REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 RESPONSABILIDADE E O LIMITE DA LIBERDADE: contribuições do existencialismo de Sartre no âmbito do direito Juliana Oliveira Bittencourt1 Resumo O presente artigo tem por objetivo analisar a responsabilidade e o limite da liberdade a partir de algumas contribuições do existencialismo de Jean-Paul Sartre no âmbito do direito. A Constituição Federal de 1988 defende a liberdade de pensamento, porém ficou vedado o anonimato. Ao lado da liberdade, encontra-se a responsabilidade no ato de nossas escolhas. O existencialismo do filósofo Jean-Paul Sartre, defende a liberdade como parte da condição humana que funda a sua existência no mundo. A liberdade nos impõe limites em nosso livre agir no meio social. Palavras-chaves: Responsabilidade. Liberdade. Existencialismo. Direito. Sumário: 1 Introdução. 2 A questão da liberdade em Sartre. 3 Liberdade e responsabilidade no agir humano: contribuições da Constituição Federal 1988 e do existencialismo de Sartre. 4 Considerações Finais. 5 Referências. 1 Introdução O presente artigo tem por objetivo analisar a responsabilidade e o limite da liberdade a partir de algumas contribuições do Existencialismo do filósofo Jean-Paul Sartre no âmbito do direito. O art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988 afirmase que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". O inciso supracitado garante uma liberdade ao mesmo tempo em que lhe impõe um freio chamado responsabilidade. Na primeira parte é apresentada a liberdade, "é livre a manifestação do pensamento", e na segunda parte, ao explicitar a condição "sendo vedado o anonimato", o legislador utiliza-se da responsabilidade que pousa sobre o cidadão que desfrutará de tal liberdade para limita-lá. Facilmente se percebe que a limitação não é expressa, mas a obrigação de 1 Acadêmica de Direito pela Faculdade de Direito Arnaldo Janssen. Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 assumir tudo o que disser, provoca no ser humano a sensação do peso da responsabilidade sobre tudo o que diz. Tal sensação exerce uma força psicológica que funciona como uma limitação à liberdade que lhe foi dada. A partir dos estudos do pensamento existencialista de Jean Paul Sartre, pode-se fazer uma interpretação mais completa da liberdade que impõe sanções, exige escolhas e está presente em vários incisos do art. 5º da Constituição Federal. O estudo está dividido em duas partes: a primeira, analisa em linhas gerais a concepção de liberdade no pensamento de Jean-Paul Sartre e suas consequências na existência humana; a segunda relaciona as concepções de liberdade de Sartre e da Constituição Federal Brasileira de 1988, considerando a questão da responsabilidade. A liberdade implica responsabilidade humana. Ser livre é ser responsável. A liberdade defendida em nossa Constituição Federal visa o respeito à dignidade humana, pois quando escolhemos, escolhe-se por toda humanidade, devido às consequências que os nossos atos implicam no mundo das relações humanas. 2 A questão da liberdade em Sartre A liberdade é um sentimento que sempre instigou o ser humano a conquistá-la em vista de sua proteção pessoal e patrimonialista. A liberdade é um sonho enraizado no coração da humanidade. Para alguns teóricos da filosofia política como John Locke, a liberdade seria um direito natural. A liberdade sendo um direito natural não se estabeleceu como direito alcançado de forma pacífica. Uma sociedade livre pagou o preço por sua liberdade. Podemos aqui, trazer à memória a Revolução Francesa em 1789, que promulgou três direitos fundamentais para se viver numa sociedade mais humanizada e livre do poder abolutista: Liberdade, Fraternidade e Igualdade. Jean-Paul Sartre foi um dos maiores filósofos existencialistas do século XX. Segundo Sartre, o ser humano existe e se projeta num futuro, o homem é um projeto e vive subjetivamente buscando se definir em seu cotidiano de relação com os outros. Sartre afirmava: “[...] se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, 169 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 e que esse ser é o homem [...]” (SARTRE, 1978, p.04). Na perspectiva do filósofo francês, o ser humano não é definível, pronto e acabado, pois inicialmente ele não é nada, somente após se fazer por si será alguma coisa. O ser humano não é nada mais do que seus atos, sendo esse o princípio primeiro desta teoria humanista existencial, ou pode-se entender por subjetividade humana. Isto é, o ser humano existe, se projeta conscientemente no futuro, que ele projetou ser (dever ser) e não o que ele indeterminadamente deseja ser (FERREIRA, 2010, p.81). O ser humano é aquilo que ele faz de sua projeção no mundo. Nessa perspectiva, o filósofo Sartre atribui ao homem, a responsabilidade em seu ser individual. O homem é responsável pelo o que ele é – responsável por ele próprio. O existencialismo humanista tem como principal