Capítulo 13 – Infecção do Trato Urinário

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Unidade 2 -Ginecologia
Infecção do Trato Urinário
CAPÍTULO 13
InFECÇÃO DO TRATO URInáRIO
O termo “infecção urinária” refere-se ao comprometimento de qualquer
porção do trato urinário, podendo tratar-se de uma infecção alta (parênquima renal
– pielonefrite aguda ou crônica), ou, baixa (bexiga – cistite, ou, uretra – uretrite em
ambos os sexos). Há uma nítida diferença entre as afecções altas e baixas, além do
sítio anatômico logicamente, que é o curso clínico. Na ampla maioria das vezes,
o paciente com infecção do trato urinário baixo (ITUb) apresenta-se com disúria
(desconforto à micção) e polaciúria (aumento da frequência miccional), binômio
típico da cistite, de curso auto-limitado. Os pacientes com infecção do trato urinário
alto (ITUa) apresentam-se com quadro bem mais rico em sinais/sintomas, isto é,
febre alta associada a calafrios, Giordano positivo (dor à punho percussão na região
lombar) e leucocitose com desvio à esquerda. No caso da ITUa, se a paciente não
for tratada corretamente ela poderá evoluir para sepse e óbito.
1. GÊNESE DAS INfECçÕES DO TRATO URINÁRIO
Existem três vias de disseminação para os agentes etiológicos das ITU. A
via ascendente, a via hematogênica e a via linfática. A principal via de infecção do
trato urinário é a via ascendente, e, as bactérias patogênicas encontram facilidades
especiais no sexo feminino, já que as bactérias colonizadoras do intróito vaginal
e periuretral estão bastante próximas da uretra. Além disso, a uretra feminina
possui menor comprimento o que facilita a ascensão destas bactérias. (E.coli).
A via hematogênica é uma via menos importante de infecção, entretanto, assume
importância especial nos casos de sepse, condição na qual as bactérias (S.aureus;
Mycobacterium tuberculosis e Histoplasma spp.) atingem o parênquima renal.
A via linfática é demonstrada experimentalmente através de conexões linfáticas
existentes entre os ureteres e os rins.
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2. AGENTE ETIOLóGICO
» Bactérias. A Escherichia coli é o principal agente responsável pelas
ITU, perfazendo um total de 80 % de todos os casos de cistite, e, 90%
dos casos de pielonefrite aguda não complicada. Esta bactéria coloniza
a região do períneo e periuretral em 15-20% das mulheres. O S.aureus
e o Enterococcus spp. (bactérias gram +) são responsáveis por 10-15%
de todas as ITU. O Staphylococcus saprophyticus é o responsável por
10 % das cistites em mulheres jovens, particularmente nas sexualmente
ativas. Outros agentes assumem maior importância em situações
especíicas, tais como as infecções recorrentes por anormalidades
anátomo-funcionais e infecções hospitalares. Nestes casos, costumamos
ver agentes como Klebsiella spp., Proteus spp., Pseudomonas spp.,
Enterobacter spp., estailococos e enterococos. Os enterococos são
reconhecidamente resistentes aos antibióticos comumente utilizados
nas ITU. Pacientes com cateter vesical de demora com mais de trinta
dias possuem maior chance de infecção polimicrobiana (70% dos casos)
e infecção por gram negativos atípicos como a Providencia stuartii e a
Morganella morgani.
» Fungos. Pacientes diabéticas, em uso de cateter vesical permanente,
ou, em uso de antibioticoterapia de largo espectro costumam ser
acometidos por Cândida spp.
» Vírus. O adenovírus tipo II pode causar cistite hemorrágica em crianças
e pacientes transplantados de medula óssea.
3. MECANISMOS DE DEfESA DO HOSpEDEIRO
O hospedeiro costuma defender-se dos agentes externos através da urina
(pH ácido), do esvaziamento vesical (efeito de lavagem dos tecidos), válvula
vesicoureteral (barreira antireluxo), e, da microbiota vaginal (lactobacilos),
que impede a colonização e infecção do trato urinário pela E.coli. Além destes
mecanismos existem também barreiras imunológicas e físicas na mucosa do trato
urinário. A idade é um fator que compromete a ação de defesa contra a infecção
em ambos os sexos, já que aumenta a prevalência de doenças neuromusculares
(comprometimento da válvula vesicoureteral) e aumenta a manipulação do trato
urinário com cateteres. O avanço da idade também traz consigo um aumento
na prevalência de prolapso genital (comprometendo o esvaziamento vesical) e
incontinência fecal (facilita a contaminação do períneo).
