Bem de família – Venosa

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Bem de família
Sílvio de Salvo Venosa
Direito Civil - Parte Geral
۩. Origem histórica
O bem de família constitui-se em uma porção de bens que a
lei resguarda com os característicos de inalienabilidade e
impenhorabilidade, em benefício da constituição e permanência de uma
moradia para o corpo familiar. A matéria tem relação direta, mas não
exclusiva, com o direito de família, razão pela qual o Código de 2002 ali
disciplina esse instituto (arts. 1.711 ss). Como o propósito deste livro
ainda é um estudo de transição, que examina ambos os códigos civis,
mantivemos este capítulo neste tomo que trata da teoria geral do Direito
Civil. Nada impediria que a matéria continuasse a ser tratada pela parte
geral, assim como pelos direitos reais e principalmente pela lei registraria,
onde possui maiores afinidades.
Originou-se, nos EUA, do homestead. O governo da então
República do Texas, com o objetivo de fixar famílias em suas vastas
regiões, promulgou o Homestead Exemption Act, de 1839, garantindo a
cada cidadão determinada área de terras, isentas de penhora. O êxito foi
grande, tanto que o instituto foi adotado por outros Estados da nação
norte-americana, tendo ultrapassado suas fronteiras; hoje é concebido na
grande maioria das legislações, com modificações que procuram adaptálo às necessidades de cada país.
No entanto, apesar de sua difusão, o sucesso da instituição
não alcançou a dimensão esperada, mormente em nossa pátria, onde
sua utilização voluntária é diminuta.
No Brasil, antes da vigência do Código Civil, houve várias
tentativas de introdução do instituto, o qual foi adotado e incluído no atual
Estatuto, em razão de uma emenda apresentada pela Comissão Especial
do Senado.
O homestead nos Estados Unidos é a isenção de penhora
sobre uma pequena propriedade. Em nosso país, a lei oferece à família o
amparo de moradia.
۩.
Legislação - Conceituação - Natureza Jurídica
O bem de família era exclusivamente regulado entre nós
pelos arts. 70 a 73 do Código de 1916. Tais dispositivos foram
complementados pelos arts. 19 a 23 do Decreto-lei no 3.200/41. A parte
processual vinha regulada no CPC, de 1939, arts. 647 a 651, que foram
mantidos em vigor até que a legislação especial tratasse da matéria, o
que é feito atualmente pelos arts. 260 a 265 da Lei no 6.015/73, Lei dos
Registros Públicos.
O instituto constava da Parte Geral do Código antigo, mas
deveria figurar, como alertamos, na parte do Direito de Família, como faz
o atual Código.
Pelo nosso ordenamento civil de 1916, o homestead,
conhecido como bem de família, o que não é uma tradução, vinha
estatuído no art. 70:"É permitido aos chefes de família destinar um prédio
para domicílio desta, com a cláusula de ficar isento de execução por
dívidas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio.
Parágrafo único. Essa isenção durará enquanto viverem os
cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade."
O atual Código, por sua vez, conceitua: "Podem os cônjuges,
ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar
parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não
ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da
instituição mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel
residencial estabelecida em lei especial" (art. 1.711).
O objeto do bem de família é um imóvel, "um prédio", rural ou
urbano, onde a família fixa sua residência, ficando a salvo de possíveis e
eventuais credores. O presente estatuto civil acentua que o bem de
família consistirá em "prédio residencial urbano ou rural, com suas
pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio
familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada
na conservação do imóvel e no sustento da família" (art. 1.712). No atual
Código há uma abrangência maior na conceituação do bem de família,
como veremos.
No tocante à natureza jurídica, entendem alguns que há
transmissão da propriedade na instituição do bem, em que o adquirente é
a família, como personalidade coletiva, sendo transmitente o instituidor,
como o chefe da família. Como a família não tem personalidade jurídica,
não pode ser aceita essa posição.
Serpa Lopes entende que o bem de família é um condomínio
sui generis, onde nenhum dos co-titulares possui quota individual.
Para Caio Mário da Silva Pereira, o instituto é uma forma de
"afetação de bens a um destino especial, que é ser a residência da
família, e, enquanto for, é impenhorável por dívidas posteriores à sua
constituição, salvo as provenientes de impostos devidos pelo próprio
prédio".
Trata-se da destinação ou afetação de um patrimônio em que
opera a vontade do instituidor, amparada pela lei. É uma forma de tornar
o bem como coisa fora do comércio, em que são combinadas a vontade
da lei e a vontade humana. Nesse diapasão, o bem de família fica isento
de execução por dívidas posteriores a sua instituição, salvo as que
provierem de tributos relativos ao prédio ou despesas de condomínio (art.
1.715). Como se vê, o bem de família não pode ser instituído em prejuízo
aos credores, ou melhor, em fraude contra credores. O benefício
perdurará enquanto viver um dos cônjuges, ou na falta destes, até que os
filhos completem a maioridade. Veja o que comentamos a seguir.
۩.
A Lei no 8.009, de 29-3-90
Proveniente da Medida Provisória no 143, de 1990, nos
estertores de mandato presidencial, foi promulgada a Lei no 8.009, de 293-90. Esse diploma legislativo surpreende não unicamente por seu
alcance jurídico, mas pela importante particularidade de aplicação
imediata aos processos em curso.
Trata-se de norma que amplia o bem de família tradicional
(seu título refere-se ao instituto), de evidente cunho de ordem pública,
colocando a salvo de credores basicamente o imóvel residencial do casal
ou da entidade familiar. Foi ressalvada expressamente sua vigência pelo
atual Código, de acordo com o art. 1.711. Dispõe o art. 1o dessa lei: "o
imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil,
comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos
cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele
residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel
sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de
qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso
profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados."
Por outro lado, diz o art. 5o dessa lei: "Para os efeitos de
impenhorabilidade, de que trata esta Lei, considera-se residência um
único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia
permanente.
Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar,
ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a
impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver
sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art.
70 do Código Civil."
Em atenção aos princípios constitucionais atuais não se
distingue a família legítima ou ilegítima. Basta que se configure a
entidade familiar.