preocupação, neste ponto, se esforçar em conferir ao homem total responsabilidade por sua existência e colocá-lo no âmbito do que ele é no campo da ação prática de sua existência (FERREIRA, 2010, p.81). A responsabilidade é totalmente aferida ao homem. A sua escolha traz responsabilidade para si e para a humanidade. Escolher é ato de responsabilidade. Por isso, a responsabilidade, subsequente à escolha, do indivíduo envolve toda a humanidade. Se tornando então, muito relevante, pois como se observa, as ações do homem repercutem a todos e não apenas a ele isoladamente, ou seja, é uma responsabilidade de conduta para toda a humanidade desta época atual (FERREIRA, 2010, p.81). Segundo Sartre, o homem não é apenas um ser responsável pelas suas escolhas, mas acima de tudo, é ser da liberdade. A liberdade é definida por Sartre como condição intransponível do homem, da qual, ele não pode, definitivamente, esquivar-se, isto é, o ser humano está condenado a ser livre e é a partir desta condenação à liberdade que o indivíduo se forma. Não há nada que obrigue o ser humano agir desse ou daquele modo (SILVA, 2013, p.94). A escolha é sempre uma decisão do ser humano. Sartre tem como ponto de partida a liberdade nas ações de escolher, o que fazer é sempre intencional, ou seja, é impulsionado por um desejo consciente dos princípios dessa escolha. Nesse sentido, Sartre defende que não há princípios prontos que possam guiar a escolha humana. Na obra O Existencialismo é um Humanismo, Sartre expõe se “o homem é livre para agir e não existem valores genéricos que sirvam de guia para 170 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 nossa vida, compete ao próprio homem, em suas ações concretas, construir os valores que possam orientar suas escolhas” (SILVA, 2013, p.94). Sartre afirma que o homem é homem pela sua condição de ser livre. O ser humano é resultado de sua liberdade porque quotidianamente escolhe as ações que irá praticar. Dessa forma, a liberdade não é uma conquista humana, ela é uma condição da existência humana. A liberdade é inerente à condição existencial do homem. Nesse sentido: Com efeito, sou um existente que aprende sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única temporalizase como liberdade [...] Assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade sobreposta precisamente a textura de meu ser (SARTRE, 1943, p. 542-543). Na filosofia existencialista de Sartre, o homem é livre para escolher, já que possui consciência. Essa consciência gera a intencionalidade das ações praticadas e envolve a sociedade, pois a liberdade é uma obrigação que traz a responsabilidade com seu destino e com o dos outros a sua volta (SILVA, 2013, p.94). Quando o homem escolhe, acredita que é a opção ideal para toda a humanidade. Nessa perspectiva, a sua liberdade o une à sociedade, tornando-o responsável, porque escolhe o tipo de homem que deseja ser, e também, como os demais devem ser. Logo, “as escolhas humanas provocam o sentimento de responsabilidade, o que traz angústia ao perceber que é o responsável por si e, na mesma medida, por todo o mundo” (SILVA, 2013, p.94-95). A escolha do homem traz uma grande responsabilidade em sua existência. Ser livre é ser responsável. A obra O ser e o nada analisa a temática da liberdade na Quarta Parte, Capítulo Primeiro. Sartre entende que a condição primordial da ação humana é a liberdade. A liberdade não é um fazer a priori, mas se dá por meio da ação. Sartre acredita que é o ato humano que decide seus fins como expressão da liberdade (SARTRE, 1943, p. 541). A liberdade é o meio pelo qual o homem projeta o seu ser no mundo e cria seus valores. A escolha é a marca da existência, pois recusar uma escolha é fazer uma escolha. É nesse sentido, que para Sartre o homem está condenado a ser livre. Por isso, “a escolha 171 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 é possível num sentido, mas o que não é possível é não escolher” (SARTRE, 1978, p. 23). Sartre tem como ponto de partida a liberdade na ação. Escolher o que fazer é sempre intencional, ou seja, é ser impulsionado por um desejo consciente dos princípios dessa escolha. Porém, não há princípios prontos que possam guiar a escolha humana. O homem é livre para agir e não existem valores genéricos que sirvam de guia para sua vida, pois compete ao próprio homem, em suas ações concretas, elaborar os valores que possam orientar suas escolhas. Os princípios e valores serão construídos a partir das escolhas que o homem empreenderá no mundo de suas relações, construindo o sentido de sua existência no mundo. A escolha revela a responsabilidade diante de uma dada situação: o homem deve optar por uma alternativa e por um critério pelo qual essa alternativa foi escolhida. Para Sartre, o que nos torna ser humano é a nossa condição de ser livres. O homem é fruto de sua liberdade porque cotidianamente escolhe as ações que irá praticar. Nessa perspectiva, a liberdade não é uma conquista humana, ela é uma condição da existência humana que se faz na projeção do homem dentro do mundo em que está situado. Portanto, em Sartre, a liberdade humana impõe responsabilidades ao homem perante a suas escolhas. O homem deve agir de forma responsável, pois ele não escolhe apenas para si, mas escolhe para toda a humanidade. Nesse sentido, buscam-se as contribuições da Constituição Federal de 1988 e do existencialismo de Sartre, a compreensão da liberdade e da responsabilidade na existência humana no ato das escolhas humanas em detrimento da alteridade. 