Habilidade Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público Módulo

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Habilidade Clínicas para
Farmacêuticos do Serviço
Público
Módulo 4. Saúde do Idoso
Cassyano J Correr; Michel Otuki; Paula Rossignoli
Outubro de 2010
OBJETIVO GERAL
O Módulo IV – Saúde do Idoso – aborda
condições crônicas mais importantes da
geriatria e o papel do farmacêutico no manejo
da farmacoterapia nesta população. O objetivo
principal é capacitar o farmacêutico a
identificar os problemas mais comuns ligados à
farmacoterapia e promover ações de
prevenção e assistência, voltados à melhoria
dos resultados clínicos e da qualidade de vida
dos idosos.
Expediente:
Guia de referência do curso “Habilidades
Clínicas para Farmacêuticos do Serviço Público
de Saúde” – Módulo IV – Saúde do Idoso
Guia Elaborado por:
Cassyano J. Correr
Farmacêutico, Ph.D., M.Sc.
Departamento de Farmácia
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Michel F. Otuki
Farmacêutico, Ph.D., M.Sc.
Departamento de Ciências Farmacêuticas
Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG
Paula S. Rossignoli
Farmacêutica, M.Sc.
Núcleo de Ciências da Saúde
Universidade Positivo - UP
Organização :
Comissão de Serviço Público – CRF-PR
Coordenação Geral do Curso:
Natália Maria Maciel Guerra
Vice-Coordenação:
Deise Sueli de Pietro Caputo
Coordenação Didática:
Cassyano Januário Correr
Apoio:
Conselho Regional de Farmácia do Estado do
Paraná – CRF-PR
Associação Paranaense de Farmacêuticos –
ASPAFAR
Grupo de Pesquisa em Prática Farmacêutica UFPR
Novembro de 2010
Curitiba, PR
2
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
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A humanização do atendimento ao idoso
O acolhimento do idoso na atenção primária
Competência da equipe de saúde da família e a rede de atendimento ao idoso
Farmacoterapia no paciente idoso
As grandes síndromes geriátricas
Instabilidade postural e quedas no idoso
Incontinência urinária e fecal
Insuficiência cerebral – incapacidade cognitiva
Iatrogenia no idoso
Imobilidade no idoso
LEITURA COMPLEMENTAR RECOMENDADA
Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso. Brasília: MS, 2003. 70 p.
Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/estatuto_do_idoso.pdf
Martínez FM, Dáder MJF (Org.). Seguimiento farmacoterapéutico y educación sanitaria en
pacientes con edad avanzada. Granada: UGR, 2007. 161 p.
Disponível em: http://www.atencionfarmaceutica-ugr.es/
3
O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL BRASILEIRO: ASPECTOS DEMOGRÁFICOS,
EPIDEMIOLÓGICOS E SOCIAIS1
O aumento da representatividade dos idosos2 é um fenômeno mundial que afeta tanto países
desenvolvidos como em desenvolvimento. O Brasil ocupa posição de destaque nesse cenário
internacional. Estima-se que entre 1950 e 2025, a população de idosos no Brasil crescerá 16 vezes
contra 5 vezes a população total, o que nos colocará em termos absolutos como a sexta população
de idosos no mundo, isto é, com mais de 32 milhões de pessoas com 60 anos e mais (BRASIL, 2001;
FAUSTO, 2002), crescimento comparável somente ao do México e Nigéria (BRASIL, 2001). Se
tomarmos como exemplo a França, 115 anos deverão transcorrer antes que a proporção de idosos
duplique, passando de 7% para 14% (85 anos transcorrerão na Suécia, 66 anos nos EUA), aqui o
mesmo fenômeno deverá ocorrer em apenas 30 anos (CHAIMOWICZ, 1997). Projeções estatísticas,
ainda, demonstram que a população de idosos passará de 7,3% em 1991 (11 milhões) para cerca de
15% em 2025 (BRASIL, 2001) e 14,2% em 2050 (CHAIMOWICZ, 1997).
Num país continental como o Brasil, observa-se, além disso, diferenças regionais características na
população idosa e suas famílias (BRASIL, 2002). Na região Sudeste, por exemplo, a população com
mais de 60 anos saltou de 4% para 8,6% entre 1940 e 1996 (CAMARANO; PASCOM, 2000). Na região
Sul, a participação dessa faixa etária subiu de 2,2% em 1970 para 5,2% em 2000 no Estado do Paraná
(PARANÁ, 2001), e para 6,33% da população total na capital, Curitiba (BRASIL, 2000). Essa mudança
demográfica acarreta profundas alterações nos perfis epidemiológico e social do país, criando a
necessidade de adequações em praticamente todas as áreas, mas principalmente no setor de saúde.
A transição demográfica brasileira, ocorrida principalmente no século XX e início do século XXI, pode
ser dividida em quatro etapas (BRASIL, 2001):
1) Alta fecundidade / alta mortalidade: no início do século, a população brasileira era
extremamente jovem, sendo a faixa etária com menos de 15 anos responsável por 42 a
46 % do total e os idosos por, somente, 2,5 % (CHAIMOWICZ, 1997). As taxas de
nascimentos eram muito altas, porém eram compensadas por coeficientes de
1
Texto elaborado por Cassyano J Correr;
Para efeito deste trabalho, será considerada a definição da Política Nacional do Idoso (BRASIL, 1996) em que
são consideradas idosas pessoas com 60 anos ou mais. Nos estudos citados em que a faixa de idade amostrada
for diferente, esta será citada.
2
4
mortalidade também altos, de 29,1 por mil em 1900 e 24,4 por mil em 1940. A
população se mantinha mais ou menos estável. Com grande porcentagem de jovens na
população.
2) Alta fecundidade / redução da mortalidade: A taxa de mortalidade passou a diminuir
consideravelmente em relação à etapa anterior (MOREIRA, 2000). Somente na década
de quarenta, houve uma queda de 13% nessa taxa, contra 16% de queda total nas
quatro décadas anteriores (Tabela 1), sendo essa redução devida principalmente à
queda da mortalidade infantil. Houve, em contrapartida, um grande crescimento da
população, que saltou de 41 para 93 milhões de habitantes entre 1940 e 1970
(média=2,8% ao ano), às custas da população jovem. (CHAIMOWICZ, 1997) Esse período
foi chamado “Baby Boom” e ocorreu no Brasil nas décadas de 40 e 50.
3) Redução da fecundidade / mortalidade continua a cair: A partir de 1960, começou o
envelhecimento populacional brasileiro, devido à queda da fecundidade, ocorrida
inicialmente em algumas regiões mais desenvolvidas do país (MOREIRA, 2000). A taxa de
fecundidade total (número médio de filhos que uma mulher teria ao terminar o período
reprodutivo, em determinado local e época) caiu de 5,8 para 2,7 filhos por mulher entre
1970 e 1991 (CHAIMOWICZ, 1997). Isso gerou uma diminuição do crescimento
populacional total, com conseqüente aumento da porcentagem de adultos jovens, nesse
período. O índice de envelhecimento populacional (maiores de 64 anos x 100 / menores
de 1 5 anos), entretanto, subiu de 6,4 (1960) para 13,9 (1991) (CHAIMOWICZ, 1997).
4) Fecundidade continua a cair / mortalidade continua a cair em todas as faixas etárias: A
partir do ano 2000, até 2050, deverá se observar o mais rápido incremento na proporção
de idosos brasileiros jamais vista. Deverá haver um salto de 5,1% para 14,2 %, em 2050.
Em 2020, essa população deverá ser de 7,7% (CHAIMOWICZ, 1997). A quantidade total
da população porém deverá entrar em um certo equilíbrio, devido também à persistente
redução das taxas de fecundidade. Segundo o mesmo autor, essa queda será de 2,6 para
2,2 entre os períodos de 1995-2000 e 2015-2020. Por volta de 2080, a proporção de
jovens e idosos deverá se estabilizar, com 20% e 15% do total, respectivamente. A partir
de então, novos incrementos na proporção de idosos dependerão da redução da
mortalidade após os 64 anos.
Poderemos, então, chegar no ponto em que a taxa de nascimento cai mais que a taxa de
mortalidade, tendo assim um crescimento negativo da população, como acontece hoje na
Dinamarca, Hungria e Canadá (BRASIL, 2001). Em termos relativos, a fecundidade responde por
5
quase 70% do movimento de envelhecimento demográfico nacional, enquanto outros fatores como
a mortalidade, a inércia populacional e a interação desses fatores respondem em torno de 10% cada
um, respectivamente (MOREIRA, 2000).
A tabela 1 demonstra a progressão da expectativa de vida ao nascer ao longo dos anos.
TABELA 1- EXPECTATIVA DE VIDA AO NASCER
1900
1935
1950
1960
1980
2000
2025
33,7 anos
39 anos
43,2 anos
55,9 anos
63,4 anos
68,5 anos
72 anos
+12 anos
+7,5 anos
+5 anos
+3,5 anos
FONTE: BRASIL. Ministério da Saúde. Programas e projetos: Programa de saúde do Idoso. Brasília, 2001.
Acompanhando a mudança demográfica, ocorrem também profundas alterações no perfil
epidemiológico da população. A essas alterações dá-se o nome de transição epidemiológica 3. Essas
mudanças nos perfis de saúde caracterizam-se pelo predomínio das enfermidades crônicas nãotransmissíveis e a importância crescente dos fatores de risco para saúde. Segundo CHAIMOWICZ
(1997), esse processo engloba três mudanças básicas:
1) Substituição, entre as primeiras causas de morte, das doenças transmissíveis por
doenças não transmissíveis e causas externas.
2) Deslocamento da maior carga de morbi-mortalidade dos grupos mais jovens aos grupos
mais idosos.
3) Transformação de uma situação em que predomina a mortalidade para outra em que a
morbidade é predominante.
As doenças infecto-contagiosas que representavam, em 1950, 40% das causas de morte, não
chegaram a 10% das causas no ano 2000; enquanto isso, as doenças cardiovasculares saltaram de
12% para 40% das causas identificadas (BRASIL, 2001). A maior prevalência dessa classe de
enfermidades na terceira idade faz com que essa parcela da população carregue consigo uma maior
carga de morbimortalidade em relação aos mais jovens. De um modo geral, indivíduos idosos são
portadores de múltiplos problemas médicos coexistentes, portando, em média, maior número de
condições crônicas. A incidência simultânea de problemas (ex. osteoartrite, dispnéia de esforço ou
3
Esse conceito refere-se às modificações, a longo prazo, dos padrões de morbidade, invalidez e morte que
caracterizam uma população específica e que, em geral, ocorrem em conjunto com outras transformações
demográficas, sociais e econômicas (CHAIMOWICZ, 1997).
6
diminuição da acuidade visual) aumenta em média de 4,6 para 5,8 entre os 65 e 75 anos de idade
(CHAIMOWICZ, 1977). Somada a essas constatações, as observadas quedas nas taxas de
mortalidade, ocorridas no Brasil em praticamente todas as faixas etárias, desde a década de 50 até
os dias de hoje (BRASIL, 2002), fazem com que cada vez mais idosos convivam com esses problemas
crônicos. Isso produz significativo impacto na saúde desses indivíduos, fazendo com que prevaleçam
situações de morbidade e controle de enfermidades crônicas, com evidente e prevalente diminuição
da autonomia4.
Um dos grandes desafios gerados por essa mudança epidemiológica constitui o financiamento do
setor saúde (BRASIL, 2001; FAUSTO 2002; OPAS,1998; CHAIMOWICZ, 1997). A necessidade de
avaliações globais e mais complexas, a maior incidência de internações e procedimentos de alta
tecnologia e a maior demanda por profissionais sanitários especializados faz com que a necessidade
de investimentos em saúde sejam potencialmente infinitos, contra recursos sabidamente limitados.
No Brasil, vários estudos têm relatado o impacto econômico da população idosa no Sistema Único
de Saúde (SUS). Do valor total pago pelo SUS em hospitalizações em 1997, 23,9% foi consumido
pelos idosos, 19,7% pela faixa de 0-14 anos e 57,1% pela de 15 a 59 anos (BRASIL, 2001). O custo
médio por internação se elevou de U$ 83,4 em 1984 para U$ 268,0 em 1997, sendo os maiores
valores aqueles destinados à faixa etária de 60 a 69 anos (aproximadamente U$ 350,0 por
internação) (CHAIMOWICZ, 1997). Do total de 12,7 milhões de internações hospitalares realizadas
pelo SUS em 1995, quase 17% corresponderam a pessoas de 60 anos ou mais, com taxa de 197
internações por 1000 habitantes. Valores bastante altos em relação à outras faixas etárias (0-14
anos: 53/1000; 15-59 anos: 93/1000) (OPAS, 1998). Além disso, o tempo de permanência de idosos
quando internados é significativamente maior, sendo de 7,1 dias para indivíduos de 60 anos ou mais,
5,5 dias de 0 a 15 anos e 5 dias de 15 a 59 anos (OPAS, 1998).
O gasto com medicamentos também possui representatividade bastante relevante. Em estudo
realizado em Belo Horizonte, dentre os indivíduos idosos que recebiam até um salário mínimo em
1992 (um terço do total pesquisado), mais da metade gastava parte considerável de sua renda
(18,6%) com medicamentos. Ainda segundo o estudo, como conseqüência dessas dificuldades, 25%
desses indivíduos utilizava medicamentos sem receita médica, a mesma proporção observada no Rio
de Janeiro (CHAIMOWICZ, 1997). Se considerarmos o aumento dos preços dos medicamentos em
relação à inflação, constataremos que de lá para cá, provavelmente a situação tenha se agravado.
Em dez anos (1989-1999), os preços dos medicamentos aumentaram cerca de 50% acima da inflação
4
Exercício da autodeterminação e independência funcional, como a capacidade do indivíduo em realizar suas
atividades diárias, como vestir, comer, banhar-se, etc. (BRASIL, 2001)
7
(SERRA, 2000). Temos que considerar ainda que o gasto com medicamentos inclui, além dos gastos
diretos de aquisição, os gastos indiretos causados pelos Problemas Relacionados aos Medicamentos
(PRM), tema que será aprofundado ao longo do curso.
A SAÚDE DO IDOSO NO BRASIL
Nas últimas duas décadas a saúde e condições de vida da faixa etária idosa no Brasil alcançou
sensível melhora, coincidente com os avanços nas taxas de mortalidade, na tecnologia médica e na
universalização da seguridade social (BRASIL, 2002). Esses avanços porém, não são suficientes para
que possamos suprir o aumento das necessidades desses indivíduos com os próximos anos. Além
disso, a melhoria de diversos indicadores não reflete uma elevação linear nas condições da
população, mas, muitas vezes, pequena melhora em condições extremas de pobreza e desigualdade.
As principais causas de óbitos em idosos, em levantamento de 1994. Foram: 1) aparelho respiratório
(14%), 2) neoplasias (16%) e 3) aparelho circulatório (47%), sendo as doenças cerebrovasculares
(34%) e a cardiopatia isquêmica (28%) as mais prevalentes (OPAS, 1998). Esses números refletem a
mudança epidemiológica anteriormente citada.
O modelo atual de assistência, porém, não se encontra totalmente adequado às necessidades dos
idosos. A infra-estrutura necessária para responder às demandas deste grupo etário em termos de
instalações, programas específicos e mesmo profissionais da saúde adequados quantitativa e
qualitativamente, ainda é precária (BRASIL, 2001). Como exemplo, temos que no Brasil, em 1994,
60,4% de todos os atestados incluídos na categoria SSAMD (sinais, sintomas e afecções mal
definidas) referiam-se aos óbitos de idosos, refletindo as deficiências na notificação (ou no
atendimento) desta parcela da população (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997).
A não preocupação ou a não identificação de problemas típicos da terceira idade representa
também um aspecto da freqüente ineficiência do sistema. Estima-se que condições prevalentes em
geriatria (depressão maior, hipotensão ortostática, fecaloma, lesões da cavidade oral e incontinência
urinária) cursam em grande parte sem diagnóstico (CUNHA et al., 2002). Em trabalho realizado na
cidade de Rio Grande - RS, através da consulta de prontuários médicos, e confirmado de maneira
consistente por diversos outros estudos no país, evidenciou-se essa realidade:
8
a) A Incontinência Urinária, de prevalência constatada de 31,4%, somente em 21,8% do
casos foi diagnosticada. Em 78,2% não havia nenhum registro no prontuário hospitalar.
De todos os casos, ainda, somente 8% recebeu algum tipo de cuidado (sonda ou coletor
de urina) e nenhum paciente (0%) teve a incontinência investigada.
b) A Instabilidade postural e as quedas, com prevalência de 18,8% na população estudada,
não recebeu diagnóstico em nenhum caso.
c) A Imobilidade, presente em 18,4% foi diagnosticada em somente 31,4% dos pacientes.
d) A Demência e o Delirium, com 5% e 6,1% de prevalência, respectivamente, não foram
diagnosticados em nenhum dos casos.
e) A Depressão Maior, presente em 10,1% dos idosos, recebeu diagnóstico, neste estudo,
somente em 1 (um) caso, e ainda assim sem tratamento. Observou-se, ainda, que todos
os pacientes deprimidos estavam fazendo uso de pelo menos um fármaco que
comprovadamente precipita ou piora a depressão. (BRASIL, 2001)
Em outro estudo feito em Belo Horizonte, em Hospital Geral, randomizado, com 202 idosos
hospitalizados, a prevalência de Depressão Maior foi de 8,9%. Destes, porém, somente 3 pacientes
receberam diagnóstico médico de depressão e somente 1 paciente fazia uso de antidepressivo
(mianserina, 30mg/dia – Tolvon®). Por outro lado, 8 dos 15 deprimidos não diagnosticados faziam
uso de fármacos potencialmente causadores de depressão (BRASIL, 2001).
A Doença de Alzheimer, que atinge dois milhões de idosos somente nos EUA e responde por um
gasto anual de mais de 40 bilhões de dólares (BUTLER, 1994), foi estimada no Brasil como sendo
responsável por entre 10.000 e 13.500 mortes, em 1994. Dessas porém, somente foram registradas
391 (378 em domicílio e 13 em hospitais) (BRASIL, 2001).
A abundância de diagnósticos incorretos ou mesmo corretos não raro provoca outros problemas
comuns em pacientes idosos como o uso inadequado de fármacos e a polifarmácia. A prescrição do
idoso deve considerar, além das particularidades da farmacocinética e farmacodinâmica desta faixa
etária, o custo e as dificuldades em se obter adesão ao tratamento (CHAIMOWICZ, 1997). O caso
clínico abaixo, relatado por esse autor, demonstra bem esse problema:
MCM, sexo feminino, 68 anos, utilizando 50mg de Hidroclorotiazida diariamente (dose em
geral elevada para idosos) para o tratamento de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS)
(incorretamente diagnosticada, com valores de 160/90 mmHg [sic] ) retorna ao médico
queixando “sensação de cabeça vazia” (causada pela hipotensão postural iatrogênica) e
omite o surgimento de incontinência urinária (provocada pelo diurético). Não diagnosticada
9
a hipotensão postural, é prescrito Cinarizina (droga não inócua, amplamente utilizada como
placebo em idosos) para “sensação de cabeça vazia” e 10mg diários de Diazepam (dose
excessiva de um Benzodiazepínico de ação prolongada) para o tratamento (incorreto) de
“depressão”. A paciente se torna sonolenta e começa a passar grande parte do tempo
deitada em sua cama, o que traz certo alívio para a família, que passa a ter “menos
trabalho” com a paciente. Dez dias depois, ao se levantar rapidamente para tentar urinar no
banheiro, apresenta síncope e sofre queda. Por possuir massa óssea bastante reduzida, a
queda provoca fratura no colo do fêmur. Após correção cirúrgica da fratura permanece
acamada por vários dias. Ao final dos primeiros quinze dias de internação já apresenta
úlceras de pressão. Sem perspectivas de transferência para um centro de reabilitação devido
à falta de vagas e rejeitada pela família, que não tem meios para cuidar de alguém tão
dependente, é encaminhada, após dois meses de internação, a um asilo com dezenas de
idosos, visitado regularmente (2 horas/semana) por médico voluntário. Permanece acamada
várias semanas e falece alguns dias após internação em CTI devido a episódio de
tromboembolismo pulmonar, cujas manifestações de dispnéia, tosse e hemoptise foram
indevidamente tratadas com antibióticos no asilo.
Algumas distorções no sistema de atendimento também fazem com que os recursos sejam mal
utilizados ou direcionados de forma não satisfatória. Estudo realizado pela Escola Paulista de
Medicina no serviço de Pronto Atendimento do Hospital São Paulo demonstrou que o idoso procura,
freqüentemente em primeiro lugar, a porta do pronto socorro. Nesse estudo, ficou claro que a
grande maioria dos paciente não apresentava problemas urgentes de saúde. Esta distorção, além de
custar caro, não resolve os problemas do idoso que, em geral, são múltiplos e crônicos, necessitando
continuidade no tratamento, o que não se consegue em serviços destinados aos atendimento de
urgências e emergências (BRASIL, 2001).
A falta existente de serviços domiciliares e/ou ambulatoriais adequados faz, muitas vezes, com que o
primeiro atendimento se dê em estágio avançado no hospital, aumentando os custos e diminuindo a
possibilidade de um prognóstico favorável. Os problemas de saúde dos mais velhos, além de serem
de longa duração, requerem pessoal qualificado, equipe multidisciplinar, equipamentos e exames
complementares (BRASIL, 2001).
10
ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS DO ENVELHECIMENTO
Ao longo dos anos, o organismo humano sofre inúmeras alterações fisiológicas que tendem a alterar
sua capacidade funcional e algumas das características comuns da idade adulta. Esse processo de
envelhecimento orgânico, porém, não necessariamente estará acompanhado do surgimento de
doenças, perda da autonomia ou diminuição na qualidade de vida. Neste caso, ele pode ser
denominado “envelhecimento bem sucedido” e refere-se àqueles indivíduos que demonstram
somente diminuições fisiológicas com o passar dos anos e, nos quais, as alterações determinadas
pela idade não são complicadas por doenças, exposições ambientais e fatores associados pelo estilo
de vida (por exemplo, dieta e exercícios) (SCHNEIDER; ROWE, 1994). Isto representa uma forma de
envelhecimento em que o risco do surgimento de doenças é menor e demonstra que componentes
anteriormente associados ao envelhecimento normal eram na verdade fatores evitáveis ou
reversíveis. O “envelhecimento usual”, por sua vez, é atribuído ao processo de envelhecimento
orgânico combinado ao efeito de doenças, fatores ambientais e estilo de vida, que juntos
determinam um estado de saúde significativamente inferior.
Durante o processo do envelhecimento, a mudança mais importante é a perda da capacidade celular
de se recuperar de agressões. Essa perda de capacidade homeostática faz com que a manutenção
dos valores fisiológicos normais durante as situações de stress fique prejudicada. Do ponto de vista
macroscópico pode-se notar a diminuição do volume geral dos tecidos, com aumento da quantidade
de tecido adiposo profundo e redução de tecido adiposo superficial. Outras mudanças significativas
podem ser citadas nas funções cardiovascular, do sistema nervoso central (SNC), renal e hepático, na
composição corpórea, na sensibilidade do tecido aos medicamentos e em uma menor sensibilidade
reflexa baroceptora.
