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A CRISTOLOGIA HOJE A PARTIR DO
VATICANO II:
PREDICADOS EMERGENTES
Bruno Forte *
RESUMO: A partir de uma visada histórica focada no magistério da Igreja e na teologia européia,
delineiam-se três linhas nas quais se pode resumir as características do desenvolvimento da
cristologia nas últimas décadas: i) mais trinitária, pois marca a revelação de Deus em Jesus; ii)
mais histórica, porque abrolhou, estabelecido pelo Concílio, uma renovada atenção de volta às
origens e à história concreta do Nazareno narrados pelos Evangelhos; iii) mais pascal, projetada
para confessar a singularidade do Crucificado-Ressuscitado, porque chama a testemunhá-lo por
de todos os caminhos possíveis ante o mistério da divindade e da salvação eterna dos homens.
PALAVRAS CHAVE: Cristologia trinitária; Cristologia histórica, Cristologia Pascal; Revelatio Dei.
ABSTRACT: From a historical sight focused on the Church’s magisterium and theology in Europe,
are outlined in the three lines which can summarize the characteristics of the development of
Christology in recent decades: i) more Trinitarian, it marks the revelation of God in Jesus, ii) more
historic because originated, established by the council, a renewed attention back to the origins
and the concrete history of the Nazarene narrated by the Gospels, iii) more paschal, designed to
admit the uniqueness of the Crucified and Risen One, because it draws to bear witness to it by all
possible paths before the mystery of godliness and eternal salvation of men.
KEY WORDS: Trinitarian Christology; Historical Christology, Christology of the Passion; Revelatio
Dei.
* Teólogo conhecido internacionalmente, doutor em Teologia e Filosofia, pós-doutor em Teologia, em
Paris(França) e em Tübingen (Alemanha), autor de mais de uma dezena de livros),dos quais se destaca: Jesus
de Nazaré: a história de Deus,Deus da história (S. Paulo: Paulinas, 1984). È professor de teologia dogmática na
Faculdade Teológica da Itália Meredional.
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Já se passaram mais de trinta anos desde quando em 1981, foi publicado o
meu livro sobre Jesus de Nazaré, História de Deus, o Deus da história. Ensaio de uma
cristologia como história, reeditado várias vezes e traduzido para várias línguas.
Este volume ficou no topo de uma década muito frutífera para a reflexão católica
cristológica e viu-se o surgimento de obras fundamentais como a do atual cardeal
Walter Kasper, Jesus, o Cristo (publicado em alemão em 1974 e, posteriormente,
em vários idiomas e edições) ou da larga produção do jesuita Jean Galot, professor
na Universidade Gregoriana.
Os anos oitenta conheceram, de maneira semelhante, uma rica reflexão
sobre Cristo, caracterizada especialmente pelo aprofundamento trinitário da
cristologia, dos quais são testemunho o volume da próprio Kaspers ODeusde Jesus
Cristo (1982), a relevante síntese de Marcelo Bordoni, Jesus de Nazaré. Presença,
memória, espera, publicada em 1988 ( da qual é continuação ideal o ensaio A
cristologia no horizonte do Espírito, publicado 1995), como também o meu livro
Trindade como história. Ensaio sobre o Deus cristão (1985).
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Nesse mesmo período, estão localizadas várias intervenções feitas pela
Comissão Teológica Internacional sobre o assunto: se o documento intitulado
Algumas questões sobre a cristologia (1979) conclui a “década cristológica” da
teologia católica pós-conciliar, outros textos vieram à luz nos anos oitenta, como
a da Teologia, cristologia, antropologia (1981) ou o outro sobre A consciência que
Jesus tinha de si mesmo e sua missão (1986), enquanto na década de noventa que
foram divulgados dois documentos significativos sobre a relação entre cristologia
e destino universal da salvação; o primeiro dedicado a Algumas perguntas sobre a
teologia da Redenção (1995), o segundo sobre O cristianismo e as religiões (1996),
que visando clarificar a questão da singularidade de Jesus Cristo, decisiva para o
desenvolvimento adequado do diálogo com outras religiões.