A inspiração desse diploma é, sem dúvida, o bem de família
tradicional, de nosso Código Civil. Entretanto, perante essa lei de ordem
pública, deixa de ter maior utilidade prática o bem de família voluntário,
por nós já referido como de pouco alcance prático. Estando agora, por
força de lei, isento de penhora o imóvel residencial que serve de moradia,
não há necessidade de o titular do imóvel se valer do custoso
procedimento para estabelecer o bem de família. Os efeitos a partir da lei
são automáticos. Como percebemos, a Lei no 8.009/90 amplia o alcance
da impenhorabilidade desses imóveis, não impondo as restrições do art.
70 do Código Civil de 1916.
A impenhorabilidade não implica inalienabilidade. O titular do imóvel não
perde a disponibilidade do bem. Isso também ocorre no bem de família
tradicional.
A divagação agora gira em torno da inspiração sociológica e
histórica dessa lei. Pacífico é que se trata de diploma de ordem pública.
Embora regulando relações privadas, tem reflexos fundamentais no
processo executório, de direito público, portanto. Não se trata, porém, de
simples norma processual, como não o é o bem de família no Código
Civil.
Em um primeiro enfoque, parece que a lei incentiva o calote e
a fraude. De fato, permite-se que com facilidade suas disposições sejam
utilizadas fraudulentamente. A nosso ver, porém, existe outro efeito que
não pode ser desconsiderado. Haverá, sem dúvida, maiores dificuldades
de obtenção de crédito por todos aqueles que nada mais possuem, que
não um imóvel residencial. Nesse aspecto, não podemos deixar de
concluir que se trata de lei de visão estreita. Muitas relações negociais
foram assim prejudicadas.
Por outro lado, positivamente, nota-se que a lei procurou
proteger a família do devedor,
"garantindo as condições mínimas de sobrevivência digna, a salvo das
execuções por dívidas, avolumadas, em grande parte, não pela
voracidade consumista do devedor, mas pelos tormentos e desacertos de
uma economia cronicamente conturbada como é a do nosso país"
(Czajkowski, 1992:16).
Há igualmente certa dúvida na sinceridade de propósitos
sociais da lei, que não distingue a moradia humilde e tosca do palacete
luxuoso e ostentativo.
De qualquer forma, a jurisprudência já se encarregou de
afastar sua inconstitucionalidade, de fato inexistente, defendida a
princípio por alguns juristas.
Também, terá apenas valor histórico a polêmica causada
pela suspensão das execuções em curso e o canhestro "cancelamento"
destas, por força da Medida Provisória no 143 e do art. 6o da lei. Os
termos da lei são equivocados e apenas acrescentamos que, de plano,
nos mostramos, no passado, contrários à aplicação imediata da
impenhorabilidade aos processos em curso.
۩.
Objeto e Valor do Bem de Família
De acordo com o art. 70 do Código de 1916, o objeto do
instituto é prédio destinado ao domicílio da família, não se distinguindo
prédio urbano ou rural.
O art. 1o da Lei no 8.009/90 refere-se ao imóvel residencial,
evitando falar em domicílio, conceitos jurídicos nem sempre coincidentes
(ver Capítulo 11). Também na dicção da lei nova, o conceito é aplicado
tanto ao imóvel urbano como ao rural (art. 1.712). Há amplitude maior no
estatuto de 2002, pois permite que a instituição, tendo como objeto bem
urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, abranja também
valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e
no sustento da família. O acréscimo é justo e visa fortalecer o instituto.
Acrescenta, porém, o art. 1.713, que o valor desses bens
mobiliários não poderá exceder o valor do prédio, à época da instituição.
Nem sempre será aceitável uma avaliação tida como justa nesse sentido,
o que pode dar margem a fraudes. Ainda, nesse mesmo artigo encontrase dispositivo no § 3o que permite ao instituidor determinar que a
administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição
financeira, bem como a forma de atribuição de benefícios. Haverá,
certamente, necessidade de intervenção judicial quando surgir essa
complexidade.
O Decreto-lei no 3.200/41 ampliara o âmbito do bem de
família, permitindo não só que o imóvel rural pudesse ser objeto do
instituto, como também autorizou a inclusão na destinação da mobília,
utensílios de uso doméstico, gado e instrumentos de trabalho, descritos
expressamente no ato constitutivo.
Atualmente, carecendo de interesse prático a instituição
voluntária do bem de família, suas disposições legais devem servir de
adminículo para a interpretação da Lei no 8.009/90, omissa em muitos
aspectos.
A nova lei, no tocante ao imóvel rural, restringe a
impenhorabilidade à sede de moradia, com os respectivos bens móveis,
e, nos casos do art. 5o, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada
como pequena propriedade rural (art. 4o, § 2o). O dispositivo
constitucional referido diz respeito à pequena propriedade rural,
mandando que a lei ordinária defina.
Por outro lado, como visto na redação do parágrafo único do
art. 1o da referida lei, também são excluídos de penhorabilidade as
plantações, benfeitorias e equipamentos de uso profissional e móveis que
guarnecem a casa, desde que quitados. O art. 2o exclui veículos de
transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
Nos princípios do Código Civil, o bem urbano ou rural não
tem restrições quanto à extensão, desde que sirva de residência para a
família.
O Código de 1916 não fixara teto para o valor do imóvel. Leis
posteriores encarregaram-se de fazê-lo, desestimulando ainda mais sua
instituição. O bem de família agora por força de lei não possui limite de
valor.
O art. 19 do Decreto-lei 3.200/41, com a redação da Lei no
5.653/71, elevou o teto para 500 vezes o maior salário mínimo do país. A
fixação de valor máximo reduz bastante o alcance da proteção procurada
pela lei. A ausência de qualquer critério de valor, por outro lado, também
é inconveniente, porque abre válvulas à fraude. A Lei no 6.742, de 5-1279, eliminou qualquer limite de valor para o bem de família, desde que o
imóvel seja residência dos interessados por mais de dois anos.
Afigura-se inconveniente a prefixação de valor. Melhor que
seja fixada uma porcentagem sobre o patrimônio líquido da família, como
pretendeu o atual Código, o qual, no entanto, limitou a um terço do
patrimônio líquido existente ao tempo da instituição (art. 1.711).
A nova roupagem do bem de família entre nós irá demonstrar
sua conveniência ou não. É inconveniente a oneração de todo o
patrimônio do interessado. É desvantajoso para a sociedade e para o
próprio instituidor a oneração de seu único imóvel, porque isso dificultará
sua vida negocial: não poderá contrair empréstimos de vulto, pois as
instituições financeiras pedirão outras garantias. Cremos que tal crítica
está doravante mais ainda apropriada.