3 Liberdade e responsabilidade no agir humano: contribuições da Constituição Federal 1988 e do existencialismo de Sartre Jean-Paul Sartre, em sua obra O Existencialismo é um Humanismo diz que "o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo" (SARTRE, 1978, p.04). O homem é um animal social, isso significa dizer que está sujeito às pressões sociais, como, por exemplo, a reprovação do grupo por um ato ou discurso contrário aos valores 172 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 morais da comunidade em que está inserido. Afirmar que "o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo" (SARTRE, 1978, p.04) é o mesmo que dizer que ele se constrói fazendo uso de sua liberdade de manifestação de pensamento, já que ao expor suas ideias revelará ao grupo social parte de suas intenções e personalidade.Muitas vezes o medo da reprovação social ou de outras consequências ainda mais graves pelo pensamento que expressou em palavras ou atitudes, pode fazer com que quem se manifesta queira ao mesmo tempo, em que expõe o seu verdadeiro eu, ou seja, suas ideias, esconder quem ele é, já que o seu verdadeiro eu pode ser reprovado socialmente. É sob essa perspectiva que a segunda parte do art.5º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 funciona como um limitador psicológico devido à responsabilidade sobre o que se diz. Nem um homem quer que lhe sejam atribuidas características contrárias à moral do grupo ao qual pertence. Não podendo esconder quem é quando se expressa e não querendo fazer aquilo que a sociedade reprova, se autocensura quanto ao que se expressa e como põe em prática tal liberdade. No art. 5º, inciso V, da Constituição Federal “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”, que impõe consequências a quem de maneira irresponsável utilizar da liberdade de expressão. Não poder eximir-se das responsabilidades sobre as ideias que expõe significa arcar com as consequências e, sendo o homem, um animal social não enxerga como vantagem ou agradável submeter-se às consequências consideradas socialmente reprovadas pela comunidade. A vontade de não se submeter às punições relativas ao abuso da liberdade de expressão e não tendo como escapar-lhes, caso cometa tal abuso, faz com que o homem se autocensure no exercíco de sua liberdade de expressão. A responsabilidade do ser social, que é o ser humano, não se limita só em fazer-se a si mesmo, mas também em comprometer toda a humanidade com as suas escolhas, o que também é defendido por Sartre no livro O Existencialismo é um Humanismo. O art. 5º, inciso X da Constituição Federal, diz que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A intimidade e 173 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 tudo o que é relacionado a ela são fundamentais para o desenvolvimento das ideias que futuramente possam ser expressas levando em conta a responsabilidade de tal ato. No entanto, se um ser humano viola a intimidade, ou qualquer coisa a ela relacionada, de outro ser humano, ele é responsável por impedir o desenvolvimento intelectual e psicológico de um indivíduo. Toda a humanidade deixa de assistir uma determinada ideia sendo manifesta. A atitude de um atinge não só a ele e nem somente a um outro contra quem agiu, mas a sua escolha alcança toda a humanidade. Os incisos IX e XIII do art.5º da Constituição Federal expressam o seguinte: “IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Os presentes incisos garantem alguns dos meios necessários para que o homem projete no mundo o que ele escolheu para a sua existência. O homem tem a liberdade garantida na Constituição Federal de expressa na comunidade em que está inserido a sua liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação independente da censura ou da licença. O homem pode seguir livremente a sua profissão que realizar no ato de sua escolha, conforme as qualificações profissionais estabelecidas em lei. O importante é ressaltar quando homem escolhe expressar as suas ideias ou a sua profissão ele deve fazê-la com responsabilidade na linha do pensamento existencialista de Sartre. A liberdade de receber informações, exposta no inciso XIV, art. 5º Constituição Federal “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”, influencia a formação de opiniões, ou seja, da personalidade de outro indivíduo. Não que as pessoas que transmitem