Neste sentido, inclui-se também a Declaração Dominus Jesus, a
Congregação para a Doutrina da Fé, publicado no ano jubilar com a finalidade de
propor uma solene profissão de fé naquele que é a própria a verdade que liberta
e salva: Jesus, o Cristo.
O próprio magistério de João Paulo II apresentou desde o início uma
caracterização cristológico-trinitária forte: a linha mestra é representado por
três encíclicas Redemptor Hominis (1979), dedicado ao Filho, Dives in Misericordia
(1980), dedicado a Deus Pai e Dominum et vivificantem (1986), sobre a pessoa e a
obra do Espírito Santo.
A estrutura cristológico-trinitária voltou a ser significativa no percurso
proposto para a preparação do Grande Jubileu do Ano 2000 na Tertio Millennio
Adveniente (1994). Sobre esta nota teológica de fundo pode se dizer que se
harmonizam todos os ensinamentos deste pontificado: desde a reflexão sobre
antropologia, apresentada nas Encíclicas mencionadas, além da Laborem Exercens
de 1981, sobre a dignidade do trabalho humano, e na Carta Apostólica sobre
a mulher Mulieris Dignitatem, de 1988; passando a reflexão através da moral,
proposta na Veritatis Splendor, de 1993, Evangelium Vitae, de 1995, e nas encíclicas
sobre questões sociais, Sollicitudo rei socialis, de 1988 e Centesimus annus de
1991, até a reflexão feita sobre a eclesiologia, delineada à luz da singularidade do
Redentor e da comunhão trinitária na Redemptoris Missio, 1991, Slavorum Apostoli
em 1985, sobre o Oriente cristão, e na Ut unum sint, 1995, sobre o ecumenismo.
Um papel de deestaque teve a reflexão a Mãe de Deus, oferecido no
Redemptoris Mater, de 1987, onde os diversos aspectos do mistério são captados
no denso ícone d’Aquela em que tudo retoma a obra do Deus trinitário e sua
glória, a serviço da missão do Filho eterno, feito carne no seu ventre virginal.
Nessa grande contribuição para a cristologia oferecido pela teologia e pelo
magistério da Igreja desde o Concílio Vaticano II até hoje, é possível vislumbrar
algumas linhas mestras que mostram como se superou plenamente o manual
escolástico préconciliar “De Verbo Incarnato” para a recuperação do fundamento
bíblico da compreensão da fé, da relevância soteriológica da mensagem de Cristo
e sua centralidade para a exata compreensão de todos os outros aspectos da
teologia e da prática cristãs.
Três são as linhas em que se poderia resumir as características do
desenvolvimento da cristologia nas últimas décadas: trata-se de uma cristologia a)
mais propriamente trinitária, b) mais marcadamente histórica e c) decididamente
pascal, projetada para confessar a singularidade do Crucificado-Ressuscitado
para a salvação do mundo.
a) Uma cristologia trinitária: a revelação de Deus em Cristo
Na vida terrena de Jesus de Nazaré é que se pode reconhecer a revelação da
história de Deus conosco, enquanto a sua ressurreição nos manifesta como o
Deus da história, Redentor de todos os homens em cada homem. Cada ato de
sua existência terrena, enquanto história do Filho, que ergueu sua tenda no meio
de nós, implica toda a vida da Trindade, isto é, diz respeito à relação com o Pai no
Espírito Santo.
A ressurreição demostra que os dois sujeitos de “história” divina que não
se encarnaram, o Pai e o Paráclito, não permaneceram como espectadores alheios
às obras e aos dias do Verbo na carne: eles oviver com Ele, cada um. de acordo
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com sua relação específica, que a caracteriza como essa pessoa e não outra.
Portanto, desde a Páscoa até dizer que toda a história de Jesus é revelação da
história trinitária de Deus, transparência no mundo da dedicação e da autodoação
dos Tres nas várias relações que os unem e que teem com o mundo. Em Jesus se
revela contemporaneamente o rosto trinitnário de Deus e a relação do mundo
com o Pai, enquanto se manifesta e doa o Espírito de comunhão trinitária e de
reconciliação entre Deus e os homens.