O coração pode sofrer uma diminuição tanto de peso como de volume. Há aumento moderado da
espessura das paredes do ventrículo esquerdo, ainda que só exacerbado em indivíduos hipertensos.
O tamanho do átrio esquerdo também aumenta com a idade e parte do componente miocítico é
substituído por tecido fibroso. Além disso, os miócitos restantes tendem a sofrer uma hipertrofia,
aumentando de tamanho. As doenças cardíacas isquêmicas (DCI) sintomática e assintomática, que
são prevalentes em indivíduos idosos em países mais desenvolvidos, podem resultar em redução da
função ventricular, sem doença cardíaca evidente. Como resultado, em muitos indivíduos idosos, há
11
uma redução gradual e assintomática do débito cardíaco, ligada a uma queda gradual no volume
sangüíneo (LOWENTHAL, 1994).
Observa-se também uma modificação na constituição do sangue, ocorrendo, de forma geral, uma
redução na quantidade de proteínas plasmáticas, principalmente a albumina. Paralela a essa
diminuição, a α1-glucoproteína tem sua concentração plasmática aumentada. Essas alterações
séricas são causas de importantes modificações farmacocinéticas, como se descreverá adiante.
A composição corpórea do indivíduo idoso também se altera. Observa-se uma aumento
considerável do componente lipídico corpóreo e uma diminuição da massa muscular. Isso faz com
que a relação entre a massa muscular e lipídica se altere, a ponto de haver uma prevalência da
segunda em detrimento da primeira. A atividade e tensão musculares também estão diminuídas,
sendo o período de relaxamento maior que o de contração muscular.
O número de célula nervosas, os neurônios, também diminuem com o passar dos anos. Essa perda
do sistema nervoso central (SNC), porém, não é igual para todas as partes do cérebro e algumas
áreas, como o tronco encefálico, tem se mostrado mais resistentes. O tamanho e peso do cérebro
tendem à diminuição e há uma queda generalizada da sensibilidade (gustativa, dolorosa, etc.). Em
alguns indivíduos, há o aparecimento do tremor senil.
A massa óssea sofre uma involução num processo conhecido por desmineralização. O aumento da
atividade osteoclástica associado à deficiência de cálcio são determinantes nessa perda óssea. Na
mulher, a perda pode chegar à 25 %. Ao longo dos anos, os indivíduos idosos tendem a apresentar
uma redução em suas estaturas, que pode ser atribuída ao estreitamento dos discos vertebrais e ao
surgimento de cifose (curvatura da coluna vertebral de convexidade posterior) dorsal.
Ocorre também desgaste das articulações dos membros inferiores que, aliado às alterações
vertebrais, leva a uma alteração da estabilidade torácica, do equilíbrio, do alinhamento corporal e da
marcha ao caminhar. O espaço articular, de forma geral, sofre diminuição na quantidade de água e
tecido cartilaginoso, fazendo com que surjam dores nas articulações e limitação dos movimentos.
O tecido cutâneo (pele) sofre modificação em sua permeabilidade. Há diminuição das respostas
imunológica e inflamatória, decorrente da redução da vascularização cutânea e conseqüente
processo de cicatrização (formação de tecido fibroso). O produção de vitamina D ativa (calcitriol)
está reduzida e, do ponto de vista macroscópico, nota-se aumento da palidez do tecido superficial.
No aparelho digestório, há espessamento da parede do cólon e aparição de vasos sangüíneos
varicosos. A mobilidade gástrica e os movimentos peristálticos estão diminuídos, assim como o
12
tônus muscular da parede abdominal. A irrigação sangüínea do estômago encontra-se prejudicada e
ocorre atrofia da mucosa gástrica. Todos esses fatores contribuem para aumentar as dificuldades
digestórias (digestivas) do idoso. Além disso, outras alterações também prejudicam essa função,
incluindo a diminuição do tamanho e funcionalidade do fígado, o retardo no esvaziamento vesicular
e espessamento da bile e a diminuição na produção de saliva, que pode gerar sintomas de secura
bucal.
A função hepática, importantíssima no metabolismo de fármacos, encontra-se alterada em algumas
funções e inalterada em outras. Sua capacidade geral de metabolização, porém, encontra-se
diminuída, devido à redução no fluxo sangüíneo hepático. As reações de oxidação encontram-se
comprometidas, enquanto reações de conjugação, acetilação e metilação praticamente não sofrem
alteração. Como se descreverá adiante, medicamentos de eminente metabolização hepática tendem
a ter suas meias-vidas plasmáticas aumentadas, elevando seus efeitos terapêuticos e tóxicos. Ainda
assim, em indivíduos saudáveis, a capacidade funcional do fígado (incluindo o metabolismo de
fármacos) encontra-se conservada.
Ao contrário da função hepática que, apesar das alterações da idade, mantém uma capacidade
funcional adequada às necessidade do organismo, o sistema renal encontra-se sensivelmente
prejudicado nos indivíduos idosos. A queda na massa renal gira ao redor dos 30% e as alterações
escleróticas nas artérias renais de grande calibre, principalmente nos hipertensos, faz com que o
fluxo sangüíneo renal caía em torno de 33%. Isso gera uma perda no volume final e na capacidade de
concentrar a urina. A idade também traz prejuízo à funcionalidade do esfíncter da uretra e ao tônus
da bexiga, que se vêem reduzidos. Isso faz aumentar a presença de urina residual e eleva a chance
de surgimento de infecções do trato urinário (ITU) incluindo cistites (infecção ao nível da bexiga) e,
em casos mais graves, nefrites (infecção a nível renal).
O sistema imunológico tem sua capacidade de defesa diminuída, principalmente no nível celular
(imunidade celular). Isso gera uma redução das reações de hipersensibilidade do tipo tardia. Há uma
queda na produção de anticorpos que também afeta, em grau variável, as reações de imunidade
humoral.
13
A FARMACOTERAPIA NO IDOSO
As alterações fisiológicas que acompanham o envelhecimento fazem com que a resposta do
organismo às substâncias farmacologicamente ativas, ou fármacos, seja diferente daquela
demonstrada nos indivíduos jovens ou adultos. Aspectos da farmacocinética (aquilo que o
organismo produz sobre o fármaco) e da farmacodinâmica (aquilo que o fármaco produz sobre o
organismo) encontram-se sensivelmente alteradas, porém, não de forma linear para todos os
fármacos, mas variavelmente para todos eles. Essas alterações fazem com que as necessidades do
idoso perante os medicamentos sejam diferentes daquelas apresentadas pela criança, jovem ou
adulto.
Na maioria dos casos são necessários ajustes terapêuticos para que o tratamento farmacológico seja
efetivo e seguro para o paciente. Esses ajustes, porém, também não devem ser tratados de forma
linear, pois, apesar do que se imagina, a terceira idade não constitui um grupo homogêneo em que o
que é bom para uns é bom para todos (TEIXEIRA; LEFÈVRE, 2001), e pode, muitas vezes, apresentar
respostas imprevisíveis aos tratamentos medicamentosos (CUNHA et al., 2002). Na verdade, deve-se
entender o envelhecimento como uma continuação natural da idade adulta e deve-se buscar ao
máximo a personalização dos tratamentos farmacológicos de modo que diferentes demandas sejam
adequadamente atendidas.
Apesar de todo avanço científico das últimas décadas, as alterações farmacológicas do
envelhecimento ainda não são totalmente compreendidas e isso tem se dado por diversas razões,
incluindo uma alta complexidade na interpretação de dados, aspectos éticos e bioéticos da
realização de ensaios clínicos em idosos, entre outros. Pode-se afirmar porém que, de modo geral,
os idosos são mais sensíveis aos efeitos dos medicamentos - terapêuticos e tóxicos -, incluindo o
surgimento de Reações Adversas a Medicamentos (RAM) e apresentam maior risco de
desenvolvimento de interações medicamentosas clinicamente relevantes, dada a maior freqüência
no uso de vários medicamentos simultaneamente (polifarmácia) e a presença de várias patologias
diagnosticadas.
Os diagnósticos mais freqüentes entre os idosos com mais de 75 anos incluem:
1. Hipertensão Arterial essencial
2. Doença cardíaca isquêmica crônica
14
3. Diabetes mellitus
4. Osteoartrite e distúrbios afins
5. Catarata
6. Insuficiência cardíaca
7. Disritmias cardíacas
8. Artropatias, outras e inespecíficas
9. Glaucoma
10. Doença cardíaca hipertensiva
(SCHECHTER; ERWIN; GERBINO, 1994)
Os Grupos terapêuticos mais indicados, segundo levantamento dos mesmos autores, são os
seguintes:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Agentes cardiovasculares
Diuréticos
Analgésicos
Agentes gastrointestinais
Antidiabéticos
Complemento/substituição de potássio.
O uso de benzodiazepínicos (BDZs) também tem se mostrado muito freqüente entre idosos, tanto na
comunidade como em instituições geriátricas, variando de 9,9% a 24%. Esses agentes são
responsáveis muitas vezes por efeitos adversos como sedação diurna, confusão, agressividade e
agitação. As quedas e eventuais fraturas estão fortemente associadas ao uso de BDZs. Esse uso
prevalente, e muitas vezes desnecessário, tem ocorrido a despeito da escassez de estudos sobre o
tratamento da ansiedade em idosos (BOTTINO, CASTILHO, 1999).
Por esses motivos (polifarmácia e pluripatologias), os idosos normalmente não são incluídos no
processo de desenvolvimento e aprovação de sucessivos fármacos que são introduzidos no
mercado. E isso limita muito a aquisição de conhecimento sobre o uso desses medicamentos em
idosos. Desde 1989, a Food and Drug Administration (FDA), agência norte-americana responsável
pelo controle de alimentos e medicamentos nos EUA, tem recomendado a inclusão desses grupos
nesses estudos, porém sem grande sucesso (LARRIÓN, 1995).
Assim, a abordagem terapêutica nos idosos tem se baseado, até o momento, predominantemente
pelas impressões clínicas, testes-erros e em deduções empíricas através de modificações aleatórias
de doses, baseadas em alterações já conhecidas na fisiologia do sujeito da terceira idade.
15
AS MODIFICAÇÕES FARMACOCINÉTICAS
As modificações farmacocinéticas incluem aquelas alterações sobre a absorção, distribuição, ligação
ou localização nos tecidos, biotransformação e excreção. De uma maneira geral o que se observa é
uma deterioração de cada uma dessas etapas, resultando num prolongamento da vida média, ou
meia-vida, dos fármacos.
O quadro 1 traz algumas alterações fisiológicas e bioquímicas no idoso que interferem na
farmacocinética.
QUADRO 1 - ALTERAÇÕES RELACIONADAS À IDADE QUE AFETAM A FARMACOCINÉTICA
Componente ou função corpórea
Direção da alteração
Função Renal
↓
Fluxo sangüíneo hepático
↓
Albumina sérica
↓
Glicoproteína alfa-1-ácida
↑
Gordura corpórea
↑
Massa muscular
↓
Volume hídrico
↓
FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de
Geriatria. São Paulo: Roca, 1994.
ABSORÇÃO
A absorção descreve a velocidade com a qual os fármacos deixam seu local de administração (Ex. via
oral  estômago e intestino) e a magnitude com que isto ocorre. Todavia, o parâmetro denominado
biodisponibilidade5, e não propriamente a absorção, é o que mais interessa e preocupa os
profissionais no manejo dos medicamentos e pacientes (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991). Entre os
fatores que podem influenciar a biodisponibilidade dos fármacos estão aqueles de ordem
anatômica, fisiológica e anatomopatológica. Assim, no momento da escolha da via de administração
de um medicamento (quadro 2) , é preciso se ter em conta a relação existente entre estes fatores e
a velhice.
5
Biodisponibilidade é a medida da quantidade de fármaco, contida em uma fórmula farmacêutica, que chega à
circulação sistêmica e da velocidade na qual ocorre esse processo (BRASIL, 2001).
16
QUADRO 2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS VIAS DE ADMINISTRAÇÃO COMUNS
Via
Padrão de absorção
Utilidade especial
Limitações e precauções
Intravenosa
Absorção evitada
Uso de emergência
Maior risco de efeitos colaterais
Efeitos potencialmente
Permite titulação da dose É preciso injetar lentamente, via
imediatos
Adequada para injeção de de regra
grandes volumes e
Inconveniente para soluções
substâncias irritantes,
oleosas ou substâncias
quando diluídas
insolúveis
Subcutânea
Imediata, a partir de
Adequada para algumas Inadequada para grandes
soluções aquosas
suspensões insolúveis e
volumes
Lenta e persistente, a
para implantação de
Possível dor e necrose por
partir de apresentações de pellets sólidos
substâncias irritantes
liberação prolongada
Intramuscular Imediata, a partir de
Adequada para volumes Contra-indicada durante o uso
soluções aquosas
moderados, veículos
de anticoagulantes
Lenta e persistente, a
oleosos e algumas
Pode interferir na interpretação
partir de apresentações de substâncias irritantes
de determinados exames
liberação prolongada
diagnósticos (ex. creatinaquinase)
Via oral
Variável; depende de
Mais conveniente e
Exige a cooperação do paciente
muitos fatores
econômica, geralmente
A disponibilidade é
mais segura
potencialmente errática e
incompleta no caso de fármacos
serem pouco solúveis,
lentamente absorvidos,
instáveis ou muito
metabolizados pelo fígado
FONTE: BENET, L.Z. MITCHELL, J.R. LEWIS, B.S. Farmacocinética: A Dinâmica da Absorção, Distribuição e
Eliminação dos Fármacos. In: GILMAN, A.G. RALL, T.W. NIES, A.S. TAYLOR, P. (Ed.). Goodman & Gilman:
As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 8ª Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991.
Em condições normais, a absorção dos nutrientes contidos nos alimentos e dos fármacos
permanecem inalteradas ao longo dos anos. Isso ocorre a despeito das alterações fisiológicas
ocorridas com o envelhecimento orgânico, citadas anteriormente. As principais alterações
fisiológicas da terceira idade, relacionadas ao aspecto da absorção, são a elevação do pH gástrico e o
menor fluxo de sangue gastrointestinal. Outros fatores, porém, podem alterar a absorção de
fármacos, sendo algumas delas bastante comuns na terceira idade. A absorção pode ser alterada por
deficiências nutricionais, gastrectomia parcial, interações medicamentosas com laxantes, agentes
que diminuem o esvaziamento gástrico (anticolinérgicos, Antihipertensivos, etc.) ou antiácidos
(LOWENTHAL, 1994). Os antiácidos, por exemplo, podem diminuir em 25% a absorção da digoxina,
que, por sua vez, é comumente utilizada na terapêutica geriátrica como cardiotônico e antiarrítmico
(KOROLKOVAS, 1998).
17
DISTRIBUIÇÃO
A distribuição dos fármacos ocorre após este ser absorvido ou injetado na corrente sangüínea. Essa
distribuição ocorre para os líquidos intersticial (líquido entre as células) e celular (líquido dentro das
células). Órgãos como o fígado, os rins, o coração, o cérebro, entre outros bem perfundidos recebem
a maior quantidade dos fármacos após os primeiros minutos da sua absorção. A musculatura, as
vísceras em geral, a pele e o tecido adiposo recebem o fármaco mais lentamente, levando de
minutos a algumas horas para atingir um estado de equilíbrio dinâmico (BENET; MITCHELL; SHEINER,
1991).
Numa Segunda fase da distribuição ocorre a difusão dos fármacos para os tecidos, onde estes
alcançarão seus locais de ação. O grau de distribuição de um fármaco para os tecidos determinará a
qualidade e magnitude de seu efeito farmacológico. Assim, nas situações em que o fármaco não
alcance satisfatoriamente seu local de ação, o efeito farmacológico estará prejudicado. Entre os
fatores que podem influenciar esta fase estão a propriedade do fármaco (hidro ou lipossolubilidade)
e a extensão de sua fixação às estruturas carreadoras plasmáticas (hemáceas ou proteínas). As
principais proteínas relacionadas ao transporte de medicamentos são a albumina, a alfa-1glicoproteína, as lipoproteínas e as gamaglobulinas (LABAUNE, 1993).
Os fármacos que tem alta afinidade de ligação à albumina, terão sua fração livre aumentada (com
conseqüente aumento do efeito farmacológico), devido à diminuição da quantidade de albumina
plasmática, com a idade. Entre eles pode-se citar a Varfarina (Marevan ®), Diazepam (Diazepan ®),
Lorazepam (Lorax ®), Fenitoína (Hidantal ®), Fenilbutazona (Butazona Cálcica ®), Meperidina
(Dolantina ®) e Disopiramida (Dicorantil®) (LOWENTHAL, 1994). Fármacos de características básicas
que se ligam preferencialmente à alfa-1-glicoproteína, por sua vez, terão sua fração livre diminuída
(com conseqüente diminuição dos efeitos farmacológicos), visto essa proteína geralmente estar
aumentada na terceira idade.
Com o aumento da massa lipídica em relação à massa muscular, comum nos idosos, aqueles
fármacos de características lipossolúveis (ex. Benzodiazepínicos) terão facilidade em alcançar e se
acumular nos tecidos. Isso acarretará um efeito mais potente desses fármacos e um acúmulo que
poderá diminuir sua velocidade de eliminação, com conseqüente aumento da meia-vida.
18
BIOTRANSFORMAÇÃO
A biotransformação é a etapa da farmacocinética onde ocorre a metabolização do fármaco,
principalmente no fígado (mas também em outros órgãos, como pulmão), a fim de torná-lo mais
hidrossolúvel e assim facilitar sua eliminação renal. Esse mecanismo constitui uma forma de defesa
importantíssima do corpo humano contra substâncias exógenas e intoxicações. O sistema
enzimático hepático, responsável pela biotransformação dos fármacos, localiza-se nos retículos
endoplasmáticos lisos e são denominados de fração microssomal ou microssômica (BENET;
MITCHELL; SHEINER, 1991).
Como comentado nas alterações fisiológicas de terceira idade, a função hepática, apesar de se
alterar com os anos, não perde sua capacidade de metabolização para a maioria dos fármacos.
Naqueles fármacos, porém, em que a biotransformação encontra-se diminuída, observar-se-á uma
elevação da concentração plasmática do medicamento, com conseqüente aumento dos efeitos
farmacológicos e tóxicos. Nesses casos, é necessário o manejamento das doses e intervalos de
tomada, a fim de se minimizarem esses riscos. O quadro 3 traz alguns fármacos cujo metabolismo
hepático encontra-se reduzido em idosos.
EXCREÇÃO
Os fármacos são eliminados do organismo tanto em forma inalterada como na forma de
metabólitos. Os órgãos responsáveis pela eliminação são, com exceção dos pulmões, ineficientes na
excreção de compostos com lipossolubilidade elevada. Esses órgãos representados principalmente
pelos rins, são mais eficientes na eliminação de substâncias polares ou hidrossolúveis. Para
eliminação de fármacos lipossolúveis, é necessário que estes sejam transformados em substâncias
mais hidrossolúveis (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991).
O Rim, como dito, é o órgão mais importante na eliminação de fármacos. A eliminação de
substâncias farmacológicas pelas fezes se dá somente para aquelas substâncias não absorvidas no
intestino ou que foram eliminadas na bile pelo fígado, sem serem reabsorvidas na luz intestinal. Os
pulmões também são responsáveis pela eliminação, sendo esta significativa principalmente para
vapores e gases anestésicos (BENET; MITCHELL; SHEINER, 1991).
19
QUADRO 3 - FÁRMACOS COM METABOLISMO HEPÁTICO REDUZIDO
Reações da Fase I (preparatórias)
Oxidação
Hidroxilação
Alprazolam
Nortriptilina
Antipirina
Ibuprofeno
Barbitúricos
Fenitoína
Carbamazepina
Propranolol
Imipramina
Quinidina
Desipramina
Varfarina
Dealquilação
Amitriptilina
Lidocaína
Clordiazepóxido
Meperidina
Diazepam
Teofilina
Flurazepam
Tolbutamida
Difenidramina
Redução
Nitroredução
Nitrazepam
Reações da Fase II (sintéticas)
Essencialmente inalteradas no idoso
Conjugação
Acetilação
Metilação
FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck
de Geriatria. São Paulo: Roca, 1994. (adaptado)
A queda na função renal na terceira idade é significativa e tem seu início na quarta década de vida. A
partir dessa idade, há uma redução de 6 a 10% na taxa de filtração glomerular (TFG) e no fluxo
plasmático renal a cada 10 anos. Assim, aos 70 anos de idade, uma pessoa pode ter uma diminuição
de 40 a 50% na função renal, mesmo na ausência de doença desse órgão (LOWENTHAL, 1994).
Os fármacos que tem sua eliminação predominantemente pelos rins (Quadro 4) podem ter seu
tempo de meia-vida aumentada, com acúmulo plasmático e aumento da incidência de efeitos
adversos. Assim, para esses fármacos, é adequada uma diminuição nas doses e intervalos de
administração.
20
QUADRO 4 - FÁRMACOS COMUMENTE ELIMINADOS PELOS RINS
Digoxina
Tocainida
Aminoglicosídeos
Disopiramido
Atenolol
Clonidina
Nadolol
AINES
Lítio
Ranitidina
Diuréticos
Famotidina
Procainamida
Captopril
Enalapril
Lisinopril
FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de
Geriatria. São Paulo: Roca, 1994.
A eliminação de fármacos pelo rim também pode ser afetada pela interação entre duas ou mais
substâncias (Quadro 5) que concorrem pelo mesmo ponto específico de excreção renal. Esses
fármacos, quando utilizados simultaneamente, podem se prejudicar um ao outro em sua excreção,
aumentando a meia-vida, o acúmulo e seus efeitos tóxicos (OGA; BASILE, 1994).
QUADRO 5 - FUNÇÃO RENAL E INTERAÇÃO ENTRE FÁRMACOS
Fármaco básico
Fármaco Interatuante
Mecanismo
Digoxina
Quinidina
Inibição do “clearance”
renal e não renal; volume
de distribuição
Metotrexato
Penicilina
Quinidina
Efeito Clínico
↑ Toxicidade da digoxina
Inibição do “clearance”
renal e não renal
↑ Toxicidade da digoxina
Verapamil
↑ Toxicidade da digoxina
Espironolactona
Aspirina
Probenecida
Bicarbonato de sódio
Inibição do “clearance”
renal e não renal; volume
de distribuição
Inibição da excreção renal
Inibição da excreção renal
Inibição da excreção renal
Depressão da medula óssea
Acúmulo de penicilina
Intoxicação pela Quinidina
produzindo ampliação no
complexo QRS
FONTE: LOWENTHAL, D.T. Farmacologia Clínica. In: ABRAMS, W.B.; BERKOW, R. (Ed.). Manual Merck de
Geriatria. São Paulo: Roca, 1994.