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4. MANIfESTAçÕES CLÍNICAS
» Infecção do trato urinario Baixa. O binômio clássico de infecção
da bexiga é a presença de disúria associada a poliaciúria. Além destes
sintomas clássicos da cistite poderão ocorrer sensação de pressão
ou desconforto supra-púbica. A mulher deve ser questionada quanto
presença de episódios prévios de cistite, uso de diafragma, ou, de
qualquer outro dispositivo que possa ter possibilitado a ascensão de
bactérias. Deve ser realizado o exame ginecológico na procura de
descarga vaginal, como consequência de uma possível vaginite. Em
alguns casos, a vaginite pode comprometer a região periuretral e causar
uma disúria no inal do jato (ao contrário da ITU, onde a disúria é no jato
inicial). Algumas mulheres podem ter uma uretrite, ao invés da cistite,
cursando com um quadro clínico muito semelhante, entretanto, com
uma urinocultura negativa, e, a presença de piúria no sumário de urina.
Os agentes mais comuns nestes casos são a Neisseria gonorrhoeae,
a Chlamydia trachomatis, a Mycoplasma hominis e Ureaplasma
urealyticum. Deve-se investigar a possibilidade doenças sexualmente
transmissíveis no parceiro.
» Infecção do trato urinario alta. A tríade clássica da infecção do
parênquima renal é a presença de febre alta, associada a calafrios e
a dor lombar. Ocorre toxemia (queda do estado geral) e podem surgir
sintomas inespecíicos, tais como a cefaleia, anorexia, náuseas e vômitos.
Entretanto é importante termos em mente que diversas condições febris
podem simular estes achados da tríade, até mesmo uma faringite. Caso
surja uma irradiação desta dor lombar em direção a região da virilha
deveremos pensar em obstrução ureteral (geralmente por nefrolitíase).
Pacientes diabéticos, urêmicos (IRC), idosos e imunoincompetentes
podem cursar com uma pielonefrite oligossintomática, não apresentando
febre ou dor lombar. Estes pacientes podem simplesmente cursar com
uma descompensação de sua doença de base. Quando não tratada
precocemente a pielonefrite pode evoluir para sepse.
5. DIAGNóSTICO
» Exames inespecíficos: Os exames de sangue, tais como um
hemograma, não costumam estar alterados na ITUb, porém, na ITUa
frequentemente ocorre uma leucocitose com desvio à esquerda. O
sumário de urina pode ajudar no diagnóstico de ITU, contudo, não se
deve selar o diagnóstico de ITU pela mera existência de piócitos na
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análise do sedimento urinário. A piúria (visualização de mais de dez
piócitos por campo de microscopia) tem uma acurácia limitada para
o diagnóstico de ITU. Diversas outras condições diferentes de uma
pielonefrite aguda podem justiicar a eliminação de piócitos na urina,
tais como a Nefrite intersticial aguda (NIA) causada pela ingestão de
medicamentos. Além da NIA, temos outras afecções renais como a
Litíase urinária, a Síndrome nefrítica, a Glomerulonefrite aguda, e, até
mesmo condições extra-renais, como a Peritonite e Apendicite aguda.
Além da piúria, podemos encontrar no sumário de urina hematúria e
proteinúria(nunca superior a 2gr/24hs). O teste do nitrito serve para
diagnosticar ITU causadas por bactérias gram negativas produtoras de
nitrato redutase (que converte o nitrato urinário em nitrito). Este exame
possui baixa sensibilidade (35-85%), porém alta especiicidade (90%).
» Exames especíicos: A Urinocultura Quantitativa, na qual mensuramos
a quantidade de Unidades Formadoras de Colônias (UFC), é o exame
mais coniável na abordagem das ITU em geral. A urina deve ser
coletada de forma adequada a evitar possíveis contaminações com
bactérias colonizadoras da região periuretral (Gardnerella vaginalis,
Staphylococcus epidermidis, lactobacilos, difterióides, anaeróbios
gram positivos e gram negativos entéricos). Consideramos uma
bacteriúria signiicativa quando achamos mais de cem mil Unidades
Formadoras de Colônia (> 105 UFC) na urinocultura quantitativa
(em casos especiais uma contagem mais baixa também poderá ser
considerada signiicativa). A urina poderá ser coletada de três formas
distintas. A primeira opção é através de uma micção espontânea, onde
o paciente deverá higienizar adequadamente sua genitália externa
com água e sabão, posteriormente coletar a urina (jato médio) com
instrumentos estéreis, armazenando-a em coletor estéril. A urina deve
ser levada no máximo até 1 hora após a coleta (ou 6 horas após a coleta
caso haja seu resfriamento a 4ºC). A segunda opção será a coleta por
cateter vesical, na qual o cuidador de saúde deverá calçar luvas estéreis,
desinfectar o cateter com álcool a 70% e aspirar a urina do cateter com
agulha conectada a seringa. A terceira opção é considerada padrão
ouro e consiste na punção supra-pubica a qual em indivíduos normais
é absolutamente estéril. Qualquer contagem bacteriana é considerada
uma urinocultura positiva. Em pacientes assintomáticos a deinição
de bacteriúria signiicativa (Bacteriúria assintomática) depende da
contagem bacteriana em relação ao sexo e da forma de coleta da urina.