Compreende-se, então, como uma teologia que ignore o vínculo
permanente de toda afirmação cristológica ao mistério da Trindade, segundo um
divórcio de horizonte, desafortunadamente frequente nos manuais préconciliares,
dê conta por um lado de uma cristologia abstrata, árida e conceitual e de outro,
de uma doutrina trinitária especulativa, com pouca adesão ao concreto revelar-se
do Deus trino na economia da salvação.
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Recuperar a dimensão trinitária da história de Jesus é o caminho oferecido
ao conhecimento da fé para abrir-se à profundidade de Deus e fazer-se dEle uma
idéia autenticamente cristã e não intelectualista, alheio ao confronto com o
escândalo da cruz e à luz da Páscoa.
O aprofundamente trinitário da encarnação do Verbo mostra como
a Palavra encarnada retorna ao Silencio de origem, à profundidade da qual
eternamente provem e junto à qual está eternamente: o Deus que se fez visível ao
Deus invisível, o Filho ao Pai. Como diz Inácio de Antioquia, o Pai “revelou através
de Seu Filho Jesus Cristo, que é a seu Verbo procedente do Silêncio” (Ad Magn.
8,2).
A palavra de revelação, que é Cristo, requer então, a ser “transcendida”,
não no sentido de que pode ser eliminada ou posta entre parentese, pois isso
obstacularizaria todos os acessos às profundezas do divino, mas no sentido de
que é verdade e assim como a vida é o caminho (cf. Jo 14,6), o umbral que se abre
diante do Mistério, a porta pela qual se deve passar para entrar no aprisco das
ovelhas (cf. Jo 10,7), a luz vinda das trevas para a luz, na qual veremos a luz (cf. Jo
1,9 e Sl 36,10).
Graças à dialética trinitária da Palavra e Silêncio, de abertura, e ocultação,
no evento da revelação a transcendência divina não é entregue à imanência do
mundo, e a forma histórica da autocomunicação divina se remete à inesgotável
excedencia do mistério sagrado.
“Re-velar” quer dizer, portanto, o ato de passagem desde o velado até o
descoberto, a revelação do precedentemente escondido, porém nunca exclui de
todo a permanência de um véu; é mais que isto: um adensar-se.
Esse jogo dialético se perde no alemão “Offenbarung, offenbaren”, onde
o que vem à mente é apenas o ato de abrir-se e, portanto, a condição do aberto
e do manifesto; nesse sentido, a interpretação hegeliana da revelação como
totalmente expressiva e constitutiva de Deus que se manifesta torna-se coerente
com a etimologia da palavra alemã..
Esta estrutura dialética da revelação é encontrada na mesma palavra latina
“revelatio” considerada em seu sentido etimológico (tal como se poderia dizer,
da palavra grega “apokalupsis”): o prefixo “re-” tem tanto o sentido repetição do
idêntico (como em “re-sumo”), como a passagem para a condição oposta (como
em “re-provado”). “Re-velar, portanto, que indicar a aprovação da lei do oculto
para a nudez, a revelação da anteriormente escondida, porém nunca exclue
completamente uma estadia do véu, ou melhor, mesmo adensarse um.
Apenas uma cristologia construída sobre o “re-velatio Dei” - entendida
dialeticamente -, respeita o caráter trinitário da revelação original: é necessário,
então, voltar-se decididamente para uma cristologia cada vez mais “teológica” e,
portanto, cada vez mais mais “trinitária”, tanto para educar e ouvir na Palavra o
silêncio do qual provem e ao qual se abre e, por conseguinte, no Verbo encarnado
a relevação do Pai e do Espírito Santo.
São João da Cruz afirma: “O Pai pronunciou uma palavra, que foi seu Filho
e a repete sempre num eterno silencio; depois, em silencio ela deve ser escutada
na ama” (Sentenze. Spunti d’amore. [Sentencias.