A seguir, analisaremos os aspectos do bem de família no
Código Civil de 1916, em cotejo com o atual bem de família legal, ainda
lembrando que o desuso do primeiro será mais acentuado. Na parte final
deste capítulo, examinaremos o bem de família à luz do atual Código.
۩.
Legitimação para a Instituição e Destinação do
Bem
O art. 70 do Código de 1916 permitia que os chefes de
família instituíssem o bem.
De acordo com o art. 233, chefe de família era o marido. A
Constituição Federal de 1988 já não permite esse entendimento. Na falta
deste, embora a lei não o diga, a prerrogativa passa para a mulher. É
esse o espírito da lei, pelo que se inferia dos arts. 251, 380 e 466.
Também era preciso admitir titularidade à mulher no caso de ausência do
marido. A mulher, ao assumir a direção do lar, deveria ter o poder de
instituir o bem, pois, de acordo com o art. 251, IV, podia até alienar os
imóveis do casal, com autorização judicial. No entanto, perante a
igualdade de direitos dos cônjuges atribuída pela Constituição havia,
destarte, que se atribuir legitimidade a ambos os cônjuges para a
instituição. Esse é o sentido do novo Código também.
Na origem do Código antigo, as pessoas solteiras, por
conseguinte, ainda que vivessem em concubinato duradouro, não podiam
instituir bem de família, assim como não tinham esse direito os tutores e
curadores em benefício dos pupilos. Modernamente, há que se admitir
que a instituição do bem de família dirige-se à entidade familiar, ainda
que monoparental, como garante a Constituição.
Não pode também instituí-lo o avô, pois com o casamento é
criada uma nova família. É essa a intenção da lei.
Desse modo, um terceiro não pode instituir o bem de família.
O atual Código Civil autoriza terceiro a fazer tal instituição, por
testamento ou doação, com aceitação expressa dos cônjuges
beneficiados (art. 1.711, parágrafo único). Nesse caso, como terceiro, o
avô pode fazer a instituição, desde que o faça com os próprios bens.
Note que a instituição só pode ocorrer se não prejudicar
credores existentes à época do ato. Daí por que o bem de família só
pode ser criado por quem seja solvente, isto é, quando a instituição não
fraudar o direito dos credores, quando sobrar bens suficientes para pagar
as dívidas existentes na época. Por dívidas posteriores, pois, não
responde o bem separado.
Pergunta-se: a família de fato pode ser beneficiada com a
instituição? Hoje, a orientação constitucional não admite dúvida. Mesmo
no sistema anterior, não tendo a lei feito distinção, havendo filhos na
família ilegítima ou não unida pelo casamento, era concebível a
instituição. Aliás, a nova terminologia a ser adotada é entidade familiar e
união estável, repelindo-se a referência à ilegitimidade da família.
A atual Constituição reafirmou esse entendimento,
independentemente de prole. A Lei no 8.009 não faz distinção entre
família legítima e ilegítima, e fala em "entidade familiar".
۩.
Requisitos
O primeiro requisito é a instituição ser feita pelo chefe da
família, com a observação feita supra. Modernamente, há uma extensão
de legitimidade aos cônjuges ou companheiros.
Em segundo lugar, o prédio deve ser de propriedade dos
cônjuges ou companheiros conviventes, exclusivamente. Se o bem
pertencer somente a um deles, no regime de separação ou de comunhão
de aqüestos, nada impede que ele ou ela ofereça o bem para que seja
atingida a finalidade da lei.
Em terceiro lugar, não pode haver dívidas suficientes para
prejudicar os credores. São dívidas anteriores ao ato instituidor que
prejudicam o instituto (art. 1.715). As dívidas posteriores não atingem a
garantia, aliás é essa a finalidade da instituição. O sistema do Código de
1916 permitia a instituição somente por escritura pública (art. 73),
enquanto o novo Código autoriza também por testamento (art. 1.711).
Questão relevante é saber se um prédio onerado com
hipoteca pode ser objeto do instituto. Maior importância tem ainda diante
da difusão do antigo Sistema Financeiro de Habitação. Em que pesem
opiniões contrárias, entendemos que nada impede que, nesse caso, seja
instituído o bem, pois a hipoteca anterior ficará por ele resguardada e
garantida. A garantia do bem de família só fica a salvo das dívidas
posteriores e pode a execução hipotecária recair sobre ele por
interpretação do parágrafo único do art. 71. Contudo, tratando-se de
hipoteca, é dispensada qualquer prova de solvência ou insolvência do
instituidor, porque o próprio prédio está garantindo a dívida.
Em quarto lugar, o prédio deve ser destinado efetivamente ao
domicílio da família. O instituto não foi criado nem para dar garantia real à
família, nem para fornecer alimentos, mas exclusivamente para garantir a
moradia. Se for alterado o destino, perde eficácia a instituição, devendo
ser desconsiderada pelos devedores. Isto se aplica também ao bem de
família legal.
Em quinto lugar, de acordo com o art. 72 (novo, art. 1.717), o
prédio não poderá ser alienado sem o consentimento dos interessados e
de seus representantes legais. O dispositivo não está bem redigido. Para
se conseguir autorização dos menores à liberação do bem há
necessidade de intervenção judicial. Dificilmente, na prática, tal
autorização é concedida, pois o pater familias precisa provar a
necessidade da alienação e que os menores continuarão garantidos até
a maioridade. Contudo, só o caso concreto poderá dar a solução. Pode
ocorrer que a família mude de domicílio e queira transferir a instituição
para outro bem; isto é possível, atendendo-se aos requisitos gerais aqui
expostos.
O art. 1.714 do atual Código acentua que o bem de família
constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis. Antes do
registro, portanto, não há eficácia erga omnes.
۩. Inalienabilidade e Impenhorabilidade do Bem de
Família. Aplicação na Lei no 8.009
Na forma do art. 1.717, o bem de família é declarado
inalienável. Tal inalienabilidade é feita em benefício da família para
proporcionar-lhe abrigo seguro e duradouro.
É preciso entender, contudo, que essa inalienabilidade é tãosó acidental; pode ser removida, desde que haja aquiescência dos
interessados. Estes, quando incapazes, devem ser representados por
curador especial, pois há conflito fundamental com os representantes.