informações sejam responsáveis pelo que aquele que recebe as informações se torna, mas é a partir das informações recebidas que escolhemos o que queremos ser. Sartre afirma: O homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr o homem na posse do que ele é, de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência. Assim, quando dizemos que o 174 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens. [...] Portanto, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, já que ela engaja a humanidade inteira (SARTRE, 1978, p. 05). Um jovem que lê um caderno de política em um importante jornal de circulação nacional e vê várias notícias de políticos corruptos que não são punidos, pode decidir se tornar um político também, levando em consideração, a facilidade de desviar dinheiro público e não ser punido. Outra notícia seria um policial federal que trabalhasse nas investigações que pudesse levar políticos corruptos à cadeia e tomasse a decisão de não fazê-lo. Se ao invés de notícias sobre falta de punição aos políticos corruptos esse jovem tivesse lido várias notícias sobre punições severas aos políticos que se envolveram em corrupção e escolhesse ser um ladrão, caso tenha feito ou tenha vontade de fazer de si um ladrão, provavelmente escolheria outro campo para ser ladrão que não fosse a esfera da política. Nesse caso, vimos que a decisão de um jornalista de divulgar notícias sobre falta de punição aos políticos corruptos influenciou na decisão de um jovem e a decisão desse jovem de ser ladrão ou não e em que área seria se fosse ladrão alcança vários outros seres humanos. Supondo que ele escolhesse ser ladrão na política, é incontável o número de crianças que ficariam sem merenda escolar ou de pessoas pobres e doentes que ficariam sem remédios. Esse é um exemplo no qual podemos perceber mais claramente o que Sartre defende: que o homem compromete toda a humanidade em cada escolha que faz. A liberdade de locomoção, garantia no inciso XV, do art. 5º da Constituição Federal afirma o seguinte: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Esse inciso protege a liberdade de locomoção em todo território nacional, por exceção em tempos de guerra. O cidadão possui a liberdade de entrar e sair com seus bens. O fundamental nesse inciso é a nossa livre movimentação que deve levar em consideração a responsabilidade de estarmos vinculando toda a humanidade em nossas escolhas. Assim o filosofo escreveu: 175 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 Cada homem é um exemplo particular de um conceito universal: O homem. [...] Sou, desse modo, responsável por mim mesmo e por todos e crio determinada imagem do homem por mim mesmo escolhido; por outras palavras: escolhendo-me, escolho o homem (SARTRE, 1978, p. 04). Nesse sentido, o que o indivíduo faz revela não apenas o que ele é, mas também a verdade sobre a humanidade. Ao escolher frequentar um shopping ou um bairro comercial com várias lojas, o indivíduo está expressando o desejo de consumo da humanidade. Ao frequentar boates, casa de shows ou parques de diversões, revela o desejo de laser da humanidade. Quando o homem escolhe seguir as normas de uma determinada sociedade e praticar a justiça em seus atos está escolhendo por toda a humanidade. O mesmo pode-se dizer quanto à liberdade de reunião pacífica, de associação para fins lícitos e criação de associações que estão nos incisos XVI, XVII e XVIII do art. 5º da Constituição Federal: XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento. Quando determinado grupo de pessoas decide reunir-se para manifestar contra um imposto que consideram valor oneroso, está expressando o desejo que cada ser humano tem de defender seu patrimônio. Em qualquer reunião, podemos identificar alguma verdade sobre a humanidade a partir do motivo da reunião. A mesma afirmação ao ser feita sobre as associações pode ser considerada verdadeira. Ao descobrir-se o motivo da associação, descobre-se uma verdade sobre a humanidade. Se a associação é de fins lucrativos pode-se afirmar que os seres humanos tem o desejo não só de preservar o seu patrimônio, mas também de aumentá-lo. Se sociedade é para lazer, como um clube, chega-se novamente à conclusão de que os seres humanos anseiam por 176 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 laser. Sendo assim, ao escolher aonde ir, se reunir ou se associar, o homem é responsável por expressar uma verdade a respeito da humanidade. O homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas aquele que escolheu ser, mas um legislador que escolhe simultaneamente a si mesmo e a humanidade inteira, não consegue escapar ao sentimento de sua total e profunda responsabilidade (SARTRE, 1978, p. 05). Já os incisos XXII e XXIII do art. 5º da Constituição Federal afirmam o seguinte: “XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”. Encontra-se explicito o direito de ser livre para adquirir propriedade e a