BIBLIOGRAFIA DISPONÍVEL EM: Correr, CJ. O papel do farmacêutico na equipe de
atendimento ao idoso no âmbito da farmácia comunitária: a Atenção Farmacêutica Geriátrica.
Monografia [Especialização em Gerontologia]; 2002.
21
ATIVIDADE EM GRUPO
Caso 1:
M.U.L. é uma mulher de 71 anos que se apresenta ao serviço de geriatria para uma consulta de
rotina ,acompanhada por sua filha, Ana. M.U.L. foi diagnosticado com doença de Alzheimer há 4
anos, quando seus filhos relataram perda de memória de curto prazo e sintomas cognitivos, que
incluem esquecer datas e horários facilmente, extravio de itens, perguntas repetidas a eventos
atuais, incapacidade de responder a perguntas, uma crescente dificuldade com o gerenciamento das
finanças, além de um estado de melancolia.
Naquela época, a Sra. M. e quatro de seus filhos se reuniram com a equipe de cuidados geriátricos e
discutiram o diagnóstico da provável doença de Alzheimer. A equipe de saúde explicou que a Sra.
M. estava no estágio inicial e moderado da doença e que era de se esperar que ela tivesse uma
variação grande desses sintomas ao longo dos dias. Tacrina foi indicada para sintomas cognitivos, e
Sertralina foi iniciada para a depressão.
Apos 1 ano, a paciente relatou que tinha perdido alguns de seus medicamentos, e estava confusa
sobre como tomá-los. Durante a terapia inicial, com tacrina, ela desenvolveu refluxo gastresofágico,
perdeu 8 quilos em cinco meses, e alguns exames demonstravam um aumento de enzimas
hepáticas. No entanto, os filhos relataram que ela apresentava uma participação mais ativa na
família e em funções sociais. Sua depressão foi menos freqüente, ela se sentia feliz na maior parte
do tempo. No entanto, a tacrina e a sertralina foram interrompidas e Donezepila (5 mg, ao se deitar)
introduzida ao tratamento.
Na última visita ao geriatra, foi reiniciada Sertralina para a depressão leve e mantida Donezepila.
Algumas vezes ela precisa de proteção extra ao dormir devido a incontinência urinária. A Sr. M. vive
com sua filha. Ana, embora declare ser tolerável a convivência com sua mãe, tem andando em volta
da casa sem razão com mais freqüência e, verifica muitas vezes ao dia se portas e janelas estão
fechadas.
23
Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4):1104-1112
TRATAMENTO DA DOENÇA DE ALZHEIMER
Recomendações e sugestões do Departamento Científico
de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da
Academia Brasileira de Neurologia
Eliasz Engelhardt1, Sonia M.T. Brucki2, José Luiz S. Cavalcanti3, Orestes V. Forlenza4,
Jerson Laks5, Francisco A.C. Vale6 e membros do Departamento de Neurologia
Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia
RESUMO - As presentes recomendações e sugestões para o “Tratamento da Doença de Alzheimer” foram
elaboradas por grupo de trabalho constituído por participantes da IV Reunião de Pesquisadores em Doença
de Alzheimer e Desordens Relacionadas, patrocinada pelo Departamento Científico de Neurologia Cognitiva
e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia. Compreendem tópicos sobre o tratamento farmacológico e não farmacológico do comprometimento cognitivo e declínio funcional, assim como dos sintomas de comportamento e psicológicos dessa doença demenciante. São utilizados diversos níveis de evidências
e de recomendações e sugestões para os diversos fármacos propostos, assim como para o tratamento não
farmacológico, baseado em ampla revisão bibliográfica, nacional e internacional.
PALAVRAS-CHAVE: Alzheimer, demência, tratamento.
Treatment of Alzheimer’s Disease: recommendations and suggestions of the Scientific Department
of Cognitive Neurology and Aging of the Brazilian Academy of Neurology
ABSTRACT - The present recommendations and suggestions on “Treatment of Alzheimer’s Disease” were
elaborated by a work group constituted by participants of the IV Meeting of Researchers on Alzheimer’s Disease and Related Disorders, sponsored by the Scientific Department of Cognitive Neurology and Aging
of the Brazilian Academy of Neurology. They comprise topics on pharmacological and non-pharmacological
t reatment of cognitive impairment and functional decline, as well as of behavioral and psychological symptoms of this dementing disease. Several levels of evidence and of recommendations and suggestions a re
used for the various proposed drugs, as well as for non-pharmacological treatment, underpinned by a wide
national and international bibliographical review.
KEY WORDS: Alzheimer, dementia, treatment.
O Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira
de Neurologia solicitou em 2003, a um grupo de
pesquisadores, a redação preliminar de temas re l acionados ao tratamento da doença de Alzheimer
(DA) no Brasil, visando a elaboração de um Consenso. Os relatórios foram apresentados na IV Reunião de Pesquisadores em Doença de Alzheimer e
D e s o rdens Relacionadas (IVRPDA/2003), realizada
no Rio de Janeiro, em novembro de 2003, tendo
sido então designados os pesquisadores e especificadas as regras gerais para essa tarefa.
O objetivo do presente trabalho foi o de estabelecer condutas padronizadas, normas, recomendações ou sugestões para o tratamento da DA. A
pesquisa da literatura incluiu consulta ao PubMed
e LILACS. A DA compreende comprometimento
cognitivo, declínio funcional, sintomas de compor-
1
C o o rdenador do Setor de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Instituto de Neurologia Deolindo Couto da Universidade
Federal do Rio de Janeiro RJ, Brasil INDC/UFRJ; 2Neurologista - Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo e Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo SP, Brasil
(UNIFESP); 3P rofessor Adjunto da UFRJ, Coordenador dos Ambulatórios de Demência - INDC/UFR; 4Psiquiatra-Instituto de PsiquiatriaFMUSP; 5Coordenador do Centro de Doença de Alzheimer (CDA/IPUB) - Instituto de Psiquiatria/UFRJ, Professor Adjunto da Faculdade
de Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da UERJ, Rio de Janeiro RJ Brasil; 6Coordenador do Grupo de Neurologia do
Comportamento/CHMS-RP
Recebido 18 Fevereiro 2005, recebido na forma final 3 Junho 2005. Aceito 12 Julho 2005.
Dr. Eliasz Engelhardt - Avenida N.S. de Copacabana 749/708 - 22050-000 Rio de Janeiro RJ - Brasil. E-mail: [email protected]
Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4)
Tabela 1. Classificação da evidência1.
Classe
Descrição - evidência fornecida por
I
um ou mais ensaios clínicos bem desenhados,
randomizados, controlados com placebo,
inclusive revisões (meta-análises) de tais ensaios
II
estudos de observação bem desenhados
com controles (p.ex., estudos do tipo de
casos-controle e de coortes)
III
opiniões de especialistas, série de casos, relato
de casos e estudos com controles históricos
Tabela 2. Níveis de recomendações1.
Recomendação
Descrição
padrão
reflete alto grau de certeza clínica
(geralmente requer evidência de
Classe I que se dirige diretamente à
questão clínica, ou evidência de Classe II
clara, quando as circunstâncias impedem
ensaios clínicos randomizados)
norma
recomendação que reflete moderada
certeza clínica (geralmente requer
evidência de Classe II ou um forte
consenso de evidência de Classe III)
opção prática
estratégia para a qual a utilidade
clínica é incerta (evidência ou opinião
inconclusiva ou conflitante)
tamento e psicológicos (SCPD) e manifestações
neurológicas.
As estratégias terapêuticas abordadas na presente proposta são voltadas para o comprometimento cognitivo e funcional, assim como para os
SCPD. Essas estratégias podem ser divididas em
f a rmacológicas e não farmacológicas, devendo-se
atentar para a situação específica da intervenção
p roposta quanto a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
As diversas intervenções farmacológicas e não
farmacológicas serão categorizadas de acordo com
as Tabelas 1 e 2.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO
COMPROMETIMENTO COGNITIVO
A estratégia colinérgica
Os inibidores das colinesterase
As estratégias colinérgicas têm sido há muito
p reconizadas para o tratamento da DA, porém somente com a introdução dos inibidores das colines-
1105
terases (IChEs) é que foi demonstrada eficácia comprovada, desde os estudos iniciais. Os efeitos do
tratamento foram demonstrados para os diversos
IChEs, indicando de modo consistente que esses
f á rmacos são melhores que placebo de forma significativa. Entretanto, a doença apresenta progressão apesar do tratamento. Os diversos instrumentos utilizados para verificar o desempenho dos
pacientes diante da medicação mostram benefício
em relação à cognição, função e comport a m e n t o ,
verificado pelos médicos e pelos cuidadores, indicando que mesmo melhoras mensuráveis reduzidas
podem apresentar significado clínico. Os IChEs, através do aumento da oferta de acetilcolina (ACh), parecem também interferir nos processos básicos, com
possível modificação do curso da doença1.
O mercado brasileiro dispõe atualmente, licenciados pela ANVISA, quatro medicamentos com
essas características: tacrina, rivastigmina, donepezil e galantamina.
A tacrina foi o primeiro IChE aprovado para tratamento da DA2. Apesar de sua eficácia, apenas
p e rcentual baixo dos pacientes foi capaz de tolerar
doses elevadas mais eficazes, devido sobretudo a
hepatotoxicidade2,3. É um inibidor reversível da
acetilcolinesterase (AChE) e da butirilcolinesterase
(BChE), de meia vida curta (2-4 hs). A dose inicial
é 10 mg 4 vezes/dia, escalonado até 40 mg 4 vezes/dia, conforme a tolerância. Os novos IChEs tornaram sua prescrição atualmente muito re s t r i t a .
Os IChEs de segunda geração, donepezil, rivastigmina e galantamina, são atualmente os mais utilizados no tratamento da DA, estágios leve a moderado. Os trabalhos iniciais controlados demonstraram uma diferença fármaco-placebo significativa conforme avaliado através de instrumentos padrão cognitivos e funcionais, com maior eficácia com
as doses mais elevadas, embora com ônus de efeitos adversos mais freqüentes.
O donepezil é um inibidor reversível e seletivo
da AChE, com meia-vida de aproximadamente 70
horas. O tratamento é iniciado com 5 mg/dia, aumentando-se a dose para 10 mg/dia na dependência de tolerabilidade4-6. Utiliza o sistema citocromo P450, de modo que seu uso simultâneo com
outras fármacos que partilham do mesmo sistema
enzimático deve ser feito com cautela.
A rivastigmina é um inibidor pseudo-irreversível
da AChE e da BChE. A inibição simultânea da BChE,
aumentada nos pacientes em fases mais avançadas
da doença, é um fator que pode eventualmente prolongar o benefício do tratamento7. A meia vida é
1106
Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4)
Tabela 3. Os fármacos inibidores das colinesterases: doses iniciais e de
manutenção.
Fármaco
Dose inicial
Dose de manutenção
donepezil
5 mg - 1 vez ao dia
5 a 10 mg - 1 vez ao dia
rivastigmina
1,5 mg - 2 vezes ao dia
3 a 6 mg - 2 vezes ao dia
galantamina
4 mg - 2 vezes ao dia
8 a 12 mg - 2 vezes ao dia
1-2 horas, porém apresenta uma atividade pro l o ngada (8-10 hs). O tratamento deve ser iniciado com
1,5 mg 2 vezes/dia, com escalonamento da dose até
6 mg 2 vezes ao dia8-11. A eliminação é principalmente renal e não envolve o sistema citocromo
P450, não ocorrendo praticamente interações medicamentosas.
A galantamina é um inibidor reversível da AChE
e apresenta adicionalmente ação de modulação
alostérica de receptores nicotínicos (‘ligante potenciador alostérico’). Embora não esteja estabelecida
com clareza a significação clínica dessa modulação,
existe relação entre cognição e receptores nicotínicos. Tem meia vida de aproximadamente 7 horas,
podendo ser administrada em duas doses diárias.
A dose inicial é 4 mg 2 vezes/dia, escalonada para
até 12 mg 2 vezes/dia12-14. Utiliza o sistema do citoc romo P450 hepático na sua metabolização, o que
suscita cuidados em relação à interação com alguns
fármacos.
A Tabela 3 mostra de modo sintético as doses
iniciais e de manutenção dos 3 fármacos.
Conclusão – Os diversos estudos realizados com
os IChEs de segunda geração (donepezil, rivastigmina, galantamina) mostraram melhora ou estabilização do desempenho, por um determinado período, significativa embora discreta, quando comparada ao placebo. O perfil de efeitos colaterais
é em grande parte semelhante e apresentam em
geral boa tolerabilidade15-16.
Os precursores da ACh e os
agonistas colinérgicos
Os estudos com os pre c u r s o res da ACh (lecitina,
fosfatidilcolina, fosfatidilserina) não mostraram
eficácia comprovada no tratamento da DA. Os agonistas muscarínicos e nicotínicos, além disso, foram
acompanhados por importantes efeitos colaterais17.
A estratégia glutamatérgica
A neurotoxicidade do glutamato foi demonstrada desde os anos 60 e nessa mesma época estudos
identificaram a memantina como bloqueador de
receptores NMDA.
A memantina é um antagonista não competitivo de moderada afinidade dos receptores NMDA,
o f e recendo neuro p roteção em relação a excitotoxicidade do glutamato18, além de permitir a neurotransmissão e os mecanismos de neuroplasticidade
dos neurônios funcionais. O uso de memantina
mostrou eficácia pacientes com DA moderada a
grave19. A dose inicial é 5 mg/dia, escalonada para
10mg 2 vezes ao dia. Sua eliminação é renal e não
interfere com o sistema do citocromo P450, havendo pouca interação com outros medicamentos. Parece não interferir com o metabolismo dos IChEs20.
Os efeitos adversos nos ensaios clínicos foram de
pequena monta, com boa tolerabilidade.
O estudo em pacientes com DA moderada a
grave, em uso de donepezil, mostrou benefício adicional com o acréscimo de memantina, em re l ação
à cognição, AVD, desfecho global e comport a m e nto21. Estudos com outros IChEs encontram-se em
andamento. Deve-se lembrar que o uso de IChEs
em fases mais adiantadas da DA não está regulamentada.
Outros agentes propostos para melhora da
cognição e para neuroproteção
Ginkgo biloba – O extrato de Ginkgo biloba (EGb
761) contém princípios ativos que promovem o
aumento do suprimento sanguíneo cerebral por
vasodilatação e redução da viscosidade do sangue,
além de redução de radicais livres no tecido nervoso22. Parece prevenir a neurotoxicidade do amilóide-β, a inibição de vias apoptóticas e a proteção
contra lesão oxidativa (modelos laboratoriais)23-26.
Os efeitos do EGb sobre a cognição normal, em
adultos jovens e idosos, foram de melhora objetiva
na velocidade de processamento cognitivo, além de
impressão subjetiva de melhora da memória27-30.
Os estudos clínicos na DA mostraram achados inconstantes22, 31-32. Estudo de meta-análise22 mostrou
que existem benefícios em parâmetros cognitivos,
de atividades da vida diária e humor, com superioridade em relação ao placebo. Encontram-se em
Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4)
andamento estudos multicêntricos intern a c i o n a i s
para avaliar o efeito do EGb761na prevenção de
demência do tipo DA.
Vitamina E (alfa-tocoferol) – Considerando as
evidências de que o estresse oxidativo pode contribuir para a patogênese da DA, a utilização de
medidas antioxidantes parece ter um lugar no tratamento33. Apenas um estudo com metodologia
aceitável mostrou algum benefício com uso de dose elevada (2000 UI/dia) de vitamina E34. Um extenso
estudo de coorte prospectivo populacional demonstrou redução do risco de DA pela ingestão alimentar de vitamina E35. Entretanto, revisão sistemática recente concluiu que os dados para sua utilização na DA são insuficientes36. Além disso, amplo
estudo de meta-análise mostrou que grupos diversos (adultos, idosos, saudáveis, portadores de doenças diversas), sob tratamento de doses variadas de
vitamina E, apresentaram riscos maiores de mort alidade decorrente de todas as causas, relacionados
a doses mais elevadas em comparação a doses mais
baixas dessa vitamina, tendo como re f e r ê n c i a
grupos-controle. Conclui que doses superiores a 400
UI/dia devem ser evitadas até que novas evidências
de eficácia sejam documentadas, baseadas em
ensaios clínicos adequadamente conduzidos37.
Selegilina (L-deprenil) – Apenas um estudo com
metodologia aceitável mostrou algum benefício34,
embora com uma relação risco-benefício pouco
favorável. Por outro lado, extensa revisão de metaanálise não evidenciou benefício apreciável38.
Anti-inflamatórios não-esteróides (AINE) – Considerando a reação inflamatória em relação das
placas amilóides, haveria um papel para os antiinflamatórios. Além disso, estudos epidemiológicos
sugeriram que anti-inflamatórios poderiam exercer
neuroproteção na DA. Extenso estudo de coort e
p rospectivo populacional concluiu que o uso prolongado de AINE pode proteger contra DA39. Mais
recentemente, ensaio clínico controlado mostro u
que rofecoxib ou naproxeno não lentificam o declínio cognitivo em pacientes com DA leve a moderada40. O mesmo ocorreu em relação ao ibuprofeno41 e à indometacina41. O seu perfil de efeitos
colaterais, sobretudo hemorragia digestiva, restringe sua prescrição.
Estatinas – Diversos estudos básicos mostram a
influência dos níveis de colesterol na via metabólica do amilóide. Entretanto clinicamente não há
1107
ainda resultados consistentes em relação ao uso
de estatinas na DA42-44.
Estrogênio – Os efeitos fisiológicos do estrogênio
e dados epidemiológicos sugerem seu uso como potencialmente favorável. Entretanto, até o presente
não há evidências clínicas suficientes nesse sentido. Além disso, considerando os efeitos adversos
recentemente demonstrados, a sua prescrição esp ecífica para a DA não se justifica no presente45-50.
Conclusão – Os fármacos considerados (EGb, vitamina E, selegilina, AINE, estatinas, estrogênio),
levando em conta numerosos estudos básicos e
epidemiológicos, têm base teórica favorável para
tratamento da DA. Entretanto, os resultados clínicos mostraram-se inconstantes (EGb), pouco fundamentados (vitamina E, selegilina, estatinas) ou com
possibilidades de riscos e efeitos adversos problemáticos (vitamina E, AINE, estrogênio), o que d ificulta a sugestão de sua utilização na DA com as
evidências disponíveis.
Recomendações/sugestões
Os IChEs devem ser considerados como tratamento de pacientes com DA leve a moderada (padrão).
O uso de memantina mostrou evidência de benefícios em pacientes com DA moderada a grave
(padrão). A memantina pode ser associada a um
dos IChEs (estudo realizado com donepezil) em pacientes com DA moderada a grave (opção prática).
Os estudos clínicos com EGb mostraram re s u ltados inconstantes no tratamento da DA. Estudo
de meta-análise mostrou algum benefício em relação a placebo (opção prática).
Uma revisão sistemática recente concluiu que
os dados para o uso de vitamina E na DA são insuficientes, apesar de estudo anterior fracamente
favorável. Além disso, foram apresentadas evidências de riscos importantes no uso de doses elevadas.
O uso de selegilina conta com um estudo fracamente favorável, porém extensa revisão com
meta-análise não evidenciou tal benefício.
Os pre c u r s o res da ACh e os agonistas colinérgicos, nos ensaios conduzidos, não mostraram eficácia no tratamento da DA.
Anti-inflamatórios não mostraram benefício e
a p resentam potencial grande de efeitos colaterais,
não sendo recomendados com as presentes evidências.
As estatinas não mostraram evidências clínicas
1108
Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4)
suficientes até o presente para sugerir sua pre s c r ição na DA.
O estrogênio não conta até o presente com evidências clínicas suficientes para a sua indicação e
pesa o seu perfil de efeitos colaterais.
tolerados e produzem pouca toxicidade, sendo utilizados de modo crescente no tratamento de alguns
dos SCPD. Os anticonvulsivantes mais estudados
foram a carbamazepina (200-800 mg/dia)67,68 e o
ácido valpróico (250-1.000 mg/dia)69-71.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DOS
SINTOMAS DE COMPORTAMENTO E
PSICOLÓGICOS
A avaliação cuidadosa e a correção de qualquer
desencadeante físico, psicossocial ou ambiental ou
de fatores de perpetuação na gênese dos sintomas
de comportamento e psicológicos (SCPD) deve anteceder o uso de medicamentos para o controle dos
sintomas. O tratamento medicamentoso com antipsicóticos e antidepressivos deve ser re a v a l i a d o
periodicamente51.
Foram estudados os seguintes grupos: antipsicóticos (neurolépticos - típicos e atípicos), antidepressivos, ansiolíticos, sedativos, estabilizadores
de humor e IChEs.
Os antidepressivos – A depressão é freqüente na
DA, porém poucos estudos adequados foram re alizados de modo específico. Entre as fármacos utilizados estão a trazodona (50-300 mg/dia), com excelente efeito sobre o sono dos pacientes, mesmo
sem depressão evidente. Os antidepressivos tricícli cos contam com um ensaio controlado, que most rou um benefício significativo72. Deve-se dar preferência às aminas secundárias (p.ex., nortriptilina, desipramina, lofepramina) ao invés das terciárias (p.ex.,
amitriptilina, dotiepina), devido à melhor tolerabilidade. Os inibidores seletivos da recaptura da sero tonina (ISRS) foram alvo de poucos estudos na DA.
O citalopram (10-30 mg/dia) foi utilizado em dois
ensaios controlados, com melhora significativa da
depressão e agitação73-77. Amostra de pacientes com
DA e depressão maior, avaliada em ensaio clínico
controlado com dose média de 95 mg/dia de sertralina, apresentou melhora em relação ao grupo placebo78. A fluoxetina foi avaliada em estudos, sendo
um controlado (dose de até 40 mg/dia ou placebo),
com melhora numérica do grupo tratado, porém
não significativa do ponto de vista estatístico78-80.
Os neurolépticos – Os sintomas que parecem
responder melhor à medicação neuroléptica são
agitação (agressão física, comportamentos violentos, hostilidade) e psicose (alucinações, delírios).
Recentemente tenta-se estudar a resposta diferenciada da psicose na DA (delírios e alucinações)52.
Os estudos da eficácia dos n e u rolépticos típicos
em pacientes com demência contou com ensaios
c o n t rolados, porém com número reduzido de pacientes e de c u rta duração. Uma meta-análise most rou melhora dos SCPD de modo global, porém
apenas em 28% a mais de pacientes em comparação com placebo53. Em relação aos neurolépticos
atípicos, mais novos, existem relatos de casos, estudos abertos e estudos controlados que sugere m
eficácia nos SCPD, com melhor perfil de efeitos colaterais (risperidona, olanzapina, quetiapina, aripiprazol). Entretanto, a maior parte desses fárm acos não conta com estudos específicos na DA53-60.
As sugestões clínicas para dosagem de neurolépticos são: haloperidol (0,5-2 mg/dia), tioridazina
(10-100 mg/dia), risperidona (0,5-2 mg/dia), cloza pina (6,25-100 mg/dia), olanzapina (5-10 mg/dia),
quetiapina (25-150 mg/dia), aripiprazol (15-30
mg/dia)61-66.