Característica fundamental é a impenhorabilidade. É este o
próprio cerne do instituto, como dizia o art. 70, deixando o bem "isento de
execução por dívida", salvo as provenientes de impostos relativos ao
mesmo prédio.
A primeira exceção à impenhorabilidade é justamente a de
débitos tributários relativos ao imóvel.
Não prevalece também a impenhorabilidade no caso de
fraude contra credores ou em detrimento de débito anterior. Por isso
dispunha o art. 71 que, para o exercício da faculdade de instituição, é
necessário que os instituidores no ato não tenham dívidas cujo
pagamento possa ser prejudicado.
Não é anulada, no entanto, a instituição quando aparece
dívida anterior e é provado que àquela época o instituidor não era
insolvente. Se a insolvência é posterior, em nada prejudica o bem de
família.
No bem de família legal da Lei no 8.009/90, o art. 3o trata das
exceções à impenhorabilidade:
"I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria
residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento
destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e
acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III - pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como
garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para
execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização
ou perdimento de bens."
A vigente Lei do Inquilinato (no 8.245/91) incluiu mais uma
exceção ao art. 3o: "VII - por obrigação decorrente de fiança concedida
em contrato de locação."
O legislador do inquilinato apercebeu-se que a aplicação da
impenhorabilidade dificultaria a obtenção de fiadores na locação.
O art. 2o da lei do bem de família legal, como já referimos,
exclui também da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de
arte e adornos suntuosos.
O locatário também foi lembrado no bem de família legal, pois
"no caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens
móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de
propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo" (parágrafo
único do art. 2o).
O art. 4o procura evitar a fraude dispondo: "Não se
beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se insolvente,
adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar,
desfazendo-se ou não da moradia antiga.
§ 1o Neste caso poderá o juiz, na respectiva ação do credor,
transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anularlhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso,
conforme a hipótese."
A redação é ruim. Não se trata de o juiz "transferir" o vínculo,
mas de considerá-lo ineficaz em benefício do credor, nos próprios autos
da execução, para coibir a fraude. A lei nada diz acerca de terceiros de
boa-fé. Poderá, contudo, ocorrer fraude contra credores ou fraude de
execução, quando então será caso de aplicar a anulação dentro dos
princípios desses institutos.
۩. Duração
De acordo com o parágrafo único do art. 70 do Código antigo,
o benefício duraria "enquanto viverem os cônjuges e até que os filhos
completem sua maioridade". Aí o instituto terá atingido sua finalidade.
Dizíamos, sob a égide do estatuto anterior, contra a opinião
de alguns, que permanecia o bem vinculado no caso de existência de
filhos interditos que se equiparam aos menores. O atual Código foi, como
se nota, expresso nesse aspecto.
O benefício, ainda, pode ser extinto voluntariamente. É
decorrência lógica da natureza do instituto. A questão é da conveniência
da família. Pode acontecer de a instituição ter ocorrido em circunstâncias
de uma época na vida da família que não mais perduram. Os
interessados são os juízes dessa conveniência e haverá autorização
judicial para tal; se existirem incapazes, deve ser-lhes nomeado curador
especial, com participação do Ministério Público, em qualquer caso.
Se o prédio deixar de servir como domicílio da família, haverá
a extinção do benefício, por requerimento de qualquer interessado.
A propósito, dizia o art. 21 do Decreto-lei no 3.200/41: "Art
21. A cláusula de bem de família somente será eliminada, por mandado
do juiz, e a requerimento do instituidor, ou, nos casos do art. 20, de
qualquer interessado, se o prédio deixar de ser domicílio da família, ou
por motivo relevante plenamente comprovado.
§ 1o Sempre que possível, o juiz determinará que a cláusula
recaia em outro prédio, em que a família estabeleça domicílio.
§ 2o Eliminada a cláusula, caso se tenha verificado uma das
hipóteses do art. 20, entrará o prédio logo em inventário para ser
partilhado."
No bem de família legal, a instituição independe de qualquer
formalidade.
Portanto, por morte de um dos cônjuges o bem não irá a
inventário, mas se o cônjuge sobrevivente dele se mudar e não ficar
residindo algum filho menor, a cláusula será eliminada e o imóvel será
partilhado.
O art. 1.721 do Código de 2002 exprime que a dissolução da
sociedade conjugal não extingue o bem de família, mas, dissolvido o
matrimônio pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir
a extinção do bem de família se for o único bem do casal.
O credor terceiro, como interessado, pode requerer a
ineficácia do vínculo caso o seja anterior a sua constituição (art. 71 e
parágrafo único do Código Civil de 1916), ou no caso de provar que o
imóvel já não sirva para o domicílio da família. É preciso entender,
contudo, que nesses casos não há necessidade de que o credor promova
o cancelamento do vínculo, mas que simplesmente se "desconsidere"
sua existência em eventual execução e penhora. Trata-se de ineficácia
com relação a esse interessado.
Os interessados podem também provar judicialmente a
impossibilidade de manutenção da instituição, nas condições em que foi
constituído (art. 1.719). Nessa hipótese, o juiz poderá extingui-lo ou
autorizar a subrogação dos bens instituídos em outros, ouvindo sempre o
instituidor e o Ministério Público. Assim, pode ocorrer que o imóvel e os
bens móveis acessórios que o secundam se tornem excessivos ou
insuficientes para a família, necessitando esta de outro prédio ou de
outros investimentos garantidores. A necessidade será apurada no caso
concreto.
۩.
Processo de Constituição
O procedimento para a constituição do bem de família vem
estatuído nos arts. 260 a 265 da Lei no 6.015/73 (Lei dos Registros
Públicos).
A instituição deverá ser feita por escritura pública (art. 260). A
instituição por testamento, do novo Código, deve ser regulamentada. A
escritura do imóvel será apresentada ao oficial do registro para a
inscrição, a fim de que seja publicada na imprensa local (art. 261) ou, em
sua falta, na da Capital do Estado ou do Território. A finalidade da
publicidade é dar conhecimento a eventuais credores que tenham motivo
para se oporem à constituição.
Não havendo razão para dúvida, a publicação será feita de
acordo com o art. 262, da qual constará:
"I - O resumo da escritura, nome, naturalidade e profissão do
instituidor, data do instrumento e nome do tabelião que o fez, situação e
característicos do prédio;
II - o aviso de que, se alguém se julgar prejudicado, deverá,
dentro em 30 (trinta) dias, contados da data da publicação, reclamar
contra a instituição, por escrito e perante o oficial."