Acolher a Palavra escutando nela o silencio divino é permanecer no
santuário da adoração, deixando-se amar pelo Deus silencioso e atrair para ele,
através da insubstituível e necessária mediação do Verbo: “Ninguém vai ao Pai
senão por mim” ( Jo 14,6)
Aquí se compreende como uma cristología no horizonte da fé está
profundamente enraizada na experiência crente do Deus vivente da revelação
bíblica e, portanto, na espiritualidade da escuta, alimentada pela oração. Por isto,
separar cristología e espiritualidade quer dizer: privar-se do horizonte necessário
para obedecer verdadeiramente à palavra revelada, escutando nela o Silencio
fontal, do qual ela provem e ao qual ela se abre.
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Reencontrar a unidade cristológica do pensamento e da experiência cristã,
mais além das dificuldades introduzidas também na teologia pelo racionalismo da
modernidade, significa voltar à condição hermeneutica originária e constitutiva
do pensamento da fé ao estado original e hermenêutica constitutivos do
pensamento fé.
Da mesma forma, a urgência é capturada aqui para reflexão cristológica
se situe no interior da transmissão eclesial vivente da Palavra, que de testemunho
em testemunho e de obediência em obediência faça chegar até nós a água da
vida.
A cristologia separada da tradição viva da fé da Igreja - especialmente
daquela que é guaadada dentro do“limite/umbral” que é a definição dogmática levaria a aventuras impróprias, inseguras e inconsistente.
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Isto não tem nada a ver com uma teologia bloqueada pela definição
dogmática (a “Denzinger-Theologie”, como se diria!). É, isto sim, uma condição
de vitalidade do pensamento cristão, chamado a razão da esperança fundada
sobre a verdade da fé: longe de ser ima repetição mecânica do que está morto, a
tradição é vida que transmitem vida
Uma cristologia no horizonte da fé é, portanto, não só biblicamente
fundada e alimentada pela experiência espiritual, mas também é eclesialmente
responsável e deve estar atenta para superar as aventuras de subjetividade na
objetividade da “fides Ecclesiae”, recebida e transmitida.
A revelação de Deus em Cristo inspira o povo de peregrinos da fé,
chamado a transmitir a todas as gerações a memória do Eterni, vinculada ao texto
das Escrituras inspiradas, mas também o contexto do anúncio e da práxis cristã,
nos que o Espírito trabalha para levar a Igreja à plenitude da verdade divina.
b) A cristologia histórica: a circularidade entre o Jesus da história e o
Cristo da fé
A segunda característica que apresenta o desenvolvimento da reflexão
cristológica desde o Vaticano II é ser uma cristologia histórica: a volta às origens
estabalecida pelo Concílio trouxe para a reflexão sobre Cristo uma renovada
atenção para a história concreta do Nazareno narrados pelos Evangelhos e,
portanto, aos chamados “mistérios” de sua vida, junto a um sólido método
histórico-crítico.
Na sua verdadeira e completa humanidade, Jesus Cristo é a revelação de
Deus: aqui se fundamenta a exigencia de alcançar, através dos traços do Jesus
histórico, a profundidade do mistério que eles oferecem. Não se trata de contar
uma centésima história de Jesus em que se projeta, mais ou menos amplamente,
as interrogações e questões da sensibilidade do presente nem, muito menos
intentar uma análise psicológica da personalidade do Nazareno, que seria
totalmente arbitrária, dados os elementos à nossa disposição.
Trata-se de investigar nos“mysteria vitae Jesu” das dimensões do humano
que se manifestam neles ,e através dos quais, passa a revelação do Deus vivente
lendo na história o “querigma” e no “querigma “ a história e capturando, na
plenitude, a fecunda circularidade atestada no Novo Testamento entre o Jesus
histórico e o Cristo pascal.
Trata-se de reconstruir a história da consciência e da liberdade do homem
Jesus, bem como a experiência de sua finitude, experimentada conhecendo
pessoalmente a dor e a morte, na convicção fundada na luz da Páscoa que tudo o
que vem à verdadeira e plena humanidade do Salvador, está baseado na revelação
de sua divindade.