Os estabilizadores de humor – Os do grupo dos
anticonvulsivantes podem ser utilizados para comp o rtamentos agitados a partir dos resultados de
estudos abertos e controlados. Em geral são bem
Os inibidores das colinesterases – Esse grupo de
f á rmacos (donepezil, rivastigmina e galantamina)
mostrou eficácia na prevenção do aparecimento
ou no controle de SCPD. Os sintomas que geralm e nte melhor respondem são apatia, irritabilidade,
comportamento motor aberrante e a psicose,
sendo pouco eficazes em relação à depre s s ã o81-83.
Deve-se lembrar que o uso de IChEs não está regulamentada especificamente para essa indicação.
Conclusão – As evidências dão suporte ao uso
de neurolépticos, tanto típicos como os atípicos no
tratamento de agitação e manifestações psicóticas
na DA, parecendo que os atípicos são melhor tolerados. Cabe ressaltar, no entanto, que nenhuma
destas medicações tem sua indicação aprovada em
bula. Os estabilizadores de humor do grupo dos
anticonvulsivantes ainda não têm estudos adequados para fundamentar a indicação. Os ISRS são
os mais indicados para o tratamento da depressão.
Os inibidores das colinesterases mostraram-se promissores no controle de determinados sintomas
comportamentais.
Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4)
1109
Recomendações/sugestões
Os neurolépticos podem ser utilizados para tratar agitação ou sintomas psicóticos, quando tentativas não farmacológicas não tenham dado resultado adequado (norma). O uso de neurolépticos
atípicos pode ser melhor tolerado em comparação
aos neurolépticos típicos (norma).
Os antidepressivos (alguns tricíclicos e IRSS) devem ser considerados para o tratamento de depressão, atentando para o perfil de cada um (norm a ) .
Alguns estabilizadores de humor do grupo dos
anticonvulsivantes já contam com estudos que
mostram que podem ser utilizados para comportamentos agitados na demência (opção prática).
Os IChEs mostraram eficácia na prevenção do
a p a recimento ou no controle de alguns SCPD (apatia, irritabilidade, comportamento motor aberrante
e a psicose) (opção prática).
rorless learning’) em que casos isolados ou em núm e ro reduzido são relatados na DA90. Estudo randomizado comparando dois programas de tre i n amento com memória de procedimento e tre i n amento de funções cognitivas pre s e rvadas mostrou
melhora nas atividades de vida diária no grupo
com treinamento das atividades diárias91-93.
Os auxílios mnemônicos externos (calendários,
diários, cadernos de memória) são estratégias da
reabilitação que necessitam de estudos bem cont rolados em DA, havendo evidências que parecem
apontar na melhora do funcionamento dos pacientes90,94.
Dois trabalhos publicados recentemente no
Brasil demonstraram efeitos positivos da re a b i l itação, tendendo à relativa estabilização da progressão da DA, em pacientes em uso de anticolinesterásicos95,96.
TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO DO
COMPROMETIMENTO COGNITIVO
As intervenções de reabilitação cognitiva na DA
deparam-se com dificuldades, como hetero g e n e idade de pacientes quanto às alterações cognitivas,
comportamentais e familiares, progressão da
doença, colaboração dos cuidadores. Difere n t e s
abordagens têm sido experimentadas, principalmente treinamento cognitivo de habilidades espe cíficas e técnicas gerais.
A reabilitação da memória conta com duas dif e rentes técnicas: a orientação para realidade, que
tem mostrado eficácia na orientação e memória
pessoal, embora com pouca melhora nas habilidades funcionais, cotidianas84-87 e a terapia de re m i n i s c ê n c i a s,que parece ter resultados menores na
cognição, com escassos trabalhos bem estruturados
e evidências insuficientes sobre sua eficácia88. Técnicas de facilitação da memória explícita em pacientes com DA leve podem ser bem sucedidas
através de estímulos multimodais, com carga emocional, com auxílio na criação de códigos semânticos autogerados pelo paciente ou por ativação
de tarefas ou eventos previamente apre n d i d o s88.
Aprendizado com a utilização da memória implí cita p re s e rvada parece ser útil em pacientes com
quadros leves a moderados, por meio de técnicas
de pré-ativação (‘priming’) e de memória de proce dimento. Podem ser realizados por meio da técnica
de ensaio progressivo (‘expanding rehearsal technique’) com resultados positivos, porém sem generalização; método das pistas evanescentes (‘method
of vanishing cues’)88,89; a p rendizado sem erro ( ‘ e r-
Conclusão – A reabilitação cognitiva parece estabilizar o quadro por períodos variáveis em indivíduos com DA de gravidade leve a moderada. A
a p rendizagem sem erro e uso de técnicas que utilizem a memória de procedimento parecem ser mais
adequadas. O treinamento cognitivo de habilidades
específicas não se generaliza para a vida diária,
devendo-se utilizar tarefas que possam ser adaptadas pelos cuidadores no dia a dia do paciente.
A sua associação à medicação que visa melhorar
a cognição (IChEs) poderia levar a melhores re s u ltados.
Recomendações/sugestões
As técnicas de reabilitação cognitiva podem ser
indicadas, considerando que existem evidências
de sua eficácia em pacientes com DA de gravidade
leve a moderada (norma).
O treinamento cognitivo de habilidades específicas (memória, linguagem) pode ser útil (norma).
Algumas técnicas visando melhoras nas atividades de vida diária podem ser indicadas (norm a ) .
TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO
DOS SINTOMAS DE COMPORTAMENTO
E PSICOLÓGICOS
A utilização de intervenções para o controle
não farmacológico de SCPC pode se mostrar útil
em diversas situações, existindo algumas evidências
quanto à sua eficácia. As intervenções, em sua
maioria, mostram-se pouco eficazes, porém nas
que demonstram benefício, a inclusão de suport e
social ou combinação de suporte social e cognitivo
1110
Arq Neuropsiquiatr 2005;63(4)
parecem ser relativamente efetivas. A maior dificuldade na análise desses trabalhos é o pequeno
n ú m e ro de pacientes e a falta de descrições metodológicas detalhadas das intervenções97.
Além disso, os cuidadores desses pacientes sofrem sobrecarga decorrente da administração de
cuidados que gera nos mesmos graus variáveis de
distúrbios de saúde física e mental, além de re p e rcussão desfavorável em relação ao paciente. Essa
questão pode ser atenuada através de suporte aos
familiares e cuidadores.
Segundo revisão sistemática de todos os estudos
randomizados não foram encontradas evidências
de diferenças entre as intervenções propostas (serviços individualizados de planejamento, suporte
via internet ou telefone, educação e treinamento
do cuidador) e o suporte convencional aos familiares
e cuidadores. As conclusões são de que devido ao
número pequeno de pacientes e pouca duração das
intervenções não há evidências de se indicar ou não
estas estratégias98,99. Mais recentemente, ensaios
randomizados demonstraram que há mais resposta
quanto ao comportamento do paciente com o treinamento adequado dos cuidadores. Comparandose treinamento dos cuidadores a somente informações em material escrito, apenas no primeiro
grupo ocorreram melhoras quanto ao comportamento, caracterizado tanto por agressividade verbal quanto não verbal100. Observou-se redução significativa nas reações dos cuidadores aos distúrbios
comportamentais dos pacientes, com redução também na freqüência com que estes distúrbios eram
apresentados101-107. Houve melhora da depressão
nos pacientes, que se manteve após 6 meses nos
dois grupos de terapia do comportamento, em
comparação a dois grupos sem intervenção108. Mesmo em períodos maiores (até um ano) existe efeito
da intervenção educacional e do aconselhamento
s o b re os cuidadores, diminuindo sua depressão, a
agitação do paciente e maior tempo de permanência em casa antes da institucionalização109-111. Ainda
em pacientes de gravidade moderada a acentuada,
o treinamento de cuidadores quanto à sensibilização para sinais de comunicação não verbal parece exercer resultados positivos quanto a afetos positivos, mesmo sem significativas diferenças na sintomatologia do paciente, porém com redução de
queixas pelos cuidadores105.
Conclusão – A utilização de intervenções para
o controle não farmacológico pode se mostrar útil
em diversas situações, existindo algumas evidências
quanto à sua eficácia.
P rogramas educacionais e treinamento do cuidador melhoram os níveis de estresse de ambos, d i stúrbios de comportamento do paciente e reação
do cuidador aos mesmos. Educação e suporte retardam a institucionalização, principalmente com programas com intervenções educacionais, sociais, sup o rte psicológico, auxílio aos serviços de saúde, e ncaminhamentos.
Essas intervenções de modo isolado mostram
eficácia em muitos casos, evitando o uso de fármacos, e quando em associação com medicação
psicotrópica, a eficácia pode ser aumentada, além
de permitir a redução da medicação ou mesmo a
sua interrupção.
Recomendações/sugestões
Programas educacionais e treinamento para
c u i d a d o res podem melhorar o estresse para os pacientes e cuidadores (opção prática).
Redução de problemas de comportamento pode ser obtida com diversas intervenções, como música, passeios, exercícios brandos (opção prática).
Outras intervenções podem ser eventualmente
úteis, como presença simulada (familiares em fita
de áudio ou de vídeo) (opção prática).
Agradecimentos - (a) aos membros do DC-NCE da
ABN - Ricardo Nitrini; João CB Machado; Leonardo Caixeta e especialmente a Paulo Caramelli, pela participação
nas diversas fases do presente trabalho; (b) à Bibliotecária
Luzinete Alvarenga pela organização bibliográfica.
REFERÊNCIAS
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and butyrylcholinesterase in Alzheimer’s disease resemble embryonic
developmenta study of molecular forms. Neurochem Int 1992;21:381-396.
ATIVIDADE EM GRUPO
Caso 2:
Sr. E.F. é um homem de 79 anos que vive sozinho. Ele é levado a emergência médica com sinais de
desidratação, aparentemente por resultado de intensa náusea e vômito nas ultimas 24 horas. Ele
apresenta tremor, confusão mental, não demonstra raciocínio lógico, sua fala é desconexa.
Para reidratarão o paciente recebeu infusão de cloreto de sódio 0,9% (i.v.). Além disso,
metoclopramida foi administrada (10 mg, i.v.). Logo após a administração da metoclopramida o
paciente sofre uma crise oculógira6 que foi revertida com biperideno (i.v.).
Doze horas mais tarde, o Sr. E.F., está consciente e lúcido, mas agora apresenta um pronunciado
tremor, característico da doença de Parkinson.
O paciente relata que ele foi inicialmente diagnosticado com Parkinson há cerca de um ano por seu
geriatra. A medicação indicada e utilizada foi SINEMET (Levodopa + Carbidopa).
Após voltar para casa o Sr. E.F. iniciou automedicação com Plasil (metoclopramida, v.o.) com medo
de sentir náusea novamente. Após 5 dias o paciente chega a farmácia reclamando que seu
medicamento (SINEMET) não estava funcionando para a sua doença.
6
Crise oculógira, quando os olhos são forçadamente desviados para cima.
24
INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA FARMACOTERAPIA
DO IDOSO: UMA REVISÃO
Juliana V Quinalha; Cassyano J Correr
Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia ISSN 1809-9823
Artigo aceito para publicação em Julho de 2010
25
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional ocorre quando a taxa da população considerada idosa (60 anos ou
mais no Brasil) é maior do que a da população de jovens. Isso pode acontecer devido a reduções na
fecundidade e na mortalidade. Como conseqüência, a distribuição na pirâmide etária modifica-se
aumentando a idade média e a participação dos idosos no total da população, o que implica em
maior freqüência de internações, maior número de consultas e maior uso de medicamentos 1.
Dentre os países mais populosos do mundo, o Brasil é o que apresenta maior velocidade no processo
de envelhecimento demográfico. De acordo com as projeções das Nações Unidas e do IBGE, até o
ano de 2025 o Brasil será o sexto país com maior população de idosos do mundo 1, 2.
Vários fatores podem influenciar a segurança, efetividade e sucesso da terapia farmacológica. Entre
eles encontram-se as alterações anatômicas e funcionais naturais do envelhecimento (processo este
conhecido como senescência) e por afecções que acometem o indivíduo idoso (processo
denominado de senilidade), assim como a presença de múltiplas doenças, a polifarmácia, aumento
da suscetibilidade à reações adversas a medicamentos (RAM’s), mudanças na farmacologia e
problemas na adesão ao tratamento 3, 4. É importante estar atento ao que faz parte da senescência e
o que faz parte da senilidade para não iniciar um tratamento desnecessariamente ou deixar de tratar
um problema de saúde que merece cuidado. Pelo fato de os idosos consumirem a maior parte da
produção mundial de medicamentos (média de 2-5 medicamentos por idoso) 5 e serem mais
sensíveis aos efeitos de certas classes farmacológicas, foram desenvolvidos vários estudos que
identificam quais são os medicamentos inadequados para as pessoas de idade avançada ou cujo uso
deve ser avaliado 6. Assim, algumas listas foram propostas por pesquisadores da França, Canadá e
Estados Unidos. Estas não são consideradas absolutas, sendo necessário o estudo da
farmacoepidemiologia de cada país para predizer quais os medicamentos considerados impróprios
de acordo com o perfil de idosos e características de cada região.
O farmacêutico pode auxiliar nos problemas mais comuns que ocorrem no uso de medicamentos
por pessoas idosas identificando medicamentos inapropriados, presença de interações, duplicidades
terapêuticas, reações adversas, usos inadequados, automedicação e doses erradas, assim como
fornecer informações sobre as doenças e os medicamentos prescritos de modo que a adesão do
26
paciente ao tratamento possa melhorar. Com isso, o farmacêutico pode garantir que a terapia
prescrita continuará sendo necessária, efetiva no alcance dos objetivos terapêuticos, e segura.
Existem vários instrumentos disponíveis no Brasil, úteis na avaliação de pacientes idosos 7. A maioria
dos instrumentos existentes, entretanto, está relacionada com a área médica, incluindo testes de
fluência verbal, instrumentos de avaliação do estado nutricional, do estado mental, de limitação das
atividades funcionais, problemas de memória, avaliação do equilíbrio e da marcha e escalas de
depressão geriátrica. Poucos são os instrumentos encontrados especificamente sobre a
farmacoterapia no idoso, sendo que, quando encontrados, a maior parte deles tem pouca ou
nenhuma repercussão no Brasil.
O objetivo desta revisão é reunir os principais instrumentos de avaliação úteis para otimização da
farmacoterapia em idosos, tanto no âmbito hospitalar quanto ambulatorial. Para tanto, foi realizada
uma pesquisa bibliográfica em periódicos científicos como jornais e revistas, monografias, livros,
obras de divulgação e de referência, em bibliotecas convencionais e diferentes bases de dados
(Lilacs, Medline, Scielo e Scopus), utilizando os seguintes termos de busca combinados entre si:
idosos, geriatria, farmacoterapia, instrumentos de avaliação, otimização da farmacoterapia,
medicamentos inadequados. Os artigos foram avaliados segundo a possibilidade de inclusão do
instrumento na prática farmacêutica hospitalar e/ou comunitária no atendimento de pacientes
geriátricos. Foram excluídos os artigos não adquiridos na íntegra a partir das fontes de pesquisa
citadas e aqueles cuja aplicação era voltada para a prática médica.
INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA FARMACOTERAPIA EM IDOSOS
INSTRUMENTO PARA AS DISCREPÂNCIAS DOS MEDICAMENTOS (MEDICATION
DISCREPANCE TOOL – MDT)
O termo “discrepância” é definido como a diferença existente entre a medicação prescrita pelo
médico e aquela que o paciente efetivamente toma, baseado nos frascos de medicamentos e relatos
do próprio paciente 8. A definição de outros autores diz que discrepância é a falta de acordo entre
diferentes regimes medicamentosos que pode identificar possíveis erros de medicação que possam
ocorrer na transição entre hospital e casa 9.
27
Os tipos de discrepâncias de medicação encontrados podem estar relacionados ao paciente e/ou ao
sistema de cuidado. Algumas classes de medicamentos são mais freqüentemente prescritas e, por
isso, podem ser responsáveis por 50% de todas as discrepâncias de medicação ocorridas no cenário
de transição hospital-casa, entre elas encontram-se: anticoagulantes (13%); diuréticos (10%);
inibidores da enzima conversora de angiotensina [IECA] (10%); agentes hipolipemiantes (10%), e
inibidores da bomba de prótons (7%) 9. O estudo realizado pela Universidade de Ciências da Saúde,
Colorado, no ano de 2004, teve como objetivo principal desenvolver um Instrumento para as
Discrepâncias dos Medicamentos - MDT (Anexo 1), capaz de auxiliar os profissionais de saúde na
identificação e classificação dos problemas relacionados a medicamentos (PRM’s), facilitando a
resolução desses problemas e descrevendo ações apropriadas com relação ao paciente e ao sistema
10
.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento de tal instrumento foi análise de 20 casos clínicos
baseados em um grupo de pacientes com idade igual ou superior a 65 anos, que receberam alta
hospitalar. As informações relevantes para identificação de discrepâncias foram obtidas através de
visitas à casa dos pacientes e revisão da medicação, comparando os medicamentos que tomavam
antes da hospitalização, prescrição de alta e medicamentos em uso após alta. Dois médicos clínicos
gerais, dois farmacêuticos geriatras e duas enfermeiras avaliaram os casos para, desta forma,
identificar quais itens incluir e como apresentá-los, bem como quais palavras utilizar para esclarecer
as instruções a serem incluídas no MDT. Depois disso, foi realizado um teste de confiança para
avaliar a capacidade de detecção de PRM’s por parte dos profissionais de saúde e aplicabilidade dos
itens, baseando-se nos resultados obtidos após uso desta ferramenta pelos profissionais convidados,
os quais qualificaram o instrumento através do seu grau de concordância (baixo, bom, excelente). O
estudo mostrou, através de análises estatísticas (Cohen), que os profissionais que usaram o MDT
apresentaram boa capacidade para detectar problemas relacionados à medicação e que o teste
serviu para distinguir os itens aplicáveis daqueles que não apresentaram aplicabilidade, quando
então dois itens (dose e transporte incorretos) foram excluídos, obtendo assim a versão final do
instrumento 10.
A primeira parte do MDT é composta pelas causas e contribuição de fatores relacionados ao
paciente e ao sistema de cuidado que podem levar à discrepância na medicação e, a segunda parte
contém as possíveis resoluções aplicáveis. A seção de discrepâncias relacionadas ao paciente tem
como objetivo avaliar o paciente na gestão de seus medicamentos, diferenciando, por exemplo, a
não adesão intencional daquela não intencional. A seção de discrepâncias relacionadas ao sistema
tem como objetivo avaliar as práticas de trabalho no sistema de saúde e o regime efetivo da
28
medicação para pacientes ambulatoriais. A seção final, “resoluções”, possui como objetivo avaliar
ações que possam ser tomadas para corrigir as discrepâncias encontradas 10.
O MDT é um instrumento útil para identificar e caracterizar as discrepâncias dos medicamentos que
possam acontecer com o paciente ambulatorial, entretanto, possui algumas limitações: nem todos
os itens podem ser atribuídos exclusivamente a problemas de transição hospital-casa, mas podem
ser considerados complementares àquilo que é específico da transição. Além disso, a prescrição de
alta por si não é suficiente para determinar onde a discrepância ocorreu: muitas vezes é necessário
que o médico complemente as informações. Para melhorar o MDT, o próprio autor sugere a inclusão
de um item com os medicamentos utilizados sem prescrição médica 10.
LISTAS DAS MEDICAÇÕES CONSIDERADAS INADEQUADAS PARA O USO EM IDOSOS
Medicamento potencialmente inadequado para o uso em idosos é definido como qualquer
medicamento cujos riscos são maiores que os benefícios. Alguns autores consideram o uso desses
medicamentos como a maior causa de PRM’s na terceira idade 11, outros dizem ser responsável por
inúmeras reações adversas; assim, é importante identificar quais são estes medicamentos a fim de
estabelecer uma terapia farmacológica adequada 12.
O método Delphi, utilizado na elaboração das listas de medicações inadequadas, tem como objetivo
consultar a opinião de um grupo de especialistas através de um questionário que circula repetidas
vezes entre os respondentes, cujo anonimato é preservado. Primeiro elabora-se um questionário, a
partir da revisão da literatura, com informações suficientes para homogeneizar a linguagem e
facilitar o raciocínio; em seguida, os convidados respondem individualmente às questões, podendo
adicionar justificativas e opiniões. As respostas são analisadas estatisticamente, excluindo ou
incluindo novos itens e as perguntas são repetidas no ciclo seguinte para que os respondentes
reavaliem suas respostas, com base nos resultados e justificativas dadas pelo grupo na rodada
anterior. Este processo é repetido várias vezes até que a divergência de opiniões esteja reduzida a
um nível satisfatório, quando então se diz que foi obtido um consenso entre os especialistas 13.
Assim, com a resposta da última rodada foram obtidos os instrumentos das medicações inadequadas
para o uso em pessoas com 60 anos ou mais.
Todas as listas de medicações inadequadas para idosos apresentam como principal limitação uma
rápida desatualização, pela constante retirada e inclusão de medicamentos no mercado
29
farmacêutico e, além disso, a mais utilizada de todas (Critério de Beers) não sugere alternativas
terapêuticas mais seguras para os idosos, como o faz as mais recentes listas desenvolvidas em 1997
no Canadá e em 2007 na França 12. Também, não são feitos estudos envolvendo eficácia, doses
apropriadas, possíveis resultados negativos e sua probabilidade de ocorrência, associados à
prescrição de medicamentos inadequados. Apesar de não identificar todos os medicamentos
inadequados bem como as conseqüências de seu uso, essas listas reúnem os principais casos
encontrados na prática clínica e servem como guia para os profissionais da saúde. Porém, ser
inadequado não significa que se trata de uma contra-indicação absoluta, é preciso considerar a
relação risco/benefício para cada paciente devido às possíveis co-morbidades, estado funcional,
prognósticos e medicamentos em uso.
As listas de medicamentos considerados inadequados para o uso em idosos descritas neste artigo
poderão ser encontradas na íntegra na base de dados PUBMED.
Critérios de Beers
O Critério de Beers é o método mais utilizado para avaliar as características, com relação aos efeitos,
dos medicamentos prescritos aos idosos. Este método foi primeiramente desenvolvido em 1991,
baseado no estudo de idosos institucionalizados nos Estados Unidos 11, 14. Houve atualizações
posteriores em 1997 para torná-lo mais aplicável, incluindo no estudo os idosos não
institucionalizados, e mais recentemente em 2002 para incluir novas informações, avaliar potenciais
efeitos adversos e incluir novos medicamentos cujo uso não é indicado em pacientes idosos 15.
