. Glaucoma 10. Doença cardíaca hipertensiva (SCHECHTER; ERWIN; GERBINO, 1994) Os Grupos terapêuticos mais indicados, segundo levantamento dos mesmos autores, são os seguintes: 1. 2. 3. 4. 5. 6. Agentes cardiovasculares Diuréticos Analgésicos Agentes gastrointestinais Antidiabéticos Complemento/substituição de potássio. O uso de benzodiazepínicos (BDZs) também tem se mostrado muito freqüente entre idosos, tanto na comunidade como em instituições geriátricas, variando de 9,9% a 24%. Esses agentes são responsáveis muitas vezes por efeitos adversos como sedação diurna, confusão, agressividade e agitação. As quedas e eventuais fraturas estão fortemente associadas ao uso de BDZs. Esse uso prevalente, e muitas vezes desnecessário, tem ocorrido a despeito da escassez de estudos sobre o tratamento da ansiedade em idosos (BOTTINO, CASTILHO, 1999). Por esses motivos (polifarmácia e pluripatologias), os idosos normalmente não são incluídos no processo de desenvolvimento e aprovação de sucessivos fármacos que são introduzidos no mercado. E isso limita muito a aquisição de conhecimento sobre o uso desses medicamentos em idosos. Desde 1989, a Food and Drug Administration (FDA), agência norte-americana responsável pelo controle de alimentos e medicamentos nos EUA, tem recomendado a inclusão desses grupos nesses estudos, porém sem grande sucesso (LARRIÓN, 1995). Assim, a abordagem terapêutica nos idosos tem se baseado, até o momento, predominantemente pelas impressões clínicas, testes-erros e em deduções empíricas através de modificações aleatórias de doses, baseadas em alterações já conhecidas na fisiologia do sujeito da terceira idade. 15 AS MODIFICAÇÕES FARMACOCINÉTICAS As modificações farmacocinéticas incluem aquelas alterações sobre a absorção, distribuição, ligação ou localização nos tecidos, biotransformação e excreção. De uma maneira geral o que se observa é uma deterioração de cada uma dessas etapas, resultando num prolongamento da vida média, ou meia-vida, dos fármacos. O quadro 1 traz algumas alterações fisiológicas e bioquímicas no idoso que interferem na farmacocinética. QUADRO 1 - ALTERAÇÕES RELACIONADAS À IDADE QUE AFETAM A FARMACOCINÉTICA Componente ou função corpórea Direção da alteração Função Renal ↓ Fluxo sangüíneo hepático ↓ Albumina sérica ↓ Glicoproteína alfa-1-ácida ↑ Gordura corpórea ↑ Massa muscular ↓ Volume hídrico ↓ FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de Geriatria. São Paulo: Roca, 1994. ABSORÇÃO A absorção descreve a velocidade com a qual os fármacos deixam seu local de administração (Ex. via oral estômago e intestino) e a magnitude com que isto ocorre. Todavia, o parâmetro denominado biodisponibilidade5, e não propriamente a absorção, é o que mais interessa e preocupa os profissionais no manejo dos medicamentos e pacientes (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991). Entre os fatores que podem influenciar a biodisponibilidade dos fármacos estão aqueles de ordem anatômica, fisiológica e anatomopatológica. Assim, no momento da escolha da via de administração de um medicamento (quadro 2) , é preciso se ter em conta a relação existente entre estes fatores e a velhice. 5 Biodisponibilidade é a medida da quantidade de fármaco, contida em uma fórmula farmacêutica, que chega à circulação sistêmica e da velocidade na qual ocorre esse processo (BRASIL, 2001). 16 QUADRO 2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS VIAS DE ADMINISTRAÇÃO COMUNS Via Padrão de absorção Utilidade especial Limitações e precauções Intravenosa Absorção evitada Uso de emergência Maior risco de efeitos colaterais Efeitos potencialmente Permite titulação da dose É preciso injetar lentamente, via imediatos Adequada para injeção de de regra grandes volumes e Inconveniente para soluções substâncias irritantes, oleosas ou substâncias quando diluídas insolúveis Subcutânea Imediata, a partir de Adequada para algumas Inadequada para grandes soluções aquosas suspensões insolúveis e volumes Lenta e persistente, a para implantação de Possível dor e necrose por partir de apresentações de pellets sólidos substâncias irritantes liberação prolongada Intramuscular Imediata, a partir de Adequada para volumes Contra-indicada durante o uso soluções aquosas moderados, veículos de anticoagulantes Lenta e persistente, a oleosos e algumas Pode interferir na interpretação partir de apresentações de substâncias irritantes de determinados exames liberação prolongada diagnósticos (ex. creatinaquinase) Via oral Variável; depende de Mais conveniente e Exige a cooperação do paciente muitos fatores econômica, geralmente A disponibilidade é mais segura potencialmente errática e incompleta no caso de fármacos serem pouco solúveis, lentamente absorvidos, instáveis ou muito metabolizados pelo fígado FONTE: BENET, L.Z. MITCHELL, J.R. LEWIS, B.S. Farmacocinética: A Dinâmica da Absorção, Distribuição e Eliminação dos Fármacos. In: GILMAN, A.G. RALL, T.W. NIES, A.S. TAYLOR, P. (Ed.). Goodman & Gilman: As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 8ª Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. Em condições normais, a absorção dos nutrientes contidos nos alimentos e dos fármacos permanecem inalteradas ao longo dos anos. Isso ocorre a despeito das alterações fisiológicas ocorridas com o envelhecimento orgânico, citadas anteriormente. As principais alterações fisiológicas da terceira idade, relacionadas ao aspecto da absorção, são a elevação do pH gástrico e o menor fluxo de sangue gastrointestinal. Outros fatores, porém, podem alterar a absorção de fármacos, sendo algumas delas bastante comuns na terceira idade. A absorção pode ser alterada por deficiências nutricionais, gastrectomia parcial, interações medicamentosas com laxantes, agentes que diminuem o esvaziamento gástrico (anticolinérgicos, Antihipertensivos, etc.) ou antiácidos (LOWENTHAL, 1994). Os antiácidos, por exemplo, podem diminuir em 25% a absorção da digoxina, que, por sua vez, é comumente utilizada na terapêutica geriátrica como cardiotônico e antiarrítmico (KOROLKOVAS, 1998). 17 DISTRIBUIÇÃO A distribuição dos fármacos ocorre após este ser absorvido ou injetado na corrente sangüínea. Essa distribuição ocorre para os líquidos intersticial (líquido entre as células) e celular (líquido dentro das células). Órgãos como o fígado, os rins, o coração, o cérebro, entre outros bem perfundidos recebem a maior quantidade dos fármacos após os primeiros minutos da sua absorção. A musculatura, as vísceras em geral, a pele e o tecido adiposo recebem o fármaco mais lentamente, levando de minutos a algumas horas para atingir um estado de equilíbrio dinâmico (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991). Numa Segunda fase da distribuição ocorre a difusão dos fármacos para os tecidos, onde estes alcançarão seus locais de ação. O grau de distribuição de um fármaco para os tecidos determinará a qualidade e magnitude de seu efeito farmacológico. Assim, nas situações em que o fármaco não alcance satisfatoriamente seu local de ação, o efeito farmacológico estará prejudicado. Entre os fatores que podem influenciar esta fase estão a propriedade do fármaco (hidro ou lipossolubilidade) e a extensão de sua fixação às estruturas carreadoras plasmáticas (hemáceas ou proteínas). As principais proteínas relacionadas ao transporte de medicamentos são a albumina, a alfa-1glicoproteína, as lipoproteínas e as gamaglobulinas (LABAUNE, 1993). Os fármacos que tem alta afinidade de ligação à albumina, terão sua fração livre aumentada (com conseqüente aumento do efeito farmacológico), devido à diminuição da quantidade de albumina plasmática, com a idade. Entre eles pode-se citar a Varfarina (Marevan ®), Diazepam (Diazepan ®), Lorazepam (Lorax ®), Fenitoína (Hidantal ®), Fenilbutazona (Butazona Cálcica ®), Meperidina (Dolantina ®) e Disopiramida (Dicorantil®) (LOWENTHAL, 1994). Fármacos de características básicas que se ligam preferencialmente à alfa-1-glicoproteína, por sua vez, terão sua fração livre diminuída (com conseqüente diminuição dos efeitos farmacológicos), visto essa proteína geralmente estar aumentada na terceira idade. Com o aumento da massa lipídica em relação à massa muscular, comum nos idosos, aqueles fármacos de características lipossolúveis (ex. Benzodiazepínicos) terão facilidade em alcançar e se acumular nos tecidos. Isso acarretará um efeito mais potente desses fármacos e um acúmulo que poderá diminuir sua velocidade de eliminação, com conseqüente aumento da meia-vida. 18 BIOTRANSFORMAÇÃO A biotransformação é a etapa da farmacocinética onde ocorre a metabolização do fármaco, principalmente no fígado (mas também em outros órgãos, como pulmão), a fim de torná-lo mais hidrossolúvel e assim facilitar sua eliminação renal. Esse mecanismo constitui uma forma de defesa importantíssima do corpo humano contra substâncias exógenas e intoxicações. O sistema enzimático hepático, responsável pela biotransformação dos fármacos, localiza-se nos retículos endoplasmáticos lisos e são denominados de fração microssomal ou microssômica (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991). Como comentado nas alterações fisiológicas de terceira idade, a função hepática, apesar de se alterar com os anos, não perde sua capacidade de metabolização para a maioria dos fármacos. Naqueles fármacos, porém, em que a biotransformação encontra-se diminuída, observar-se-á uma elevação da concentração plasmática do medicamento, com conseqüente aumento dos efeitos farmacológicos e tóxicos. Nesses casos, é necessário o manejamento das doses e intervalos de tomada, a fim de se minimizarem esses riscos. O quadro 3 traz alguns fármacos cujo metabolismo hepático encontra-se reduzido em idosos. EXCREÇÃO Os fármacos são eliminados do organismo tanto em forma inalterada como na forma de metabólitos. Os órgãos responsáveis pela eliminação são, com exceção dos pulmões, ineficientes na excreção de compostos com lipossolubilidade elevada. Esses órgãos representados principalmente pelos rins, são mais eficientes na eliminação de substâncias polares ou hidrossolúveis. Para eliminação de fármacos lipossolúveis, é necessário que estes sejam transformados em substâncias mais hidrossolúveis (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991). O Rim, como dito, é o órgão mais importante na eliminação de fármacos. A eliminação de substâncias farmacológicas pelas fezes se dá somente para aquelas substâncias não absorvidas no intestino ou que foram eliminadas na bile pelo fígado, sem serem reabsorvidas na luz intestinal. Os pulmões também são responsáveis pela eliminação, sendo esta significativa principalmente para vapores e gases anestésicos (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991). 19 QUADRO 3 - FÁRMACOS COM METABOLISMO HEPÁTICO REDUZIDO Reações da Fase I (preparatórias) Oxidação Hidroxilação Alprazolam Nortriptilina Antipirina Ibuprofeno Barbitúricos Fenitoína Carbamazepina Propranolol Imipramina Quinidina Desipramina Varfarina Dealquilação Amitriptilina Lidocaína Clordiazepóxido Meperidina Diazepam Teofilina Flurazepam Tolbutamida Difenidramina Redução Nitroredução Nitrazepam Reações da Fase II (sintéticas) Essencialmente inalteradas no idoso Conjugação Acetilação Metilação FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de Geriatria. São Paulo: Roca, 1994. (adaptado) A queda na função renal na terceira idade é significativa e tem seu início na quarta década de vida. A partir dessa idade, há uma redução de 6 a 10% na taxa de filtração glomerular (TFG) e no fluxo plasmático renal a cada 10 anos. Assim, aos 70 anos de idade, uma pessoa pode ter uma diminuição de 40 a 50% na função renal, mesmo na ausência de doença desse órgão (LOWENTHAL, 1994). Os fármacos que tem sua eliminação predominantemente pelos rins (Quadro 4) podem ter seu tempo de meia-vida aumentada, com acúmulo plasmático e aumento da incidência de efeitos adversos. Assim, para esses fármacos, é adequada uma diminuição nas doses e intervalos de administração. 20 QUADRO 4 - FÁRMACOS COMUMENTE ELIMINADOS PELOS RINS Digoxina Tocainida Aminoglicosídeos Disopiramido Atenolol Clonidina Nadolol AINES Lítio Ranitidina Diuréticos Famotidina Procainamida Captopril Enalapril Lisinopril FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de Geriatria. São Paulo: Roca, 1994. A eliminação de fármacos pelo rim também pode ser afetada pela interação entre duas ou mais substâncias (Quadro 5) que concorrem pelo mesmo ponto específico de excreção renal. Esses fármacos, quando utilizados simultaneamente, podem se prejudicar um ao outro em sua excreção, aumentando a meia-vida, o acúmulo e seus efeitos tóxicos (OGA; BASILE, 1994). QUADRO 5 - FUNÇÃO RENAL E INTERAÇÃO ENTRE FÁRMACOS Fármaco básico Fármaco Interatuante Mecanismo Digoxina Quinidina Inibição do “clearance” renal e não renal; volume de distribuição Metotrexato Penicilina Quinidina Efeito Clínico ↑ Toxicidade da digoxina Inibição do “clearance” renal e não renal ↑ Toxicidade da digoxina Verapamil ↑ Toxicidade da digoxina Espironolactona Aspirina Probenecida Bicarbonato de sódio Inibição do “clearance” renal e não renal; volume de distribuição Inibição da excreção renal Inibição da excreção renal Inibição da excreção renal Depressão da medula óssea Acúmulo de penicilina Intoxicação pela Quinidina produzindo ampliação no complexo QRS FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de Geriatria. São Paulo: Roca, 1994. BIBLIOGRAFIA DISPONÍVEL EM: Correr, CJ. O papel do farmacêutico na equipe de atendimento ao idoso no âmbito da farmácia comunitária: a Atenção Farmacêutica Geriátrica. Monografia [Especialização em Gerontologia]; 2002. 21 ATIVIDADE EM GRUPO Caso 1: M.U.L. é uma mulher de 71 anos que se apresenta ao serviço de geriatria para uma consulta de rotina ,acompanhada por sua filha, Ana. M.U.L. foi diagnosticado com doença de Alzheimer há 4 anos, quando seus filhos relataram perda de memória de curto prazo e sintomas cognitivos, que incluem esquecer datas e horários facilmente, extravio de itens, perguntas repetidas a eventos atuais, incapacidade de responder a perguntas, uma crescente dificuldade com o gerenciamento das finanças, além de um estado de melancolia. Naquela época, a Sra. M. e quatro de seus filhos se reuniram com a equipe de cuidados geriátricos e discutiram o diagnóstico da provável doença de Alzheimer. A equipe de saúde explicou que a Sra. M. estava no estágio inicial e moderado da doença e que era de se esperar que ela tivesse uma variação grande desses sintomas ao longo dos dias. Tacrina foi indicada para sintomas cognitivos, e Sertralina foi iniciada para a depressão. Apos 1 ano, a paciente relatou que tinha perdido alguns de seus medicamentos, e estava confusa sobre como tomá-los. Durante a terapia inicial, com tacrina, ela desenvolveu refluxo gastresofágico, perdeu 8 quilos em cinco meses, e alguns exames demonstravam um aumento de enzimas hepáticas. No entanto, os filhos relataram que ela apresentava uma participação mais ativa na família e em funções sociais. Sua depressão foi menos freqüente, ela se sentia feliz na maior parte do tempo. No entanto, a tacrina e a sertralina foram interrompidas e Donezepila (5 mg, ao se deitar) introduzida ao tratamento. Na última visita ao geriatra, foi reiniciada Sertralina para a depressão leve e mantida Donezepila. Algumas vezes ela precisa de proteção extra ao dormir devido a incontinência urinária. A Sr. M. vive com sua filha. Ana, embora declare ser tolerável a convivência com sua mãe, tem andando em volta da casa sem razão com mais freqüência e, verifica muitas vezes ao dia se portas e janelas estão fechadas. 23 Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4):1104-1112 TRATAMENTO DA DOENÇA DE ALZHEIMER Recomendações e sugestões do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia Eliasz Engelhardt1, Sonia M.T. Brucki2, José Luiz S. Cavalcanti3, Orestes V. Forlenza4, Jerson Laks5, Francisco A.C. Vale6 e membros do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia RESUMO - As presentes recomendações e sugestões para o “Tratamento da Doença de Alzheimer” foram elaboradas por grupo de trabalho constituído por participantes da IV Reunião de Pesquisadores em Doença de Alzheimer e Desordens Relacionadas, patrocinada pelo Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia. Compreendem tópicos sobre o tratamento farmacológico e não farmacológico do comprometimento cognitivo e declínio funcional, assim como dos sintomas de comportamento e psicológicos dessa doença demenciante. São utilizados diversos níveis de evidências e de recomendações e sugestões para os diversos fármacos propostos, assim como para o tratamento não farmacológico, baseado em ampla revisão bibliográfica, nacional e internacional. PALAVRAS-CHAVE: Alzheimer, demência, tratamento. Treatment of Alzheimer’s Disease: recommendations and suggestions of the Scientific Department of Cognitive Neurology and Aging of the Brazilian Academy of Neurology ABSTRACT - The present recommendations and suggestions on “Treatment of Alzheimer’s Disease” were elaborated by a work group constituted by participants of the IV Meeting of Researchers on Alzheimer’s Disease and Related Disorders, sponsored by the Scientific Department of Cognitive Neurology and Aging of the Brazilian Academy of Neurology. They comprise topics on pharmacological and non-pharmacological t reatment of cognitive impairment and functional decline, as well as of behavioral and psychological symptoms of this dementing disease. Several levels of evidence and of recommendations and suggestions a re used for the various proposed drugs, as well as for non-pharmacological treatment, underpinned by a wide national and international bibliographical review. KEY WORDS: Alzheimer, dementia, treatment. O Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia solicitou em 2003, a um grupo de pesquisadores, a redação preliminar de temas re l acionados ao tratamento da doença de Alzheimer (DA) no Brasil, visando a elaboração de um Consenso. Os relatórios foram apresentados na IV Reunião de Pesquisadores em Doença de Alzheimer e D e s o rdens Relacionadas (IVRPDA/2003), realizada no Rio de Janeiro, em novembro de 2003, tendo sido então designados os pesquisadores e especificadas as regras gerais para essa tarefa. O objetivo do presente trabalho foi o de estabelecer condutas padronizadas, normas, recomendações ou sugestões para o tratamento da DA. A pesquisa da literatura incluiu consulta ao PubMed e LILACS. A DA compreende comprometimento cognitivo, declínio funcional, sintomas de compor- 1 C o o rdenador do Setor de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Instituto de Neurologia Deolindo Couto da Universidade Federal do Rio de Janeiro RJ, Brasil INDC/UFRJ; 2Neurologista - Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo SP, Brasil (UNIFESP); 3P rofessor Adjunto da UFRJ, Coordenador dos Ambulatórios de Demência - INDC/UFR; 4Psiquiatra-Instituto de PsiquiatriaFMUSP; 5Coordenador do Centro de Doença de Alzheimer (CDA/IPUB) - Instituto de Psiquiatria/UFRJ, Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da UERJ, Rio de Janeiro RJ Brasil; 6Coordenador do Grupo de Neurologia do Comportamento/CHMS-RP Recebido 18 Fevereiro 2005, recebido na forma final 3 Junho 2005. Aceito 12 Julho 2005. Dr. Eliasz Engelhardt - Avenida N.S. de Copacabana 749/708 - 22050-000 Rio de Janeiro RJ - Brasil. E-mail: [email protected] Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4) Tabela 1. Classificação da evidência1. Classe Descrição - evidência fornecida por I um ou mais ensaios clínicos bem desenhados, randomizados, controlados com placebo, inclusive revisões (meta-análises) de tais ensaios II estudos de observação bem desenhados com controles (p.ex., estudos do tipo de casos-controle e de coortes) III opiniões de especialistas, série de casos, relato de casos e estudos com controles históricos Tabela 2. Níveis de recomendações1. Recomendação Descrição padrão reflete alto grau de certeza clínica (geralmente requer evidência de Classe I que se dirige diretamente à questão clínica, ou evidência de Classe II clara, quando as circunstâncias impedem ensaios clínicos randomizados) norma recomendação que reflete moderada certeza clínica (geralmente requer evidência de Classe II ou um forte consenso de evidência de Classe III) opção prática estratégia para a qual a utilidade clínica é incerta (evidência ou opinião inconclusiva ou conflitante) tamento e psicológicos (SCPD) e manifestações neurológicas. As estratégias terapêuticas abordadas na presente proposta são voltadas para o comprometimento cognitivo e funcional, assim como para os SCPD. Essas estratégias podem ser divididas em f a rmacológicas e não farmacológicas, devendo-se atentar para a situação específica da intervenção p roposta quanto a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). As diversas intervenções farmacológicas e não farmacológicas serão categorizadas de acordo com as Tabelas 1 e 2. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO COMPROMETIMENTO COGNITIVO A estratégia colinérgica Os inibidores das colinesterase As estratégias colinérgicas têm sido há muito p reconizadas para o tratamento da DA, porém somente com a introdução dos inibidores das colines- 1105 terases (IChEs) é que foi demonstrada eficácia comprovada, desde os estudos iniciais. Os efeitos do tratamento foram demonstrados para os diversos IChEs, indicando de modo consistente que esses f á rmacos são melhores que placebo de forma significativa. Entretanto, a doença apresenta progressão apesar do tratamento. Os diversos instrumentos utilizados para verificar o desempenho dos pacientes diante da medicação mostram benefício em relação à cognição, função e comport a m e n t o , verificado pelos médicos e pelos cuidadores, indicando que mesmo melhoras mensuráveis reduzidas podem apresentar significado clínico. Os IChEs, através do aumento da oferta de acetilcolina (ACh), parecem também interferir nos processos básicos, com possível modificação do curso da doença1. O mercado brasileiro dispõe atualmente, licenciados pela ANVISA, quatro medicamentos com essas características: tacrina, rivastigmina, donepezil e galantamina. A tacrina foi o primeiro IChE aprovado para tratamento da DA2. Apesar de sua eficácia, apenas p e rcentual baixo dos pacientes foi capaz de tolerar doses elevadas mais eficazes, devido sobretudo a hepatotoxicidade2,3. É um inibidor reversível da acetilcolinesterase (AChE) e da butirilcolinesterase (BChE), de meia vida curta (2-4 hs). A dose inicial é 10 mg 4 vezes/dia, escalonado até 40 mg 4 vezes/dia, conforme a tolerância. Os novos IChEs tornaram sua prescrição atualmente muito re s t r i t a . Os IChEs de segunda geração, donepezil, rivastigmina e galantamina, são atualmente os mais utilizados no tratamento da DA, estágios leve a moderado. Os trabalhos iniciais controlados demonstraram uma diferença fármaco-placebo significativa conforme avaliado através de instrumentos padrão cognitivos e funcionais, com maior eficácia com as doses mais elevadas, embora com ônus de efeitos adversos mais freqüentes. O donepezil é um inibidor reversível e seletivo da AChE, com meia-vida de aproximadamente 70 horas. O tratamento é iniciado com 5 mg/dia, aumentando-se a dose para 10 mg/dia na dependência de tolerabilidade4-6. Utiliza o sistema citocromo P450, de modo que seu uso simultâneo com outras fármacos que partilham do mesmo sistema enzimático deve ser feito com cautela. A rivastigmina é um inibidor pseudo-irreversível da AChE e da BChE. A inibição simultânea da BChE, aumentada nos pacientes em fases mais avançadas da doença, é um fator que pode eventualmente prolongar o benefício do tratamento7. A meia vida é 1106 Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4) Tabela 3. Os fármacos inibidores das colinesterases: doses iniciais e de manutenção. Fármaco Dose inicial Dose de manutenção donepezil 5 mg - 1 vez ao dia 5 a 10 mg - 1 vez ao dia rivastigmina 1,5 mg - 2 vezes ao dia 3 a 6 mg - 2 vezes ao dia galantamina 4 mg - 2 vezes ao dia 8 a 12 mg - 2 vezes ao dia 1-2 horas, porém apresenta uma atividade pro l o ngada (8-10 hs). O tratamento deve ser iniciado com 1,5 mg 2 vezes/dia, com escalonamento da dose até 6 mg 2 vezes ao dia8-11. A eliminação é principalmente renal e não envolve o sistema citocromo P450, não ocorrendo praticamente interações medicamentosas. A galantamina é um inibidor reversível da AChE e apresenta adicionalmente ação de modulação alostérica de receptores nicotínicos (‘ligante potenciador alostérico’). Embora não esteja estabelecida com clareza a significação clínica dessa modulação, existe relação entre cognição e receptores nicotínicos. Tem meia vida de aproximadamente 7 horas, podendo ser administrada em duas doses diárias. A dose inicial é 4 mg 2 vezes/dia, escalonada para até 12 mg 2 vezes/dia12-14. Utiliza o sistema do citoc romo P450 hepático na sua metabolização, o que suscita cuidados em relação à interação com alguns fármacos. A Tabela 3 mostra de modo sintético as doses iniciais e de manutenção dos 3 fármacos. Conclusão – Os diversos estudos realizados com os IChEs de segunda geração (donepezil, rivastigmina, galantamina) mostraram melhora ou estabilização do desempenho, por um determinado período, significativa embora discreta, quando comparada ao placebo. O perfil de efeitos colaterais é em grande parte semelhante e apresentam em geral boa tolerabilidade15-16. Os precursores da ACh e os agonistas colinérgicos Os estudos com os pre c u r s o res da ACh (lecitina, fosfatidilcolina, fosfatidilserina) não mostraram eficácia comprovada no tratamento da DA. Os agonistas muscarínicos e nicotínicos, além disso, foram acompanhados por importantes efeitos colaterais17. A estratégia glutamatérgica A neurotoxicidade do glutamato foi demonstrada desde os anos 60 e nessa mesma época estudos identificaram a memantina como bloqueador de receptores NMDA. A memantina é um antagonista não competitivo de moderada afinidade dos receptores NMDA, o f e recendo neuro p roteção em relação a excitotoxicidade do glutamato18, além de permitir a neurotransmissão e os mecanismos de neuroplasticidade dos neurônios funcionais. O uso de memantina mostrou eficácia pacientes com DA moderada a grave19. A dose inicial é 5 mg/dia, escalonada para 10mg 2 vezes ao dia. Sua eliminação é renal e não interfere com o sistema do citocromo P450, havendo pouca interação com outros medicamentos. Parece não interferir com o metabolismo dos IChEs20. Os efeitos adversos nos ensaios clínicos foram de pequena monta, com boa tolerabilidade. O estudo em pacientes com DA moderada a grave, em uso de donepezil, mostrou benefício adicional com o acréscimo de memantina, em re l ação à cognição, AVD, desfecho global e comport a m e nto21. Estudos com outros IChEs encontram-se em andamento. Deve-se lembrar que o uso de IChEs em fases mais adiantadas da DA não está regulamentada. Outros agentes propostos para melhora da cognição e para neuroproteção Ginkgo biloba – O extrato de Ginkgo biloba (EGb 761) contém princípios ativos que promovem o aumento do suprimento sanguíneo cerebral por vasodilatação e redução da viscosidade do sangue, além de redução de radicais livres no tecido nervoso22. Parece prevenir a neurotoxicidade do amilóide-β, a inibição de vias apoptóticas e a proteção contra lesão oxidativa (modelos laboratoriais)23-26. Os efeitos do EGb sobre a cognição normal, em adultos jovens e idosos, foram de melhora objetiva na velocidade de processamento cognitivo, além de impressão subjetiva de melhora da memória27-30. Os estudos clínicos na DA mostraram achados inconstantes22, 31-32. Estudo de meta-análise22 mostrou que existem benefícios em parâmetros cognitivos, de atividades da vida diária e humor, com superioridade em relação ao placebo. Encontram-se em Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4) andamento estudos multicêntricos intern a c i o n a i s para avaliar o efeito do EGb761na prevenção de demência do tipo DA. Vitamina E (alfa-tocoferol) – Considerando as evidências de que o estresse oxidativo pode contribuir para a patogênese da DA, a utilização de medidas antioxidantes parece ter um lugar no tratamento33. Apenas um estudo com metodologia aceitável mostrou algum benefício com uso de dose elevada (2000 UI/dia) de vitamina E34. Um extenso estudo de coorte prospectivo populacional demonstrou redução do risco de DA pela ingestão alimentar de vitamina E35. Entretanto, revisão sistemática recente concluiu que os dados para sua utilização na DA são insuficientes36. Além disso, amplo estudo de meta-análise mostrou que grupos diversos (adultos, idosos, saudáveis, portadores de doenças diversas), sob tratamento de doses variadas de vitamina E, apresentaram riscos maiores de mort alidade decorrente de todas as causas, relacionados a doses mais elevadas em comparação a doses mais baixas dessa vitamina, tendo como re f e r ê n c i a grupos-controle. Conclui que doses superiores a 400 UI/dia devem ser evitadas até que novas evidências de eficácia sejam documentadas, baseadas em ensaios clínicos adequadamente conduzidos37. Selegilina (L-deprenil) – Apenas um estudo com metodologia aceitável mostrou algum benefício34, embora com uma relação risco-benefício pouco favorável. Por outro lado, extensa revisão de metaanálise não evidenciou benefício apreciável38. Anti-inflamatórios não-esteróides (AINE) – Considerando a reação inflamatória em relação das placas amilóides, haveria um papel para os antiinflamatórios. Além disso, estudos epidemiológicos sugeriram que anti-inflamatórios poderiam exercer neuroproteção na DA. Extenso estudo de coort e p rospectivo populacional concluiu que o uso prolongado de AINE pode proteger contra DA39. Mais recentemente, ensaio clínico controlado mostro u que rofecoxib ou naproxeno não lentificam o declínio cognitivo em pacientes com DA leve a moderada40. O mesmo ocorreu em relação ao ibuprofeno41 e à indometacina41. O seu perfil de efeitos colaterais, sobretudo hemorragia digestiva, restringe sua prescrição. Estatinas – Diversos estudos básicos mostram a influência dos níveis de colesterol na via metabólica do amilóide. Entretanto clinicamente não há 1107 ainda resultados consistentes em relação ao uso de estatinas na DA42-44. Estrogênio – Os efeitos fisiológicos do estrogênio e dados epidemiológicos sugerem seu uso como potencialmente favorável. Entretanto, até o presente não há evidências clínicas suficientes nesse sentido. Além disso, considerando os efeitos adversos recentemente demonstrados, a sua prescrição esp ecífica para a DA não se justifica no presente45-50. Conclusão – Os fármacos considerados (EGb, vitamina E, selegilina, AINE, estatinas, estrogênio), levando em conta numerosos estudos básicos e epidemiológicos, têm base teórica favorável para tratamento da DA. Entretanto, os resultados clínicos mostraram-se inconstantes (EGb), pouco fundamentados (vitamina E, selegilina, estatinas) ou com possibilidades de riscos e efeitos adversos problemáticos (vitamina E, AINE, estrogênio), o que d ificulta a sugestão de sua utilização na DA com as evidências disponíveis. Recomendações/sugestões Os IChEs devem ser considerados como tratamento de pacientes com DA leve a moderada (padrão). O uso de memantina mostrou evidência de benefícios em pacientes com DA moderada a grave (padrão). A memantina pode ser associada a um dos IChEs (estudo realizado com donepezil) em pacientes com DA moderada a grave (opção prática). Os estudos clínicos com EGb mostraram re s u ltados inconstantes no tratamento da DA. Estudo de meta-análise mostrou algum benefício em relação a placebo (opção prática). Uma revisão sistemática recente concluiu que os dados para o uso de vitamina E na DA são insuficientes, apesar de estudo anterior fracamente favorável. Além disso, foram apresentadas evidências de riscos importantes no uso de doses elevadas. O uso de selegilina conta com um estudo fracamente favorável, porém extensa revisão com meta-análise não evidenciou tal benefício. Os pre c u r s o res da ACh e os agonistas colinérgicos, nos ensaios conduzidos, não mostraram eficácia no tratamento da DA. Anti-inflamatórios não mostraram benefício e a p resentam potencial grande de efeitos colaterais, não sendo recomendados com as presentes evidências. As estatinas não mostraram evidências clínicas 1108 Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4) suficientes até o presente para sugerir sua pre s c r ição na DA. O estrogênio não conta até o presente com evidências clínicas suficientes para a sua indicação e pesa o seu perfil de efeitos colaterais. tolerados e produzem pouca toxicidade, sendo utilizados de modo crescente no tratamento de alguns dos SCPD. Os anticonvulsivantes mais estudados foram a carbamazepina (200-800 mg/dia)67,68 e o ácido valpróico (250-1.000 mg/dia)69-71. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DOS SINTOMAS DE COMPORTAMENTO E PSICOLÓGICOS A avaliação cuidadosa e a correção de qualquer desencadeante físico, psicossocial ou ambiental ou de fatores de perpetuação na gênese dos sintomas de comportamento e psicológicos (SCPD) deve anteceder o uso de medicamentos para o controle dos sintomas. O tratamento medicamentoso com antipsicóticos e antidepressivos deve ser re a v a l i a d o periodicamente51. Foram estudados os seguintes grupos: antipsicóticos (neurolépticos - típicos e atípicos), antidepressivos, ansiolíticos, sedativos, estabilizadores de humor e IChEs. Os antidepressivos – A depressão é freqüente na DA, porém poucos estudos adequados foram re alizados de modo específico. Entre as fármacos utilizados estão a trazodona (50-300 mg/dia), com excelente efeito sobre o sono dos pacientes, mesmo sem depressão evidente. Os antidepressivos tricícli cos contam com um ensaio controlado, que most rou um benefício significativo72. Deve-se dar preferência às aminas secundárias (p.ex., nortriptilina, desipramina, lofepramina) ao invés das terciárias (p.ex., amitriptilina, dotiepina), devido à melhor tolerabilidade. Os inibidores seletivos da recaptura da sero tonina (ISRS) foram alvo de poucos estudos na DA. O citalopram (10-30 mg/dia) foi utilizado em dois ensaios controlados, com melhora significativa da depressão e agitação73-77. Amostra de pacientes com DA e depressão maior, avaliada em ensaio clínico controlado com dose média de 95 mg/dia de sertralina, apresentou melhora em relação ao grupo placebo78. A fluoxetina foi avaliada em estudos, sendo um controlado (dose de até 40 mg/dia ou placebo), com melhora numérica do grupo tratado, porém não significativa do ponto de vista estatístico78-80. Os neurolépticos – Os sintomas que parecem responder melhor à medicação neuroléptica são agitação (agressão física, comportamentos violentos, hostilidade) e psicose (alucinações, delírios). Recentemente tenta-se estudar a resposta diferenciada da psicose na DA (delírios e alucinações)52. Os estudos da eficácia dos n e u rolépticos típicos em pacientes com demência contou com ensaios c o n t rolados, porém com número reduzido de pacientes e de c u rta duração. Uma meta-análise most rou melhora dos SCPD de modo global, porém apenas em 28% a mais de pacientes em comparação com placebo53. Em relação aos neurolépticos atípicos, mais novos, existem relatos de casos, estudos abertos e estudos controlados que sugere m eficácia nos SCPD, com melhor perfil de efeitos colaterais (risperidona, olanzapina, quetiapina, aripiprazol). Entretanto, a maior parte desses fárm acos não conta com estudos específicos na DA53-60. As sugestões clínicas para dosagem de neurolépticos são: haloperidol (0,5-2 mg/dia), tioridazina (10-100 mg/dia), risperidona (0,5-2 mg/dia), cloza pina (6,25-100 mg/dia), olanzapina (5-10 mg/dia), quetiapina (25-150 mg/dia), aripiprazol (15-30 mg/dia)61-66. Os estabilizadores de humor – Os do grupo dos anticonvulsivantes podem ser utilizados para comp o rtamentos agitados a partir dos resultados de estudos abertos e controlados. Em geral são bem Os inibidores das colinesterases – Esse grupo de f á rmacos (donepezil, rivastigmina e galantamina) mostrou eficácia na prevenção do aparecimento ou no controle de SCPD. Os sintomas que geralm e nte melhor respondem são apatia, irritabilidade, comportamento motor aberrante e a psicose, sendo pouco eficazes em relação à depre s s ã o81-83. Deve-se lembrar que o uso de IChEs não está regulamentada especificamente para essa indicação. Conclusão – As evidências dão suporte ao uso de neurolépticos, tanto típicos como os atípicos no tratamento de agitação e manifestações psicóticas na DA, parecendo que os atípicos são melhor tolerados. Cabe ressaltar, no entanto, que nenhuma destas medicações tem sua indicação aprovada em bula. Os estabilizadores de humor do grupo dos anticonvulsivantes ainda não têm estudos adequados para fundamentar a indicação. Os ISRS são os mais indicados para o tratamento da depressão. Os inibidores das colinesterases mostraram-se promissores no controle de determinados sintomas comportamentais. Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4) 1109 Recomendações/sugestões Os neurolépticos podem ser utilizados para tratar agitação ou sintomas psicóticos, quando tentativas não farmacológicas não tenham dado resultado adequado (norma). O uso de neurolépticos atípicos pode ser melhor tolerado em comparação aos neurolépticos típicos (norma). Os antidepressivos (alguns tricíclicos e IRSS) devem ser considerados para o tratamento de depressão, atentando para o perfil de cada um (norm a ) . Alguns estabilizadores de humor do grupo dos anticonvulsivantes já contam com estudos que mostram que podem ser utilizados para comportamentos agitados na demência (opção prática). Os IChEs mostraram eficácia na prevenção do a p a recimento ou no controle de alguns SCPD (apatia, irritabilidade, comportamento motor aberrante e a psicose) (opção prática). rorless learning’) em que casos isolados ou em núm e ro reduzido são relatados na DA90. Estudo randomizado comparando dois programas de tre i n amento com memória de procedimento e tre i n amento de funções cognitivas pre s e rvadas mostrou melhora nas atividades de vida diária no grupo com treinamento das atividades diárias91-93. Os auxílios mnemônicos externos (calendários, diários, cadernos de memória) são estratégias da reabilitação que necessitam de estudos bem cont rolados em DA, havendo evidências que parecem apontar na melhora do funcionamento dos pacientes90,94. Dois trabalhos publicados recentemente no Brasil demonstraram efeitos positivos da re a b i l itação, tendendo à relativa estabilização da progressão da DA, em pacientes em uso de anticolinesterásicos95,96. TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO DO COMPROMETIMENTO COGNITIVO As intervenções de reabilitação cognitiva na DA deparam-se com dificuldades, como hetero g e n e idade de pacientes quanto às alterações cognitivas, comportamentais e familiares, progressão da doença, colaboração dos cuidadores. Difere n t e s abordagens têm sido experimentadas, principalmente treinamento cognitivo de habilidades espe cíficas e técnicas gerais. A reabilitação da memória conta com duas dif e rentes técnicas: a orientação para realidade, que tem mostrado eficácia na orientação e memória pessoal, embora com pouca melhora nas habilidades funcionais, cotidianas84-87 e a terapia de re m i n i s c ê n c i a s,que parece ter resultados menores na cognição, com escassos trabalhos bem estruturados e evidências insuficientes sobre sua eficácia88. Técnicas de facilitação da memória explícita em pacientes com DA leve podem ser bem sucedidas através de estímulos multimodais, com carga emocional, com auxílio na criação de códigos semânticos autogerados pelo paciente ou por ativação de tarefas ou eventos previamente apre n d i d o s88. Aprendizado com a utilização da memória implí cita p re s e rvada parece ser útil em pacientes com quadros leves a moderados, por meio de técnicas de pré-ativação (‘priming’) e de memória de proce dimento. Podem ser realizados por meio da técnica de ensaio progressivo (‘expanding rehearsal technique’) com resultados positivos, porém sem generalização; método das pistas evanescentes (‘method of vanishing cues’)88,89; a p rendizado sem erro ( ‘ e r- Conclusão – A reabilitação cognitiva parece estabilizar o quadro por períodos variáveis em indivíduos com DA de gravidade leve a moderada. A a p rendizagem sem erro e uso de técnicas que utilizem a memória de procedimento parecem ser mais adequadas. O treinamento cognitivo de habilidades específicas não se generaliza para a vida diária, devendo-se utilizar tarefas que possam ser adaptadas pelos cuidadores no dia a dia do paciente. A sua associação à medicação que visa melhorar a cognição (IChEs) poderia levar a melhores re s u ltados. Recomendações/sugestões As técnicas de reabilitação cognitiva podem ser indicadas, considerando que existem evidências de sua eficácia em pacientes com DA de gravidade leve a moderada (norma). O treinamento cognitivo de habilidades específicas (memória, linguagem) pode ser útil (norma). Algumas técnicas visando melhoras nas atividades de vida diária podem ser indicadas (norm a ) . TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO DOS SINTOMAS DE COMPORTAMENTO E PSICOLÓGICOS A utilização de intervenções para o controle não farmacológico de SCPC pode se mostrar útil em diversas situações, existindo algumas evidências quanto à sua eficácia. As intervenções, em sua maioria, mostram-se pouco eficazes, porém nas que demonstram benefício, a inclusão de suport e social ou combinação de suporte social e cognitivo 1110 Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4) parecem ser relativamente efetivas. A maior dificuldade na análise desses trabalhos é o pequeno n ú m e ro de pacientes e a falta de descrições metodológicas detalhadas das intervenções97. Além disso, os cuidadores desses pacientes sofrem sobrecarga decorrente da administração de cuidados que gera nos mesmos graus variáveis de distúrbios de saúde física e mental, além de re p e rcussão desfavorável em relação ao paciente. Essa questão pode ser atenuada através de suporte aos familiares e cuidadores. Segundo revisão sistemática de todos os estudos randomizados não foram encontradas evidências de diferenças entre as intervenções propostas (serviços individualizados de planejamento, suporte via internet ou telefone, educação e treinamento do cuidador) e o suporte convencional aos familiares e cuidadores. As conclusões são de que devido ao número pequeno de pacientes e pouca duração das intervenções não há evidências de se indicar ou não estas estratégias98,99. Mais recentemente, ensaios randomizados demonstraram que há mais resposta quanto ao comportamento do paciente com o treinamento adequado dos cuidadores. Comparandose treinamento dos cuidadores a somente informações em material escrito, apenas no primeiro grupo ocorreram melhoras quanto ao comportamento, caracterizado tanto por agressividade verbal quanto não verbal100. Observou-se redução significativa nas reações dos cuidadores aos distúrbios comportamentais dos pacientes, com redução também na freqüência com que estes distúrbios eram apresentados101-107. Houve melhora da depressão nos pacientes, que se manteve após 6 meses nos dois grupos de terapia do comportamento, em comparação a dois grupos sem intervenção108. Mesmo em períodos maiores (até um ano) existe efeito da intervenção educacional e do aconselhamento s o b re os cuidadores, diminuindo sua depressão, a agitação do paciente e maior tempo de permanência em casa antes da institucionalização109-111. Ainda em pacientes de gravidade moderada a acentuada, o treinamento de cuidadores quanto à sensibilização para sinais de comunicação não verbal parece exercer resultados positivos quanto a afetos positivos, mesmo sem significativas diferenças na sintomatologia do paciente, porém com redução de queixas pelos cuidadores105. Conclusão – A utilização de intervenções para o controle não farmacológico pode se mostrar útil em diversas situações, existindo algumas evidências quanto à sua eficácia. P rogramas educacionais e treinamento do cuidador melhoram os níveis de estresse de ambos, d i stúrbios de comportamento do paciente e reação do cuidador aos mesmos. Educação e suporte retardam a institucionalização, principalmente com programas com intervenções educacionais, sociais, sup o rte psicológico, auxílio aos serviços de saúde, e ncaminhamentos. Essas intervenções de modo isolado mostram eficácia em muitos casos, evitando o uso de fármacos, e quando em associação com medicação psicotrópica, a eficácia pode ser aumentada, além de permitir a redução da medicação ou mesmo a sua interrupção. Recomendações/sugestões Programas educacionais e treinamento para c u i d a d o res podem melhorar o estresse para os pacientes e cuidadores (opção prática). Redução de problemas de comportamento pode ser obtida com diversas intervenções, como música, passeios, exercícios brandos (opção prática). Outras intervenções podem ser eventualmente úteis, como presença simulada (familiares em fita de áudio ou de vídeo) (opção prática). Agradecimentos - (a) aos membros do DC-NCE da ABN - Ricardo Nitrini; João CB Machado; Leonardo Caixeta e especialmente a Paulo Caramelli, pela participação nas diversas fases do presente trabalho; (b) à Bibliotecária Luzinete Alvarenga pela organização bibliográfica. REFERÊNCIAS 1. Summers WK, Majowski LV, Marsh GM, et al. Oral tetrahydroaminoacridine in long-term treatment of senile dementia, Alzheimer type. N Engl J Med 1986;315:1241-1245. 2. Qizilbash N, Whitehead A, Higgins J, et al. Cholinesterase inhibition for Alzheimer disease: a meta-analysis of the tacrine trials. JAMA 1998;280:1777-1782. 3. Rogers SL, Friedhoff LT. The efficacy and safety of donepezil in patients with Alzheimer’s disease: results of a US multicentre, randomized, double-blind, placebo-controlled trial. The Donepezil Study Group. Dementia 1996;7:293-303. 4. Winblad B, Engedal K, Soininen H, et al. A 1-year, randomized, placebo c o n t rolled study of donepezil in patients with mild to moderate A D . Neurology 2001;57:489-495. 5. Birks JS, Melzer D, Beppu H, et al. Donepezil for mild to moderate A lzheimer’s disease. In: Cochraine Library, Issue 2. Oxford: Update software, 2001. 6. C o rey-Bloom J, Anand R, Veach J. A ramdomized trial evaluating the e fficacy and safety of ENA 713 (Rivastigmine tartrate), a new acetylcholinesterase inhibitor, in patients with mild to moderately severe Alzheimer disease for the ENA 713 B352 Study Group. Int J Geriatric Psychopharmacol 1998;1:55-65. 7. Giacobini E, Spiegel R, Enz A, et al. Inhibition of acetyl- and butyrylcholinesterase in the cerebrospinal fluid of patients with Alzheimer’s disease by rivastigmine: correlation with cognitive benefit. J Neural Transm 2002;109:1053-1065. 8. Birks J, Grimley EJ, Iakovidou V, et al. Rivastigmine for Alzheimer’s disease. In: Cochrane Library, Issue 2. Oxford: Update software, 2001. 9. Arendt T, Bruckner MK, Lange M, et al. Changes in acetylcholinesterase and butyrylcholinesterase in Alzheimer’s disease resemble embryonic developmenta study of molecular forms. Neurochem Int 1992;21:381-396. ATIVIDADE EM GRUPO Caso 2: Sr. E.F. é um homem de 79 anos que vive sozinho. Ele é levado a emergência médica com sinais de desidratação, aparentemente por resultado de intensa náusea e vômito nas ultimas 24 horas. Ele apresenta tremor, confusão mental, não demonstra raciocínio lógico, sua fala é desconexa. Para reidratarão o paciente recebeu infusão de cloreto de sódio 0,9% (i.v.). Além disso, metoclopramida foi administrada (10 mg, i.v.). Logo após a administração da metoclopramida o paciente sofre uma crise oculógira6 que foi revertida com biperideno (i.v.). Doze horas mais tarde, o Sr. E.F., está consciente e lúcido, mas agora apresenta um pronunciado tremor, característico da doença de Parkinson. O paciente relata que ele foi inicialmente diagnosticado com Parkinson há cerca de um ano por seu geriatra. A medicação indicada e utilizada foi SINEMET (Levodopa + Carbidopa). Após voltar para casa o Sr. E.F. iniciou automedicação com Plasil (metoclopramida, v.o.) com medo de sentir náusea novamente. Após 5 dias o paciente chega a farmácia reclamando que seu medicamento (SINEMET) não estava funcionando para a sua doença. 6 Crise oculógira, quando os olhos são forçadamente desviados para cima. 24 INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA FARMACOTERAPIA DO IDOSO: UMA REVISÃO Juliana V Quinalha; Cassyano J Correr Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia ISSN 1809-9823 Artigo aceito para publicação em Julho de 2010 25 INTRODUÇÃO O envelhecimento populacional ocorre quando a taxa da população considerada idosa (60 anos ou mais no Brasil) é maior do que a da população de jovens. Isso pode acontecer devido a reduções na fecundidade e na mortalidade. Como conseqüência, a distribuição na pirâmide etária modifica-se aumentando a idade média e a participação dos idosos no total da população, o que implica em maior freqüência de internações, maior número de consultas e maior uso de medicamentos 1. Dentre os países mais populosos do mundo, o Brasil é o que apresenta maior velocidade no processo de envelhecimento demográfico. De acordo com as projeções das Nações Unidas e do IBGE, até o ano de 2025 o Brasil será o sexto país com maior população de idosos do mundo 1, 2. Vários fatores podem influenciar a segurança, efetividade e sucesso da terapia farmacológica. Entre eles encontram-se as alterações anatômicas e funcionais naturais do envelhecimento (processo este conhecido como senescência) e por afecções que acometem o indivíduo idoso (processo denominado de senilidade), assim como a presença de múltiplas doenças, a polifarmácia, aumento da suscetibilidade à reações adversas a medicamentos (RAM’s), mudanças na farmacologia e problemas na adesão ao tratamento 3, 4. É importante estar atento ao que faz parte da senescência e o que faz parte da senilidade para não iniciar um tratamento desnecessariamente ou deixar de tratar um problema de saúde que merece cuidado. Pelo fato de os idosos consumirem a maior parte da produção mundial de medicamentos (média de 2-5 medicamentos por idoso) 5 e serem mais sensíveis aos efeitos de certas classes farmacológicas, foram desenvolvidos vários estudos que identificam quais são os medicamentos inadequados para as pessoas de idade avançada ou cujo uso deve ser avaliado 6. Assim, algumas listas foram propostas por pesquisadores da França, Canadá e Estados Unidos. Estas não são consideradas absolutas, sendo necessário o estudo da farmacoepidemiologia de cada país para predizer quais os medicamentos considerados impróprios de acordo com o perfil de idosos e características de cada região. O farmacêutico pode auxiliar nos problemas mais comuns que ocorrem no uso de medicamentos por pessoas idosas identificando medicamentos inapropriados, presença de interações, duplicidades terapêuticas, reações adversas, usos inadequados, automedicação e doses erradas, assim como fornecer informações sobre as doenças e os medicamentos prescritos de modo que a adesão do 26 paciente ao tratamento possa melhorar. Com isso, o farmacêutico pode garantir que a terapia prescrita continuará sendo necessária, efetiva no alcance dos objetivos terapêuticos, e segura. Existem vários instrumentos disponíveis no Brasil, úteis na avaliação de pacientes idosos 7. A maioria dos instrumentos existentes, entretanto, está relacionada com a área médica, incluindo testes de fluência verbal, instrumentos de avaliação do estado nutricional, do estado mental, de limitação das atividades funcionais, problemas de memória, avaliação do equilíbrio e da marcha e escalas de depressão geriátrica. Poucos são os instrumentos encontrados especificamente sobre a farmacoterapia no idoso, sendo que, quando encontrados, a maior parte deles tem pouca ou nenhuma repercussão no Brasil. O objetivo desta revisão é reunir os principais instrumentos de avaliação úteis para otimização da farmacoterapia em idosos, tanto no âmbito hospitalar quanto ambulatorial. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em periódicos científicos como jornais e revistas, monografias, livros, obras de divulgação e de referência, em bibliotecas convencionais e diferentes bases de dados (Lilacs, Medline, Scielo e Scopus), utilizando os seguintes termos de busca combinados entre si: idosos, geriatria, farmacoterapia, instrumentos de avaliação, otimização da farmacoterapia, medicamentos inadequados. Os artigos foram avaliados segundo a possibilidade de inclusão do instrumento na prática farmacêutica hospitalar e/ou comunitária no atendimento de pacientes geriátricos. Foram excluídos os artigos não adquiridos na íntegra a partir das fontes de pesquisa citadas e aqueles cuja aplicação era voltada para a prática médica. INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA FARMACOTERAPIA EM IDOSOS INSTRUMENTO PARA AS DISCREPÂNCIAS DOS MEDICAMENTOS (MEDICATION DISCREPANCE TOOL – MDT) O termo “discrepância” é definido como a diferença existente entre a medicação prescrita pelo médico e aquela que o paciente efetivamente toma, baseado nos frascos de medicamentos e relatos do próprio paciente 8. A definição de outros autores diz que discrepância é a falta de acordo entre diferentes regimes medicamentosos que pode identificar possíveis erros de medicação que possam ocorrer na transição entre hospital e casa 9. 