Não havendo determinação expressa da lei, a publicação
será feita uma única vez pela imprensa.
Findo o prazo de 30 dias, sem qualquer reclamação (art.
263), o oficial transcreverá a escritura integralmente e fará a matrícula,
arquivando um exemplar do jornal da publicação e restituindo o
instrumento ao apresentante, com a nota da inscrição.
No caso de ser apresentada reclamação (art. 264), o oficial
fornecerá cópia ao instituidor e lhe restituirá a escritura, com a declaração
de haver sido suspenso o registro, cancelada a prenotação.
Nessa hipótese, o instituidor poderá insistir no registro,
requerendo ao juiz competente que o determine sem embargo da
reclamação (art. 264, § 1o). Caso o juiz estabeleça que se proceda ao
registro nessas circunstâncias, ressalvará ao reclamante o direito de
recorrer à ação competente para anular a instituição ou promover
execução sobre o prédio instituído, se se tratar de dívida anterior.
Trata-se de fase administrativa. Ainda que seja determinado
o registro, resta sempre ao prejudicado o direito de invalidar a instituição
ou "desconsiderá-la", na via judicial própria.
Se o juiz indeferir o registro, pode também o instituidor
recorrer à via judiciária, a contrario sensu.
Em qualquer caso, nessa fase administrativa, "o despacho do
juiz será irrecorrível e, se deferir o pedido, será transcrito integralmente,
juntamente com o instrumento" (art. 264, § 3o).
Nessa fase administrativa, o conhecimento do juiz é
incompleto, não há coisa julgada, daí por que se pode sempre recorrer às
vias ordinárias, podendo fazê-lo, de acordo com as circunstâncias, quer o
instituidor, quer o prejudicado com a instituição. Não é necessário, para
invalidar a instituição, que o prejudicado tenha apresentado reclamação
na fase administrativa. É claro que, se o tiver feito, terá situação melhor
no processo, mas não é requisito de procedibilidade.
Complementa o art. 265 da Lei dos Registros Públicos:
"Quando o bem de família for instituído juntamente com a transmissão da
propriedade (Decreto-lei no 3.200, de 14 de abril de 1941, art. 8o, § 5o), a
inscrição far-se-á imediatamente após o registro da transmissão, ou, se
for o caso, com a matrícula."
Trata-se da hipótese em que o instituidor adquire o imóvel e
já no mesmo ato institui o bem de família.
۩.
O Bem de Família no Atual Código Civil
Os arts. 70 ss do Código Civil antigo abriam importante
exceção à regra de que ninguém pode, como proprietário, tornar seus
próprios bens impenhoráveis, porque o princípio geral é de que o
patrimônio do devedor deve garantir suas dívidas. No caso, porém, o
legislador desejou cercar a família de garantias para um teto, um local
permanente onde morar, a salvo das intempéries financeiras do pater,
colocando o bem a salvo dos credores.
Nas edições anteriores desta obra, dizíamos que o
recrudescimento das dificuldades econômicas que afligiram e afligem o
país aconselhava que a instituição do bem de família fosse mais utilizada.
A Lei no 8.009/90, com todas as suas falhas, foi
evidentemente muito mais avançada, fazendo com que a
impenhorabilidade do imóvel de moradia decorra imperativamente da lei,
independendo da vontade do titular do direito. O tempo de sua vigência já
demonstra que a lei foi incorporada ao mundo negocial e ao espírito da
sociedade. Como visto, essa lei, que institui o bem de família por
imperativo legal, desestimula e suprime utilidade para a instituição
voluntária, custosa e procedimental.
Como dissemos, o atual Código disciplina o instituto dentro
do direito de família. Mantida a base estrutural, há novos pressupostos na
atual lei.
O art. 1.711, como apontamos, faculta a ambos os cônjuges
ou à entidade familiar a legitimidade para a instituição. Nesse mesmo
dispositivo, abre-se a possibilidade de o testamento instituir o bem de
família. Uma vez instituído por testamento, a lei registrária deve ser
alterada para admitir esse procedimento, cabendo às Corregedorias,
enquanto isso não ocorrer, possibilitar o que a lei material permite. Como
aponta Álvaro Villaça Azevedo, a instituição por testamento trará
dificuldades, mormente porque seus efeitos ocorrem apenas após a
morte, quando então será avaliado o patrimônio, sujeito também aos
credores do espólio. Melhor que se mantivesse unicamente a
possibilidade por escritura pública pelos cônjuges, a qualquer momento
(1999:226).
A administração do bem compete a ambos os cônjuges, salvo
disposição em contrário no ato de instituição, resolvendo o juiz em caso
de divergência (art. 1.720). Esse mesmo dispositivo, no parágrafo único,
indica o filho mais velho para prosseguir na administração, se for maior,
ou, no caso, seu tutor, com o falecimento de ambos os consortes. Poderá
não ser a solução mais conveniente para o caso concreto, decidindo o
juiz, conforme a situação. Não sendo oportuno e conveniente que o filho
mais velho seja o administrador, caberá ao juiz verificar, dentre os
membros da família, preferentemente residentes no local, qual o que
possui melhores condições para a função.
A dissolução da sociedade conjugal não extingue,
obviamente, o bem de família (art. 1.721). Há que se ver qual dos
cônjuges permanecerá no imóvel, o qual poderá, inclusive,
excepcionalmente, ficar na posse direta unicamente dos filhos. Se a
sociedade conjugal for dissolvida pela morte de um dos cônjuges, facultase ao sobrevivente pedir a extinção do bem de família, se for o único bem
do casal (art. 1.721, parágrafo único). Esta última disposição não é
conveniente, pois poderá prejudicar os filhos menores (Azevedo,
1999:227).
Se, por um lado, no art. 1.712 há a especificação de que o
bem de família constituir-se-á de um prédio residencial urbano ou rural,
com suas pertenças e acessórios, por outro, o art. 1.711 limita o valor da
instituição a um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da
instituição. A lei que ordena os registros públicos deverá também
disciplinar essa prova do valor do bem. Apresentada a documentação ao
registro, havendo dúvida quanto ao limite imposto na lei, poderá o
cartorário submeter a questão a juízo. Não se suprime a possibilidade de
qualquer interessado insurgir-se contra a instituição, a qual, em qualquer
caso, não pode prejudicar as dívidas do instituidor até então existentes.