A primeira lista desenvolvida por Beers et al 14 em 1991 era composta de 19 medicamentos
inadequados e 11 medicamentos cuja dose, freqüência de uso e duração do tratamento eram
inadequadas para pessoas com 65 anos ou mais. A lista atualizada em 1997 constava de 28
medicamentos a serem evitados devido à sua inadequação e 35 medicamentos inadequados para 15
condições patológicas específicas 16. A mais recente lista, atualizada em 2002, selecionou os
medicamentos a serem incluídos através de uma revisão sistemática para depois enviar aos
especialistas e obter um consenso. Ela consta de 48 medicamentos que devem ser evitados em
pessoas idosas por serem inadequados e medicamentos não adequados para 20 condições
patológicas específicas 16, 17.
No Brasil, em 2008, foi analisada a lista de medicamentos genéricos, publicada no Diário Oficial da
União em 12 de julho de 2004, e comprovada a aplicabilidade do instrumento ao constatar a
presença de 6,7% do total de medicamentos da lista, incluídos nos critérios de Beers-Fick para
30
medicamentos inadequados em idosos. Entretanto, faz ressalvas ao apontar o uso comum de
antitussígenos, cinarizina, diltiazem, piracetam, quinolonas, xantinas, cremes, pomadas e colírios, os
quais não fazem parte do instrumento, mas necessitam de cautela na sua prescrição 18.
Apesar de necessitar de periódicas atualizações para continuar sendo válido, este instrumento
possui fácil aplicação, memorização e pode ser utilizado em diversos idiomas. Sugere-se a
possibilidade de considerar o uso de medicamentos fitoterápicos, gravidade da doença, diagnóstico
e medidas não farmacológicas 16, 18.
Medicamentos inapropriados para uso em idosos: Lista Francesa
No ano de 2006 na França, de modo semelhante ao critério proposto por Beers et al 14 anos antes,
foi realizado um consenso entre especialistas de várias áreas para estabelecer uma lista de
medicamentos inadequados para idosos deste país.
Para tanto, cada critério do questionário foi avaliado segundo a escala Likert de 1 a 5 pontos, onde 1
significa “total acordo com a inadequação” e 5 “total desacordo com a inadequação”. Os itens com
escore 1 e 2 foram mantidos na lista, enquanto os itens 4 e 5 foram excluídos; os itens com escore 3
(opinião duvidosa) foram apresentados novamente aos especialistas em outro momento. Também
foi estabelecido para qual idade essa lista teria aplicação. O questionário era composto de duas
categorias: medicamentos que devem ser evitados em idosos por não serem efetivos ou induzirem
algum tipo de risco e medicamentos que devem ser utilizados apenas em condições médicas
específicas 12.
A lista resultante identifica 34 medicamentos de prescrição inadequada para pessoas com mais de
75 anos, pois nesta idade as mudanças farmacocinéticas e farmacodinâmicas são mais significativas
para alterar a resposta dos medicamentos do que em idades mais jovens. Entre os medicamentos
encontrados, 25 foram considerados impróprios devido à relação risco/benefício desfavorável, 1
medicamento teve sua eficácia considerada questionável e 8 com relação risco/benefício
desfavorável e eficácia questionável 12.
De todos os medicamentos ou classes de medicamentos apresentados na lista francesa, apenas
alguns fazem parte da lista proposta por Beers, pois foram excluídos aqueles não disponíveis na
França (pentazocina, trimetobenzamida, flurazepam, meperidina, orfenadrina, guanadrel,
31
isoxsurpina, doxazosina, tioridazina, mesoridazina, ácido etacrínico e tireóide dessecada) ou
considerados prejudiciais e não efetivos (todos os barbitúricos, excluindo apenas o fenobarbital).
Diferentemente da lista de Beers, na lista proposta para a França não são utilizados estrógenos sem
associação com progesterona para a menopausa, fenilbutazona foi incluída por induzir efeitos
hematolíticos, fluoxetina não foi considerada maior indutora de problemas que qualquer outro
inibidor da recaptação de serotonina e amiodarona foi considerada efetiva e capaz de induzir efeitos
adversos como outros antiarrítmicos. Esta lista adiciona, além de vários medicamentos propostos
por Beers, o uso de dois ou mais antiinflamatórios não esteroidais, dois ou mais medicamentos
psicotrópicos da mesma classe terapêutica e alguns outros medicamentos com propriedades
anticolinérgicas 12.
Medicamentos inapropriados para o uso em idosos: Lista Canadense
Esse estudo foi desenvolvido através do método Delphi modificado, no Centro Médico Acadêmico
no Canadá, em 1997, por McLeod et al (17), e discorda em relação a alguns medicamentos
considerados por Beers inapropriados para o uso em pessoas idosas. É o caso dos anti-hipertensivos
reserpina e clortalidona, da amitriptilina e do hipoglicemiante oral clorpropamida. Os autores
também criticam a lista de Beers pela inclusão de medicamentos que estão em desuso, como
ciclandelato, propoxifeno e isoxsuprina 19.
Inicialmente, desenvolveu-se uma lista com 38 práticas inadequadas, classificadas nas categorias de
medicamentos contra-indicados devido à relação risco-benefício, medicamentos que podem causar
interações com outros medicamentos e/ou interações com doenças e, posteriormente, essa lista foi
enviada aos membros da equipe do consenso que julgaram as prescrições segundo as seguintes
alternativas: possibilidade de aumento do risco de efeitos adversos, disponibilidade de terapias
alternativas com efetividade igual ou superior e menor risco e, probabilidade da redução dessa
prática conseguir diminuir a morbidade entre pessoas idosas. Com isso, foi possível gerar outra lista,
agora com 71 práticas de prescrição de medicamentos para idosos, em que a condição clínica era
descrita e uma terapia alternativa era sugerida para o caso. 19.
Para a avaliação da significância clínica das prescrições, os respondentes utilizaram uma escala de 1
a 4 (1=sem significância e 4=altamente significante) e emitiram seu parecer sobre a terapia
32
alternativa proposta. A média de significância clínica variou de 2,53 a 3,83 e a variação da proporção
de acordo ou desacordo com a terapia sugerida foi pequena 19.
Neste instrumento encontram-se apenas as prescrições classificadas com média de significância
clínica igual ou maior que 3,0 e elas estão organizadas de acordo com a prescrição de medicamentos
para o tratamento de doenças cardiovasculares, prescrição de medicamentos psicotrópicos,
prescrição de AINES e outros analgésicos e prescrição de diferentes medicações. Das 38 práticas
descritas no instrumento, 18 envolvem medicamentos contra-indicados para pessoas idosas devido
à desfavorável relação risco-benefício, 16 envolvem interações medicamento-doença e 4 envolvem
interações medicamento-medicamento, sendo estas considerações as principais diferenças quando
comparada com a lista desenvolvida por Beers 19.
Índice De Adequação Da Medicação (Medication Appropriateness Index - MAI)
Para prescrever um medicamento de forma apropriada, o médico deve entender sobre a patologia
diagnosticada, a farmacologia do medicamento a ser prescrito, assim como deve considerar as
particularidades da fisiologia e farmacologia do organismo que irá receber o medicamento. Caso a
prescrição não esteja adequada, esta poderá conter medicamentos desnecessários, não efetivos,
prejudiciais, inviáveis e/ou muito caros, que geralmente contribuem para maior morbidade,
internações e despesa para os pacientes. Como forma de garantir a qualidade das prescrições
medicamentosas, desenvolveu-se um instrumento que avalia os elementos de uma prescrição e é
aplicável para vários medicamentos, cenários e condições clínicas. Este instrumento, chamado de
Índice de Adequação da Medicação - MAI (Anexo 2), foi elaborado por um farmacêutico clínico e
um médico geriátrico, com base na revisão da literatura (MEDLINE) sobre medidas de avaliação ou
escalas de avaliação da medicação 20 e, posteriormente, foi validado por Samsa et al 21, anos mais
tarde.
O artigo que traz este instrumento, publicado por Joseph Hanlon et al (12) em 1992, primeiramente
avaliou as prescrições medicamentosas de 10 pacientes idosos ambulatoriais, selecionados
aleatoriamente, que recebiam cinco ou mais medicamentos e eram regularmente atendidos numa
clínica de medicina interna nos Estados Unidos, para verificação da confiabilidade do MAI. Depois,
33
dois farmacêuticos com especialização em geriatria selecionaram outra amostra de 10 pacientes
geriátricos ambulatoriais, atendidos na mesma clínica médica e que utilizavam cinco ou mais
medicamentos regularmente para verificação da generalização do instrumento. Para análise dos
resultados foram utilizados cálculos estatísticos de confiabilidade interclasse e intraclasse (kappa),
de modo que o medicamento era considerado como completamente adequado combinando as 10
classificações e completamente inadequado se um ou mais itens recebessem classificação “3” 20.
Neste instrumento a prescrição é avaliada quanto a possíveis problemas relacionados aos
medicamentos segundo 10 critérios essenciais: indicação (sinal, sintoma, doença ou condição para
prescrição), efetividade (produção de resultado benéfico), dose (total de medicamentos tomados
em 24 horas), administração (instruções para uso correto de um medicamento), comodidade /
praticidade (capacidade de ser usado ou colocado em prática), interações medicamentomedicamento (efeito que a administração de um medicamento tem em outro, geralmente
prejudicial), interação medicamento-doença (efeito que um medicamento tem em uma doença ou
condição pré-existente, geralmente prejudicial), duplicidade terapêutica (prescrição não benéfica ou
arriscada de dois ou mais medicamentos de mesma classe farmacológica ou química), duração
(período de tempo do tratamento) e custo (custo de um medicamento em comparação com outros
agentes de igual eficácia e segurança). O índice segue uma escala de 3 pontos, onde 1 significa “uso
apropriado do medicamento”, 2 “uso limitadamente apropriado do medicamento”, 3 “uso
inapropriado do medicamento” e 9 “não sei”. Deste modo, a pontuação total por paciente se obtém
pela soma da pontuação de cada um dos elementos analisados para cada medicamento, sendo que
quanto mais alta a pontuação obtida na escala de 1 a 3, mais inapropriada a prescrição para o
paciente idoso 16, 20, 22. Muitas vezes, pode não ser possível avaliar determinados itens no momento
da aplicação do instrumento, a exemplo do item efetividade; neste caso, o profissional deve
assinalar o 9 “não sei” a fim de não interferir no resultado, já que a avaliação é obtida apenas pelo
somatório na escala de 1 a 3 pontos.
Trata-se de um método com instruções operacionais fáceis e úteis para revisar um grande número
de medicamentos utilizados pelos pacientes idosos. Entretanto, possui algumas desvantagens como
a de não incluir em sua escala a presença de RAM (exceto aquelas provocadas por interações
medicamento-medicamento e medicamento-doença), devido, segundo o autor, à existência de
algoritmos próprios para isso; não incluir a presença de problema de saúde não tratado, qualidade
de vida e não adesão ao tratamento; além de o tempo despendido para revisar cada medicamento
34
ser de aproximadamente 10 minutos, o que pode impossibilitar sua aplicação em locais muito
movimentados 16, 20, 22.
Instrumento Para Previsão De Reações Adversas A Medicamentos
Este instrumento foi elaborado a partir de um estudo envolvendo 186 idosos com idade igual ou
superior a 60 anos, realizado pela enfermaria da Clínica Médica do Centro Hospitalar Municipal de
Santo André, no período de 2002 a 2004. Foram excluídos do estudo os pacientes intubados, em
coma ou já internados em outros setores do hospital, os quais possuíam condição clínica que não
permitiria a coleta de dados para a pesquisa e identificação de Reações Adversas a Medicamentos
(RAM), as quais foram classificadas conforme a gravidade e mecanismo. Os dados coletados se
referiam à idade, sexo, escolaridade, história prévia de RAM ou de etilismo, diagnósticos, doses e
uso de medicamentos inapropriados, avaliados conforme Critério de Beers, resultados do MiniExame do Estado Mental e da Escala de Atividades da Vida Diária, datas de internação, óbito e/ou
alta, descrição de intercorrências ou complicação e exames complementares. Cada possível RAM
identificada neste estudo foi avaliada conforme seu grau de probabilidade, através do algoritmo de
Naranjo 23.
Do total dos pacientes avaliados 61,8% apresentaram pelo menos uma RAM no período em que
estiveram internados, o que dá uma média de no mínimo 1 e no máximo 8 RAM para cada paciente,
os quais apresentaram as seguintes características: idade entre 70-79 anos, maior número de
diagnósticos e medicações prescritas, tempo de internação maior e uso dos seguintes
medicamentos: furosemida, clortalidona, captopril, ciprofloxacino, eritromicina, insulina NPH,
glibenclamida, tenoxicam e diclofenaco 23.
A partir do modelo de regressão logística, fixou-se a possibilidade de ocorrência de RAM em 50% e
elaborou-se o Instrumento de Previsão de RAM em Idosos (Anexo 3). A partir do número de
diagnósticos, número de medicamentos e uso ou não de medicamentos inapropriados, é possível
determinar o valor de corte da quantidade de medicamentos utilizados, de modo que se for
ultrapassado esse valor, o paciente apresentará probabilidade superior a 50% de desenvolver uma
RAM. Por exemplo, se o paciente apresenta somente um diagnóstico e não usa nenhum
medicamento inapropriado, só terá risco aumentado de RAM caso lhe seja prescrito número
35
superior a 18 medicamentos; porém, se utilizar algum medicamento inadequado e apresentar mais
de três diagnósticos entrará para o grupo de maior risco à RAM, independentemente do número de
medicamentos. A sensibilidade deste instrumento é de 88,7% e a especificidade de 40,8% 23.
Caso durante a avaliação seja identificado risco elevado de desenvolver RAM, o profissional de saúde
deverá realizar o acompanhamento do paciente, reavaliando indicações e doses dos medicamentos,
nível sérico (quando aplicável) e então decidir entre suspender a medicação, diminuir a dose ou
associar algum outro medicamento 23.
CONCLUSÕES
A revisão dos principais instrumentos de avaliação da farmacoterapia no idoso contidos neste artigo
pode auxiliar os profissionais da saúde, inclusive o farmacêutico, pois consideram os diversos
medicamentos comumente prescritos e determinadas condições clínicas destes pacientes, além de
acelerar o tempo para detecção de um PRM.
A contribuição deste artigo encontra-se, demonstrando ao profissional farmacêutico as possíveis
inadequações da farmacoterapia nos idosos e suas conseqüências do ponto vista do paciente,
instigar o desejo de melhoria na qualidade do atendimento nas farmácias. A aplicabilidade dos
instrumentos aqui propostos poderá ser avaliada em novos estudos e pelos farmacêuticos durante
sua prática clínica, tanto na dispensação e aconselhamento dos pacientes, como na monitorização e
avaliação dos resultados do tratamento.
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37
ANEXO 1
INSTRUMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO DA DISCREPÂNCIA DA MEDICAÇÃO (MEDICATION DISCREPANCE TOOL MDT)
Esta ferramenta é projetada para facilitar a concordância do regime medicamentoso entre diversos âmbitos e
prescritores
DESCRIÇÃO DA DISCREPÂNCIA ENCONTRADA (Completar um formulário para cada discrepância)
CAUSAS E CONTRIBUIÇÃO DE FATORES (Marque tudo que seja aplicável)
O texto em itálico sugere a perspectiva que o paciente tem e/ou intenção pretendida
Em relação ao paciente:
( ) Reação adversa a medicamento ou parte dos efeitos
( ) Intolerância
( ) A prescrição não foi atendida (o paciente não foi comprar ou não tinha o medicamento)
( ) A prescrição não foi necessária
( ) Dinheiro/barreiras financeiras
( ) Não adesão intencional
“Foi dito para eu tomar disso, mas eu escolho não fazer isso”
( ) Não adesão não intencional (p. ex. falta de conhecimento)
“Eu não estou entendendo como tomar esse medicamento”
( ) Falta de habilidade em como usar o medicamento
“Talvez alguém tenha me mostrado, mas eu não consigo demonstrar para você que eu posso”
Em relação ao sistema:
( ) Prescrições com alergias /intolerâncias conhecidas
( ) Informação conflitante para diferentes fontes de informação;
Por exemplo, informações de alta indicando uma ação e dizer outra no frasco de comprimidos.
( ) Confusão entre nomes de marca e genérico
( ) Informação de alta incompleta/inexata/ilegível
Ou o paciente não é capaz de compreender a caligrafia ou a informação não é escrita em ordem.
( ) Duplicação; Tomar vários medicamentos com a mesma ação sem nenhum fundamento.
( ) Dosagem errada
( ) Quantidade errada
( ) Rótulo errado
( ) Deficiência cognitiva não diagnosticada
( ) Falta de cuidado/necessidade de assistência não identificada
( ) Limitações da visão/destreza não identificada
RESOLUÇÃO (marque tudo que seja aplicável)
( ) Recomendar parar de tomar/começar tomar/mudar o modo de utilização dos medicamentos
( ) Discutir benefícios potenciais e danos que a não adesão pode produzir
( ) Incentivar o paciente a ligar para um especialista ou clínico geral sobre o problema
( ) Incentivar o paciente a marcar consulta com um especialista ou clínico geral para discutir o problema
( ) Incentivar o paciente a falar com o farmacêutico sobre o problema
( ) Orientar o paciente (falta de conhecimento/habilidade para uso correto do medicamento)
( ) Providenciar recurso de informação para facilitar a adesão (ex. material impresso)
( ) Outros___________________________________________________________
Smith J. D, Coleman E. A, Min S. J., 2004 10.
38
ANEXO 2
ÍNDICE DE ADEQUAÇÃO DA MEDICAÇÃO (MEDICATION APPROPRIATENESS INDEX - MAI)
Para avaliar se o medicamento é apropriado, favor responder as seguintes questões e circular a
pontuação (escore) aplicável:
1. Existe uma indicação para o
1
2
3
9
medicamento?
Indicado
Não indicado
Não sei
Comentários:
2. O medicamento é efetivo para a
1
2
3
9
condição?
Efetivo
Não efetivo
Não sei
Comentários:
3. A dosagem é correta?
1
2
3
9
Comentários:
Correta
Incorreta
Não sei
4. As admistrações são corretas?
1
2
3
9
Comentários:
Correta
Incorreta
Não sei
5. As admistrações são práticas?
1
2
3
9
Comentários:
Prática
Não práticas
Não sei
6. Existem interações medicamentomedicamento clinicamente significantes?
1
2
3
9
Comentários:
Significante
Insignificante Não sei
7. Existem interações medicamentodoença/ problema de saúde clinicamente
1
2
3
9
significantes?
Significante
Insignificante
Não sei
Comentários:
8. Existe duplicação desnecessária com
1
2
3
9
outros medicamentos?
Necessária
Desnecessária Não sei
Comentários:
9. A duração do tratamento é aceitável?
1
2
3
9
Comentários:
Aceitável
Inaceitável Não sei
10. Este medicamento é a alternativa de
menor custo em comparação a outros
1
2
3
9
medicamentos com a mesma utilidade?
Menos caro
Mais caro
Não sei
Comentários:
INTERPRETAÇÃO: O índice segue uma escala de 3 pontos, onde 1 significa “uso apropriado do
medicamento”, 2 “uso limitadamente apropriado do medicamento”, 3 “uso inapropriado do
medicamento” e 9 “não sei”. A pontuação total se obtém pela soma da pontuação de cada um dos
elementos analisados para cada medicamento, sendo que quanto mais alta a pontuação na escala
de 1 a 3, mais inapropriada a prescrição para o paciente idoso.
Hanlon JT, Schmader KE, Samsa GP, Weinberger M, Uttech KM, Lewis IK, et al., 1992 20.
39
ANEXO 3
INSTRUMENTO DE PREVISÃO DE RAM* EM IDOSO
Uso de medicamento inapropriado
Número de diagnósticos
Não
Sim
1
18
9
2
15
6
3
11
2
4
7
0
5
4
0
* RAM=reações adversas a medicamentos
INTERPRETAÇÃO: Se ultrapassar esses valores de corte obtidos, o paciente apresentará probabilidade
superior a 0,5 de desenvolver uma RAM (possibilidade fixada de RAM=0,5). Exemplo, se o paciente
apresenta um diagnóstico e não usa nenhum medicamento inapropriado, terá risco aumentado de
RAM caso lhe seja prescrito número superior a 18 medicamentos; porém, se utilizar algum
medicamento inadequado e apresentar mais de três diagnósticos entrará para o grupo de maior risco
à RAM, independentemente do número de medicamentos.
Passarelli MCG, Jacob Filho W., 2007 23.
40
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CRITÉRIO DE BEERS PARA MEDICAMENTOS POTENCIALMENTE INADEQUADOS EM IDOSOS,
INDEPENDENTE DO DIAGNÓSTICO OU CONDIÇÃO CLÍNICA
Medicamento
Ácido etacrínico
Aines não seletivos de COX
(uso prolongado de dosagem
máxima, meia vida
prolongada): naproxeno,
oxaprozim e piroxicam
Amiodarona
Amitriptilina,
clordiazepóxido-amitriptilina
e perfenazina-amitriptilina
Anfetamina (excluindo
metilfenidato e anorexígenos)
Anfetaminas e agentes
anorexígenos
Anticolinérgicos e
antihistamínicos:
clorfeniramina, difenidramina,
hidroxizina, ciproheptadina,
prometazina, tripelenamina,
dexclorfeniramina
Antiespasmódico
gastrintestinal: diciclomina,
hiosciamina, propantelina,
alcalóides de belladona e
clidínio-clordiazepóxido
Barbitúricos (exceto
fenobarbital) exceto quando
usado para o controle da
epilepsia
Benzodiazepínicos de ação
curta: doses maiores que
lorazepam, 3mg; oxazepam,
60mg; alprazolam, 2mg;
temazepam, 15mg e
triazolam, 0,25mg
Benzodiazepínicos de ação
longa: clordiazepóxido,
clordiazepóxido-amitriptilina,
clidínio- clordiazepóxido,
diazepam, quazepam,
halazepam e clorazepato
Ciclandelato
Cimetidina
Clonidina
Clorpropamida
Tireóide dessecada
Preocupação
Risco de potencial hipertensão e desequilíbrio de líquidos. Avaliar alternativas mais
seguras.
Possui potencial para produzir sangramento gastrintestinal, insuficiência renal,
aumento da pressão arterial e insuficiência cardíaca.
Avaliação de
severidade (alta
ou baixa)
Baixa
Alta
Associada com problemas com o intervalo QT e risco de produzir torsades de
pointes. Escassa eficácia em anciãos.
Devido à suas potentes propriedades anticolinérgica e sedativa, amitriptilina
raramente é o antidepressivo de escolha para pacientes idosos.
Alta
Efeitos adversos estimulantes do SNC.
Alta
Esses medicamentos possuem um potencial para causar dependência, hipertensão,
angina e infarto do miocárdio.
Todos os antihistamínicos sem prescrição e muitos com prescrição podem ter
potentes propriedades anticolinérgicas. São preferidos antihistamínicos não
anticolinérgicos para o tratamento de reações alérgicas em pacientes idosos.