27 Os tipos de discrepâncias de medicação encontrados podem estar relacionados ao paciente e/ou ao sistema de cuidado. Algumas classes de medicamentos são mais freqüentemente prescritas e, por isso, podem ser responsáveis por 50% de todas as discrepâncias de medicação ocorridas no cenário de transição hospital-casa, entre elas encontram-se: anticoagulantes (13%); diuréticos (10%); inibidores da enzima conversora de angiotensina [IECA] (10%); agentes hipolipemiantes (10%), e inibidores da bomba de prótons (7%) 9. O estudo realizado pela Universidade de Ciências da Saúde, Colorado, no ano de 2004, teve como objetivo principal desenvolver um Instrumento para as Discrepâncias dos Medicamentos - MDT (Anexo 1), capaz de auxiliar os profissionais de saúde na identificação e classificação dos problemas relacionados a medicamentos (PRM’s), facilitando a resolução desses problemas e descrevendo ações apropriadas com relação ao paciente e ao sistema 10 . A metodologia utilizada para o desenvolvimento de tal instrumento foi análise de 20 casos clínicos baseados em um grupo de pacientes com idade igual ou superior a 65 anos, que receberam alta hospitalar. As informações relevantes para identificação de discrepâncias foram obtidas através de visitas à casa dos pacientes e revisão da medicação, comparando os medicamentos que tomavam antes da hospitalização, prescrição de alta e medicamentos em uso após alta. Dois médicos clínicos gerais, dois farmacêuticos geriatras e duas enfermeiras avaliaram os casos para, desta forma, identificar quais itens incluir e como apresentá-los, bem como quais palavras utilizar para esclarecer as instruções a serem incluídas no MDT. Depois disso, foi realizado um teste de confiança para avaliar a capacidade de detecção de PRM’s por parte dos profissionais de saúde e aplicabilidade dos itens, baseando-se nos resultados obtidos após uso desta ferramenta pelos profissionais convidados, os quais qualificaram o instrumento através do seu grau de concordância (baixo, bom, excelente). O estudo mostrou, através de análises estatísticas (Cohen), que os profissionais que usaram o MDT apresentaram boa capacidade para detectar problemas relacionados à medicação e que o teste serviu para distinguir os itens aplicáveis daqueles que não apresentaram aplicabilidade, quando então dois itens (dose e transporte incorretos) foram excluídos, obtendo assim a versão final do instrumento 10. A primeira parte do MDT é composta pelas causas e contribuição de fatores relacionados ao paciente e ao sistema de cuidado que podem levar à discrepância na medicação e, a segunda parte contém as possíveis resoluções aplicáveis. A seção de discrepâncias relacionadas ao paciente tem como objetivo avaliar o paciente na gestão de seus medicamentos, diferenciando, por exemplo, a não adesão intencional daquela não intencional. A seção de discrepâncias relacionadas ao sistema tem como objetivo avaliar as práticas de trabalho no sistema de saúde e o regime efetivo da 28 medicação para pacientes ambulatoriais. A seção final, “resoluções”, possui como objetivo avaliar ações que possam ser tomadas para corrigir as discrepâncias encontradas 10. O MDT é um instrumento útil para identificar e caracterizar as discrepâncias dos medicamentos que possam acontecer com o paciente ambulatorial, entretanto, possui algumas limitações: nem todos os itens podem ser atribuídos exclusivamente a problemas de transição hospital-casa, mas podem ser considerados complementares àquilo que é específico da transição. Além disso, a prescrição de alta por si não é suficiente para determinar onde a discrepância ocorreu: muitas vezes é necessário que o médico complemente as informações. Para melhorar o MDT, o próprio autor sugere a inclusão de um item com os medicamentos utilizados sem prescrição médica 10. LISTAS DAS MEDICAÇÕES CONSIDERADAS INADEQUADAS PARA O USO EM IDOSOS Medicamento potencialmente inadequado para o uso em idosos é definido como qualquer medicamento cujos riscos são maiores que os benefícios. Alguns autores consideram o uso desses medicamentos como a maior causa de PRM’s na terceira idade 11, outros dizem ser responsável por inúmeras reações adversas; assim, é importante identificar quais são estes medicamentos a fim de estabelecer uma terapia farmacológica adequada 12. O método Delphi, utilizado na elaboração das listas de medicações inadequadas, tem como objetivo consultar a opinião de um grupo de especialistas através de um questionário que circula repetidas vezes entre os respondentes, cujo anonimato é preservado. Primeiro elabora-se um questionário, a partir da revisão da literatura, com informações suficientes para homogeneizar a linguagem e facilitar o raciocínio; em seguida, os convidados respondem individualmente às questões, podendo adicionar justificativas e opiniões. As respostas são analisadas estatisticamente, excluindo ou incluindo novos itens e as perguntas são repetidas no ciclo seguinte para que os respondentes reavaliem suas respostas, com base nos resultados e justificativas dadas pelo grupo na rodada anterior. Este processo é repetido várias vezes até que a divergência de opiniões esteja reduzida a um nível satisfatório, quando então se diz que foi obtido um consenso entre os especialistas 13. Assim, com a resposta da última rodada foram obtidos os instrumentos das medicações inadequadas para o uso em pessoas com 60 anos ou mais. Todas as listas de medicações inadequadas para idosos apresentam como principal limitação uma rápida desatualização, pela constante retirada e inclusão de medicamentos no mercado 29 farmacêutico e, além disso, a mais utilizada de todas (Critério de Beers) não sugere alternativas terapêuticas mais seguras para os idosos, como o faz as mais recentes listas desenvolvidas em 1997 no Canadá e em 2007 na França 12. Também, não são feitos estudos envolvendo eficácia, doses apropriadas, possíveis resultados negativos e sua probabilidade de ocorrência, associados à prescrição de medicamentos inadequados. Apesar de não identificar todos os medicamentos inadequados bem como as conseqüências de seu uso, essas listas reúnem os principais casos encontrados na prática clínica e servem como guia para os profissionais da saúde. Porém, ser inadequado não significa que se trata de uma contra-indicação absoluta, é preciso considerar a relação risco/benefício para cada paciente devido às possíveis co-morbidades, estado funcional, prognósticos e medicamentos em uso. As listas de medicamentos considerados inadequados para o uso em idosos descritas neste artigo poderão ser encontradas na íntegra na base de dados PUBMED. Critérios de Beers O Critério de Beers é o método mais utilizado para avaliar as características, com relação aos efeitos, dos medicamentos prescritos aos idosos. Este método foi primeiramente desenvolvido em 1991, baseado no estudo de idosos institucionalizados nos Estados Unidos 11, 14. Houve atualizações posteriores em 1997 para torná-lo mais aplicável, incluindo no estudo os idosos não institucionalizados, e mais recentemente em 2002 para incluir novas informações, avaliar potenciais efeitos adversos e incluir novos medicamentos cujo uso não é indicado em pacientes idosos 15. A primeira lista desenvolvida por Beers et al 14 em 1991 era composta de 19 medicamentos inadequados e 11 medicamentos cuja dose, freqüência de uso e duração do tratamento eram inadequadas para pessoas com 65 anos ou mais. A lista atualizada em 1997 constava de 28 medicamentos a serem evitados devido à sua inadequação e 35 medicamentos inadequados para 15 condições patológicas específicas 16. A mais recente lista, atualizada em 2002, selecionou os medicamentos a serem incluídos através de uma revisão sistemática para depois enviar aos especialistas e obter um consenso. Ela consta de 48 medicamentos que devem ser evitados em pessoas idosas por serem inadequados e medicamentos não adequados para 20 condições patológicas específicas 16, 17. No Brasil, em 2008, foi analisada a lista de medicamentos genéricos, publicada no Diário Oficial da União em 12 de julho de 2004, e comprovada a aplicabilidade do instrumento ao constatar a presença de 6,7% do total de medicamentos da lista, incluídos nos critérios de Beers-Fick para 30 medicamentos inadequados em idosos. Entretanto, faz ressalvas ao apontar o uso comum de antitussígenos, cinarizina, diltiazem, piracetam, quinolonas, xantinas, cremes, pomadas e colírios, os quais não fazem parte do instrumento, mas necessitam de cautela na sua prescrição 18. Apesar de necessitar de periódicas atualizações para continuar sendo válido, este instrumento possui fácil aplicação, memorização e pode ser utilizado em diversos idiomas. Sugere-se a possibilidade de considerar o uso de medicamentos fitoterápicos, gravidade da doença, diagnóstico e medidas não farmacológicas 16, 18. Medicamentos inapropriados para uso em idosos: Lista Francesa No ano de 2006 na França, de modo semelhante ao critério proposto por Beers et al 14 anos antes, foi realizado um consenso entre especialistas de várias áreas para estabelecer uma lista de medicamentos inadequados para idosos deste país. Para tanto, cada critério do questionário foi avaliado segundo a escala Likert de 1 a 5 pontos, onde 1 significa “total acordo com a inadequação” e 5 “total desacordo com a inadequação”. Os itens com escore 1 e 2 foram mantidos na lista, enquanto os itens 4 e 5 foram excluídos; os itens com escore 3 (opinião duvidosa) foram apresentados novamente aos especialistas em outro momento. Também foi estabelecido para qual idade essa lista teria aplicação. O questionário era composto de duas categorias: medicamentos que devem ser evitados em idosos por não serem efetivos ou induzirem algum tipo de risco e medicamentos que devem ser utilizados apenas em condições médicas específicas 12. A lista resultante identifica 34 medicamentos de prescrição inadequada para pessoas com mais de 75 anos, pois nesta idade as mudanças farmacocinéticas e farmacodinâmicas são mais significativas para alterar a resposta dos medicamentos do que em idades mais jovens. Entre os medicamentos encontrados, 25 foram considerados impróprios devido à relação risco/benefício desfavorável, 1 medicamento teve sua eficácia considerada questionável e 8 com relação risco/benefício desfavorável e eficácia questionável 12. De todos os medicamentos ou classes de medicamentos apresentados na lista francesa, apenas alguns fazem parte da lista proposta por Beers, pois foram excluídos aqueles não disponíveis na França (pentazocina, trimetobenzamida, flurazepam, meperidina, orfenadrina, guanadrel, 31 isoxsurpina, doxazosina, tioridazina, mesoridazina, ácido etacrínico e tireóide dessecada) ou considerados prejudiciais e não efetivos (todos os barbitúricos, excluindo apenas o fenobarbital). Diferentemente da lista de Beers, na lista proposta para a França não são utilizados estrógenos sem associação com progesterona para a menopausa, fenilbutazona foi incluída por induzir efeitos hematolíticos, fluoxetina não foi considerada maior indutora de problemas que qualquer outro inibidor da recaptação de serotonina e amiodarona foi considerada efetiva e capaz de induzir efeitos adversos como outros antiarrítmicos. Esta lista adiciona, além de vários medicamentos propostos por Beers, o uso de dois ou mais antiinflamatórios não esteroidais, dois ou mais medicamentos psicotrópicos da mesma classe terapêutica e alguns outros medicamentos com propriedades anticolinérgicas 12. Medicamentos inapropriados para o uso em idosos: Lista Canadense Esse estudo foi desenvolvido através do método Delphi modificado, no Centro Médico Acadêmico no Canadá, em 1997, por McLeod et al (17), e discorda em relação a alguns medicamentos considerados por Beers inapropriados para o uso em pessoas idosas. É o caso dos anti-hipertensivos reserpina e clortalidona, da amitriptilina e do hipoglicemiante oral clorpropamida. Os autores também criticam a lista de Beers pela inclusão de medicamentos que estão em desuso, como ciclandelato, propoxifeno e isoxsuprina 19. Inicialmente, desenvolveu-se uma lista com 38 práticas inadequadas, classificadas nas categorias de medicamentos contra-indicados devido à relação risco-benefício, medicamentos que podem causar interações com outros medicamentos e/ou interações com doenças e, posteriormente, essa lista foi enviada aos membros da equipe do consenso que julgaram as prescrições segundo as seguintes alternativas: possibilidade de aumento do risco de efeitos adversos, disponibilidade de terapias alternativas com efetividade igual ou superior e menor risco e, probabilidade da redução dessa prática conseguir diminuir a morbidade entre pessoas idosas. Com isso, foi possível gerar outra lista, agora com 71 práticas de prescrição de medicamentos para idosos, em que a condição clínica era descrita e uma terapia alternativa era sugerida para o caso. 19. Para a avaliação da significância clínica das prescrições, os respondentes utilizaram uma escala de 1 a 4 (1=sem significância e 4=altamente significante) e emitiram seu parecer sobre a terapia 32 alternativa proposta. A média de significância clínica variou de 2,53 a 3,83 e a variação da proporção de acordo ou desacordo com a terapia sugerida foi pequena 19. Neste instrumento encontram-se apenas as prescrições classificadas com média de significância clínica igual ou maior que 3,0 e elas estão organizadas de acordo com a prescrição de medicamentos para o tratamento de doenças cardiovasculares, prescrição de medicamentos psicotrópicos, prescrição de AINES e outros analgésicos e prescrição de diferentes medicações. Das 38 práticas descritas no instrumento, 18 envolvem medicamentos contra-indicados para pessoas idosas devido à desfavorável relação risco-benefício, 16 envolvem interações medicamento-doença e 4 envolvem interações medicamento-medicamento, sendo estas considerações as principais diferenças quando comparada com a lista desenvolvida por Beers 19. Índice De Adequação Da Medicação (Medication Appropriateness Index - MAI) Para prescrever um medicamento de forma apropriada, o médico deve entender sobre a patologia diagnosticada, a farmacologia do medicamento a ser prescrito, assim como deve considerar as particularidades da fisiologia e farmacologia do organismo que irá receber o medicamento. Caso a prescrição não esteja adequada, esta poderá conter medicamentos desnecessários, não efetivos, prejudiciais, inviáveis e/ou muito caros, que geralmente contribuem para maior morbidade, internações e despesa para os pacientes. Como forma de garantir a qualidade das prescrições medicamentosas, desenvolveu-se um instrumento que avalia os elementos de uma prescrição e é aplicável para vários medicamentos, cenários e condições clínicas. Este instrumento, chamado de Índice de Adequação da Medicação - MAI (Anexo 2), foi elaborado por um farmacêutico clínico e um médico geriátrico, com base na revisão da literatura (MEDLINE) sobre medidas de avaliação ou escalas de avaliação da medicação 20 e, posteriormente, foi validado por Samsa et al 21, anos mais tarde. O artigo que traz este instrumento, publicado por Joseph Hanlon et al (12) em 1992, primeiramente avaliou as prescrições medicamentosas de 10 pacientes idosos ambulatoriais, selecionados aleatoriamente, que recebiam cinco ou mais medicamentos e eram regularmente atendidos numa clínica de medicina interna nos Estados Unidos, para verificação da confiabilidade do MAI. Depois, 33 dois farmacêuticos com especialização em geriatria selecionaram outra amostra de 10 pacientes geriátricos ambulatoriais, atendidos na mesma clínica médica e que utilizavam cinco ou mais medicamentos regularmente para verificação da generalização do instrumento. Para análise dos resultados foram utilizados cálculos estatísticos de confiabilidade interclasse e intraclasse (kappa), de modo que o medicamento era considerado como completamente adequado combinando as 10 classificações e completamente inadequado se um ou mais itens recebessem classificação “3” 20. Neste instrumento a prescrição é avaliada quanto a possíveis problemas relacionados aos medicamentos segundo 10 critérios essenciais: indicação (sinal, sintoma, doença ou condição para prescrição), efetividade (produção de resultado benéfico), dose (total de medicamentos tomados em 24 horas), administração (instruções para uso correto de um medicamento), comodidade / praticidade (capacidade de ser usado ou colocado em prática), interações medicamentomedicamento (efeito que a administração de um medicamento tem em outro, geralmente prejudicial), interação medicamento-doença (efeito que um medicamento tem em uma doença ou condição pré-existente, geralmente prejudicial), duplicidade terapêutica (prescrição não benéfica ou arriscada de dois ou mais medicamentos de mesma classe farmacológica ou química), duração (período de tempo do tratamento) e custo (custo de um medicamento em comparação com outros agentes de igual eficácia e segurança). O índice segue uma escala de 3 pontos, onde 1 significa “uso apropriado do medicamento”, 2 “uso limitadamente apropriado do medicamento”, 3 “uso inapropriado do medicamento” e 9 “não sei”. Deste modo, a pontuação total por paciente se obtém pela soma da pontuação de cada um dos elementos analisados para cada medicamento, sendo que quanto mais alta a pontuação obtida na escala de 1 a 3, mais inapropriada a prescrição para o paciente idoso 16, 20, 22. Muitas vezes, pode não ser possível avaliar determinados itens no momento da aplicação do instrumento, a exemplo do item efetividade; neste caso, o profissional deve assinalar o 9 “não sei” a fim de não interferir no resultado, já que a avaliação é obtida apenas pelo somatório na escala de 1 a 3 pontos. Trata-se de um método com instruções operacionais fáceis e úteis para revisar um grande número de medicamentos utilizados pelos pacientes idosos. Entretanto, possui algumas desvantagens como a de não incluir em sua escala a presença de RAM (exceto aquelas provocadas por interações medicamento-medicamento e medicamento-doença), devido, segundo o autor, à existência de algoritmos próprios para isso; não incluir a presença de problema de saúde não tratado, qualidade de vida e não adesão ao tratamento; além de o tempo despendido para revisar cada medicamento 34 ser de aproximadamente 10 minutos, o que pode impossibilitar sua aplicação em locais muito movimentados 16, 20, 22. Instrumento Para Previsão De Reações Adversas A Medicamentos Este instrumento foi elaborado a partir de um estudo envolvendo 186 idosos com idade igual ou superior a 60 anos, realizado pela enfermaria da Clínica Médica do Centro Hospitalar Municipal de Santo André, no período de 2002 a 2004. Foram excluídos do estudo os pacientes intubados, em coma ou já internados em outros setores do hospital, os quais possuíam condição clínica que não permitiria a coleta de dados para a pesquisa e identificação de Reações Adversas a Medicamentos (RAM), as quais foram classificadas conforme a gravidade e mecanismo. Os dados coletados se referiam à idade, sexo, escolaridade, história prévia de RAM ou de etilismo, diagnósticos, doses e uso de medicamentos inapropriados, avaliados conforme Critério de Beers, resultados do MiniExame do Estado Mental e da Escala de Atividades da Vida Diária, datas de internação, óbito e/ou alta, descrição de intercorrências ou complicação e exames complementares. Cada possível RAM identificada neste estudo foi avaliada conforme seu grau de probabilidade, através do algoritmo de Naranjo 23. Do total dos pacientes avaliados 61,8% apresentaram pelo menos uma RAM no período em que estiveram internados, o que dá uma média de no mínimo 1 e no máximo 8 RAM para cada paciente, os quais apresentaram as seguintes características: idade entre 70-79 anos, maior número de diagnósticos e medicações prescritas, tempo de internação maior e uso dos seguintes medicamentos: furosemida, clortalidona, captopril, ciprofloxacino, eritromicina, insulina NPH, glibenclamida, tenoxicam e diclofenaco 23. A partir do modelo de regressão logística, fixou-se a possibilidade de ocorrência de RAM em 50% e elaborou-se o Instrumento de Previsão de RAM em Idosos (Anexo 3). A partir do número de diagnósticos, número de medicamentos e uso ou não de medicamentos inapropriados, é possível determinar o valor de corte da quantidade de medicamentos utilizados, de modo que se for ultrapassado esse valor, o paciente apresentará probabilidade superior a 50% de desenvolver uma RAM. Por exemplo, se o paciente apresenta somente um diagnóstico e não usa nenhum medicamento inapropriado, só terá risco aumentado de RAM caso lhe seja prescrito número 35 superior a 18 medicamentos; porém, se utilizar algum medicamento inadequado e apresentar mais de três diagnósticos entrará para o grupo de maior risco à RAM, independentemente do número de medicamentos. A sensibilidade deste instrumento é de 88,7% e a especificidade de 40,8% 23. Caso durante a avaliação seja identificado risco elevado de desenvolver RAM, o profissional de saúde deverá realizar o acompanhamento do paciente, reavaliando indicações e doses dos medicamentos, nível sérico (quando aplicável) e então decidir entre suspender a medicação, diminuir a dose ou associar algum outro medicamento 23. CONCLUSÕES A revisão dos principais instrumentos de avaliação da farmacoterapia no idoso contidos neste artigo pode auxiliar os profissionais da saúde, inclusive o farmacêutico, pois consideram os diversos medicamentos comumente prescritos e determinadas condições clínicas destes pacientes, além de acelerar o tempo para detecção de um PRM. A contribuição deste artigo encontra-se, demonstrando ao profissional farmacêutico as possíveis inadequações da farmacoterapia nos idosos e suas conseqüências do ponto vista do paciente, instigar o desejo de melhoria na qualidade do atendimento nas farmácias. A aplicabilidade dos instrumentos aqui propostos poderá ser avaliada em novos estudos e pelos farmacêuticos durante sua prática clínica, tanto na dispensação e aconselhamento dos pacientes, como na monitorização e avaliação dos resultados do tratamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Moreira MdM. 