Em Jesus de Nazaré foi-nos oferecido o rosto humano de Deus: cada gesto
seu, cada aspecto de sua condição humana, cada momento de sua vida terrena,
é a aparição (manifestação) de Deus entre os homens e deve ser, portanto,
valorizado pela fé e reflexão cristã. O terno amor de muitos santos à humanidade
do Salvador, a atenção para “Dominus humanissimus”, que tem sido muitas vezes
estranhos à teologia dos últimos séculos (desde Suarez em diante se abandonou
a exposição dos “mysteria vitae Jesu” na articulação de “De Verbo Incarnato”) e
familiar só à piedade cristã, capta um aspecto profundo do paradoxo cristão. Deus
não faz concorrência ao homem em Jesus de Nazaré; ao contrário, o ser humano
é assumido plenamente e é valorizado na história do Filho do homem, como um
veículo eficaz, “sacramento” do Filho eterno entrado neste mundo.
Compreende-se, portanto, quão pouco cristãos são essa teologia e essa
piedade que se esquecem da vida concreta e histórica do Salvador, com todo o
seu realismo e até mesmo o escândalo que a caracteriza. Neste sentido, é preciosa
a doutrina tradicional da causalidade instrumental da humanidade de Cristo,
pelo qual Sto. Thomas dedicou-se à vida concreta do Nazareno, conferiu-lhe uma
atenção teológica de singular riqueza: “Todas as coisas que foram cumpridas
na carne de Cristo eram salvíficas para nós em virtude da divindade ligada a ela
“(Compendium Theologiae 239). A atuação de Jesus é como uma parábola viva da
ação de Deus!
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Maior atenção para a humanidade do Redentor também comporta
uma renovada sensibilidade da teologia aos requisitos da seguimento: narrar
criticamente a vida do Jesus histórico significa deixar-se comprometer na
“imitação” dele, de sua opção fundamental pelo Reino de Deus, de suas escolhas
de liberdade em favor destes últimos, de seu amor pelo Pai até esquecer de si
mesmo. O seguimento não é apenas a reprodução de um modelo: se assim fosse,
seria inacessível às nossas forças. Ele pode ser respeitado e cumprido apenas no
Espírito Santo: o Espírito é, em relação à Palavra, como o silêncio da hospitalidade
atualizadora, da qual muitas vezes emana a eloqüência silenciosa do testemunho
(cf. Jo 15,26 s): “ Quem realmente possui a palavra de Jesus – como dizia Santo
Inácio de Antioquia - também pode perceber o seu silêncio, a fim de ser perfeito,
afim de que aja, através das coisas que ele fala, e através das quais ele cala para ser
reconhecido “(Ad Ef. 15,1-2).
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A ação do Espírito na história, reconhecida e recebida nediante o
discernimento da fé, se expressa principalmente na caridade, nessa força do
amor que vem de Deus e pela qual a comunidade cristã, que aceita os desafio dos
sinais do tempo , se torna solidária com o próximo concreto e o serve na causa
de sua promoção mais completa e, portanto, na libertação de tudo o que ofende
a dignidade dos filhos de Deus. Nesta estrada abre aos olhos da fé a presença
misteriosa de Deus no maior variedade de situações humanas: Cristo se esconde
nos pobres, nos famintos, nos sedentos, nos marginalizados e que sofriem, na
crianças exploradas, as mulheres pisoteadas, nos últimos (cf. Mt 25:31 ss). Quem
responde aos que têm fome e sede de tuto isso com o amor livre e gratuito, tornase um Evangelho vivo, uma Palavra escrita, já não mais em tábuas de pedra, mas
sobre a carne de nossos corações (cf. 2 Cor 3,3) .