Alta
Medicamentos antiespasmódicos gastrintestinais são altamente anticolinérgicos e
possuem efetividade incerta. Esses medicamentos devem ser evitados (especialmente
para uso prolongado).
Alta
São altamente aditivos e causam mais efeitos adversos que a maioria dos
medicamentos sedativos ou hipnóticos em pacientes idosos.
Alta
Devido à sensibilidade aumentada aos benzodiazepínicos em pacientes idosos, doses
pequenas podem ser efetivas e seguras. A dose diária total raramente deve exceder a
máxima recomendada.
Alta
Alta
Alta
Estes medicamentos possuem meia vida longa em pacientes idosos (muitas vezes
Alta
vários dias), produzindo sedação prolongada e aumento do risco de quedas e fraturas.
Benzodiazepínicos de ação curta e intermediária são preferidos se um
benzodiazepínico for necessário.
Falta de eficácia.
Efeitos adversos do SNC incluindo confusão.
Risco de potencial hipotensão ortostática e efeitos adversos do SNC.
Apresenta meia vida prolongada em pacientes idosos e pode causar hipoglicemia
prolongada. É o único agente hipoglicemiante oral que causa síndrome da secreção
inadequada de hormônio antidiurético (SIADH).
Interesse sobre efeitos cardíacos. Avaliar alternativas mais seguras.
Baixa
Baixa
Baixa
Alta
Alta
Prof. Cassyano J Correr
Universidade Federal do Paraná
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Medicamento
Difenidramina
Preocupação
Pode causar confusão e sedação. Não deveria ser usado como hipnótico, e quando
usado para o tratamento de reações alérgicas de emergência, deve ser usado na mais
baixa dose possível.
A diminuição da depuração renal pode levar ao aumento do risco de efeitos tóxicos.
Digoxina (não deve exceder
>0.125mg/dia exceto no
tratamento de arritmias
atriais)
Dipiridamol de ação curta.
Pode causar hipotensão ortostática.
Não considerar dipiridamol de
ação longa (os quais têm
melhores propriedades que os
de ação curta em idosos)
exceto em pacientes com
válvulas cardíacas artificiais
Disopiramida
De todos os medicamentos antiarrítmicos, este é o mais potente inotrópico negativo e,
além disso, pode induzir insuficiência cardíaca em pacientes idosos. É também
fortemente anticolinérgico. Outros antiarrítmicos devem ser usados.
Doxazosina
Risco de potencial hipotensão, secura na boca e problemas urinários.
Doxepina
Devido a suas potentes propriedades anticolinérgica e sedativa, doxepina raramente é
o antidepressivo de escolha para pacientes idosos.
Estrógenos em tratamento
Evidência de potencial carcinogenicidade desses agentes (câncer de mama e
isolado (oral)
endometrial) e falta de efeito cardioprotetor em mulheres idosas.
Fluoxetina diariamente
Medicamento de longa meia vida e risco de produzir estimulação excessiva do SNC,
distúrbios do sono e aumento da agitação. Avaliar alternativas mais seguras.
Flurazepam
Esse benzodiazepínico hipnótico tem uma meia vida extremamente longa em
pacientes idosos (muitas vezes dias), produzindo prolongada sedação e aumento da
incidência de quedas e fraturas. Benzodiazepínicos de ação média ou curta são
preferidos.
Guanadrel
Pode causar hipotensão ortostática.
Guanetidina
Pode causar hipotensão ortostática. Existem alternativas seguras.
Indometacina
De todos os AINES disponíveis, é o que produz mais efeitos adversos sobre o SNC.
Isoxsurpina
Falta de eficácia.
Cetorolaco
O uso imediato ou prolongado deve ser evitado em pessoas idosas, devido um
número significativo apresentar condições patológicas gastrintestinais assintomáticas.
Laxativos estimulantes (uso
Pode exacerbar disfunção intestinal.
prolongado): bisacodil,
cáscara sagrada e óleo de
rícino, exceto na presença do
uso de analgésico opiáceo
Meperidina
Em doses comumente usadas, não é um analgésico oral efetivo. Pode causar confusão
e apresenta mais desvantagens que outros medicamentos narcóticos.
Meprobamato
É altamente aditivo e um ansiolítico sedativo. O uso de meprobamato durante
períodos prolongados pode necessitar de retirada lentamente.
Mesilato decodergocrina
Pode não se apresentar efetivo nas doses estudadas.
(Hydergine)
Mesoridazina
Efeitos adversos extrapiramidais e sobre o SNC.
Metildopa e metildopaPode causar bradicardia e exacerbar depressão em pacientes idosos.
hidroclorotiazida
Metiltestosterona
Risco de potencial hipertrofia prostática e problemas cardíacos.
Nifedipino de ação curta
Potencial hipotensão e constipação.
Nitrofurantoína
Risco de potencial dano renal. Avaliar alternativas mais seguras.
Óleo mineral
Possibilidade de aspiração e efeitos adversos. Avaliar alternativas seguras
disponíveis.
Avaliação de
severidade (alta
ou baixa)
Alta
Baixa
Baixa
Alta
Baixa
Alta
Baixa
Alta
Alta
Alta
Alta
Alta
Baixa
Alta
Alta
Alta
Alta
Baixa
Alta
Alta
Alta
Alta
Alta
Alta
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Universidade Federal do Paraná
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Medicamento
Orfenadrina
Pentazocina
Propoxifeno e associações
Preocupação
Causa mais sedação e efeitos adversos anticolinérgicos que alternativas seguras.
Analgésico narcótico com mais efeitos adversos sobre o SNC, incluindo confusão e
alucinações, mais comumente que outros medicamentos narcóticos. Além disso, é
uma mistura de agonista e antagonista.
Oferece poucas vantagens analgésicas frente ao acetaminofeno, ainda que tenha os
efeitos adversos dos outros medicamentos narcóticos.
A maioria dos relaxantes musculares e medicamentos antiespasmódicos são
pobremente tolerados pelos pacientes idosos, devido seus efeitos adversos
anticolinérgicos, sedação e debilidade. Além disso, é questionável a efetividade de
doses toleradas em pacientes idosos.
Relaxantes musculares e
antiespasmódicos:
metocarbamol, carisoprodol,
clorzoxazona, metaxalona,
ciclobenzaprina e oxibutinina.
Não considerar as formas de
liberação retardada
Reserpina a doses >0.25mg
Pode induzir depressão, impotência, sedação e hipotensão ortostática.
Sulfato de ferro >325mg/dia
Doses >325mg/dia não aumentam drasticamente a quantidade de ferro absorvido, no
entanto, aumentam grandemente a incidência de constipação.
Ticlopidina
Tem demonstrado não ser melhor que a aspirina na prevenção de trombo e pode ser
consideravelmente mais tóxico. Existem alternativas mais seguras.
Tioridazina
Grande potencial de efeitos adversos sobre o SNC e extrapiramidais.
Trimetobenzamida
Um dos medicamentos antieméticos menos efetivos, já que pode causar efeitos
adversos extrapiramidais.
FONTE: FICK, D. M; BEERS, M. H; et al, 2003.
Avaliação de
severidade (alta
ou baixa)
Alta
Alta
Baixa
Alta
Baixa
Baixa
Alta
Alta
Alta
CRITÉRIO DE BEERS PARA MEDICAMENTOS POTENCIALMENTE INADEQUADOS EM IDOSOS,
CONSIDERANDO DIAGNÓSTICO OU CONDIÇÃO CLÍNICA
Doença ou Condição
Medicamento
Insuficiência cardíaca
Disopiramida e medicamentos contendo
elevado conteúdo de sódio (sódio e sais de
sódio [bicarbonato alginato, bifosfato, citrato,
fosfato, salicilato e sulfato])
Hipertensão
Cloridrato de fenilpropanolamina (retirada do
mercado em 2001), pseudoefedrina;
comprimidos para emagrecer e anfetaminas
Úlcera duodenal ou gástrica Aspirina e AINEs (>325mg) (coxibes
excluídos)
Convulsão ou epilepsia
Clozapina, clorpromazina, tioridazina e
tiotixeno
Aspirina, AINEs, dipiridamol, ticlopidina e
Desordens de coagulação
sanguínea ou uso de terapia clopidogrel
anticoagulante
Obstrução do fluxo urinário Anticolinérgicos e antihistamínicos,
antiespasmódico gastrintestinal, relaxante
muscular, oxibutinina, flavoxato,
antidepressivo, descongestionantes e
tolterodina
Preocupação
Efeito inotrópico negativo. Pode
promover retenção de líquidos e
exacerbação da insuficiência cardíaca
Pode produzir elevação da pressão
sanguínea secundária à atividade
simpatomimética
Pode exacerbar úlceras existentes ou
produzir novas ulcerações
Pode diminuir o limiar para convulsões
Avaliação de
severidade
(alta ou baixa)
Alta
Alta
Alta
Alta
Pode prolongar o tempo de coagulação e Alta
elevar os valores de RNI (relação de
normatização internacional) ou inibir a
agregação plaquetária, resultando em
aumento do risco de hemorragia
Pode diminuir o fluxo urinário,
Alta
conduzindo a retenção urinária
Prof. Cassyano J Correr
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Doença ou Condição
Incontinência urinária
Arritmias
Insônia
Doença de Parkinson
Deficiência cognitiva
Depressão
Anorexia e má nutrição
Síncope ou quedas
Síndrome da secreção
inadequada de hormônio
antidiurético/hiponatremia
(SSIHA)
Doenças convulsivas
Obesidade
Medicamento
Alfabloqueadores (doxazosina, prazosina e
terazosina), anticolinérgicos e antidepressivos
tricíclicos (cloridrato de imipramina, cloridrato
de doxapamina e cloridrato de amitriptilina) e
benzodiazepínicos de ação longa
Antidepressivos tricíclicos: (cloridrato de
imipramina, cloridrato de doxapamina e
cloridrato de amitriptilina)
Descongestionantes, teofilina, metilfenidato,
inibidores da monoamina oxidase e
anfetaminas
Metoclopramida, antipsicóticos clássicos e
tacrina
Barbitúricos, anticolinérgicos,
antiespasmódicos e relaxantes musculares.
Estimulantes do SNC: dextroanfetamina,
metilfenidato, metanfetamina, pemolina
Uso prolongado de benzodiazepínicos. Uso de
agentes simpatolíticos: metildopa, reserpina e
guanitidina
Estimulantes do SNC: dextroanfetamina,
metilfenidato, metanfetamina, pemolina e
fluoxetina
Benzodiazepínicos de ação curta ou
intermediária e antidepressivos tricíclicos
(cloridrato de imipramina, cloridrato de
doxapamina e cloridrato de amitriptilina)
Inibidores da recaptação de serotonina:
fluoxetina, citalopram, fluvoxamina, paroxetina
e sertralina
Bupropiona
Olanzapina
Avaliação de
severidade
(alta ou baixa)
Pode produzir poliúria e agravamento da Alta
incontinência
Preocupação
Preocupação devido a efeitos próarritimicos e capacidade de produzir
mudanças no intervalo QT
Preocupação devido aos efeitos
estimulantes do SNC
Alta
Preocupação devido aos seus efeitos
colinérgicos e antidopaminérgicos
Preocupação devido aos efeitos de
alteração no SNC
Alta
Pode induzir ou exacerbar a depressão
Alta
Preocupação devido aos efeitos de
supressão do apetite
Alta
Alta
Alta
Pode produzir ataxia, prejuízo na função Alta
psicomotora, síncope e quedas
adicionais
Pode exacerbar ou causar secreção
inadequada de hormônio antidiurético
Pode diminuir o limiar de convulsão
Pode estimular o apetite e aumentar o
ganho de peso
Efeitos adversos no SNC. Pode induzir
Doença pulmonar
Benzodiazepínicos de ação longa:
obstrutiva crônica (DPOC) Clordiazepóxido, clordiazepóxido-amitriptilina, depressão respiratória. Pode exacerbar
clinídio-clordiazepóxido, diazepam, quazepam, ou causar depressão respiratória
halazepam e clorazepato. Betabloqueadores:
propranolol
Constipação crônica
Bloqueador de canal de cálcio, anticolinérgicos Pode exacerbar a constipação
e antidepressivo tricíclico (cloridrato de
imipramina, cloridrato de doxapamina e
cloridrato de amitriptilina)
FONTE: FICK, D. M; BEERS, M. H; et al, 2003.
Baixa
Alta
Baixa
Alta
Baixa
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LISTA DE MEDICAMENTOS POTENCIALMENTE INADEQUADOS PARA A POPULAÇÃO
FRANCESA DE 75 ANOS DE IDADE OU MAIS
Critério
Razões
RELAÇÃO RISCO/BENEFÍCIO DESFAVORÁVEL
Analgésicos:
1- Indometacina
Severos efeitos adversos no SNC. Medicamento de
segunda escolha
2- Fenilbutazona
Severo efeito adverso hematológico. Evitar
3- Uso combinado de dois ou mais AINEs Não há aumento da eficácia e há aumento do risco de
efeito adverso
Medicamentos com propriedades anticolinérgicas:
4- Antidepressivos anticolinérgicos:
Agentes bloqueadores muscarínicos com
clomipramina, amoxapina, amitriptilina,
cardiotoxicidade quando tomar dose excessiva.
maprotilina, dosulepina, doxepina,
Tricíclicos às vezes mais ativos que inibidor seletivo
trimipramina, imipramina
da recaptação de serotonina, mas sua relação
risco/benefício é menos favorável em idosos.
Medicamentos de segunda escolha
5- Antipsicóticos: clorpromazina,
Medicamentos bloqueadores muscarínicos.
flufenazina, propericiazina,
Medicamentos de segunda escolha
levomepromazina, pipotiazina,
ciamemazina, perfenazina
6- Hipnóticos anticolinérgicos: doxilamina, Medicamentos bloqueadores muscarínicos.
aceprometazina, alimemazina
Deficiência cognitiva
7- Antihistamínicos anticolinérgicos:
prometazina, mequitazina, alimemazina,
carbinoxamina, hidroxizina,
bronfeniramina, dexclorfeniramina,
dexclorfeniramina-betametasona,
ciproheptadina
8- Relaxantes musculares anticolinérgicos e
antiespasmódicos: oxibutinina, tolterodina,
solifenacina
9- Uso concomitante de medicamentos com
propriedades anticolinérgicas
Medicamentos sedativos ou hipnóticos:
10- Benzodiazepínicos de ação longa (meia
vida>10h): bromazepam, diazepam,
clordiazepóxido, prazepam, clobazam,
nordazepam, loflazepato, nitrazepam,
flunitrazepam, clorazepato-acepromazina,
aceprometazina, estolam
Antihipertensivos:
11- Antihipertensivo de ação central:
metildopa, clonidina, moxonidina,
rilmenidina, guanfacina
12- Bloqueador de canal de cálcio de curta
ação: nifedipino, nicardipino
Medicamentos bloqueadores muscarínicos. Sedação,
sonolência
13- Reserpina
Sonolência, depressão, distúrbio gastrintestinal
Antiarrítmicos:
14- Digoxina >0,125mg/dia ou
concentração de digoxina sérica
>1,2ng.mL-1
15- Disopiramida
Medicamentos antiplaquetários:
16- Ticlopidina
Medicamentos gastrintestinais:
Medicamento alternativo
AINE, exceto fenilbutazona
AINE, exceto indometacina
Uso de somente um AINE
Inibidor seletivo da recaptação de
serotonina, inibidor da recaptação de
serotonina e noradrenalina
Antipsicóticos atípicos com menor
atividade anticolinérgica (clozapina,
risperidona, olanzapina, amisulprida,
quetiapina), meprobamato
Dose de benzodiazepínicos de meia vida
curta ou intermediária < que a metade da
dose dada às pessoas jovens
Cetirizina, desloratadina, loratadina...
Medicamentos bloqueadores muscarínicos. Evitar
quando possível
Trospium ou outro medicamento com
menor atividade anticolinérgica
Acentua efeitos adversos
Sem associação
Atividade prolongada, aumento da probabilidade da
ocorrência de efeitos adversos (sonolência, queda...)
Dose de benzodiazepínicos de meia vida
curta ou intermediária < que a metade da
dose dada às pessoas jovens
Os anciãos são mais sensíveis a sedação, hipotensão,
bradicardia, síncope
Outros medicamentos antihipertensivos,
exceto os bloqueadores de canal de cálcio
de ação curta e reserpina
Outros medicamentos antihipertensivos,
exceto antihipertensivos de ação central e
reserpina
Outros medicamentos antihipertensivos,
exceto os bloqueadores de canal de cálcio
de ação curta e antihipertensivos de ação
central
Hipotensão postural, infarto do miocárdio ou ataque
fulminante
Aumento da sensibilidade dos idosos. A dose deve
permanecer <0,125mg/dia ou deve ser
preferencilamente adaptada para manter a
concentração sérica <1,2ng.mL-1
Anomalia cardíaca, efeito anticolinérgico
Digoxina <0,125mg/dia ou concentração
sérica entre 0,5 e 1,2ng.mL-1
Efeitos adversos no sangue e no fígado
Clopidogrel, aspirina
Amiodarona, outros antiarrítmicos
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Critério
17- Cimetidina
18- Laxativos estimulantes: Bisacodil,
docusato, óleo de rícino, picossulfato de
sódio, cáscara sagrada, senosídeos, aloe...
Hipoglicemiantes:
19- Sulfoniluréias de ação longa:
carbutamida, glipizida
Outros relaxantes musculares:
20- Metocarbamol, baclofeno, tetrazepam
21- Tumor de próstata, retenção urinária
crônica: medicamentos com propriedades
anticolinérgicas (critérios 4-9, 15, 29, 30,
34)
22- Glaucoma de ângulo agudo:
medicamentos com propriedades
anticolinérgicas (critérios 4-9, 15, 29, 30,
34)
23- Incontinência urinária: urapidil,
prazosina
24- Demência: medicamentos com
propriedades anticolinérgicas (critérios 4-9,
15, 29, 30, 34), trihexifenidil, tropatepina,
biperidem, neurolépticos, exceto
olanzapina e risperidona,
benzodiazepínicos
25- Constipação crônica: medicamentos
com propriedades anticolinérgicas (critérios
4-9, 15, 29, 30, 34), antihipertensivos de
ação central (critério 11)
Razões
Confusão. Mais interações que com outros
medicamentos bloqueadores H2
Agravamento da síndrome de irritação intestinal
Medicamento alternativo
Inibidores da bomba de prótons e outros
antagonistas H2: ranitidina, famotidina,
nizatidina
Laxativos osmóticos
Hipoglicemia prolongada
Sulfoniluréias de ação curta ou
intermediária, insulina, metformina,
inibidores da alfa-glicosidase
Sonolência, amnésia, queda
COM CONDIÇÕES CLÍNICAS
Risco aumentado de retenção urinária
Tiocolchicoside, mefenesina
Risco aumentado de glaucoma de ângulo agudo
Agravamento da incontinência urinária, hipotensão
postural
Agravamento da deficiência cognitiva
Risco de obstrução do intestino, hipotensão postural
EFICÁCIA QUESTIONÁVEL
26- Vasodilatadores cerebrais:
Sem eficácia comprovada realmente enquanto
Abstinência terapêutica
diidroergocristina, diidroergocriptina,
hipotensão postural e riscos de queda são aumentados
diidroergotoxina, ginkgo-biloba, moxisilite, com a maioria dos vasodilatadores
naftidrofuril, nicergolina, pentoxifillina,
piracetam, piribedil, raubasinadiidroergocristina, troxerrutina-vincamina,
vincamina, vincamina-rutosida
RELAÇÃO RISCO/BENEFÍCIO DESFAVORÁVEL E EFICÁCIA QUESTIONÁVEL
Medicamentos sedativos ou hipnóticos:
27- Doses de benzodiazepínicos de meia
Sem eficácia comprovada quando a dose diária é
Dose de benzodiazepínicos de meia vida
vida curta ou intermediária > que a metade acima da metade prescrita para adultos jovens e
curta ou intermediária < que a metade da
da dose determinada em sujeitos jovens:
aumento dos efeitos adversos
dose dada às pessoas jovens
lorazepam >3mg/dia, oxazepam
>60mg/dia, alprazolam >2mg/dia,
triazolam >0,25mg/dia, temazepam >15mg/
dia, clotiazepam >5mg/dia, loprazolam
>0,5mg/dia, lormetazepam >0,5mg/dia,
zolpidem >5mg/dia, zopiclona >3,75mg/dia
Medicamentos gastrintestinais:
28- Mebrobamato para disfunção
Sonolência, confusão
gastrintestinal
29- Medicamentos antiespasmódicos
Sem eficácia comprovada. Agentes bloqueadores
Mebeverina, floroglucinol
gastrintestinais com propriedades
muscarínicos
anticolinérgicas: associação com belladona,
clidínio bromuro-clordiazepóxido,
dihexiverina, difenoxilato-atropina,
escopolamina, tiemônio
Outros medicamentos com propriedades anticolinérgicas:
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Critério
30- Antieméticos, supressor da
expectoração, descongestionante nasal, ou
medicamentos estimulantes (antisonolência) com propriedades
anticolinérgicas: alizaprida, buclizina,
dimenidrinato, difenidramina, meclozina,
metopimazina, oxomezina, feniramina,
pimetixeno, prometazina, associação
triprolidina, clorfenamina...
Medicamentos antiplaquetários:
31- Dipiridamol
Antimicrobiano:
32- Nitrofurantoína
33- Uso concomitante de dois ou mais
medicamentos psicotrópicos da mesma
classe terapêutica
34- Uso concomitante de medicamentos
anticolinesterásicos e medicamentos com
propriedades anticolinérgicas
Razões
Sem eficácia comprovada. Agentes bloqueadores
muscarínicos. Confusão, sedação
Medicamento alternativo
Náusea: domperidona, expectoração:
clobutinol, olexadina, sonolência: acetilleucina, betahistina, rinite: salina
Menos eficiente que aspirina. Vasodilatação e
hipotensão postural
Medicamentos antiplaquetários, exceto
ticlopidina
Pode induzir insuficiência renal, pneumopatia,
Antibióticos com eliminação renal
neuropatia periférica, reação alérgica. Resistência
conforme o antibiograma
bacteriana em caso de uso prolongado
ASSOCIAÇÕES MEDICAMENTO-MEDICAMENTO
Não há aumento da eficácia e há aumento de efeitos
Sem associação
adversos
Associação sem sentido de dois mecanismos
antagonistas
FONTE: LAROCHE, M. L; CHARMES, J. P; MERLE, L., 2007.
Sem associação
ATIVIDADE EM GRUPO
Caso 3:
A Sra. S.L., 75 anos, está internada no hospital sem conseguir falar, engolir ou mover o braço e perna
direita, depois de ter desmaiado quando saia para jantar com seu filho. Ela fez uma tomografia
urgente que revelou um acidente vascular cerebral isquêmico.
Ela tem sido tratada para hipertensão arterial e colesterol elevado dos últimos dois anos.
Depois de duas semanas, a senhora S.L. recupera alguns movimentos do braço direito, mas não pode
pegar objetos com sua mão. Sua deglutição foi parcialmente normalizada e ela e pode introduzir
uma dieta suave em sua rotina.