O parágrafo único do art. 1.711 permite que terceiro institua o
bem de família, por testamento ou doação, dependendo, da eficácia do
ato, da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da
entidade familiar beneficiada. Essa aceitação pode ocorrer no mesmo
instrumento de doação ou posteriormente, mormente quando se tratar de
instituição por testamento. O terceiro não está sujeito ao limite de um
terço do patrimônio.
Ao estipular que o benefício deve consistir de prédio urbano
ou rural, destinado ao domicílio da família, o art. 1.712 inova e esclarece
dúvida da doutrina no passado, autorizando que as pertenças e os
acessórios integrem a instituição, podendo também abranger valores
mobiliários, "cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no
sustento da família". O atual diploma encara o bem de família em seu
sentido global e social: de nada adianta para a família ter seu prédio
residencial imune a execuções se não há possibilidade de mantê-lo e de
manter ali os integrantes da família.
Nesse sentido, permite o Código de 2002 que o instituidor
destine recursos para essa manutenção que poderá consistir em
aplicações financeiras, alugueres etc. A maior dificuldade será isentar
esses recursos das execuções por parte de terceiros. O art. 1.713 dispõe
que os valores mobiliários desse jaez não poderão exceder o valor do
prédio instituído, à época da instituição. O texto não é muito claro e pode
dar a idéia que outro um terço do patrimônio atual possa ser destacado
para o bem de família, o que, em síntese, poderia somar 2/3 do
patrimônio e contrariar o art. 1.711.
Parece a melhor interpretação ser no sentido de que o prédio,
suas pertenças e acessórios e os bens afetados para sua manutenção e
sustento da família deverão, no total, limitar-se a um terço do patrimônio
líquido atual do instituidor. No entanto, se a interpretação sistemática é
essa, a interpretação gramatical não propende nesse sentido.
O art. 1.713 esclarece que os valores mobiliários afetados ao
bem de família deverão ser devidamente individualizados no instrumento
de instituição (art. 1.713, § 1o). Se forem títulos nominativos, a instituição
deverá constar dos respectivos registros (art. 1.713, § 2o). O instituidor
poderá determinar que a administração dos bens mobiliários seja
confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de
pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a
responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato
de depósito (art. 1.713).
A figura do administrador, nesse caso, mais se aproxima do
contrato de fidúcia do que do de depósito. A lei reporta-se ao depósito
certamente para conceder maior rigor na apuração da conduta do
administrador.
O art. 1.714 dispõe que, em sendo a instituição formalizada
pelos cônjuges ou por terceiros, constituir-se-á pelo registro do título no
Registro de Imóveis. Se constituída por terceiros, será feita a transcrição.
Esta última solução deverá ser adotada, como regra geral, quando se
tratar de entidade familiar.
Atendendo ao princípio geral do instituto, o bem de família é
isento de execução pelas dívidas posteriores a sua constituição, salvo as
que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de
condomínio (art. 1.715). A regra é similar aos bens gravados com a
cláusula de inalienabilidade. Esclarece o parágrafo único desse artigo
que, na execução dessas dívidas afeitas ao próprio prédio, o saldo
remanescente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou
em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos
relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz. O interesse a
ser visto pelo magistrado, nesse caso, é o da entidade familiar: poderá
não ser a solução mais conveniente a aplicação do saldo eventualmente
remanescente em títulos da dívida pública.
Em paralelo ao disposto no Código anterior, a isenção que
beneficia o prédio e seus acessórios durará enquanto viver um dos
cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade.
Deve existir um alargamento nessa interpretação: se há filhos que não
atingem a plena capacidade civil porque lhes falta o devido
discernimento, ou por desenvolvimento mental incompleto, continuando
incapazes, permanecerá o benefício, pois esse é o intuito da lei, a qual
aliás é expressa no art. 1.722.
A alienação do prédio e respectivos valores mobiliários não
poderão ter destino diverso, somente sendo utilizados para domicílio
familiar e somente podendo ser alienados com o consentimento dos
interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.
Trata-se da extinção voluntária do bem de família descrita no art. 1.717.
Caberá ao juiz, em síntese, a palavra final sobre a extinção.
Outra situação que pode apresentar-se, como vimos, é a
impossibilidade de o bem continuar a servir como bem de família,
qualquer que seja a causa. Nessa hipótese, poderá o juiz, a requerimento
dos interessados, extingui-lo ou autorizar sua sub-rogação em outros
bens, ouvidos o instituidor e Ministério Público (art. 1.719). No projeto que
já se apresenta para alterar o atual Código (no 6.960/2002), nesse
dispositivo pode ser autorizada também a alienação do bem, dependendo
da prova de oportunidade e conveniência.
O bem de família extingue-se também pelo término de seu
destino natural, com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos
filhos, desde que não sujeitos à curatela (art. 1.722).
Importante é a disposição do art. 1.718. Qualquer forma de
liquidação das entidades administradoras dos valores mobiliários não
deverá atingir os valores a ela confiados, devendo o juiz ordenar sua
transferência para outra instituição semelhante. Na falência, possibilita-se
o pedido de restituição. Como vimos, a responsabilidade da instituição é
a do depositário.
Embora muito bem detalhado o bem de família no presente
Código, e por isso mesmo de complexa efetivação, tudo é no sentido de
que continuará com pouca utilização, em face do bem de família legal da
Lei no 8.009.
۩. Observações gerais
1 "Processual Civil. (Art. 496, VIII, CPC; art. 266, RISTJ).
Bem de Família. Impenhorabilidade. Lei 8.009/90. 1. A impenhorabilidade
proclamada pela Lei 8.009/90 objetiva proteger bens patrimoniais
familiares essenciais à habitação condigna. Essa inspiradora proteção
social, com origem no homested, instituto americano (EUA), objetivando
manter as guarnições da casa, protegendo o devedor das agruras de
viver sem o mínimo de condições de comodidade. 2. Excluídos os
veículos de transporte, objetos de arte e suntuosos, o 'favor compreende
o que usualmente se mantém em uma residência e não apenas o
indispensável para fazê-la habitável. Devem, pois, em regra, ser
reputados insusceptíveis de penhora aparelhos de televisão e de som'
(REsp 136.678/SP - Rel. Min. Eduardo Ribeiro). 3. Jurisprudência
uniformizadora da Corte Especial (102.000/SP - Rel. Min. Humberto
Gomes de Barros). 4. Embargos rejeitados" (STJ - Acórdão ERESP
110436/SP (199700337154), ERESP 340869, 6-12-99, 1a Seção - Rel.