A presença de Cristo no cotidiano da dor e das lágrimas são reconhecidos,
bem como, em quem ama em seu nome: “Nisto todos conhecerão que sois meus
discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo, 13, 35) . No amor ao próximo é
revelado o amor de Deus: “Quem não ama seu irmão a quem vê, não pode amar
a Deus a quem não vê» (1 Jo 4, 20). Neste amor, Cristo se faz presente em seu
Espírito e diz palavras de vida eterna. O outro é, no Espírito, um sacramento do
encontro com o Senhor Jesus, um lugar de advento, o tempo da salvação (cf. Mt
25, 31ss).
Uma cristologia que não é medida pelas urgências de caridade e justiça, e
não dá razões para viver o êxodo de si mesmo no seguimento do Filho na carne,
se desnaturaliza no exercício da razão, aberto a todos possíveis riscos de desvios
ideológicos. As “cristologias da práxis” (cristologias de cristologias da libertação,
cristologias políticas, cristologias da esperança e do “eschaton”) mostram
aqui tanto osseus riscos quanto seu potencial positivo,tanto mais acolhido e
desenvolvido quanto mais interpretado e vivido à luz d a ação do Espírito na
comunhão da Igreja. A cristologia mais “militante” - especialmente em termos de
amor e compromisso com a justiça para todos, e em relação a criação desejada por
Deus –parece, pois. ser solicitada pelo mesmo esforço em colocar corretamente a
reflexão sobre seguimento do Nazareno dentro da missão do Espírito.
c) Uma cristologia pascal: a singularidade de Jesus Cristo e da salvação
do mundo
A terceira característica que emerge a partir do desenvolvimento
da cristologia no pós Concílio está vinculada ao diálogo e confronto com
outras religiões: trata-se de uma cristologia pascal, chamada a testemunhar
a singularidade de Jesus Cristo diante de todos os caminhos possíveis para o
mistério da divindade e da salvação eterna dos homens. A fé do Novo Testamento
não hesita em indicar no campo “evento Cristo” o lugar onde é possível encontrarse,em plenitude, autocomunicação divina: Jesus não fala somente com as palavras
de Deus, mas é a Palavra de Deus, o Verbo eterno feito carne , que se comunica a
si mesmo e dá acesso à experiência vivificante das profundezas divinas no dom
do Espírito.
Sobre esta convicção baseia-se a consciência do cristianismo de ser
o portador de uma mensagem universal, dirigida a todos os homens em cada
homem. E é em virtude dela que para os discípulos de Cristo são estabelecidas
as condições necessárias de possibilidade e os critérios de discernimento da
eventual presença da auto-comunicação divina nas outras religiões e no diálogo
com elas.
A Encíclica Redemptoris Missio (1990) afirma: “Deus chama a si todos os
povos em Cristo, desejando-lhescomunicar-lhes a plenitude da sua revelação e
amor, e continua a fazer-se presente de muitos modos, não só aos indivíduos,
mas também para populações inteiras através das suas riquezas espirituais, cuja
expressão princial e essencial são as religiões, ainda que elas contenham “lacunas,
insuficiências e erros” (55).
As religiões oferecem, então, não apenas como expressões de autotranscendência do homem frente ao mistério sagrado, senão também como
possíveis lugares da autocomunicação do ser divino: novamente a encíclica diz
que para aqueles que“não têm a oportunidade de conhecer ou aceitar a revelação
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do Evangelho e de entrar na Igreja “, porque” vivem condições sócio-culturais que
não permitem isso e, em muitos casos tenham sido educados em outras tradições
religiosas, “a salvação de Cristo” é acessível, em virtude da graça que, mesmo ao
ter uma relação misteriosa com a Igreja, não lhes introduz formalmente da mesma,
mas ilumina-los adequadamente em sua situação espiritual e material . Esta graça
provém de Cristo; é fruto do seu sacrifício e é comunicada pelo Espírito Santo: ela
permite a cada pessoa alcançar a salvação através de sua livre colaboração “(10).
A encíclica precisa que “a presença e a atividade do Espírito não afetam somente
os indivíduos, mas também a sociedade, história, povos, culturas e religiões ... É
também o Espírito que espalha “as sementes do Verbo “presentes em vários ritos
e culturas, preparando-os para a plena maturidade em Cristo” (28).