Foi reiniciado seu antigo tratamento medicamentoso, que inclui:
SINVASTATINA 10 MG
ANLODIPINO 5 MG
LOSARTANO 50 MG
ASPIRINA 100 MG
LACTULOSE
SENNE
No dia seguinte, você (farmacêutico) visita a enfermaria e descobre que a senhora deputada SL teve
uma crise epiléptica durante a noite. Ela recebeu Lorazepam como tratamento.
41
ATIVIDADE EM GRUPO
Caso 4:
Eva é uma mulher de 74 anos com histórico de asma, Hipertensão, Hiperlipidemia e Osteoporose.
Ela se apresenta ao médico reumatologista para uma visita de acompanhamento. Ela reclama de
episódios de náuseas que atrapalham muito sua qualidade de vida. Após avaliação da paciente, seu
medico conclui que a osteoporose não está devidamente controlada. Dessa forma o médico
aumenta a dose de CARBONATO DE CÁLCIO de 500 mg para 1000 mg/dia.
PA (165/90 mmHg)
Peso: 65 kg
Altura: 158 cm
TG: 270 mg/dl
LDL: 165 mg/dl
Colesterol Total: 225 mg/dl
Medicação:
CARBONATO DE CÁLCIO 1000 mg/dia
ATENOLOL 50 mg/dia
ATORVASTATINA 10 mg/dia
ASPIRINA 100 mg/dia
SERETIDE DISKUS (salmeterol + fluticasona) (uso quando necessário)
CAPTOPRIL 75 mg/dia
42
artigo 325
ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO
Diagnóstico e tratamento da osteoporose
Osteoporosis diagnosis and treatment
Márcio Passini Gonçalves de Souza
Resumo
Abstract
Um artigo de atualização do conhecimento sobre osteoporose
corre o risco de ficar desatualizado precocemente, devido ao
grande interesse que o estudo e a pesquisa sobre OP despertam hoje nos pesquisadores, nas indústrias farmacêuticas e de
equipamentos, nos governos, e até na OMS. Todo ortopedista
conhece a OP pelo seu efeito mais deletério, a fratura osteoporótica (FxOP). Por ser uma patologia de quadro clínico não
específico a OP sem fratura não levanta suspeita. A FxOP tem
um custo econômico (pelo tratamento), social (por suas sequelas) e médico (por óbitos). Muitas fraturas poderiam ser evitadas pelo diagnóstico da OP antes da primeira fratura e, então,
muitas incapacidades temporárias e definitivas poderiam ser
evitadas, muitas vidas poderiam ser salvas. O conhecimento
dos fatores de risco para osteoporose desperta a suspeita e a
densitometria óssea ajuda no diagnóstico. O tratamento deve
ter por base a fisiopatologia da doença. Assim, na prevenção
ou no tratamento da OP, devemos diminuir a atividade do osteoclasto ou aumentar a atividade do osteoblasto, ou os dois. O
tratamento ideal é aquele que diminui a incidência de fraturas
por melhorar a geometria do osso e sua microarquitetura. O
tecido ósseo recém-formado deve ter boa qualidade celular e
de matriz, mineralização normal com boa proporção entre osso
mineralizado (resistente mecanicamente) e não mineralizado
(flexível) e sem acúmulo de danos. O tratamento ideal deve
ter taxa de remodelação positiva e efeito terapêutico rápido
e duradouro. Este efeito deve ser facilmente detectável. Deve
ser seguro.
An article regarding the latest understanding of osteoporosis
(OP) runs the risk of quickly becoming obsolete due to the
fact that research and studies about OP today are generating
a great amount of interest in researchers, the pharmaceutical
and medical equipment industries, governments, and even the
WHO. Every orthopedist knows OP by its most deleterious effect, the osteoporotic fracture (FxOP). OP without a fracture
does not arouse suspicion because it is a pathology with a
nonspecific clinical profile. The FxOP has an economic cost
(for treatment), a social cost (for its sequelae), and a medical cost (for deaths). Many fractures could be avoided by a
diagnosis of OP prior to the first fracture and, therefore, many
temporary and permanent disabilities could be avoided and
many lives saved. Awareness of the risk factors for osteoporosis raises suspicion and bone densitometry aids diagnosis.
Treatment should be based on the physiopathology of the disease. Likewise, in prevention or in treatment of OP, we should
reduce the activity of osteoclasts or increase the activity of
osteoblasts, or both. Treatment that reduces the incidence of
fractures by improving bone’s geometry and microarchitecture
is ideal. Newly formed bone tissue must have good cellular
and matrix quality as well as normal mineralization, a good
ratio of mineralized (mechanically resistant) bone to nonmineralized (flexible) bone, and no accumulated damage. The
ideal treatment should have a positive rate of remodeling and
fast and lasting therapeutic effects. This effect must be easily
detectable. It must be safe.
Descritores – Osteoporose/fisiopatologia; Osteoporose/diagnóstico; Osteoporose/prevenção & controle; Fraturas ósseas
Keywords – Osteoporosis/physiopathology; Osteoporosis/diagnosis; Osteoporosis/prevention & control
Médico Ortopedista do Grupo de Doenças Osteometabólicas do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC/FMUSP; Presidente do Comitê de Doenças Osteometabólicas
e Degenerativas da SBOT e Presidente da Associação Brasileira Ortopédica de Osteometabolismo (ABOOM).
Correspondência: Rua Pernambuco, 88 – 14º andar – 01240-020 – São Paulo, SP – E-mail: [email protected]
Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo
Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9
Diagnóstico e tratamento da osteoporose
Introdução
Durante muitos anos, o estudo da osteoporose, pela
pouca praticidade do seu conhecimento, foi relegado
a um plano secundário. Hoje, além de ser um assunto
muito pesquisado em todo o mundo, seu conhecimento
é objetivo e útil. Um artigo de atualização sobre o tema
torna-se rapidamente desatualizado pelo fato de que os
conhecimentos sobre o assunto evoluem diariamente.
Os conhecimentos básicos sobre osteoporose (OP)
estão entranhados na consciência dos ortopedistas desde
o início do século XX. A palavra osteoporose surgiu do
estudo histológico de um osso osteoporótico por Jean
Georges Chretien Frederic Martin Lobstein, patologista
francês, em 1830 apud Oliveira(1), mas popularizou-se
entre os ortopedistas como um sinal radiológico, que
significava rarefação óssea, em fraturas causadas por
traumas de baixa energia. Este mesmo sinal os radiologistas chamam osteopenia.
No final do século passado o conceito de osteoporose
mudou progressivamente da definição de uma doença
bem específica, feita por Albright em 1941, para o conceito atual de uma desordem esquelética, o que engloba
muitas patologias, nas quais a microarquitetura do tecido
ósseo está deteriorada(2,3). Tanto o osso cortical como o
esponjoso são afetados. Também a macroarquitetura dos
ossos pode estar modificada. A densidade mineral óssea
(DMO) está diminuída. Isto leva a um comprometimento da resistência do osso a traumas de baixa energia(4). O
osso fica frágil, predisposto a um aumento da ocorrência
de fraturas. É a alta incidência destas fraturas, chamadas
de fraturas osteoporóticas (FxOPs) que traz importância
ao estudo da osteoporose.
A osteoporose participa não só para aumentar a frequência das fraturas, mas também para aumentar as
possibilidades de formatos diferentes, desde fraturas
sem manifestação clínica, como as chamadas fraturas
morfométricas do corpo vertebral, passando por fraturas
incompletas, até fraturas cominutivas muito instáveis
que apresentam impossibilidade técnica de remontagem
anatômica do osso. Algumas fraturas podem não ser
detectáveis; outras, como as do corpo vertebral, podem
deixar sequelas muito dolorosas; e outras podem levar o
paciente ao óbito ou à incapacidade física permanente,
como as fraturas da extremidade proximal do fêmur.
O aumento absoluto e relativo da população idosa e
os hábitos pouco saudáveis dos infantes e adolescentes
estão levando a um aumento muito grande da incidência
de OP e também das FxOPs.
221
São múltiplas as causas para o aparecimento e/ou
desenvolvimento da OP. Chamamos de OP primária
quando as causas são naturais (menopausa e senilidade).
Falamos em OP secundária quando há uma causa primária (certos medicamentos, outras doenças, sedentarismo
etc.). Quando as causas são desconhecidas chamamos
de OP idiopática.
Diagnóstico
Diz-se que a OP sem fratura atual ou sem microfratura é uma doença silenciosa porque não tem sintomas específicos que possam levar-nos a suspeitá-la.
Não parece ser verdade. Todas as doenças mediadas
pelo osteoclasto são dolorosas. A OP talvez seja menos
dolorosa, ou talvez a dor possa passar despercebida por
ser mais branda. Muitas lombalgias e dorsalgias podem
ser de origem osteoporótica e o ortopedista deve estar
alertado para esta possibilidade. A OP também não tem
sinais clínicos patognomônicos. O aumento da cifose
torácica e a perda de estatura talvez sejam os sinais
mais suspeitos.
Por sua natureza multifatorial, seu caráter sindrômico
e suas baixas manifestações clínicas, a OP é difícil de
diagnosticar. Na maior parte das vezes a OP é diagnosticada pelos ortopedistas pela sua consequência mais
deletéria, a fratura osteoporótica.
Devemos, então, estarmos atentos para o diagnóstico
do risco de uma pessoa ter OP. A tentativa de diagnosticar e tratar precocemente a OP, antes da ocorrência da
primeira fratura, levou ao estudo dos fatores de risco
para OP(5).
Fatores de risco para osteoporose
É preciso distinguir entre fatores de risco para osteoporose e fatores de risco para fraturas osteoporóticas. Nos
primeiros estuda-se a possibilidade de o paciente apresentar osteoporose e a necessidade da realização de exames
subsidiários para comprová-la. Nos fatores de risco para
fratura osteoporótica estuda-se a possibilidade do paciente vir a sofrer uma fratura por fragilidade óssea e, então, a
existência de osteoporose é um dos fatores de risco.
Os fatores de risco mais valorizados para osteoporose
são: o gênero feminino, as etnias amarela e branca, a
idade mais avançada, a precocidade do início da menopausa, a hereditariedade (presença de osteoporose ou
de fratura osteoporótica entre os ancestrais e os colaterais), história pregressa de fraturas osteoporóticas, erros
nutricionais (baixa ingestão de cálcio, baixa ingestão
Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9
222
de vitamina D3 ou baixa insolação para produção da
mesma, situações para má absorção de alimentos etc.),
maus hábitos (ingestão exagerada de café, álcool, tabaco), sedentarismo, certas medicações (glicocorticoides,
anticonvulsivantes) e doenças como a artrite reumatoide
e quase todas as doenças inflamatórias sistêmicas.
Apesar de os fatores de risco para osteoporose serem
bastante conhecidos há muito tempo, ainda não há uma
fórmula numérica científica para avaliá-los separadamente e no contexto geral. E talvez nem venha a existir. Dependendo da população estudada estes fatores de
risco têm valores relativos diferentes.
O desenvolvimento do densitômetro veio ajudar no
diagnóstico, mas surgem então as perguntas: Quando
realizar uma densitometria? Quando repetir a avaliação?
E novamente é necessário avaliar os fatores de risco
para a osteoporose.
Tabela 1 – Valor relativo dos fatores de risco para osteoporose
Coeficiente
Valor 1
Gênero
Masculino
Etnia
Negra
2 vezes
4 vezes
8 vezes
Feminino
Parda
Branca
Amarela
Idade
20
50
60
70
IMC
> 30
27 a 30
24 a 27
20 a 24
Idade menop.
> 52
48 a 52
44 a 48
Até 44
FxOP Prévia
FxOP Pais
QQ FxOP
Vért.
Outras
Vért.
Fêmur
Hábitos
Tabaco
Álcool
Café
Ativ. física
Diária
Frequente
Ocasional
Sedentária
Anticonv.
Artr. reum.
ISDA
Absoluto
80
Fêmur
Corticoter.
Na Tabela 1 estão distribuídos os fatores de risco
para OP e seu valor, relativamente aos demais, conforme publicada em várias fontes de informação. A coluna
“Valor 1” é a base para os cálculos. Assim, o gênero
feminino tem quatro vezes mais chance de ter OP em
relação ao masculino, a etnia amarela tem duas vezes
mais que a branca (8/4 = 2) e esta quatro vezes mais que
a negra (4/1 = 4). A consideração de vários fatores leva
à solicitação de uma avaliação densitométrica. Somar
a “pontuação” não traz resultado prático. Por exemplo,
na coluna da direita a existência de qualquer dos fatores
exige a realização de densitometria óssea. A experiência
clínica, nesta e em qualquer outra patologia, leva o médico a desconfiar da existência da patologia e a procurar
o diagnóstico. No caso da OP, a desconfiança surge da
existência dos fatores de risco.
Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9
Densitometria
O densitômetro é um aparelho gerador de duplo feixe de raios-X que atravessa uma região do corpo do
paciente. Um colimador colhe a radiação emitida, avaliando a quantidade de cálcio pela área medida. Um
computador analisa os resultados obtidos e os compara
com um banco de dados de pessoas da mesma etnia,
peso, altura e idades de 20 até 100 anos. Os resultados são apresentados em gramas/cm2 e comparados à
média das pessoas de 20 anos de idade (T score), que
representa o valor do pico da massa óssea. Também são
comparados aos valores médios da DMO das pessoas
de mesma idade (Z score). São calculadas as porcentagens relativas e os desvios padrões (DPs) das médias.
Os resultados são considerados, conforme consenso da
OMS, como Normal, quando a densitometria mostra até
–1 desvio padrão no T score; Osteopenia, de –1 a –2,5
DPs e Osteoporose de –2,5 DPs para mais. Há ainda
a denominação de Osteoporose estabelecida quando,
além do DP < –2,5, o paciente apresenta uma fratura
osteoporótica. Hoje se considera como portador de OP
qualquer paciente que tenha tido uma FxOP. O Z score
com valores iguais ou menores que –2 é sugestivo de
uma possível OP secundária.
Como qualquer exame subsidiário, a densitometria
deve ser realizada quando há indícios suficientes da possibilidade do paciente ser portador da patologia. A desconfiança é despertada pela existência de fatores de risco
para osteoporose. Não havendo fatores de risco, a regra é
realizar uma primeira avaliação densitométrica em todas
as pessoas de mais de 65 anos de idade, e em todas as
mulheres de 50 anos que tiveram menopausa precoce. O
exame deve ser repetido de um a três anos, dependendo
de critério clínico, ou para controle de tratamento.
Fatores de risco para fraturas osteoporóticas
Os fatores de risco para fraturas osteoporóticas são os
mesmos fatores de risco para osteoporose, acrescidos do
resultado de densitometria. São importantes também os
fatores de risco para quedas, mas devemos lembrar que
traumas comuns, de baixa energia, não provocam fraturas
em pessoas hígidas. O próprio conceito de fratura osteoporótica é o de “fratura simples ou complexa que ocorre
em pessoa portadora de osteoporose, aparente ou não
aparente, provocada por um trauma de baixa energia”.
Não há relação segura entre a ocorrência de fraturas
e o resultado da densitometria. A densitometria mede
a massa óssea calcificada, mas não mede a qualidade
Diagnóstico e tratamento da osteoporose
desta massa óssea. Um caso conhecido é o do aumento
da DMO densitométrica pelo uso do fluoreto de sódio,
muito usado no passado no tratamento da osteoporose
radiológica, que promovia maior fragilidade óssea. Outro exemplo é o do estrôncio, presente no ranelato de
estrôncio, promissor meio de tratamento da osteoporose,
que, por sua maior massa atômica e maior raio atômico,
promove maior DMO densitométrica pela maior atenuação do feixe de raios-X do densitômetro.
Certamente os pacientes classificados como portadores de “osteoporose densitométrica” têm maior taxa de
incidência de fraturas que os demais, e esta taxa é inversamente proporcional à DMO. Mas o número de fraturas
osteoporóticas é muito maior entre os classificados como
“osteopênicos densitométricos”, e mesmo os “normais
densitométricos” sofrem fraturas osteoporóticas em grande
número. Isto ocorre porque as populações “normal” e “osteopênica” são maiores que a população osteoporótica(6).
Um problema sério de saúde pública é então identificar a pessoa não portadora de OP densitométrica, porém
suscetível de vir a ter uma fratura osteoporótica. Atualmente há um índice epidemiológico sendo estudado,
sob o patrocínio pela OMS, o índice FRAX (Fracture
Assessment Tool)(7), que avalia estatisticamente os fatores de risco de uma pessoa, e os valoriza, e nos dará a
chance, em porcentagem, da pessoa estudada vir a ter
uma fratura osteoporótica em 10 anos(8). No Brasil já
há estudos em andamento visando o estabelecimento do
índice FRAX para a população brasileira.
Em estudos clínicos com pacientes tratados com bisfosfonatos orais e controlados com placebo, a perda de
massa óssea densitométrica do grupo placebo é acompanhada de aumento da incidência de fraturas, e o ganho
de massa óssea densitométrica até 5% é acompanhado
de diminuição proporcional desta incidência. Acima de
5%, a diminuição da prevalência de fraturas se mantém,
mas sem diminuição proporcional ao ganho de massa
óssea densitométrica(9).
Tratamento
Estabelecido o diagnóstico de OP e estabelecido o
risco de uma FxOP, deve-se decidir pelo tratamento
profilático e/ou pelo curativo. A maior parte das intervenções serve aos dois objetivos. É óbvio que quando
se faz a prevenção ou o tratamento da OP também está
se fazendo a prevenção da FxOP.
Antes de discutirmos os tratamentos, vamos relembrar a REMODELAÇÃO ÓSSEA.
223
O osso é um tecido vivo que sofre constantemente
um processo de troca de tecido antigo por tecido novo.
O mediador deste processo é o osteócito. De tempos em
tempos (mais ou menos mil dias) o osteócito entra em
apoptose, isto é, a morte programada da célula. Na proximidade da apoptose ele produz sinalizadores para que células mesenquimais pluripotentes formem osteoblastos.
Estímulo semelhante ocorre quando o osso é submetido a esforços físicos para os quais não está preparado. Seja por pressões sobre as proteínas da membrana
celular(10), seja pela estimulação do cílio primário, organela do osteócito que detecta estas tensões, há sinalização às células mesenquimais para formar osteoblastos.
O osteoblasto produz o fator RANK (Receptor Activator of Nuclear factor Kappa beta) que sinaliza para
as células hematopoiéticas formarem osteoclastos e também ativa a borda em escova destes osteoclastos.
Em 20 dias os osteoclastos reabsorvem parte do tecido
ósseo, formando as lacunas de Howship. Agora os osteoblastos irão preencher estas lacunas com matriz proteica
e finalmente nela depositarão cristais de hidroxiapatita.
Este processo demora 180 dias para ser completado.
Havendo distúrbio deste remodelamento, pela maior
ação proporcional do osteoclasto em relação ao osteoblasto, haverá uma pobre formação de tecido ósseo
que, dependendo da gravidade, poderá ser osteopenia
ou osteoporose.
Assim, na prevenção ou no tratamento da OP, devemos diminuir a atividade do osteoclasto ou aumentar a
atividade do osteoblasto, ou os dois.
Parece ideal estimular a formação óssea estimulando
a ação dos osteócitos ou dos osteoblastos, mas estes estimulam os osteoclastos, que agem em 20 dias, enquanto
os osteoblastos irão gastar 180 dias para reparar a lacuna deixada pelo osteoclasto. Isto explica porque certos
tratamentos anabólicos, isto é, que estimulam os osteoblastos, nem sempre alcançam os resultados esperados.
São tratamentos anabólicos: a atividade física, o calcitriol (vitamina D), a associação cálcio + calcitriol,
esteroides anabolizantes, hormônio de crescimento, o
paratormônio (PTH) e seu derivado, a teriparatida e o
ranelato de estrôncio.
São tratamentos anticatabólicos, isto é, que inibem
a ação do osteoclasto: a atividade física, a associação
cálcio + calcitriol, os metabolitos ativos do calcitriol, as
terapias de reposição de estrógeno (TRE) e de reposição
hormonal (TRH), os SERMs (estimuladores seletivos
dos receptores de estrógeno), os bisfosfonatos, a osteoprotegerina (OPG) e o ranelato de estrôncio.
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224
Atividade física
É o mais barato meio de prevenção e coadjuvante do
tratamento. Os exercícios com peso e os exercícios de
velocidade são os mais eficazes para o ganho de massa
óssea. Além disso, o ganho de massa muscular e a melhoria da velocidade de resposta motora neuromuscular
diminuem as quedas e o risco de fraturas nos pacientes.
O efeito piezo elétrico da atividade física, ou a ação do
cílio primário, estimulam os osteócitos, via osteoblastos,
a promoverem a formação de osso novo.
Comparando idosos que praticam atividade física
com idosos sedentários, há menores incidências de fraturas do quadril nos ativos(11).
Suplementação de cálcio
O cálcio participa do cristal de hidroxiapatita
(Ca10(PO4)6(OH)2) que dá resistência mecânica ao osso.
Na composição do tecido ósseo este cristal corresponde
a 65%. O cálcio atua também na coagulação sanguínea,
na regulação metabólica por meio das metaloenzimas
(alfa-amilase, fosfolipases, etc), na secreção de hormônios e de neurotransmissores e na aderência celular. Por
sua presença na molécula de troponina, que regula a
contratilidade da actina e miosina, o cálcio participa da
contração muscular, inclusive do coração, e é a importância desta ação que faz com que, biologicamente, a
calcemia permaneça o mais constante possível.
O cálcio existe na natureza em todos os seres vivos.
As maiores fontes são o leite e os laticínios. Também são
muito ricos: a sardinha, o feijão e os vegetais de folhas
escuras. Nem sempre a ingestão de alimentos ricos em
cálcio redunda na absorção deste pelo intestino. Esta
absorção depende de o cálcio estar sob a forma de sais
absorvíveis. Assim, a presença de ácido oxálico, vitamina C, fitatos (presentes na verdura cozida), certas fibras,
proteínas e até mesmo lactose, podem formar compostos
insolúveis ou não absorvíveis.
Outra fonte de cálcio é o exoesqueleto de moluscos.
Daí tira-se o carbonato de cálcio, solúvel e absorvível
em PH ácido. Por esta característica química, o carbonato de cálcio é pouco absorvível em pessoas idosas (devido à hipocloridria) e pacientes que tomam antiácidos
etc. Nestas situações e nos casos de nefrolitíase usa-se o
citrato de cálcio, mais absorvível e acidificante da urina.
O fosfato tribásico de cálcio é usado nos casos de idosos
com baixa ingestão de fósforo (raros), institucionalizados e com dificuldades de se alimentar.
No intestino, o cálcio é absorvido por via paracelular e por via transcelular. A via paracelular é passiva
Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9
e depende da quantidade de cálcio no bolo alimentar,
da velocidade de digestão, do PH do quilo e do sal de
cálcio, além da presença de outros produtos já citados
acima. A via transcelular é ativa e depende da presença
da calbindina, sintetizada pela vitamina D.