Min. Milton Luiz Pereira).
"Bem de família. Lei no 8.009/90. Art. 70 do Código Civil.
Precedentes da Corte. 1. Permanece como bem de família, insuscetível
de penhora, o imóvel residencial assim afetado na forma do art. 70 do
Código Civil, sendo ínsita a cláusula da isenção na escritura para tal fim.
2. Recurso especial não conhecido" (STF - Acórdão REsp 250.028/RJ
(200000210595), RE 376381. 19-9-2000, 3a Turma - Rel. Min. Carlos
Alberto Meneses Direito).
"Processual Civil. Bem de Família. Impenhorabilidade. Lei no
8.009/90.
1. A impenhorabilidade proclamada pela Lei 8.009/90 objetiva
proteger bens patrimoniais familiares essenciais à habitabilidade
condigna. Essa inspiradora proteção social, com origem no homestead
(EUA), objetiva manter as guarnições da casa, protegendo o devedor das
agruras de viver sem o mínimo de condições de comodidade.
2. Excluídos os veículos de transporte, objetos de arte e
suntuosos, o 'favor compreende o que usualmente se mantém em uma
residência e não apenas o indispensável para fazê-la habitável. Devem,
pois, em regra, ser reputados insusceptíveis de penhora aparelhos de
televisão e de som'. (REsp. 136.678/SP - Rel. Min. Eduardo Ribeiro).
3. Jurisprudência uniformizadora da Corte Especial (102.000SP - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros). 4. Recurso não provido"
(STJ - Acórdão RESP 123673/SP (199700181464) RE 372720, 17-82000, 1a Turma - Rel. Min. Luiz Pereira).
"Penhora - Bem de Família. Incidência sobre imóvel com
finalidade comercial e residencial. Ausência de outros bens penhoráveis.
Hipótese em que, diante da indivisibilidade do bem, deve prevalecer a
norma de ordem pública que ressalva a residência familiar. Constrição
inadmissível. Recurso provido" (1o TACSP - AI 1.020.261-0, 9-8-2001,
11a Câmara - Rel. Juiz Vasconcellos Boselli).
2 - "Constitucional. Bem de família. Imóvel residencial do
casal ou de entidade familiar: Impenhorabilidade. Lei no 8.009, de 29-390, artigo 1o. Penhora anterior à lei 8.009, de 29-3-90: Aplicabilidade. I Aplicabilidade da Lei 8.009, de 29-3-90, às execuções pendentes:
inocorrência de ofensa a ato jurídico perfeito ou a direito adquirido. C. F.,
art. 5o, XXXVI. II - Agravo não provido" (STF - ARAI 159292, 28-6-96,
Tribunal Pleno - Rel. Min. Carlos Velloso).
3 "Processo civil - Execução - Penhora. Único imóvel
residencial pertencente a executada. Benefício da Lei no 8.009/90. O
imóvel residencial próprio do casal é impenhorável. Demonstrado que o
bem tem finalidade residencial e que a executada não possui outro, até
porque reside em apartamento alugado - pela avançada idade e por
medida de segurança - merece a proteção da Lei que dispõe sobre a
impenhorabilidade" (STJ - Resp. 76212/AL (9500503492), 2a T., Rel. Min.
Hélio Mosimann, 15-4-96).
4 - "Processual civil - Embargos à execução Impenhorabilidade dos bens móveis e utensílios que guarnecem a
residência, incluindo computador e impressora - Precedentes - Piano
considerado, in casu, adorno suntuoso (art. 2o, da Lei no 8.009/90).
I - A Lei no 8.009/90 fez impenhoráveis, além do imóvel
residencial próprio da entidade familiar, os equipamentos e móveis que o
guarneçam, excluindo veículos de transporte, objetos de arte e adornos
suntuosos. O favor compreende o que usualmente se mantém em uma
residência e não apenas o indispensável para fazê-la habitável. Devem,
pois, em regra, ser reputados insusceptíveis de penhora aparelho de
televisão e de som, microondas e vídeo-cassete, bem como o
computador e a impressora, que hoje em dia, são largamente adquiridos
como veículos de informação, trabalho, pesquisa e lazer.
I - Quanto ao piano, não há nos autos qualquer elemento a
indicar que o instrumento musical seja utilizado pelo Recorrente como
meio de aprendizagem, como atividade profissional ou que seja ele bem
de valor sentimental, devendo ser considerado, portanto, adorno
suntuoso. Incidência do disposto no artigo 2o da Lei no 8.009/90.
III - Recurso conhecido em parte, e nessa parte, provido"
(STJ - Acórdão REsp 198370/MG (199800918914), RE 380096, 16-112000, 3a Turma - Rel. Min. Waldemar Zveiter).
"Bens - Família - Televisão - Impenhorabilidade - Exclusão
apenas dos objetos elencados no artigo 2o da Lei no 8.009/90 - Aparelho
que não pode ser considerado como supérfluo se vindo como fonte de
lazer e informação - Recurso não provido. O televisor não pode ser
considerado objeto de luxo, guarnecendo qualquer residência de classe
média, inserindo-se no rol dos impenhoráveis (artigo 1o, parágrafo único,
da Lei no 8.009/90). Efetivamente, o lazer se inclui entre as necessidades
básicas dos indivíduos, destinando-se aquele aparelho a essa finalidade
e bem assim servindo como fonte de informação e de instrução" (TJSP AI 27.318-5, 23-10-96, 8a Câmara de Direito Público - Rel. Celso
Bonilha).