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Samsa GP, Hanlon JT, Schmader KE, Weinberger M, Clipp EC, Uttech KM, et al. A summated score for the medication appropriateness index: development and assessment of clinimetric properties including content validity. J Clin Epidemiol. 1994 Aug;47(8):891-6. 22. Oscanoa T, Lira G. Calidad de prescripción de medicamentos en pacientes geriátricos. 2005 [cited 2007 27 de out.]; Available from: http://www.scielo.org.pe/pdf/afm/v66n3/a02v66n3.pdf 23. Passarelli MCG, Jacob Filho W. Reações adversas a medicamentos em idosos: como prevê-las? Einstein. 2007;5(3):246-51. 37 ANEXO 1 INSTRUMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO DA DISCREPÂNCIA DA MEDICAÇÃO (MEDICATION DISCREPANCE TOOL MDT) Esta ferramenta é projetada para facilitar a concordância do regime medicamentoso entre diversos âmbitos e prescritores DESCRIÇÃO DA DISCREPÂNCIA ENCONTRADA (Completar um formulário para cada discrepância) CAUSAS E CONTRIBUIÇÃO DE FATORES (Marque tudo que seja aplicável) O texto em itálico sugere a perspectiva que o paciente tem e/ou intenção pretendida Em relação ao paciente: ( ) Reação adversa a medicamento ou parte dos efeitos ( ) Intolerância ( ) A prescrição não foi atendida (o paciente não foi comprar ou não tinha o medicamento) ( ) A prescrição não foi necessária ( ) Dinheiro/barreiras financeiras ( ) Não adesão intencional “Foi dito para eu tomar disso, mas eu escolho não fazer isso” ( ) Não adesão não intencional (p. ex. falta de conhecimento) “Eu não estou entendendo como tomar esse medicamento” ( ) Falta de habilidade em como usar o medicamento “Talvez alguém tenha me mostrado, mas eu não consigo demonstrar para você que eu posso” Em relação ao sistema: ( ) Prescrições com alergias /intolerâncias conhecidas ( ) Informação conflitante para diferentes fontes de informação; Por exemplo, informações de alta indicando uma ação e dizer outra no frasco de comprimidos. ( ) Confusão entre nomes de marca e genérico ( ) Informação de alta incompleta/inexata/ilegível Ou o paciente não é capaz de compreender a caligrafia ou a informação não é escrita em ordem. ( ) Duplicação; Tomar vários medicamentos com a mesma ação sem nenhum fundamento. ( ) Dosagem errada ( ) Quantidade errada ( ) Rótulo errado ( ) Deficiência cognitiva não diagnosticada ( ) Falta de cuidado/necessidade de assistência não identificada ( ) Limitações da visão/destreza não identificada RESOLUÇÃO (marque tudo que seja aplicável) ( ) Recomendar parar de tomar/começar tomar/mudar o modo de utilização dos medicamentos ( ) Discutir benefícios potenciais e danos que a não adesão pode produzir ( ) Incentivar o paciente a ligar para um especialista ou clínico geral sobre o problema ( ) Incentivar o paciente a marcar consulta com um especialista ou clínico geral para discutir o problema ( ) Incentivar o paciente a falar com o farmacêutico sobre o problema ( ) Orientar o paciente (falta de conhecimento/habilidade para uso correto do medicamento) ( ) Providenciar recurso de informação para facilitar a adesão (ex. material impresso) ( ) Outros___________________________________________________________ Smith J. D, Coleman E. A, Min S. J., 2004 10. 38 ANEXO 2 ÍNDICE DE ADEQUAÇÃO DA MEDICAÇÃO (MEDICATION APPROPRIATENESS INDEX - MAI) Para avaliar se o medicamento é apropriado, favor responder as seguintes questões e circular a pontuação (escore) aplicável: 1. Existe uma indicação para o 1 2 3 9 medicamento? Indicado Não indicado Não sei Comentários: 2. O medicamento é efetivo para a 1 2 3 9 condição? Efetivo Não efetivo Não sei Comentários: 3. A dosagem é correta? 1 2 3 9 Comentários: Correta Incorreta Não sei 4. As admistrações são corretas? 1 2 3 9 Comentários: Correta Incorreta Não sei 5. As admistrações são práticas? 1 2 3 9 Comentários: Prática Não práticas Não sei 6. Existem interações medicamentomedicamento clinicamente significantes? 1 2 3 9 Comentários: Significante Insignificante Não sei 7. Existem interações medicamentodoença/ problema de saúde clinicamente 1 2 3 9 significantes? Significante Insignificante Não sei Comentários: 8. Existe duplicação desnecessária com 1 2 3 9 outros medicamentos? Necessária Desnecessária Não sei Comentários: 9. A duração do tratamento é aceitável? 1 2 3 9 Comentários: Aceitável Inaceitável Não sei 10. Este medicamento é a alternativa de menor custo em comparação a outros 1 2 3 9 medicamentos com a mesma utilidade? Menos caro Mais caro Não sei Comentários: INTERPRETAÇÃO: O índice segue uma escala de 3 pontos, onde 1 significa “uso apropriado do medicamento”, 2 “uso limitadamente apropriado do medicamento”, 3 “uso inapropriado do medicamento” e 9 “não sei”. A pontuação total se obtém pela soma da pontuação de cada um dos elementos analisados para cada medicamento, sendo que quanto mais alta a pontuação na escala de 1 a 3, mais inapropriada a prescrição para o paciente idoso. Hanlon JT, Schmader KE, Samsa GP, Weinberger M, Uttech KM, Lewis IK, et al., 1992 20. 39 ANEXO 3 INSTRUMENTO DE PREVISÃO DE RAM* EM IDOSO Uso de medicamento inapropriado Número de diagnósticos Não Sim 1 18 9 2 15 6 3 11 2 4 7 0 5 4 0 * RAM=reações adversas a medicamentos INTERPRETAÇÃO: Se ultrapassar esses valores de corte obtidos, o paciente apresentará probabilidade superior a 0,5 de desenvolver uma RAM (possibilidade fixada de RAM=0,5). Exemplo, se o paciente apresenta um diagnóstico e não usa nenhum medicamento inapropriado, terá risco aumentado de RAM caso lhe seja prescrito número superior a 18 medicamentos; porém, se utilizar algum medicamento inadequado e apresentar mais de três diagnósticos entrará para o grupo de maior risco à RAM, independentemente do número de medicamentos. Passarelli MCG, Jacob Filho W., 2007 23. 40 Página 1 de 4 CRITÉRIO DE BEERS PARA MEDICAMENTOS POTENCIALMENTE INADEQUADOS EM IDOSOS, INDEPENDENTE DO DIAGNÓSTICO OU CONDIÇÃO CLÍNICA Medicamento Ácido etacrínico Aines não seletivos de COX (uso prolongado de dosagem máxima, meia vida prolongada): naproxeno, oxaprozim e piroxicam Amiodarona Amitriptilina, clordiazepóxido-amitriptilina e perfenazina-amitriptilina Anfetamina (excluindo metilfenidato e anorexígenos) Anfetaminas e agentes anorexígenos Anticolinérgicos e antihistamínicos: clorfeniramina, difenidramina, hidroxizina, ciproheptadina, prometazina, tripelenamina, dexclorfeniramina Antiespasmódico gastrintestinal: diciclomina, hiosciamina, propantelina, alcalóides de belladona e clidínio-clordiazepóxido Barbitúricos (exceto fenobarbital) exceto quando usado para o controle da epilepsia Benzodiazepínicos de ação curta: doses maiores que lorazepam, 3mg; oxazepam, 60mg; alprazolam, 2mg; temazepam, 15mg e triazolam, 0,25mg Benzodiazepínicos de ação longa: clordiazepóxido, clordiazepóxido-amitriptilina, clidínio- clordiazepóxido, diazepam, quazepam, halazepam e clorazepato Ciclandelato Cimetidina Clonidina Clorpropamida Tireóide dessecada Preocupação Risco de potencial hipertensão e desequilíbrio de líquidos. Avaliar alternativas mais seguras. Possui potencial para produzir sangramento gastrintestinal, insuficiência renal, aumento da pressão arterial e insuficiência cardíaca. Avaliação de severidade (alta ou baixa) Baixa Alta Associada com problemas com o intervalo QT e risco de produzir torsades de pointes. Escassa eficácia em anciãos. Devido à suas potentes propriedades anticolinérgica e sedativa, amitriptilina raramente é o antidepressivo de escolha para pacientes idosos. Alta Efeitos adversos estimulantes do SNC. Alta Esses medicamentos possuem um potencial para causar dependência, hipertensão, angina e infarto do miocárdio. Todos os antihistamínicos sem prescrição e muitos com prescrição podem ter potentes propriedades anticolinérgicas. São preferidos antihistamínicos não anticolinérgicos para o tratamento de reações alérgicas em pacientes idosos. Alta Medicamentos antiespasmódicos gastrintestinais são altamente anticolinérgicos e possuem efetividade incerta. Esses medicamentos devem ser evitados (especialmente para uso prolongado). Alta São altamente aditivos e causam mais efeitos adversos que a maioria dos medicamentos sedativos ou hipnóticos em pacientes idosos. Alta Devido à sensibilidade aumentada aos benzodiazepínicos em pacientes idosos, doses pequenas podem ser efetivas e seguras. A dose diária total raramente deve exceder a máxima recomendada. Alta Alta Alta Estes medicamentos possuem meia vida longa em pacientes idosos (muitas vezes Alta vários dias), produzindo sedação prolongada e aumento do risco de quedas e fraturas. Benzodiazepínicos de ação curta e intermediária são preferidos se um benzodiazepínico for necessário. Falta de eficácia. Efeitos adversos do SNC incluindo confusão. Risco de potencial hipotensão ortostática e efeitos adversos do SNC. Apresenta meia vida prolongada em pacientes idosos e pode causar hipoglicemia prolongada. É o único agente hipoglicemiante oral que causa síndrome da secreção inadequada de hormônio antidiurético (SIADH). Interesse sobre efeitos cardíacos. Avaliar alternativas mais seguras. Baixa Baixa Baixa Alta Alta Prof. Cassyano J Correr Universidade Federal do Paraná [email protected] Página 2 de 4 Medicamento Difenidramina Preocupação Pode causar confusão e sedação. Não deveria ser usado como hipnótico, e quando usado para o tratamento de reações alérgicas de emergência, deve ser usado na mais baixa dose possível. A diminuição da depuração renal pode levar ao aumento do risco de efeitos tóxicos. Digoxina (não deve exceder >0.125mg/dia exceto no tratamento de arritmias atriais) Dipiridamol de ação curta. Pode causar hipotensão ortostática. Não considerar dipiridamol de ação longa (os quais têm melhores propriedades que os de ação curta em idosos) exceto em pacientes com válvulas cardíacas artificiais Disopiramida De todos os medicamentos antiarrítmicos, este é o mais potente inotrópico negativo e, além disso, pode induzir insuficiência cardíaca em pacientes idosos. É também fortemente anticolinérgico. Outros antiarrítmicos devem ser usados. Doxazosina Risco de potencial hipotensão, secura na boca e problemas urinários. Doxepina Devido a suas potentes propriedades anticolinérgica e sedativa, doxepina raramente é o antidepressivo de escolha para pacientes idosos. Estrógenos em tratamento Evidência de potencial carcinogenicidade desses agentes (câncer de mama e isolado (oral) endometrial) e falta de efeito cardioprotetor em mulheres idosas. Fluoxetina diariamente Medicamento de longa meia vida e risco de produzir estimulação excessiva do SNC, distúrbios do sono e aumento da agitação. Avaliar alternativas mais seguras. Flurazepam Esse benzodiazepínico hipnótico tem uma meia vida extremamente longa em pacientes idosos (muitas vezes dias), produzindo prolongada sedação e aumento da incidência de quedas e fraturas. Benzodiazepínicos de ação média ou curta são preferidos. Guanadrel Pode causar hipotensão ortostática. Guanetidina Pode causar hipotensão ortostática. Existem alternativas seguras. Indometacina De todos os AINES disponíveis, é o que produz mais efeitos adversos sobre o SNC. Isoxsurpina Falta de eficácia. Cetorolaco O uso imediato ou prolongado deve ser evitado em pessoas idosas, devido um número significativo apresentar condições patológicas gastrintestinais assintomáticas. Laxativos estimulantes (uso Pode exacerbar disfunção intestinal. prolongado): bisacodil, cáscara sagrada e óleo de rícino, exceto na presença do uso de analgésico opiáceo Meperidina Em doses comumente usadas, não é um analgésico oral efetivo. Pode causar confusão e apresenta mais desvantagens que outros medicamentos narcóticos. Meprobamato É altamente aditivo e um ansiolítico sedativo. O uso de meprobamato durante períodos prolongados pode necessitar de retirada lentamente. Mesilato decodergocrina Pode não se apresentar efetivo nas doses estudadas. (Hydergine) Mesoridazina Efeitos adversos extrapiramidais e sobre o SNC. Metildopa e metildopaPode causar bradicardia e exacerbar depressão em pacientes idosos. hidroclorotiazida Metiltestosterona Risco de potencial hipertrofia prostática e problemas cardíacos. Nifedipino de ação curta Potencial hipotensão e constipação. Nitrofurantoína Risco de potencial dano renal. Avaliar alternativas mais seguras. Óleo mineral Possibilidade de aspiração e efeitos adversos. Avaliar alternativas seguras disponíveis. Avaliação de severidade (alta ou baixa) Alta Baixa Baixa Alta Baixa Alta Baixa Alta Alta Alta Alta Alta Baixa Alta Alta Alta Alta Baixa Alta Alta Alta Alta Alta Alta Prof. Cassyano J Correr Universidade Federal do Paraná [email protected] Página 3 de 4 Medicamento Orfenadrina Pentazocina Propoxifeno e associações Preocupação Causa mais sedação e efeitos adversos anticolinérgicos que alternativas seguras. Analgésico narcótico com mais efeitos adversos sobre o SNC, incluindo confusão e alucinações, mais comumente que outros medicamentos narcóticos. Além disso, é uma mistura de agonista e antagonista. Oferece poucas vantagens analgésicas frente ao acetaminofeno, ainda que tenha os efeitos adversos dos outros medicamentos narcóticos. A maioria dos relaxantes musculares e medicamentos antiespasmódicos são pobremente tolerados pelos pacientes idosos, devido seus efeitos adversos anticolinérgicos, sedação e debilidade. Além disso, é questionável a efetividade de doses toleradas em pacientes idosos. Relaxantes musculares e antiespasmódicos: metocarbamol, carisoprodol, clorzoxazona, metaxalona, ciclobenzaprina e oxibutinina. Não considerar as formas de liberação retardada Reserpina a doses >0.25mg Pode induzir depressão, impotência, sedação e hipotensão ortostática. Sulfato de ferro >325mg/dia Doses >325mg/dia não aumentam drasticamente a quantidade de ferro absorvido, no entanto, aumentam grandemente a incidência de constipação. Ticlopidina Tem demonstrado não ser melhor que a aspirina na prevenção de trombo e pode ser consideravelmente mais tóxico. Existem alternativas mais seguras. Tioridazina Grande potencial de efeitos adversos sobre o SNC e extrapiramidais. Trimetobenzamida Um dos medicamentos antieméticos menos efetivos, já que pode causar efeitos adversos extrapiramidais. FONTE: FICK, D. M; BEERS, M. H; et al, 2003. Avaliação de severidade (alta ou baixa) Alta Alta Baixa Alta Baixa Baixa Alta Alta Alta CRITÉRIO DE BEERS PARA MEDICAMENTOS POTENCIALMENTE INADEQUADOS EM IDOSOS, CONSIDERANDO DIAGNÓSTICO OU CONDIÇÃO CLÍNICA Doença ou Condição Medicamento Insuficiência cardíaca Disopiramida e medicamentos contendo elevado conteúdo de sódio (sódio e sais de sódio [bicarbonato alginato, bifosfato, citrato, fosfato, salicilato e sulfato]) Hipertensão Cloridrato de fenilpropanolamina (retirada do mercado em 2001), pseudoefedrina; comprimidos para emagrecer e anfetaminas Úlcera duodenal ou gástrica Aspirina e AINEs (>325mg) (coxibes excluídos) Convulsão ou epilepsia Clozapina, clorpromazina, tioridazina e tiotixeno Aspirina, AINEs, dipiridamol, ticlopidina e Desordens de coagulação sanguínea ou uso de terapia clopidogrel anticoagulante Obstrução do fluxo urinário Anticolinérgicos e antihistamínicos, antiespasmódico gastrintestinal, relaxante muscular, oxibutinina, flavoxato, antidepressivo, descongestionantes e tolterodina Preocupação Efeito inotrópico negativo. Pode promover retenção de líquidos e exacerbação da insuficiência cardíaca Pode produzir elevação da pressão sanguínea secundária à atividade simpatomimética Pode exacerbar úlceras existentes ou produzir novas ulcerações Pode diminuir o limiar para convulsões Avaliação de severidade (alta ou baixa) Alta Alta Alta Alta Pode prolongar o tempo de coagulação e Alta elevar os valores de RNI (relação de normatização internacional) ou inibir a agregação plaquetária, resultando em aumento do risco de hemorragia Pode diminuir o fluxo urinário, Alta conduzindo a retenção urinária Prof. Cassyano J Correr Universidade Federal do Paraná [email protected] Página 4 de 4 Doença ou Condição Incontinência urinária Arritmias Insônia Doença de Parkinson Deficiência cognitiva Depressão Anorexia e má nutrição Síncope ou quedas Síndrome da secreção inadequada de hormônio antidiurético/hiponatremia (SSIHA) Doenças convulsivas Obesidade Medicamento Alfabloqueadores (doxazosina, prazosina e terazosina), anticolinérgicos e antidepressivos tricíclicos (cloridrato de imipramina, cloridrato de doxapamina e cloridrato de amitriptilina) e benzodiazepínicos de ação longa Antidepressivos tricíclicos: (cloridrato de imipramina, cloridrato de doxapamina e cloridrato de amitriptilina) Descongestionantes, teofilina, metilfenidato, inibidores da monoamina oxidase e anfetaminas Metoclopramida, antipsicóticos clássicos e tacrina Barbitúricos, anticolinérgicos, antiespasmódicos e relaxantes musculares. Estimulantes do SNC: dextroanfetamina, metilfenidato, metanfetamina, pemolina Uso prolongado de benzodiazepínicos. Uso de agentes simpatolíticos: metildopa, reserpina e guanitidina Estimulantes do SNC: dextroanfetamina, metilfenidato, metanfetamina, pemolina e fluoxetina Benzodiazepínicos de ação curta ou intermediária e antidepressivos tricíclicos (cloridrato de imipramina, cloridrato de doxapamina e cloridrato de amitriptilina) Inibidores da recaptação de serotonina: fluoxetina, citalopram, fluvoxamina, paroxetina e sertralina Bupropiona Olanzapina Avaliação de severidade (alta ou baixa) Pode produzir poliúria e agravamento da Alta incontinência Preocupação Preocupação devido a efeitos próarritimicos e capacidade de produzir mudanças no intervalo QT Preocupação devido aos efeitos estimulantes do SNC Alta Preocupação devido aos seus efeitos colinérgicos e antidopaminérgicos Preocupação devido aos efeitos de alteração no SNC Alta Pode induzir ou exacerbar a depressão Alta Preocupação devido aos efeitos de supressão do apetite Alta Alta Alta Pode produzir ataxia, prejuízo na função Alta psicomotora, síncope e quedas adicionais Pode exacerbar ou causar secreção inadequada de hormônio antidiurético Pode diminuir o limiar de convulsão Pode estimular o apetite e aumentar o ganho de peso Efeitos adversos no SNC. Pode induzir Doença pulmonar Benzodiazepínicos de ação longa: obstrutiva crônica (DPOC) Clordiazepóxido, clordiazepóxido-amitriptilina, depressão respiratória. Pode exacerbar clinídio-clordiazepóxido, diazepam, quazepam, ou causar depressão respiratória halazepam e clorazepato. Betabloqueadores: propranolol Constipação crônica Bloqueador de canal de cálcio, anticolinérgicos Pode exacerbar a constipação e antidepressivo tricíclico (cloridrato de imipramina, cloridrato de doxapamina e cloridrato de amitriptilina) FONTE: FICK, D. M; BEERS, M. H; et al, 2003. Baixa Alta Baixa Alta Baixa Prof. Cassyano J Correr Universidade Federal do Paraná [email protected] Página 1 de 3 LISTA DE MEDICAMENTOS POTENCIALMENTE INADEQUADOS PARA A POPULAÇÃO FRANCESA DE 75 ANOS DE IDADE OU MAIS Critério Razões RELAÇÃO RISCO/BENEFÍCIO DESFAVORÁVEL Analgésicos: 1- Indometacina Severos efeitos adversos no SNC. Medicamento de segunda escolha 2- Fenilbutazona Severo efeito adverso hematológico. Evitar 3- Uso combinado de dois ou mais AINEs Não há aumento da eficácia e há aumento do risco de efeito adverso Medicamentos com propriedades anticolinérgicas: 4- Antidepressivos anticolinérgicos: Agentes bloqueadores muscarínicos com clomipramina, amoxapina, amitriptilina, cardiotoxicidade quando tomar dose excessiva. maprotilina, dosulepina, doxepina, Tricíclicos às vezes mais ativos que inibidor seletivo trimipramina, imipramina da recaptação de serotonina, mas sua relação risco/benefício é menos favorável em idosos. Medicamentos de segunda escolha 5- Antipsicóticos: clorpromazina, Medicamentos bloqueadores muscarínicos. flufenazina, propericiazina, Medicamentos de segunda escolha levomepromazina, pipotiazina, ciamemazina, perfenazina 6- Hipnóticos anticolinérgicos: doxilamina, Medicamentos bloqueadores muscarínicos. aceprometazina, alimemazina Deficiência cognitiva 7- Antihistamínicos anticolinérgicos: prometazina, mequitazina, alimemazina, carbinoxamina, hidroxizina, bronfeniramina, dexclorfeniramina, dexclorfeniramina-betametasona, ciproheptadina 8- Relaxantes musculares anticolinérgicos e antiespasmódicos: oxibutinina, tolterodina, solifenacina 9- Uso concomitante de medicamentos com propriedades anticolinérgicas Medicamentos sedativos ou hipnóticos: 10- Benzodiazepínicos de ação longa (meia vida>10h): bromazepam, diazepam, clordiazepóxido, prazepam, clobazam, nordazepam, loflazepato, nitrazepam, flunitrazepam, clorazepato-acepromazina, aceprometazina, estolam Antihipertensivos: 11- Antihipertensivo de ação central: metildopa, clonidina, moxonidina, rilmenidina, guanfacina 12- Bloqueador de canal de cálcio de curta ação: nifedipino, nicardipino Medicamentos bloqueadores muscarínicos. Sedação, sonolência 13- Reserpina Sonolência, depressão, distúrbio gastrintestinal Antiarrítmicos: 14- Digoxina >0,125mg/dia ou concentração de digoxina sérica >1,2ng.mL-1 15- Disopiramida Medicamentos antiplaquetários: 16- Ticlopidina Medicamentos gastrintestinais: Medicamento alternativo AINE, exceto fenilbutazona AINE, exceto indometacina Uso de somente um AINE Inibidor seletivo da recaptação de serotonina, inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina Antipsicóticos atípicos com menor atividade anticolinérgica (clozapina, risperidona, olanzapina, amisulprida, quetiapina), meprobamato Dose de benzodiazepínicos de meia vida curta ou intermediária < que a metade da dose dada às pessoas jovens Cetirizina, desloratadina, loratadina... Medicamentos bloqueadores muscarínicos. Evitar quando possível Trospium ou outro medicamento com menor atividade anticolinérgica Acentua efeitos adversos Sem associação Atividade prolongada, aumento da probabilidade da ocorrência de efeitos adversos (sonolência, queda...) Dose de benzodiazepínicos de meia vida curta ou intermediária < que a metade da dose dada às pessoas jovens Os anciãos são mais sensíveis a sedação, hipotensão, bradicardia, síncope Outros medicamentos antihipertensivos, exceto os bloqueadores de canal de cálcio de ação curta e reserpina Outros medicamentos antihipertensivos, exceto antihipertensivos de ação central e reserpina Outros medicamentos antihipertensivos, exceto os bloqueadores de canal de cálcio de ação curta e antihipertensivos de ação central Hipotensão postural, infarto do miocárdio ou ataque fulminante Aumento da sensibilidade dos idosos. A dose deve permanecer <0,125mg/dia ou deve ser preferencilamente adaptada para manter a concentração sérica <1,2ng.mL-1 Anomalia cardíaca, efeito anticolinérgico Digoxina <0,125mg/dia ou concentração sérica entre 0,5 e 1,2ng.mL-1 Efeitos adversos no sangue e no fígado Clopidogrel, aspirina Amiodarona, outros antiarrítmicos Página 2 de 3 Critério 17- Cimetidina 18- Laxativos estimulantes: Bisacodil, docusato, óleo de rícino, picossulfato de sódio, cáscara sagrada, senosídeos, aloe... Hipoglicemiantes: 19- Sulfoniluréias de ação longa: carbutamida, glipizida Outros relaxantes musculares: 20- Metocarbamol, baclofeno, tetrazepam 21- Tumor de próstata, retenção urinária crônica: medicamentos com propriedades anticolinérgicas (critérios 4-9, 15, 29, 30, 34) 22- Glaucoma de ângulo agudo: medicamentos com propriedades anticolinérgicas (critérios 4-9, 15, 29, 30, 34) 23- Incontinência urinária: urapidil, prazosina 24- Demência: medicamentos com propriedades anticolinérgicas (critérios 4-9, 15, 29, 30, 34), trihexifenidil, tropatepina, biperidem, neurolépticos, exceto olanzapina e risperidona, benzodiazepínicos 25- Constipação crônica: medicamentos com propriedades anticolinérgicas (critérios 4-9, 15, 29, 30, 34), antihipertensivos de ação central (critério 11) Razões Confusão. Mais interações que com outros medicamentos bloqueadores H2 Agravamento da síndrome de irritação intestinal Medicamento alternativo Inibidores da bomba de prótons e outros antagonistas H2: ranitidina, famotidina, nizatidina Laxativos osmóticos Hipoglicemia prolongada Sulfoniluréias de ação curta ou intermediária, insulina, metformina, inibidores da alfa-glicosidase Sonolência, amnésia, queda COM CONDIÇÕES CLÍNICAS Risco aumentado de retenção urinária Tiocolchicoside, mefenesina Risco aumentado de glaucoma de ângulo agudo Agravamento da incontinência urinária, hipotensão postural Agravamento da deficiência cognitiva Risco de obstrução do intestino, hipotensão postural EFICÁCIA QUESTIONÁVEL 26- Vasodilatadores cerebrais: Sem eficácia comprovada realmente enquanto Abstinência terapêutica diidroergocristina, diidroergocriptina, hipotensão postural e riscos de queda são aumentados diidroergotoxina, ginkgo-biloba, moxisilite, com a maioria dos vasodilatadores naftidrofuril, nicergolina, pentoxifillina, piracetam, piribedil, raubasinadiidroergocristina, troxerrutina-vincamina, vincamina, vincamina-rutosida RELAÇÃO RISCO/BENEFÍCIO DESFAVORÁVEL E EFICÁCIA QUESTIONÁVEL Medicamentos sedativos ou hipnóticos: 27- Doses de benzodiazepínicos de meia Sem eficácia comprovada quando a dose diária é Dose de benzodiazepínicos de meia vida vida curta ou intermediária > que a metade acima da metade prescrita para adultos jovens e curta ou intermediária < que a metade da da dose determinada em sujeitos jovens: aumento dos efeitos adversos dose dada às pessoas jovens lorazepam >3mg/dia, oxazepam >60mg/dia, alprazolam >2mg/dia, triazolam >0,25mg/dia, temazepam >15mg/ dia, clotiazepam >5mg/dia, loprazolam >0,5mg/dia, lormetazepam >0,5mg/dia, zolpidem >5mg/dia, zopiclona >3,75mg/dia Medicamentos gastrintestinais: 28- Mebrobamato para disfunção Sonolência, confusão gastrintestinal 29- Medicamentos antiespasmódicos Sem eficácia comprovada. Agentes bloqueadores Mebeverina, floroglucinol gastrintestinais com propriedades muscarínicos anticolinérgicas: associação com belladona, clidínio bromuro-clordiazepóxido, dihexiverina, difenoxilato-atropina, escopolamina, tiemônio Outros medicamentos com propriedades anticolinérgicas: Página 3 de 3 Critério 30- Antieméticos, supressor da expectoração, descongestionante nasal, ou medicamentos estimulantes (antisonolência) com propriedades anticolinérgicas: alizaprida, buclizina, dimenidrinato, difenidramina, meclozina, metopimazina, oxomezina, feniramina, pimetixeno, prometazina, associação triprolidina, clorfenamina... Medicamentos antiplaquetários: 31- Dipiridamol Antimicrobiano: 32- Nitrofurantoína 33- Uso concomitante de dois ou mais medicamentos psicotrópicos da mesma classe terapêutica 34- Uso concomitante de medicamentos anticolinesterásicos e medicamentos com propriedades anticolinérgicas Razões Sem eficácia comprovada. Agentes bloqueadores muscarínicos. Confusão, sedação Medicamento alternativo Náusea: domperidona, expectoração: clobutinol, olexadina, sonolência: acetilleucina, betahistina, rinite: salina Menos eficiente que aspirina. Vasodilatação e hipotensão postural Medicamentos antiplaquetários, exceto ticlopidina Pode induzir insuficiência renal, pneumopatia, Antibióticos com eliminação renal neuropatia periférica, reação alérgica. Resistência conforme o antibiograma bacteriana em caso de uso prolongado ASSOCIAÇÕES MEDICAMENTO-MEDICAMENTO Não há aumento da eficácia e há aumento de efeitos Sem associação adversos Associação sem sentido de dois mecanismos antagonistas FONTE: LAROCHE, M. L; CHARMES, J. P; MERLE, L., 2007. Sem associação ATIVIDADE EM GRUPO Caso 3: A Sra. S.L., 75 anos, está internada no hospital sem conseguir falar, engolir ou mover o braço e perna direita, depois de ter desmaiado quando saia para jantar com seu filho. Ela fez uma tomografia urgente que revelou um acidente vascular cerebral isquêmico. Ela tem sido tratada para hipertensão arterial e colesterol elevado dos últimos dois anos. Depois de duas semanas, a senhora S.L. recupera alguns movimentos do braço direito, mas não pode pegar objetos com sua mão. Sua deglutição foi parcialmente normalizada e ela e pode introduzir uma dieta suave em sua rotina. Foi reiniciado seu antigo tratamento medicamentoso, que inclui: SINVASTATINA 10 MG ANLODIPINO 5 MG LOSARTANO 50 MG ASPIRINA 100 MG LACTULOSE SENNE No dia seguinte, você (farmacêutico) visita a enfermaria e descobre que a senhora deputada SL teve uma crise epiléptica durante a noite. Ela recebeu Lorazepam como tratamento. 41 ATIVIDADE EM GRUPO Caso 4: Eva é uma mulher de 74 anos com histórico de asma, Hipertensão, Hiperlipidemia e Osteoporose. Ela se apresenta ao médico reumatologista para uma visita de acompanhamento. Ela reclama de episódios de náuseas que atrapalham muito sua qualidade de vida. Após avaliação da paciente, seu medico conclui que a osteoporose não está devidamente controlada. Dessa forma o médico aumenta a dose de CARBONATO DE CÁLCIO de 500 mg para 1000 mg/dia. PA (165/90 mmHg) Peso: 65 kg Altura: 158 cm TG: 270 mg/dl LDL: 165 mg/dl Colesterol Total: 225 mg/dl Medicação: CARBONATO DE CÁLCIO 1000 mg/dia ATENOLOL 50 mg/dia ATORVASTATINA 10 mg/dia ASPIRINA 100 mg/dia SERETIDE DISKUS (salmeterol + fluticasona) (uso quando necessário) CAPTOPRIL 75 mg/dia 42 artigo 325 ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO Diagnóstico e tratamento da osteoporose Osteoporosis diagnosis and treatment Márcio Passini Gonçalves de Souza Resumo Abstract Um artigo de atualização do conhecimento sobre osteoporose corre o risco de ficar desatualizado precocemente, devido ao grande interesse que o estudo e a pesquisa sobre OP despertam hoje nos pesquisadores, nas indústrias farmacêuticas e de equipamentos, nos governos, e até na OMS. Todo ortopedista conhece a OP pelo seu efeito mais deletério, a fratura osteoporótica (FxOP). Por ser uma patologia de quadro clínico não específico a OP sem fratura não levanta suspeita. A FxOP tem um custo econômico (pelo tratamento), social (por suas sequelas) e médico (por óbitos). Muitas fraturas poderiam ser evitadas pelo diagnóstico da OP antes da primeira fratura e, então, muitas incapacidades temporárias e definitivas poderiam ser evitadas, muitas vidas poderiam ser salvas. O conhecimento dos fatores de risco para osteoporose desperta a suspeita e a densitometria óssea ajuda no diagnóstico. O tratamento deve ter por base a fisiopatologia da doença. Assim, na prevenção ou no tratamento da OP, devemos diminuir a atividade do osteoclasto ou aumentar a atividade do osteoblasto, ou os dois. O tratamento ideal é aquele que diminui a incidência de fraturas por melhorar a geometria do osso e sua microarquitetura. O tecido ósseo recém-formado deve ter boa qualidade celular e de matriz, mineralização normal com boa proporção entre osso mineralizado (resistente mecanicamente) e não mineralizado (flexível) e sem acúmulo de danos. O tratamento ideal deve ter taxa de remodelação positiva e efeito terapêutico rápido e duradouro. Este efeito deve ser facilmente detectável. Deve ser seguro. An article regarding the latest understanding of osteoporosis (OP) runs the risk of quickly becoming obsolete due to the fact that research and studies about OP today are generating a great amount of interest in researchers, the pharmaceutical and medical equipment industries, governments, and even the WHO. Every orthopedist knows OP by its most deleterious effect, the osteoporotic fracture (FxOP). OP without a fracture does not arouse suspicion because it is a pathology with a nonspecific clinical profile. The FxOP has an economic cost (for treatment), a social cost (for its sequelae), and a medical cost (for deaths). Many fractures could be avoided by a diagnosis of OP prior to the first fracture and, therefore, many temporary and permanent disabilities could be avoided and many lives saved. Awareness of the risk factors for osteoporosis raises suspicion and bone densitometry aids diagnosis. Treatment should be based on the physiopathology of the disease. Likewise, in prevention or in treatment of OP, we should reduce the activity of osteoclasts or increase the activity of osteoblasts, or both. Treatment that reduces the incidence of fractures by improving bone’s geometry and microarchitecture is ideal. Newly formed bone tissue must have good cellular and matrix quality as well as normal mineralization, a good ratio of mineralized (mechanically resistant) bone to nonmineralized (flexible) bone, and no accumulated damage. The ideal treatment should have a positive rate of remodeling and fast and lasting therapeutic effects. This effect must be easily detectable. It must be safe. Descritores – Osteoporose/fisiopatologia; Osteoporose/diagnóstico; Osteoporose/prevenção & controle; Fraturas ósseas Keywords – Osteoporosis/physiopathology; Osteoporosis/diagnosis; Osteoporosis/prevention & control Médico Ortopedista do Grupo de Doenças Osteometabólicas do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC/FMUSP; Presidente do Comitê de Doenças Osteometabólicas e Degenerativas da SBOT e Presidente da Associação Brasileira Ortopédica de Osteometabolismo (ABOOM). Correspondência: Rua Pernambuco, 88 – 14º andar – 01240-020 – São Paulo, SP – E-mail: [email protected] Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9 Diagnóstico e tratamento da osteoporose Introdução Durante muitos anos, o estudo da osteoporose, pela pouca praticidade do seu conhecimento, foi relegado a um plano secundário. Hoje, além de ser um assunto muito pesquisado em todo o mundo, seu conhecimento é objetivo e útil. Um artigo de atualização sobre o tema torna-se rapidamente desatualizado pelo fato de que os conhecimentos sobre o assunto evoluem diariamente. Os conhecimentos básicos sobre osteoporose (OP) estão entranhados na consciência dos ortopedistas desde o início do século XX. A palavra osteoporose surgiu do estudo histológico de um osso osteoporótico por Jean Georges Chretien Frederic Martin Lobstein, patologista francês, em 1830 apud Oliveira(1), mas popularizou-se entre os ortopedistas como um sinal radiológico, que significava rarefação óssea, em fraturas causadas por traumas de baixa energia. Este mesmo sinal os radiologistas chamam osteopenia. No final do século passado o conceito de osteoporose mudou progressivamente da definição de uma doença bem específica, feita por Albright em 1941, para o conceito atual de uma desordem esquelética, o que engloba muitas patologias, nas quais a microarquitetura do tecido ósseo está deteriorada(2,3). Tanto o osso cortical como o esponjoso são afetados. Também a macroarquitetura dos ossos pode estar modificada. A densidade mineral óssea (DMO) está diminuída. Isto leva a um comprometimento da resistência do osso a traumas de baixa energia(4). O osso fica frágil, predisposto a um aumento da ocorrência de fraturas. É a alta incidência destas fraturas, chamadas de fraturas osteoporóticas (FxOPs) que traz importância ao estudo da osteoporose. A osteoporose participa não só para aumentar a frequência das fraturas, mas também para aumentar as possibilidades de formatos diferentes, desde fraturas sem manifestação clínica, como as chamadas fraturas morfométricas do corpo vertebral, passando por fraturas incompletas, até fraturas cominutivas muito instáveis que apresentam impossibilidade técnica de remontagem anatômica do osso. Algumas fraturas podem não ser detectáveis; outras, como as do corpo vertebral, podem deixar sequelas muito dolorosas; e outras podem levar o paciente ao óbito ou à incapacidade física permanente, como as fraturas da extremidade proximal do fêmur. O aumento absoluto e relativo da população idosa e os hábitos pouco saudáveis dos infantes e adolescentes estão levando a um aumento muito grande da incidência de OP e também das FxOPs. 