Todo o cálcio presente no sangue é filtrado pelos glomérulos renais e a maior parte dele é reabsorvido pelos
túbulos. Uma parte, de 100 a 300mg são eliminados
diariamente pela urina e precisa ser reposta.
Nas pessoas com mais de 50 anos, fazendo ou não
TRH, é imprescindível completar a dieta com suplementação diária de cálcio até 1.500mg em duas tomadas por
dia. Uma dieta diária não láctea tem até 700mg e uma
rica em laticínios tem até 950mg. Oferece-se a mais para
que o organismo aproveite o que necessita.
Os produtos farmacêuticos são denominados de acordo com a quantidade de cálcio elemento que eles contém
no comprimido ou envelope e não pela quantidade do
sal. Assim, 1.250mg de carbonato de cálcio aparecem
com “cálcio 500”.
A administração isolada de cálcio é eficiente para
diminuir a incidência de fraturas(11).
Vitamina D
A vitamina D é um “quase hormônio”. Atua na absorção intestinal do cálcio alimentar e na reabsorção
tubular renal do cálcio urinário. Reduz os níveis de PTH
e estimula a osteogênese pelos osteoblastos. Tem ação
antibiótica na árvore respiratória. Atua na modulação do
equilíbrio no SNC. Facilita o aumento da força muscular
principalmente na sarcopenia. Estimula a diferenciação e inibe a proliferação celular atuando então como
protetor contra câncer de mama, próstata e intestino.
Sua necessidade aumenta com a idade(12). É produzida
naturalmente por ação dos raios UVB do Sol sobre o
7-dihidrocolesterol circulante sob a pele irradiada, transformando-o no colicalciferol. Este, que já tem hidroxila
em sua molécula, recebe outra hidroxila no carbono
25, ao passar pelo fígado, formando o calcidiol ou 25hidrocolicalciferol. A terceira hidroxila é fixada ao carbono 1 pela hidroxilase, no rim, formando o calcitriol ou
1,25-dihidrocolicalciferol. O colicalciferol ou vitamina
D3 existe no fígado de peixes de águas frias, em ovos e
em leites enriquecidos. Existe pouco no leite humano.
Seu isômero, o ergosterol, ou vitamina D2, existe nos
vegetais. As vitaminas D3, D2 e o calcidiol são inativos.
O calcidiol é a forma de depósito. O calcitriol e seu
metabolito alfacalcidol são as formas ativas na absorção
do cálcio da luz do intestino e na reabsorção tubular
Diagnóstico e tratamento da osteoporose
renal do cálcio urinário. Eles têm vida muito curta e
por isso não são dosados. O calcidiol é dosável e deve
permanecer entre 32 a 100ng/mL de soro(13). Solicitar
ao laboratório como “25-OH-Vitamina D” sérica. Para
manter este nível o ideal é a ingestão de 800 a 1.200UI
de vitamina D3 por dia.
Há várias formulações no comércio. Quando associada ao cálcio, em geral há 200UI/comprimido. Existem
outras preparações que associam o colicalciferol com
o palmitato de retinol (vitamina A) e o alfatocoferol
(vitamina E). Por exemplo, o Ad-til tem 250UI de Vitamina D e 1.250UI de vitamina A por gota (40gotas/ml).
Usa-se 40gotas por dia para repor a concentração ideal
no soro (por cerca de três meses) e 40gotas por semana
para a manutenção.
A associação de cálcio e vitamina D é eficiente na
diminuição da incidência de fraturas(14).
Esteroides anabolizantes e hormônio de
crescimento
Atuam melhorando a formação da matriz proteica e
na estimulação dos osteoblastos. Devido aos seus efeitos
adversos são pouco utilizados. Na OP secundária por
hipogonadismo masculino o uso de metil testosterona
pelos urologistas é frequente e eficiente.
Teriparatida e PTH
O paratohormônio é formado por 84 aminoácidos dispostos em cadeia linear. A teriparatida é seu homólogo, só
com os aminoácidos 1 ao 34, obtido pela técnica do DNA
recombinante. Os dois, quando administrados de forma
contínua, aumentam a ligação do RANK (RANKL) ao
pré-osteoclasto estimulando a replicação do mesmo e
ao osteoclasto estimulando sua ação de reabsorção de
tecido ósseo. São então grandes reabsorvedores de osso
(osteíte fibrosa cística). Porém, quando usados de forma
diária, em pequenas doses, inibem o sistema RANKL e
aumentam a OPG, inibindo então a reabsorção óssea.
Neste caso, também estimulam a replicação e atividade
do osteoblasto endostal e periostal. Com isto: aumentam
a espessura da cortical, aumentam a secção transversa do
osso e aumentam a espessura e conexão das trabéculas(15).
Isto dá mais resistência mecânica ao osso(16). É usado sob
a forma de microinjeções subcutâneas diárias por meio
de uma “caneta” com 28 doses. Está muito indicada em
pacientes com alto risco de fraturas e/ou refraturas(17).
Atualmente muitos estudos vêm sendo desenvolvidos
procurando associar o uso da teriparatida concomitantemente ou sequencialmente com antirreabsortivos(18‑20).
225
Terapia de reposição hormonal e estrogênica
(TRH e TRE)
São eficientes na prevenção da OP pós menopausa,
mas não em seu tratamento. Devem ser iniciadas logo
após a menopausa e controladas por ginecologista devido aos seus potenciais efeitos adversos. O maior problema é o aumento da ocorrência de câncer de mama,
além dos distúrbios tromboembólicos.
SERMs
Os SERMs ou moduladores seletivos de receptores
de estrógenos são usados quando as pacientes têm risco
aumentado para câncer de mama. Eles inibem os receptores de estrógeno da mama e do útero, protegendo
estes dois órgãos da ação deletéria do estrógeno. O mais
usado é o citrato de tamoxifeno.
Para a prevenção e tratamento do OP, em substituição
à TRH, foram desenvolvidos outros SERMs, com ação
de estimulação estrogênica sobre os receptores de estrógeno do osso, aparelho cardiovascular e lipídeos. Assim,
previnem e tratam a OP, previnem a hipercolesterolemia
e as placas ateromatosas vasculares, e não estimulam o
desenvolvimento de câncer de mama e útero. São eles
o cloridrato de raloxifeno e o lasofoxifeno.
Bisfosfonatos
Bisfosfonatos (ou geminal bisfosfonatos) são polifosfatos que têm pelo menos uma conexão P-C-P (fósforo
– carbono – fósforo) na molécula. Foram sintetizados
pela primeira vez por Menschutkin em 1865 como anticorrosivos industriais. Mais tarde passou-se a utilizá-los
como amaciantes de “águas duras” (águas alcalinas) em
lavanderias e nas tubulações de águas (para impedir a
deposição de carbonato de cálcio nos encanamentos).
Em 1968 Fleish e Russel descobriram o pirofosfato
no plasma e na urina e, em 1970, descobriram que o
pirofosfato inibe a precipitação do carbonato de cálcio nos vasos e vias urinárias sendo, portanto, nosso
“amaciante” biológico. Pelo uso clínico que já se fazia,
desde 1968, do etidronato em doenças osteometabólicas,
passaram a investigar o uso dos bisfosfonatos em OP e
doença óssea de Paget.
Os bisfosfonatos têm uma molécula formada por um
carbono central em que estão ligados dois radicais fosfato mais um radical R1 (o ideal é que seja uma hidroxila)
e um radical R2 (o ideal é que tenha uma cadeia cíclica
e um átomo de nitrogênio neste radical). Dependendo
da formação espacial desta molécula, ela tem mais ou
menos capacidade de adsorção à molécula de hidroxiaRev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9
226
patita. Sabe-se que a cadeia P-C-P com uma hidroxila
em cada um destes átomos é a melhor formação para a
adsorção do bisfosfonato à hidroxiapatita.
Esta adsorção é importante porque o osteoclasto, ao
reabsorver o tecido ósseo, absorve também o bisfosfonato. Dentro do citoplasma do fagócito os bisfosfonatos
aminados (aqueles que têm nitrogênio no radical R2)
atuam na cadeia do mevalonato inibindo uma enzima, a
farnesilpirofosfatosintase (FPPS). Esta enzima promove
a tranformação do geranilpirofosfato em geranilgeranilpirofosfato e farnesilpirofosfato. Estes metabolitos promovem a prenilação das pequenas proteínas essenciais
para a função da borda em escova e para a sobrevivência
do osteoclasto. Assim, interrompendo a cadeia do mevalonato inibe-se a função osteoabsortiva do osteoclasto.
Os bisfosfonatos utilizáveis na terapêutica da OP
diferenciam-se pela capacidade de adsorção ao cristal
da hidroxiapatita e à potência com que inibem a função
dos osteoclastos.
Os bisfosfonatos registrados no Brasil para o tratamento da osteoporose são: o alendronato de sódio, o
pamidronato de sódio, o risedronato de sódio, o ibandronato de sódio e o ácido zoledrônico. Se considerarmos
a potência antirreabsortiva comparando ao etidronato
(como 1), teremos o alendronato como 1.000 vezes, o
risedronato como 5.000 vezes, e o ibandronato e o ácido
zoledrônico como 10.000 vezes. Quanto à capacidade de
adsorção, a constante de afinidade de adsorção do etidronato é 1,2; do risedronato é 2,2; do ibandronato é 2,3;
do ibandronato é 2,9; e do ácido zoledrônico é 3,4(21).
Os bisfosfonatos de uso oral têm baixa solubilidade
e, por isso, devem ser administrados em jejum, com um
copo de água pura (não é recomendada água mineral). O
paciente deve ser mantido em jejum por mais meia hora.
Como são agressivos para a mucosa esofágica o paciente
não deve deitar-se na primeira meia hora, para aguardar
o esvaziamento gástrico e evitar o refluxo esofágico.
Apenas 1% é absorvido (0,6% para o ibandronato).
Destes, 51% são eliminados por via renal, sem metabolização e 49% são adsorvidos à hidroxiapatita, principalmente no osso novo. Quando liberados na corrente
sanguínea, pela morte do osteoclasto ou por “desadsorção”, são novamente adsorvidos à hidroxiapatita.
Alguns, como o risedronato, têm maior “desadsorção”,
o que explica sua melhor distribuição por todo o tecido
ósseo e seu efeito multissítio.
Provavelmente estas diferenças já conhecidas, e outras ainda não conhecidas, fazem a diferença de ação
antifratura dos vários bisfosfonatos. Semelhantes no
Rev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9
modo de ação e diferentes na potência da ação, os bisfosfonatos atuam diferentemente na remissão da osteoporose densitométrica e na diminuição da prevalência
de fraturas.
Aparentemente, a maior qualidade do alendronato
é a experiência clínica acumulada. Como foi a primeira droga eficaz contra a osteoporose é usada há mais
tempo e por um número maior de pessoas. Seu maior
problema são os similares, não testados clinicamente,
porém muito receitados, em substituição do sal original.
Outro problema é a suspeita atual de provocar fraturas
por forte inibição da remodelação óssea (frozen bone)
quando usado por longo tempo. Foi testado na dose de
10mg diários, por via oral. Um estudo ponte mostrou
que a dose de 70mg por semana também é eficiente
como inibidor da incidência de FxOPs. Recentemente
foi lançado com 70mg e 2.800UI de vitamina D3 para
uso semanal e está para ser lançada a apresentação com
5.600UI, também para uso semanal.
O risedronato é o segundo mais usado em tempo de
uso e tamanho da população usuária. Sua maior qualidade é a comprovada rapidez de ação e a eficácia antifratura multissítio com destaque para as fraturas de
quadril, demonstrada em estudo clínico específico, o
estudo Hip(22). Foi testado e lançado originalmente na
dose de 5mg diários para uso oral. Um estudo ponte
demonstrou sua eficácia com o uso semanal de 35mg
e, agora, um novo estudo ponte demonstra sua validade
para o uso mensal de 150mg(23).
A maior qualidade do ibandronato é sua formulação
com 150mg, para uso oral mensal. Já foi demonstrado
que os bisfosfonatos orais podem ser administrados em
doses maiores e com intervalos maiores, mantendo seu
efeito na avaliação densitométrica. Originalmente foi
lançado com 2,5mg para uso oral diário.
O ácido zoledrônico difere dos demais citados por
ser de uso endovenoso, em dose anual. Também tem
um estudo específico em pacientes com fratura do quadril, o estudo Horizon RFT(24), no qual houve menor
incidência de fraturas recorrentes no grupo droga ativa
e o grupo tratado teve maior sobrevida que o grupo
placebo. Por esta razão e pela vantagem de poder ser
usado em paciente acamado, é muito indicado para uso
em pacientes recém-operados de fraturas do fêmur proximal. Tem também a vantagem da aderência ao tratamento em função da posologia anual. Atualmente é registrado apenas para tratamento, mas o fabricante está
aguardando liberação para uso também em prevenção
da osteoporose.
Diagnóstico e tratamento da osteoporose
Os porcentuais de diminuição da incidência de fraturas e da remissão do quadro densitométrico dos vários
bisfosfonatos, e também das demais terapêuticas, não
são comparáveis, pois as populações estudadas, nos vários estudos disponíveis, foram muito diferentes entre si.
Os estudos comparativos head to head (droga x droga)
existentes ainda não são suficientes para se estabelecer
uma grande diferença de umas sobre as outras(25).
Osteoprotegerina
A osteoprotegerina é um produto que está chegando
agora ao mercado, precedido por alguns anos de pesquisa. Atua inibindo o RANK, impedindo que ele se ligue
ao osteoclasto para estimulá-lo a se reproduzir e para
ativar a borda em escova do mesmo.
Ranelato de estrôncio
O ranelato de estrôncio é um produto para tratamento
para osteoporose que apresenta as duas ações: é antirreabsortivo e ao mesmo tempo é pró-formador(26).
O ranelato de estrôncio é um sal de ácido ranélico com
dois átomos de estrôncio em cada molécula. É absorvido
no intestino e a vitamina D não tem efeito nessa absorção.
O ácido ranélico não é metabolizado, tem baixa ligação
às proteínas plasmáticas, não se acumula no organismo
humano e é rapidamente eliminado por via renal deixando os dois átomos de estrôncio livres para serem adsorvidos à hidroxiapatita (pequenas quantidades substituem
os átomos de cálcio na composição do cristal)(27).
A biodisponibilidade do estrôncio, administrado como
2,632g de ranelato de estrôncio hidratado (2g de anidro),
é de 27%(28). O estrôncio atinge a concentração sérica
máxima em três a cinco horas, tem meia vida de 62 horas
e a parte não adsorvida à hidroxiapatita é excretada por
via renal (57%) e intestinal. O estrôncio não se liga a
proteínas plasmáticas, não é metabolizado e não inibe o
sistema citocromoP450. Atinge um ponto de equilíbrio
em duas semanas e a meia vida é de 10 semanas.
O estrôncio é um elemento químico muito semelhante ao cálcio e ao magnésio. Tem valência +2 (como o
cálcio e o magnésio), tem 38 elétrons distribuídos em
quatro camadas (o cálcio tem 20 em três camadas), tem
raio atômico de 215 (o cálcio tem 197), tem raio iônico
de 116 (o cálcio tem 100). Estas semelhanças fazem
o organismo confundi-los tanto na absorção intestinal
quanto em sua participação no cristal de hidroxiapatita.
A absorção depende do sal (o ácido ranélico foi desenvolvido para isto), da dose (neste caso, 2g), da presença
do cálcio na dieta (administrar à noite, três horas após o
jantar), da função renal e da espécie animal em estudo.
227
Como o estrôncio diminui a atividade da vitamina D3
hidroxilase, seu excesso pode levar o osso à osteomalácia. Nas pequenas doses diárias preconizadas estimula
a calcificação normal do tecido osteoide.
Em cultura de tecido ósseo estimula a replicação do
pré-osteoblasto, aumentando o número de osteoblastos
e, portanto, aumenta a formação de osso. Estimula também a formação de colágeno.
Por outro lado, reduz a diferenciação dos osteoclastos
e reduz sua atividade. Por isso inibe a reabsorção do
osso. É então pró-formador e antirreabsortivo.
Os marcadores de formação óssea (fosfatase alcalina
e pró-peptídeo C) aumentam e os de reabsorção óssea
(C-telopeptídeo sérico e N-telopeptídeo urinário) diminuem (já no terceiro mês), confirmando sua dupla ação.
Em tecidos animais e biópsias humanas foi demonstrado que melhora a microarquitetura óssea(29,30). Atua
estimulando o volume trabecular, aumentando o número
de trabéculas e a espessura das trabéculas. Não prejudica
a qualidade óssea e a mineralização, por isso não deixa
defeito mineral.
Além da formação de osso endostal, estimula a produção de osso periostal, o que melhora a macroarquitetura e a resistência do osso(30).
Estudos mais recentes, utilizando tecnologia de ponta
como a tomografia computadorizada quantitativa periférica de alta resolução (HR-pQCT), sugeriram que o
ranelato de estrôncio age mais rapidamente e é mais
eficaz na formação de osso novo cortical e trabecular do
que o alendronato(31), o que aponta para maior eficácia
na prevenção de fraturas.
A presença do estrôncio no osso aumenta a absorção
dos raios-X na densitometria, porém, um estudo comparativo recentemente publicado afirmou que a medida da
DMO está relacionada a pelo menos 75% da eficácia contra fraturas do ranelato de estrôncio, enquanto que para os
bisfosfonatos esta estimativa está entre 4% e 28%(32).
Os estudos Soti e Tropos(33,34) com duração até cinco
anos comprovaram a eficácia do ranelato de estrôncio
nos pacientes com osteoporose, dos seus estágios mais
iniciais aos mais avançados, inclusive na população das
pacientes com 80 ou mais anos de idade. Estes estudos
comprovaram a redução do risco de fraturas vertebrais
em 45% e redução das fraturas de quadril em 43% seja
nos pacientes sem fraturas prévias (45%), seja nos pacientes com fraturas (41%).
Escolha do tratamento
O tratamento ideal é aquele que diminui a incidência
de fraturas por melhorar a geometria do osso e sua microRev Bras Ortop. 2010;45(3):220-9
228
arquitetura. O tecido ósseo recém-formado deve ter boa
qualidade celular e de matriz, mineralização normal com
boa proporção entre osso mineralizado (resistente mecanicamente) e não mineralizado (flexível) e sem acúmulo
de danos. O tratamento ideal deve ter taxa de remodelação positiva e efeito terapêutico rápido e duradouro. Este
efeito deve ser facilmente detectável. Deve ser seguro.
Este tratamento ideal ainda não existe. Os vários tratamentos citados acima apresentam, cada um, algumas
das características ideais e não apresentam outras. A
escolha do tratamento, para cada paciente, depende das
características do paciente, da gravidade da patologia e
do conhecimento que o médico tenha do arsenal terapêutico como um todo e da medicação que vai prescrever
em particular.
O problema do custo do tratamento estará sempre
presente principalmente para evitar o abandono do tratamento. Compete aos médicos (e à sociedade) pressionar
o poder público para permitir o uso do melhor tratamento
que a sua consciência e seu conhecimento indicarem.
É preferível utilizar uma medicação que o médico
tenha bom conhecimento das indicações, efeitos adversos, interação com outras drogas e contraindicações com
outras patologias apresentadas pelo paciente.
As moléculas orgânicas apresentam isômeros espaciais que são quimicamente iguais e podem não sê-lo
biologicamente. Similares e genéricos mais baratos podem ser até mais eficazes que os produtos de marca,
mas não foram testados sob as rígidas exigências que
as agências registradoras fazem. Em uma patologia de
longo curso, que afeta pacientes idosos, não há tempo a
perder com experiências com produtos mais baratos.
Algumas indicações são formais. O uso da teriparatida em pacientes com alto risco de uma fratura osteoporótica. O uso do risedronato quando se quer rapidez
de ação, e ação multissítio, principalmente para prevenir
fraturas do quadril. O uso do ácido zoledrônico quando
se quer uma aderência ao tratamento de pelo menos um
ano. O uso do ácido zoledrônico quando há indicação
para o uso de bisfosfonatos e o paciente está acamado.
O uso do ácido zoledrônico nos pacientes acamados em
pós-operatório de fraturas do quadril. O uso da teriparatida e do ranelato de estrôncio quando se quer reativar
o metabolismo ósseo aparentemente “congelado” pelo
uso prolongado de alendronato.
É óbvio que nas osteoporoses secundárias é importante tratar a causa primária, mas em todas as osteoporoses, primárias e secundárias, o paciente pode ser
beneficiado por qualquer um dos tratamentos acima.
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Considerações finais
Avaliação da eficácia do tratamento
A avaliação ideal seria a de testes mecânicos de resistência associados a exames anatomopatológicos ou
histomorfométricos de ossos tratados. A diminuição da
incidência de fraturas osteoporóticas vertebrais, não
vertebrais e da extremidade proximal do fêmur também seria um bom avaliador. O problema é a praticidade destas avaliações. Assim, recorre-se à redução
do risco relativo (RRR) de ocorrência de uma fratura
osteoporótica, estabelecido por estaticistas, baseados
em estudos clínicos e laboratoriais.
Há controvérsias sobre quanto cada droga reduz o
risco relativo de cada fratura em cada população em
particular. Não há controvérsias sobre a obrigação moral (e legal) do ortopedista, frente a um paciente com
uma fratura osteoporótica, em tratá-lo ou encaminhá-lo
para tratamento.
O melhor método de avaliação ainda é a densitometria. Resultados em prazo menor do que um ano são
inconclusivos, por isso a primeira avaliação deve ser
após um ano de tratamento, exceto na osteoporose induzida por glicocorticoides (que deve ser a cada seis
meses). Quando a densitometria anual mostrar um ganho de massa óssea maior do que 2%, esta avaliação
pode ser bianual.
A microtomografia computadorizada quantitativa
vertebral (mTCQV) nos dá uma imagem do trabeculado ósseo, donde se pode inferir a eficácia do tratamento. Não é usada na prática clinica diária porque
é realizada por um aparelho ainda muito caro, mas é
cada vez mais usada em pesquisas.
Os marcadores bioquímicos do rodízio ósseo são
muito interessantes para pesquisas clínicas ou, na dúvida da eficácia do tratamento, em avaliações clínicas
em prazo muito curto. Os marcadores séricos de formação e os marcadores de reabsorção óssea, em geral
urinários, podem nos trazer informações já aos três meses de tratamento. Os marcadores de formação óssea
mais estudados são: a fosfatase alcalina sérica total e
sua fração óssea, a osteocalcina e os peptídeos procolágeno tipo I, carboxi e aminoterminal, séricos (própeptídeos C e N séricos). Os marcadores de reabsorção
óssea mais estudados são: a hidroxiprolina urinária, os
telopeptídeos N (NTx) e C (CTx) séricos e urinários, a
piridinolina e a deoxipirinolina (DPD) urinárias, a fosfatase ácida tartarato resistente sérica e a calciúria.
Diagnóstico e tratamento da osteoporose
229
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