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À luz disso, é legítimo considerar que as religiões não cristãs contêm
elementos autênticos da autocomunicação divina, cujo discernimento é possível
para os discípulos de Cristo, em virtude do critério que é a revelação cumprida
Nele: entende-se, portanto, não pode ser aceita uma avaliação puramente
negativa dos mundos não-cristãos e de textos sagrados, ligadas a um suposto
“exclusivismo” fundado sobre a identificação absoluta entre a Igreja e o Reino
(como, por exemplo, a posição de Karl Barth) . Não se pode - na direção oposta
- a aceitar o pluralismo indiscriminado de algumas teologias das religiões que
fazem com que seja vã a absoluticidade do cristianismo e ignorar as lacunas e
resistencias das outras experiências religiosas, com a intenção de tomar distância
da insistência sobre a superioridade e definitividade de Cristo para se mover em
direção ao reconhecimento da independente validade de outros caminhos (como
o encontrado na concepção de teólogos como John Hick e Paul Knitter F.).
Entre essas orientações contrapostas faz falta perseguir o discernimento
que - sem renunciar a proclamação da graça e do escândalo singulares da
boa notícia - reconheça a ação do Espírito orientada para a luz do Verbo onde
quer que ela se realize. “Tudo o que o Espírito faz nos homens e na história dos
povos, assim como nas culturas e religiões,tem um papel de preparação para o
Evangelho, e não pode menos que referir-se a Cristo, o Verbo Encarnado pelo
Espírito “(Redemptoris Missio, 29).
Um reconhecimento somolar não frustra, de modo algum,o dever
missionário do discípulo de Cristo, pelo contrário, motiva mais e mais, porque sem
o critério constituído pela singularidade do Senhor Jesus e do seu Evangelho não
seria nem sequer possível para os cristãos discernir e apreciar os valores contidos
em outras religiões e os seus livros sagrados, tão pouco o valor da experiência
religiosa que estes oferecem. “Embora a Igreja reconhece de bom grado tudo
o que é verdadeiro e santo nas tradições religiosas do budismo, hinduísmo
e islamismo - reflexos de que a verdade que ilumina todos os homens – drgue
valendo seu dever e determinação de proclamar sem hesitação Jesus Cristo, que
é “o Caminho, a Verdade ea Vida”“(Redemptoris Missio, 55).
Assim, o diálogo com outras religiões “deve ser realizado e levado a termo
com a convicção de que a Igreja é o meio ordinário de salvação e que só ela possui
a plenitude dos meios da salvação” (ibid.). Nem este diálogo – enquanto unido ao
dever de proclamar a verdade do evangelho - deve ser considerada instrumental,
pois conjuga a fidelidade irrenunciável com a identidade do discípulo de Cristo
com o reconhecimento das “semina Verbi” onde quer que estejam presentes, e
que justamente por esta fidelidade é possível.
***
A cristologia mais teológica, uma cristologia histórica, cristologia
mais capaz de combinar essas duas dimensões na confissão da unicidade de
Jesus Cristo, que, una ao mesmo tempo a urgência de proclamar a boa notícia
necessidade de diálogo com o outro , quem quer que seja e de que parte venhar.
É esta triplice instancia que parece emergird os desenvolvimentos da reflexão
pós-conciliar cristológico: uma instância que faça eco à demanda constante de fé
em Cristo, para confessar nEle a união do humano e do divino, sem confusão ou
mistura, sem divisão ou separação (cf. Concílio de Calcedônia, em 451).
Trata-se de desenvolver uma reflexão de fé que una fidelidade ao mundo
presente e fidelidade ao céu, fidelidade a este mundo e fidelidade ao mundo que
deve vir, como já aconteceu uma vez por todas naquele que é a Aliança em pessoa
. A Ele se dirige, pois a invocação do divino - uniao a de toda a Igreja - para o“logos”
da fé pensativo adera ao “hymnos” da fé adorante, que escuta, celebra, proclama
e vive o mistério revelado Nele, o Verbo vindo entre nós, em cuja seguimento
apostamos toda a nossa vida.
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