221 São múltiplas as causas para o aparecimento e/ou desenvolvimento da OP. Chamamos de OP primária quando as causas são naturais (menopausa e senilidade). Falamos em OP secundária quando há uma causa primária (certos medicamentos, outras doenças, sedentarismo etc.). Quando as causas são desconhecidas chamamos de OP idiopática. Diagnóstico Diz-se que a OP sem fratura atual ou sem microfratura é uma doença silenciosa porque não tem sintomas específicos que possam levar-nos a suspeitá-la. Não parece ser verdade. Todas as doenças mediadas pelo osteoclasto são dolorosas. A OP talvez seja menos dolorosa, ou talvez a dor possa passar despercebida por ser mais branda. Muitas lombalgias e dorsalgias podem ser de origem osteoporótica e o ortopedista deve estar alertado para esta possibilidade. A OP também não tem sinais clínicos patognomônicos. O aumento da cifose torácica e a perda de estatura talvez sejam os sinais mais suspeitos. Por sua natureza multifatorial, seu caráter sindrômico e suas baixas manifestações clínicas, a OP é difícil de diagnosticar. Na maior parte das vezes a OP é diagnosticada pelos ortopedistas pela sua consequência mais deletéria, a fratura osteoporótica. Devemos, então, estarmos atentos para o diagnóstico do risco de uma pessoa ter OP. A tentativa de diagnosticar e tratar precocemente a OP, antes da ocorrência da primeira fratura, levou ao estudo dos fatores de risco para OP(5). Fatores de risco para osteoporose É preciso distinguir entre fatores de risco para osteoporose e fatores de risco para fraturas osteoporóticas. Nos primeiros estuda-se a possibilidade de o paciente apresentar osteoporose e a necessidade da realização de exames subsidiários para comprová-la. Nos fatores de risco para fratura osteoporótica estuda-se a possibilidade do paciente vir a sofrer uma fratura por fragilidade óssea e, então, a existência de osteoporose é um dos fatores de risco. Os fatores de risco mais valorizados para osteoporose são: o gênero feminino, as etnias amarela e branca, a idade mais avançada, a precocidade do início da menopausa, a hereditariedade (presença de osteoporose ou de fratura osteoporótica entre os ancestrais e os colaterais), história pregressa de fraturas osteoporóticas, erros nutricionais (baixa ingestão de cálcio, baixa ingestão Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9 222 de vitamina D3 ou baixa insolação para produção da mesma, situações para má absorção de alimentos etc.), maus hábitos (ingestão exagerada de café, álcool, tabaco), sedentarismo, certas medicações (glicocorticoides, anticonvulsivantes) e doenças como a artrite reumatoide e quase todas as doenças inflamatórias sistêmicas. Apesar de os fatores de risco para osteoporose serem bastante conhecidos há muito tempo, ainda não há uma fórmula numérica científica para avaliá-los separadamente e no contexto geral. E talvez nem venha a existir. Dependendo da população estudada estes fatores de risco têm valores relativos diferentes. O desenvolvimento do densitômetro veio ajudar no diagnóstico, mas surgem então as perguntas: Quando realizar uma densitometria? Quando repetir a avaliação? E novamente é necessário avaliar os fatores de risco para a osteoporose. Tabela 1 – Valor relativo dos fatores de risco para osteoporose Coeficiente Valor 1 Gênero Masculino Etnia Negra 2 vezes 4 vezes 8 vezes Feminino Parda Branca Amarela Idade 20 50 60 70 IMC > 30 27 a 30 24 a 27 20 a 24 Idade menop. > 52 48 a 52 44 a 48 Até 44 FxOP Prévia FxOP Pais QQ FxOP Vért. Outras Vért. Fêmur Hábitos Tabaco Álcool Café Ativ. física Diária Frequente Ocasional Sedentária Anticonv. Artr. reum. ISDA Absoluto 80 Fêmur Corticoter. Na Tabela 1 estão distribuídos os fatores de risco para OP e seu valor, relativamente aos demais, conforme publicada em várias fontes de informação. A coluna “Valor 1” é a base para os cálculos. Assim, o gênero feminino tem quatro vezes mais chance de ter OP em relação ao masculino, a etnia amarela tem duas vezes mais que a branca (8/4 = 2) e esta quatro vezes mais que a negra (4/1 = 4). A consideração de vários fatores leva à solicitação de uma avaliação densitométrica. Somar a “pontuação” não traz resultado prático. Por exemplo, na coluna da direita a existência de qualquer dos fatores exige a realização de densitometria óssea. A experiência clínica, nesta e em qualquer outra patologia, leva o médico a desconfiar da existência da patologia e a procurar o diagnóstico. No caso da OP, a desconfiança surge da existência dos fatores de risco. Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9 Densitometria O densitômetro é um aparelho gerador de duplo feixe de raios-X que atravessa uma região do corpo do paciente. Um colimador colhe a radiação emitida, avaliando a quantidade de cálcio pela área medida. Um computador analisa os resultados obtidos e os compara com um banco de dados de pessoas da mesma etnia, peso, altura e idades de 20 até 100 anos. Os resultados são apresentados em gramas/cm2 e comparados à média das pessoas de 20 anos de idade (T score), que representa o valor do pico da massa óssea. Também são comparados aos valores médios da DMO das pessoas de mesma idade (Z score). São calculadas as porcentagens relativas e os desvios padrões (DPs) das médias. Os resultados são considerados, conforme consenso da OMS, como Normal, quando a densitometria mostra até –1 desvio padrão no T score; Osteopenia, de –1 a –2,5 DPs e Osteoporose de –2,5 DPs para mais. Há ainda a denominação de Osteoporose estabelecida quando, além do DP < –2,5, o paciente apresenta uma fratura osteoporótica. Hoje se considera como portador de OP qualquer paciente que tenha tido uma FxOP. O Z score com valores iguais ou menores que –2 é sugestivo de uma possível OP secundária. Como qualquer exame subsidiário, a densitometria deve ser realizada quando há indícios suficientes da possibilidade do paciente ser portador da patologia. A desconfiança é despertada pela existência de fatores de risco para osteoporose. Não havendo fatores de risco, a regra é realizar uma primeira avaliação densitométrica em todas as pessoas de mais de 65 anos de idade, e em todas as mulheres de 50 anos que tiveram menopausa precoce. O exame deve ser repetido de um a três anos, dependendo de critério clínico, ou para controle de tratamento. Fatores de risco para fraturas osteoporóticas Os fatores de risco para fraturas osteoporóticas são os mesmos fatores de risco para osteoporose, acrescidos do resultado de densitometria. São importantes também os fatores de risco para quedas, mas devemos lembrar que traumas comuns, de baixa energia, não provocam fraturas em pessoas hígidas. O próprio conceito de fratura osteoporótica é o de “fratura simples ou complexa que ocorre em pessoa portadora de osteoporose, aparente ou não aparente, provocada por um trauma de baixa energia”. Não há relação segura entre a ocorrência de fraturas e o resultado da densitometria. A densitometria mede a massa óssea calcificada, mas não mede a qualidade Diagnóstico e tratamento da osteoporose desta massa óssea. Um caso conhecido é o do aumento da DMO densitométrica pelo uso do fluoreto de sódio, muito usado no passado no tratamento da osteoporose radiológica, que promovia maior fragilidade óssea. Outro exemplo é o do estrôncio, presente no ranelato de estrôncio, promissor meio de tratamento da osteoporose, que, por sua maior massa atômica e maior raio atômico, promove maior DMO densitométrica pela maior atenuação do feixe de raios-X do densitômetro. Certamente os pacientes classificados como portadores de “osteoporose densitométrica” têm maior taxa de incidência de fraturas que os demais, e esta taxa é inversamente proporcional à DMO. Mas o número de fraturas osteoporóticas é muito maior entre os classificados como “osteopênicos densitométricos”, e mesmo os “normais densitométricos” sofrem fraturas osteoporóticas em grande número. Isto ocorre porque as populações “normal” e “osteopênica” são maiores que a população osteoporótica(6). Um problema sério de saúde pública é então identificar a pessoa não portadora de OP densitométrica, porém suscetível de vir a ter uma fratura osteoporótica. Atualmente há um índice epidemiológico sendo estudado, sob o patrocínio pela OMS, o índice FRAX (Fracture Assessment Tool)(7), que avalia estatisticamente os fatores de risco de uma pessoa, e os valoriza, e nos dará a chance, em porcentagem, da pessoa estudada vir a ter uma fratura osteoporótica em 10 anos(8). No Brasil já há estudos em andamento visando o estabelecimento do índice FRAX para a população brasileira. Em estudos clínicos com pacientes tratados com bisfosfonatos orais e controlados com placebo, a perda de massa óssea densitométrica do grupo placebo é acompanhada de aumento da incidência de fraturas, e o ganho de massa óssea densitométrica até 5% é acompanhado de diminuição proporcional desta incidência. Acima de 5%, a diminuição da prevalência de fraturas se mantém, mas sem diminuição proporcional ao ganho de massa óssea densitométrica(9). Tratamento Estabelecido o diagnóstico de OP e estabelecido o risco de uma FxOP, deve-se decidir pelo tratamento profilático e/ou pelo curativo. A maior parte das intervenções serve aos dois objetivos. É óbvio que quando se faz a prevenção ou o tratamento da OP também está se fazendo a prevenção da FxOP. Antes de discutirmos os tratamentos, vamos relembrar a REMODELAÇÃO ÓSSEA. 223 O osso é um tecido vivo que sofre constantemente um processo de troca de tecido antigo por tecido novo. O mediador deste processo é o osteócito. De tempos em tempos (mais ou menos mil dias) o osteócito entra em apoptose, isto é, a morte programada da célula. Na proximidade da apoptose ele produz sinalizadores para que células mesenquimais pluripotentes formem osteoblastos. Estímulo semelhante ocorre quando o osso é submetido a esforços físicos para os quais não está preparado. Seja por pressões sobre as proteínas da membrana celular(10), seja pela estimulação do cílio primário, organela do osteócito que detecta estas tensões, há sinalização às células mesenquimais para formar osteoblastos. O osteoblasto produz o fator RANK (Receptor Activator of Nuclear factor Kappa beta) que sinaliza para as células hematopoiéticas formarem osteoclastos e também ativa a borda em escova destes osteoclastos. Em 20 dias os osteoclastos reabsorvem parte do tecido ósseo, formando as lacunas de Howship. Agora os osteoblastos irão preencher estas lacunas com matriz proteica e finalmente nela depositarão cristais de hidroxiapatita. Este processo demora 180 dias para ser completado. Havendo distúrbio deste remodelamento, pela maior ação proporcional do osteoclasto em relação ao osteoblasto, haverá uma pobre formação de tecido ósseo que, dependendo da gravidade, poderá ser osteopenia ou osteoporose. Assim, na prevenção ou no tratamento da OP, devemos diminuir a atividade do osteoclasto ou aumentar a atividade do osteoblasto, ou os dois. Parece ideal estimular a formação óssea estimulando a ação dos osteócitos ou dos osteoblastos, mas estes estimulam os osteoclastos, que agem em 20 dias, enquanto os osteoblastos irão gastar 180 dias para reparar a lacuna deixada pelo osteoclasto. Isto explica porque certos tratamentos anabólicos, isto é, que estimulam os osteoblastos, nem sempre alcançam os resultados esperados. São tratamentos anabólicos: a atividade física, o calcitriol (vitamina D), a associação cálcio + calcitriol, esteroides anabolizantes, hormônio de crescimento, o paratormônio (PTH) e seu derivado, a teriparatida e o ranelato de estrôncio. São tratamentos anticatabólicos, isto é, que inibem a ação do osteoclasto: a atividade física, a associação cálcio + calcitriol, os metabolitos ativos do calcitriol, as terapias de reposição de estrógeno (TRE) e de reposição hormonal (TRH), os SERMs (estimuladores seletivos dos receptores de estrógeno), os bisfosfonatos, a osteoprotegerina (OPG) e o ranelato de estrôncio. Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9 224 Atividade física É o mais barato meio de prevenção e coadjuvante do tratamento. Os exercícios com peso e os exercícios de velocidade são os mais eficazes para o ganho de massa óssea. Além disso, o ganho de massa muscular e a melhoria da velocidade de resposta motora neuromuscular diminuem as quedas e o risco de fraturas nos pacientes. O efeito piezo elétrico da atividade física, ou a ação do cílio primário, estimulam os osteócitos, via osteoblastos, a promoverem a formação de osso novo. Comparando idosos que praticam atividade física com idosos sedentários, há menores incidências de fraturas do quadril nos ativos(11). Suplementação de cálcio O cálcio participa do cristal de hidroxiapatita (Ca10(PO4)6(OH)2) que dá resistência mecânica ao osso. Na composição do tecido ósseo este cristal corresponde a 65%. O cálcio atua também na coagulação sanguínea, na regulação metabólica por meio das metaloenzimas (alfa-amilase, fosfolipases, etc), na secreção de hormônios e de neurotransmissores e na aderência celular. Por sua presença na molécula de troponina, que regula a contratilidade da actina e miosina, o cálcio participa da contração muscular, inclusive do coração, e é a importância desta ação que faz com que, biologicamente, a calcemia permaneça o mais constante possível. O cálcio existe na natureza em todos os seres vivos. As maiores fontes são o leite e os laticínios. Também são muito ricos: a sardinha, o feijão e os vegetais de folhas escuras. Nem sempre a ingestão de alimentos ricos em cálcio redunda na absorção deste pelo intestino. Esta absorção depende de o cálcio estar sob a forma de sais absorvíveis. Assim, a presença de ácido oxálico, vitamina C, fitatos (presentes na verdura cozida), certas fibras, proteínas e até mesmo lactose, podem formar compostos insolúveis ou não absorvíveis. Outra fonte de cálcio é o exoesqueleto de moluscos. Daí tira-se o carbonato de cálcio, solúvel e absorvível em PH ácido. Por esta característica química, o carbonato de cálcio é pouco absorvível em pessoas idosas (devido à hipocloridria) e pacientes que tomam antiácidos etc. Nestas situações e nos casos de nefrolitíase usa-se o citrato de cálcio, mais absorvível e acidificante da urina. O fosfato tribásico de cálcio é usado nos casos de idosos com baixa ingestão de fósforo (raros), institucionalizados e com dificuldades de se alimentar. No intestino, o cálcio é absorvido por via paracelular e por via transcelular. A via paracelular é passiva Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9 e depende da quantidade de cálcio no bolo alimentar, da velocidade de digestão, do PH do quilo e do sal de cálcio, além da presença de outros produtos já citados acima. A via transcelular é ativa e depende da presença da calbindina, sintetizada pela vitamina D. Todo o cálcio presente no sangue é filtrado pelos glomérulos renais e a maior parte dele é reabsorvido pelos túbulos. Uma parte, de 100 a 300mg são eliminados diariamente pela urina e precisa ser reposta. Nas pessoas com mais de 50 anos, fazendo ou não TRH, é imprescindível completar a dieta com suplementação diária de cálcio até 1.500mg em duas tomadas por dia. Uma dieta diária não láctea tem até 700mg e uma rica em laticínios tem até 950mg. Oferece-se a mais para que o organismo aproveite o que necessita. Os produtos farmacêuticos são denominados de acordo com a quantidade de cálcio elemento que eles contém no comprimido ou envelope e não pela quantidade do sal. Assim, 1.250mg de carbonato de cálcio aparecem com “cálcio 500”. A administração isolada de cálcio é eficiente para diminuir a incidência de fraturas(11). Vitamina D A vitamina D é um “quase hormônio”. Atua na absorção intestinal do cálcio alimentar e na reabsorção tubular renal do cálcio urinário. Reduz os níveis de PTH e estimula a osteogênese pelos osteoblastos. Tem ação antibiótica na árvore respiratória. Atua na modulação do equilíbrio no SNC. Facilita o aumento da força muscular principalmente na sarcopenia. Estimula a diferenciação e inibe a proliferação celular atuando então como protetor contra câncer de mama, próstata e intestino. Sua necessidade aumenta com a idade(12). É produzida naturalmente por ação dos raios UVB do Sol sobre o 7-dihidrocolesterol circulante sob a pele irradiada, transformando-o no colicalciferol. Este, que já tem hidroxila em sua molécula, recebe outra hidroxila no carbono 25, ao passar pelo fígado, formando o calcidiol ou 25hidrocolicalciferol. A terceira hidroxila é fixada ao carbono 1 pela hidroxilase, no rim, formando o calcitriol ou 1,25-dihidrocolicalciferol. O colicalciferol ou vitamina D3 existe no fígado de peixes de águas frias, em ovos e em leites enriquecidos. Existe pouco no leite humano. Seu isômero, o ergosterol, ou vitamina D2, existe nos vegetais. As vitaminas D3, D2 e o calcidiol são inativos. O calcidiol é a forma de depósito. O calcitriol e seu metabolito alfacalcidol são as formas ativas na absorção do cálcio da luz do intestino e na reabsorção tubular Diagnóstico e tratamento da osteoporose renal do cálcio urinário. Eles têm vida muito curta e por isso não são dosados. O calcidiol é dosável e deve permanecer entre 32 a 100ng/mL de soro(13). Solicitar ao laboratório como “25-OH-Vitamina D” sérica. Para manter este nível o ideal é a ingestão de 800 a 1.200UI de vitamina D3 por dia. Há várias formulações no comércio. Quando associada ao cálcio, em geral há 200UI/comprimido. Existem outras preparações que associam o colicalciferol com o palmitato de retinol (vitamina A) e o alfatocoferol (vitamina E). Por exemplo, o Ad-til tem 250UI de Vitamina D e 1.250UI de vitamina A por gota (40gotas/ml). Usa-se 40gotas por dia para repor a concentração ideal no soro (por cerca de três meses) e 40gotas por semana para a manutenção. A associação de cálcio e vitamina D é eficiente na diminuição da incidência de fraturas(14). Esteroides anabolizantes e hormônio de crescimento Atuam melhorando a formação da matriz proteica e na estimulação dos osteoblastos. Devido aos seus efeitos adversos são pouco utilizados. Na OP secundária por hipogonadismo masculino o uso de metil testosterona pelos urologistas é frequente e eficiente. Teriparatida e PTH O paratohormônio é formado por 84 aminoácidos dispostos em cadeia linear. A teriparatida é seu homólogo, só com os aminoácidos 1 ao 34, obtido pela técnica do DNA recombinante. Os dois, quando administrados de forma contínua, aumentam a ligação do RANK (RANKL) ao pré-osteoclasto estimulando a replicação do mesmo e ao osteoclasto estimulando sua ação de reabsorção de tecido ósseo. São então grandes reabsorvedores de osso (osteíte fibrosa cística). Porém, quando usados de forma diária, em pequenas doses, inibem o sistema RANKL e aumentam a OPG, inibindo então a reabsorção óssea. Neste caso, também estimulam a replicação e atividade do osteoblasto endostal e periostal. Com isto: aumentam a espessura da cortical, aumentam a secção transversa do osso e aumentam a espessura e conexão das trabéculas(15). Isto dá mais resistência mecânica ao osso(16). É usado sob a forma de microinjeções subcutâneas diárias por meio de uma “caneta” com 28 doses. Está muito indicada em pacientes com alto risco de fraturas e/ou refraturas(17). Atualmente muitos estudos vêm sendo desenvolvidos procurando associar o uso da teriparatida concomitantemente ou sequencialmente com antirreabsortivos(18‑20). 