5 - "Penhora - Embargos de terceiro - Bem de família - Lei no
8.009/90 - Incidência somente sobre as dívidas contraídas após a sua
edição - Hipótese em que não pode prevalecer a impenhorabilidade em
detrimento de débito anterior - Embargos de terceiro improcedentes Recurso improvido - Execução hipotecária - Penhora - Exclusão de
impenhorabilidade dos bens de família nos casos de execução de
hipoteca sobre o imóvel oferecido em garantia real pelo casal ou entidade
familiar - Art. 3o, V, Lei no 8.009/90 - Existência de averbação da cédula
de crédito industrial no registro de imóveis - Configuração da garantia
sobre o imóvel objeto da constrição - Embargos de terceiro
improcedentes - Recurso improvido. Cambial - Aval - Descaracterização
de ato de mera liberalidade por se tratar de dívida que resulta de
financiamento concedido a uma empresa pertencente ao avalista Necessidade de se ilidir a presunção de que a obrigação beneficia a
família - Inexistência de prova nesse sentido - Embargos de terceiro
improcedentes - Recurso improvido" (1o TACSP - Apelação Cível
584889-3/00, 5a Câmara, Rel. Torres Júnior, 15-2-95).
6 - "Civil - Imóvel - Impenhorabilidade - A Lei no 8.009/90,
precisa ser interpretada consoante o sentido social do texto. Estabelece
limitação à regra draconiana de o patrimônio do devedor responder por
suas obrigações patrimoniais. O incentivo à casa própria busca proteger
as pessoas, garantindo-lhes o lugar para morar. Família, no contexto,
significa instituição social de pessoas que se agrupam, normalmente por
laços de casamento, união estável, ou descendência. Não se olvidem
ainda os ascendentes. Seja o parentesco civil, ou natural. Compreende
ainda a família substitutiva. Nessa linha, conservada a teleologia da
norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento. Também o
celibatário é digno dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que
seus descendentes hajam constituído outras famílias, e como,
normalmente acontece, passam a residir em outras casas. Data venia, a
Lei no 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário - à
pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O
sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só
essa finalidade, data venia, põe sobre a mesa a exata extensão da lei.
Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer
a insuficiente interpretação literal" (STJ - Acórdão REsp 182223/SP
(199800527648), RE 262568, 19-8-99, 6a Turma - Rel. Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro).
Em sentido contrário:
"Impenhorabilidade. Lei no 8.009, de 29-3-90. Executado solteiro que
mora sozinho. A Lei no 8.009/90 destina-se a proteger, não o devedor,
mas a sua família. Assim, a impenhorabilidade nela prevista abrange o
imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, não alcançando o
devedor solteiro, que reside solitário. Recurso especial conhecido e
provido parcialmente" (STJ - Acórdão REsp 169239/SP (199800226621),
RE 384712, 12-12-2000, 4a Turma - Rel. Min. Barros Monteiro).
"Penhora - Bem de família - Lei no 8.009/90 - Hipótese em que apenas
uma pessoa separada judicialmente reside no imóvel - Conceito de
família que deve ser entendido pelo seu caráter quantitativo - Finalidade
protetiva da lei - Impenhorabilidade reconhecida - Recurso provido em
parte para esse fim" (1o TACSP - Ap. Cível 0743606-0, 31-3-98, 6a
Câmara - Rel. Cândido Além).
7 "O único imóvel destino à moradia da família, cujo aluguel provê a
residência em outra cidade devido à transferência por necessidade de
emprego, não pode ser penhorado" (Entendimento unânime da 4a T. do
STJ, REsp. 214.142).
"Processual Civil. Civil. Recurso Especial. Bem de família. Propriedade
de mais de um imóvel. Residência - É possível considerar impenhorável o
imóvel que não é o único de propriedade da família, mas que serve de
efetiva residência - Recurso especial provido" (STJ - Acórdão REsp
435357/SP (200200600223) RE 469489, 29-11-2002, 3a Turma - Rel.
Min. Nancy Andrighi).
8 "Penhora - Incidência sobre bem de família - Instituição do bem
registrado por escritura pública posterior à dívida assumida pelo
executado - Desconsideração do disposto no art. 71 do CC Prevalecimento no caso da regra genérica do art. 591 do CPC - Validade
da constrição - Embargos do devedor improcedentes - Recurso
desprovido" (1o TACSP - Apelação Cível 419521-3/00, 4a Câmara, 14-390).
9 "Penhora - Bem de família - Impenhorabilidade - Imóvel indicado pelo
próprio executando quando nele não residia e dispunha ainda de outros Desfazimento dos outros bens a transferência de residência para o
imóvel penhorado - Inaplicabilidade do instituto bem de família na
hipótese - Lei no 8.009/90, art. 1o - 'Não se aplica a Lei 8.009/90 quando
o executado, depois de se desfazer de seu patrimônio, transfere
residência para o imóvel penhorado'" (STJ - REsp. 252824 - RJ - Rel.
Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. em 14-12-2000. Diário da Justiça 12-32001).
10 "Penhora - Impenhorabilidade - Bem de família - Antena parabólica
para recepção de imagem de TV. Descabimento da penhora. Lei no
8.009/90, art. 1o - 'O aparelho televisor, por viabilizar o fácil e gratuito
acesso a diversão, lazer, cultura, educação e, sobretudo, informação,
constitui peça há muito tempo essencial a vida familiar contemporânea, é
parte integrante da residência e, portanto, insuscetível de penhora, nos
termos do art. 1o, parágrafo único da Lei 8.009/90. Em conseqüência, se
para a captação das imagens em regiões diferentes, o usuário tem de se
valer de antena parabólica, a proteção a ela se estende, sob pena de
frustrar, na prática, o objetivo da lei'" (STJ - REsp. 161.262 - RS - Rel.
Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 24-11-1998, Diário da Justiça 5-22001).
11 "Execução por título judicial - Penhora - Incidência sobre bem de
família - Impenhorabilidade que atinge a totalidade do bem - Irrelevância
da não-oposição pela mulher de embargos em defesa de sua meação Dispensabilidade da instituição do bem em escritura pública e o seu
registro no cartório imobiliário - Indenizatória, ademais, ajuizada quando
já em vigência a Lei no 8.009/90 - Embargos do devedor procedentes Recurso desprovido" (1o TACSP - Apelação Cível 494990-5/00, 1a
Câmara, Rel. Celso Bonilha, 8-6-92).
"Bem de família - Ação de cancelamento de cláusula de instituição Imóvel alienado pelos instituidores - Pedido de cancelamento de registro
instituição bem de família formulado pelo cônjuge sobrevivente e pelos
compradores - Determinação de citação dos herdeiros do instituidor
falecido - Interesse destes, em tese, de intervir no feito - Recurso
improvido" (TJSP - AI 133.710-4, 22-11-99, 8a Câmara de Direito Privado
- Rel. César Lacerda).
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