responsabilidade de fazer com que essa propriedade atenda à sua função social. Como uma das verdades sobre a humanidade é que ela tem o desejo de consumo e de aumentar seu patrimônio, a liberdade de adquirir propriedade está vinculada a uma realização do homem. Todo ser humano quer possuir algo. Ele se projeta tendo posse do que sonha ter. Sartre afirma: "O homem nada mais é do que o seu projeto, só existe na medida em que se realiza; não é nada além do conjunto de seus atos, nada mais que sua vida" (SARTRE, 1978, p.11). A liberdade de adquirir posses, por ser um tipo de liberdade que promove a realização do homem, pode desencadear em alguns, a compulsão desenfreada de possuir cada vez mais e de possuir simplesmente pelo sentimento de posse sem dar uma função social ao bem possído, afetando assim, de maneira negativa, milhares de seres humanos. Por isso, pode-se afirmar que a decisão do legislador de impor a função social da propriedade como responsabilidade de quem a adquirir é uma das bases de uma sociedade que busca ser justa. Esse é mais um exemplo em que se constata a responsabilidade limitando a liberdade. 4 Considerações finais Ao finalizar a análise do art. 5º da Constituição Federal de 1988 à luz dos pensamentos sartreanos, pode-se afirmar que o homem é um ser condicionado à 177 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 liberdade naturalmente e no caso dos cidadãos brasileiros, também juridicamente, já que a Constituição Federal é norteadora de toda a legislação do país. A liberdade é essência do Estado Democrático de Direito. A liberdade é indisponível e aliada à responsabilidade. Sendo indisponível a liberdade, é também indisponível a responsabilidade, ou seja, toda escolha humana nos impõe escolher por toda a humanidade. A escolha verdadeira se dá por meio da liberdade com responsabilidade. Segundo Sartre o que não é possível é não escolher. A Constutição Federal no artigo 5º, inciso IV garante a todos os brasileiros a manifestação de pensamento. O ato de expressar suas ideias é um ato de escolha. Para escolher de forma consciente é fundamental tanto a liberdade quanto a responsabilidade. O homem não pode culpar ninguém por suas escolhas. Cada escolha implica a responsabilidade por toda a humanidade. A Constituição Federal de 1988 incorporou em seu texto diversos princípios. A dignidade humana é um dos princípios fundamentais que deve guiar a liberdade de escolha e a responsabilidade inerente à ação escolhida. Segundo Sartre, não há valores a priori para guiar as ações humanas. Esses valores devem ser construídos na prática de suas ações. Com relação ao ordenaento jurídico, encontram-se na Carta Magna princípios estabelecidos em decorrência das lutas, em detrimento de reconheciemento dos direitos civis, políticos e sociais. Assim, a liberdade de pensamento se limita ao princípio da dignidade humana, pois ser livre é escolher de forma responsável, respeitando sempre a liberdade do outro. Portanto, a Constituição Federal de 1988 e o pensamento existencialista do filósofo Sartre em relação à liberdade contribuem para a vivência responsável da liberdade de pensamento no contexto da sociedade atual. Expressar o pensamento é revelar suas intenções, suas escolhas e desejos. É o direito de escolher sua profissão, adquirir posses, porém jamais esquecer a responsabilidade inerente em cada palavra, gesto ou atitudes. A sociedade democrática se consolida com liberdade e responsabilidade na escolha para si, sem prejuízo para os seus semelhantes. 178 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 Responsibility and the limits of freedom: existentialism contributions of Sartre under the law Abstract This article aims to analyze the responsibility and the limits of freedom from some of existentialism contributions of Jean-Paul Sartre under the law. The 1988 Federal Constitution defends freedom of thought, but was forbidden anonymity. At the side of freedom, is the responsibility in the act of our choices. Existentialism philosopher JeanPaul Sartre, defends freedom as part of the human condition which it derives its existence in the world. Freedom imposes the limits on our free act in the social environment. Keywords: Responsibility. Freedom. Existentialism. Law. 5 Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 dez.2014. FERREIRA, Danilo Gomes. O existencialismo é um humanismo: a escolha, a responsabilidade e a angústia em Sartre. Cadernos da Graduação, Campinas, n. 08, 2010. SARTRE, Jean-Paul. O Se e o Nada - ensaio de Ontologia Fenomenológica. Petrópolis (RJ): Vozes, 1943. SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um humanismo. Trad. e notas de Virgílio Ferreira. 4. ed., Lisboa: Editorial Presença, 1978. SILVA, Aline Maria Vilas Bôas da. A concepção de liberdade em Sartre. Revista Filogênese, Marília, SP, vol. 6, nº 1, p. 93-107, 2013. 179 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 168-179, jan./dez. 2014.