225 Terapia de reposição hormonal e estrogênica (TRH e TRE) São eficientes na prevenção da OP pós menopausa, mas não em seu tratamento. Devem ser iniciadas logo após a menopausa e controladas por ginecologista devido aos seus potenciais efeitos adversos. O maior problema é o aumento da ocorrência de câncer de mama, além dos distúrbios tromboembólicos. SERMs Os SERMs ou moduladores seletivos de receptores de estrógenos são usados quando as pacientes têm risco aumentado para câncer de mama. Eles inibem os receptores de estrógeno da mama e do útero, protegendo estes dois órgãos da ação deletéria do estrógeno. O mais usado é o citrato de tamoxifeno. Para a prevenção e tratamento do OP, em substituição à TRH, foram desenvolvidos outros SERMs, com ação de estimulação estrogênica sobre os receptores de estrógeno do osso, aparelho cardiovascular e lipídeos. Assim, previnem e tratam a OP, previnem a hipercolesterolemia e as placas ateromatosas vasculares, e não estimulam o desenvolvimento de câncer de mama e útero. São eles o cloridrato de raloxifeno e o lasofoxifeno. Bisfosfonatos Bisfosfonatos (ou geminal bisfosfonatos) são polifosfatos que têm pelo menos uma conexão P-C-P (fósforo – carbono – fósforo) na molécula. Foram sintetizados pela primeira vez por Menschutkin em 1865 como anticorrosivos industriais. Mais tarde passou-se a utilizá-los como amaciantes de “águas duras” (águas alcalinas) em lavanderias e nas tubulações de águas (para impedir a deposição de carbonato de cálcio nos encanamentos). Em 1968 Fleish e Russel descobriram o pirofosfato no plasma e na urina e, em 1970, descobriram que o pirofosfato inibe a precipitação do carbonato de cálcio nos vasos e vias urinárias sendo, portanto, nosso “amaciante” biológico. Pelo uso clínico que já se fazia, desde 1968, do etidronato em doenças osteometabólicas, passaram a investigar o uso dos bisfosfonatos em OP e doença óssea de Paget. Os bisfosfonatos têm uma molécula formada por um carbono central em que estão ligados dois radicais fosfato mais um radical R1 (o ideal é que seja uma hidroxila) e um radical R2 (o ideal é que tenha uma cadeia cíclica e um átomo de nitrogênio neste radical). Dependendo da formação espacial desta molécula, ela tem mais ou menos capacidade de adsorção à molécula de hidroxiaRev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9 226 patita. Sabe-se que a cadeia P-C-P com uma hidroxila em cada um destes átomos é a melhor formação para a adsorção do bisfosfonato à hidroxiapatita. Esta adsorção é importante porque o osteoclasto, ao reabsorver o tecido ósseo, absorve também o bisfosfonato. Dentro do citoplasma do fagócito os bisfosfonatos aminados (aqueles que têm nitrogênio no radical R2) atuam na cadeia do mevalonato inibindo uma enzima, a farnesilpirofosfatosintase (FPPS). Esta enzima promove a tranformação do geranilpirofosfato em geranilgeranilpirofosfato e farnesilpirofosfato. Estes metabolitos promovem a prenilação das pequenas proteínas essenciais para a função da borda em escova e para a sobrevivência do osteoclasto. Assim, interrompendo a cadeia do mevalonato inibe-se a função osteoabsortiva do osteoclasto. Os bisfosfonatos utilizáveis na terapêutica da OP diferenciam-se pela capacidade de adsorção ao cristal da hidroxiapatita e à potência com que inibem a função dos osteoclastos. Os bisfosfonatos registrados no Brasil para o tratamento da osteoporose são: o alendronato de sódio, o pamidronato de sódio, o risedronato de sódio, o ibandronato de sódio e o ácido zoledrônico. Se considerarmos a potência antirreabsortiva comparando ao etidronato (como 1), teremos o alendronato como 1.000 vezes, o risedronato como 5.000 vezes, e o ibandronato e o ácido zoledrônico como 10.000 vezes. Quanto à capacidade de adsorção, a constante de afinidade de adsorção do etidronato é 1,2; do risedronato é 2,2; do ibandronato é 2,3; do ibandronato é 2,9; e do ácido zoledrônico é 3,4(21). Os bisfosfonatos de uso oral têm baixa solubilidade e, por isso, devem ser administrados em jejum, com um copo de água pura (não é recomendada água mineral). O paciente deve ser mantido em jejum por mais meia hora. Como são agressivos para a mucosa esofágica o paciente não deve deitar-se na primeira meia hora, para aguardar o esvaziamento gástrico e evitar o refluxo esofágico. Apenas 1% é absorvido (0,6% para o ibandronato). Destes, 51% são eliminados por via renal, sem metabolização e 49% são adsorvidos à hidroxiapatita, principalmente no osso novo. Quando liberados na corrente sanguínea, pela morte do osteoclasto ou por “desadsorção”, são novamente adsorvidos à hidroxiapatita. Alguns, como o risedronato, têm maior “desadsorção”, o que explica sua melhor distribuição por todo o tecido ósseo e seu efeito multissítio. Provavelmente estas diferenças já conhecidas, e outras ainda não conhecidas, fazem a diferença de ação antifratura dos vários bisfosfonatos. Semelhantes no Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9 modo de ação e diferentes na potência da ação, os bisfosfonatos atuam diferentemente na remissão da osteoporose densitométrica e na diminuição da prevalência de fraturas. Aparentemente, a maior qualidade do alendronato é a experiência clínica acumulada. Como foi a primeira droga eficaz contra a osteoporose é usada há mais tempo e por um número maior de pessoas. Seu maior problema são os similares, não testados clinicamente, porém muito receitados, em substituição do sal original. Outro problema é a suspeita atual de provocar fraturas por forte inibição da remodelação óssea (frozen bone) quando usado por longo tempo. Foi testado na dose de 10mg diários, por via oral. Um estudo ponte mostrou que a dose de 70mg por semana também é eficiente como inibidor da incidência de FxOPs. Recentemente foi lançado com 70mg e 2.800UI de vitamina D3 para uso semanal e está para ser lançada a apresentação com 5.600UI, também para uso semanal. O risedronato é o segundo mais usado em tempo de uso e tamanho da população usuária. Sua maior qualidade é a comprovada rapidez de ação e a eficácia antifratura multissítio com destaque para as fraturas de quadril, demonstrada em estudo clínico específico, o estudo Hip(22). Foi testado e lançado originalmente na dose de 5mg diários para uso oral. Um estudo ponte demonstrou sua eficácia com o uso semanal de 35mg e, agora, um novo estudo ponte demonstra sua validade para o uso mensal de 150mg(23). A maior qualidade do ibandronato é sua formulação com 150mg, para uso oral mensal. Já foi demonstrado que os bisfosfonatos orais podem ser administrados em doses maiores e com intervalos maiores, mantendo seu efeito na avaliação densitométrica. Originalmente foi lançado com 2,5mg para uso oral diário. O ácido zoledrônico difere dos demais citados por ser de uso endovenoso, em dose anual. Também tem um estudo específico em pacientes com fratura do quadril, o estudo Horizon RFT(24), no qual houve menor incidência de fraturas recorrentes no grupo droga ativa e o grupo tratado teve maior sobrevida que o grupo placebo. Por esta razão e pela vantagem de poder ser usado em paciente acamado, é muito indicado para uso em pacientes recém-operados de fraturas do fêmur proximal. Tem também a vantagem da aderência ao tratamento em função da posologia anual. Atualmente é registrado apenas para tratamento, mas o fabricante está aguardando liberação para uso também em prevenção da osteoporose. Diagnóstico e tratamento da osteoporose Os porcentuais de diminuição da incidência de fraturas e da remissão do quadro densitométrico dos vários bisfosfonatos, e também das demais terapêuticas, não são comparáveis, pois as populações estudadas, nos vários estudos disponíveis, foram muito diferentes entre si. Os estudos comparativos head to head (droga x droga) existentes ainda não são suficientes para se estabelecer uma grande diferença de umas sobre as outras(25). Osteoprotegerina A osteoprotegerina é um produto que está chegando agora ao mercado, precedido por alguns anos de pesquisa. Atua inibindo o RANK, impedindo que ele se ligue ao osteoclasto para estimulá-lo a se reproduzir e para ativar a borda em escova do mesmo. Ranelato de estrôncio O ranelato de estrôncio é um produto para tratamento para osteoporose que apresenta as duas ações: é antirreabsortivo e ao mesmo tempo é pró-formador(26). O ranelato de estrôncio é um sal de ácido ranélico com dois átomos de estrôncio em cada molécula. É absorvido no intestino e a vitamina D não tem efeito nessa absorção. O ácido ranélico não é metabolizado, tem baixa ligação às proteínas plasmáticas, não se acumula no organismo humano e é rapidamente eliminado por via renal deixando os dois átomos de estrôncio livres para serem adsorvidos à hidroxiapatita (pequenas quantidades substituem os átomos de cálcio na composição do cristal)(27). A biodisponibilidade do estrôncio, administrado como 2,632g de ranelato de estrôncio hidratado (2g de anidro), é de 27%(28). O estrôncio atinge a concentração sérica máxima em três a cinco horas, tem meia vida de 62 horas e a parte não adsorvida à hidroxiapatita é excretada por via renal (57%) e intestinal. O estrôncio não se liga a proteínas plasmáticas, não é metabolizado e não inibe o sistema citocromoP450. Atinge um ponto de equilíbrio em duas semanas e a meia vida é de 10 semanas. O estrôncio é um elemento químico muito semelhante ao cálcio e ao magnésio. Tem valência +2 (como o cálcio e o magnésio), tem 38 elétrons distribuídos em quatro camadas (o cálcio tem 20 em três camadas), tem raio atômico de 215 (o cálcio tem 197), tem raio iônico de 116 (o cálcio tem 100). Estas semelhanças fazem o organismo confundi-los tanto na absorção intestinal quanto em sua participação no cristal de hidroxiapatita. A absorção depende do sal (o ácido ranélico foi desenvolvido para isto), da dose (neste caso, 2g), da presença do cálcio na dieta (administrar à noite, três horas após o jantar), da função renal e da espécie animal em estudo. 227 Como o estrôncio diminui a atividade da vitamina D3 hidroxilase, seu excesso pode levar o osso à osteomalácia. Nas pequenas doses diárias preconizadas estimula a calcificação normal do tecido osteoide. Em cultura de tecido ósseo estimula a replicação do pré-osteoblasto, aumentando o número de osteoblastos e, portanto, aumenta a formação de osso. Estimula também a formação de colágeno. Por outro lado, reduz a diferenciação dos osteoclastos e reduz sua atividade. Por isso inibe a reabsorção do osso. É então pró-formador e antirreabsortivo. Os marcadores de formação óssea (fosfatase alcalina e pró-peptídeo C) aumentam e os de reabsorção óssea (C-telopeptídeo sérico e N-telopeptídeo urinário) diminuem (já no terceiro mês), confirmando sua dupla ação. Em tecidos animais e biópsias humanas foi demonstrado que melhora a microarquitetura óssea(29,30). Atua estimulando o volume trabecular, aumentando o número de trabéculas e a espessura das trabéculas. Não prejudica a qualidade óssea e a mineralização, por isso não deixa defeito mineral. Além da formação de osso endostal, estimula a produção de osso periostal, o que melhora a macroarquitetura e a resistência do osso(30). Estudos mais recentes, utilizando tecnologia de ponta como a tomografia computadorizada quantitativa periférica de alta resolução (HR-pQCT), sugeriram que o ranelato de estrôncio age mais rapidamente e é mais eficaz na formação de osso novo cortical e trabecular do que o alendronato(31), o que aponta para maior eficácia na prevenção de fraturas. A presença do estrôncio no osso aumenta a absorção dos raios-X na densitometria, porém, um estudo comparativo recentemente publicado afirmou que a medida da DMO está relacionada a pelo menos 75% da eficácia contra fraturas do ranelato de estrôncio, enquanto que para os bisfosfonatos esta estimativa está entre 4% e 28%(32). Os estudos Soti e Tropos(33,34) com duração até cinco anos comprovaram a eficácia do ranelato de estrôncio nos pacientes com osteoporose, dos seus estágios mais iniciais aos mais avançados, inclusive na população das pacientes com 80 ou mais anos de idade. Estes estudos comprovaram a redução do risco de fraturas vertebrais em 45% e redução das fraturas de quadril em 43% seja nos pacientes sem fraturas prévias (45%), seja nos pacientes com fraturas (41%). Escolha do tratamento O tratamento ideal é aquele que diminui a incidência de fraturas por melhorar a geometria do osso e sua microRev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9 228 arquitetura. O tecido ósseo recém-formado deve ter boa qualidade celular e de matriz, mineralização normal com boa proporção entre osso mineralizado (resistente mecanicamente) e não mineralizado (flexível) e sem acúmulo de danos. O tratamento ideal deve ter taxa de remodelação positiva e efeito terapêutico rápido e duradouro. Este efeito deve ser facilmente detectável. Deve ser seguro. Este tratamento ideal ainda não existe. Os vários tratamentos citados acima apresentam, cada um, algumas das características ideais e não apresentam outras. A escolha do tratamento, para cada paciente, depende das características do paciente, da gravidade da patologia e do conhecimento que o médico tenha do arsenal terapêutico como um todo e da medicação que vai prescrever em particular. O problema do custo do tratamento estará sempre presente principalmente para evitar o abandono do tratamento. Compete aos médicos (e à sociedade) pressionar o poder público para permitir o uso do melhor tratamento que a sua consciência e seu conhecimento indicarem. É preferível utilizar uma medicação que o médico tenha bom conhecimento das indicações, efeitos adversos, interação com outras drogas e contraindicações com outras patologias apresentadas pelo paciente. As moléculas orgânicas apresentam isômeros espaciais que são quimicamente iguais e podem não sê-lo biologicamente. Similares e genéricos mais baratos podem ser até mais eficazes que os produtos de marca, mas não foram testados sob as rígidas exigências que as agências registradoras fazem. Em uma patologia de longo curso, que afeta pacientes idosos, não há tempo a perder com experiências com produtos mais baratos. Algumas indicações são formais. O uso da teriparatida em pacientes com alto risco de uma fratura osteoporótica. O uso do risedronato quando se quer rapidez de ação, e ação multissítio, principalmente para prevenir fraturas do quadril. O uso do ácido zoledrônico quando se quer uma aderência ao tratamento de pelo menos um ano. O uso do ácido zoledrônico quando há indicação para o uso de bisfosfonatos e o paciente está acamado. O uso do ácido zoledrônico nos pacientes acamados em pós-operatório de fraturas do quadril. O uso da teriparatida e do ranelato de estrôncio quando se quer reativar o metabolismo ósseo aparentemente “congelado” pelo uso prolongado de alendronato. É óbvio que nas osteoporoses secundárias é importante tratar a causa primária, mas em todas as osteoporoses, primárias e secundárias, o paciente pode ser beneficiado por qualquer um dos tratamentos acima. Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9 Considerações finais Avaliação da eficácia do tratamento A avaliação ideal seria a de testes mecânicos de resistência associados a exames anatomopatológicos ou histomorfométricos de ossos tratados. A diminuição da incidência de fraturas osteoporóticas vertebrais, não vertebrais e da extremidade proximal do fêmur também seria um bom avaliador. O problema é a praticidade destas avaliações. Assim, recorre-se à redução do risco relativo (RRR) de ocorrência de uma fratura osteoporótica, estabelecido por estaticistas, baseados em estudos clínicos e laboratoriais. Há controvérsias sobre quanto cada droga reduz o risco relativo de cada fratura em cada população em particular. Não há controvérsias sobre a obrigação moral (e legal) do ortopedista, frente a um paciente com uma fratura osteoporótica, em tratá-lo ou encaminhá-lo para tratamento. O melhor método de avaliação ainda é a densitometria. Resultados em prazo menor do que um ano são inconclusivos, por isso a primeira avaliação deve ser após um ano de tratamento, exceto na osteoporose induzida por glicocorticoides (que deve ser a cada seis meses). Quando a densitometria anual mostrar um ganho de massa óssea maior do que 2%, esta avaliação pode ser bianual. A microtomografia computadorizada quantitativa vertebral (mTCQV) nos dá uma imagem do trabeculado ósseo, donde se pode inferir a eficácia do tratamento. Não é usada na prática clinica diária porque é realizada por um aparelho ainda muito caro, mas é cada vez mais usada em pesquisas. Os marcadores bioquímicos do rodízio ósseo são muito interessantes para pesquisas clínicas ou, na dúvida da eficácia do tratamento, em avaliações clínicas em prazo muito curto. Os marcadores séricos de formação e os marcadores de reabsorção óssea, em geral urinários, podem nos trazer informações já aos três meses de tratamento. Os marcadores de formação óssea mais estudados são: a fosfatase alcalina sérica total e sua fração óssea, a osteocalcina e os peptídeos procolágeno tipo I, carboxi e aminoterminal, séricos (própeptídeos C e N séricos). Os marcadores de reabsorção óssea mais estudados são: a hidroxiprolina urinária, os telopeptídeos N (NTx) e C (CTx) séricos e urinários, a piridinolina e a deoxipirinolina (DPD) urinárias, a fosfatase ácida tartarato resistente sérica e a calciúria. Diagnóstico e tratamento da osteoporose 229 REFERÊNCIAS 1. Oliveira LG. Osteoporose. Guia para diagnóstico, prevenção e tratamento: Rio de Janeiro: Revinter; 2002. 2. NIH Consensus Development Panel on Osteoporosis Prevention, Diagnosis, and Therapy. Osteoporosis prevention, diagnosis, and therapy. JAMA. 2001;285(6):785-95. 3. World Health Organization – WHO. Prevention and management of osteopo��� rosis. WHO Library Cataloguing-in-Publication Data; 2003. 4. Marshall D, Johnell O, Wedel H. Meta-analysis of how well measures of bone mineral density predict occurrence of osteoporotic fractures. BMJ. 1996;312(7041):1254-9. 5. Leslie WD, Metge C, Salamon EA, Yuen CK. Bone mineral density testing in healthy postmenopausal women. 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