Desta forma, em mulheres com micção espontânea o corte é 105 UFC
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(em duas ou mais amostras separadas por 24hs e exibindo a mesma
bactéria); nos homens por micção espontânea o corte é 105 UFC (em
uma única amostra). A coleta por cateter vesical, independentemente
do sexo, terá o corte de 105 UFC (em uma única amostra), ou, 103
UFC (em duas ou mais amostras). A coleta por punção supra-púbica,
independentemente do sexo, exibindo qualquer contagem no paciente
assintomático é considerada positiva. Esta bacteriúria assintomática
pode reletir uma colonização ou uma infecção, sendo que em alguns
pacientes as bacteriúrias assintomáticas costumam evoluir com
maior propensão a pielonefrite assintomática (diabéticos, gestantes,
imunossuprimidos, e, distúrbios urológicos anátomo-funcionais, como
o reluxo vesico-ureteral).
6. TRATAMENTO
Primeiramente devemos reconhecer que pacientes com ITU baixo
sintomáticos (todos os tipos) e assintomáticos (alguns tipos) devem receber um
tratamento especíico. Os pacientes assintomáticos que merecem tratamento são
aqueles que possuem bacteriúria assintomática e possui uma das cinco seguintes
condições associadas: 1) Gestantes 2) Pré-operatório de cirurgias com necessidade
de cateterismo vesical imediatamente após a cirurgia 3) Transplantados renais (nos
primeiros três meses) 4) Infecções por Proteus mirabilis 5) Pacientes com cateter
vesical, ou, bexiga neurogênica e infectados por Proteus spp ou Providencia spp.
Em uma mulher não gestante, a solicitação de uma urinocultura só deve
ser feita em casos de resistência ao antibiótico inicial escolhido empiricamente.
Na gestante, sempre devemos solicitar uma urinocultura e um gram de urina
(resultado no mesmo dia para orientar escolha empírica) antes de iniciarmos o
tratamento. Além disso, o tempo de tratamento de uma gestante é sempre de sete
dias, e, somente em seu caso devemos solicitar uma urinocultura de controle após
2-4 semanas de tratamento. Em caso desta urinocultura negativar, ainda assim,
preconiza-se o rastreio mensal até o parto com novas urinoculturas, pelo risco
aumentado que uma gestante tem de desenvolver pielonefrite oligossintomática.
A ITU comunitária costuma ser causada pela E. coli (90% dos casos)
e outros gram negativos entéricos que são sensíveis à luoroquinolonas
(norloxacina 400mg 12/12hs por três dias), sulfametoxazol-trimetroprim (SMXTMP 800-160 12/12hs por três dias), nitrofurantoína (100mg 6/6hs por três dias),
amoxicilina (250mg 12/12hs por 5 dias), ampicilina, e, cefalosporinas de primeira
geração(Cefalexina 500mg 6/6hs por 5 dias). Todos estes antibióticos costumam
ter concentração urinária adequada e efetiva. Recentemente foi observado que
20% das cepas de E.coli são resistentes ao SMX-TMP.
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A uretrite associada ou não a vaginite costumam ser resistentes às
luoroquinolonas. Desta forma, preferimos utilizar as tetraciclinas (doxiciclina
100mg 12/12hs) ou macrolídeos para o tratamento destes agentes comumente
relacionados também as doenças sexualmente transmissíveis ( Chlamydia
tracomatis, Gardnerella vaginallis, Mycplasma hominis, Ureaplasma urealyticum).
A ITU hospitalar associada a cateter vesical permanente sempre deverá
ser tratada com dados colhidos de uma urinocultura com antibiograma, dada a
relativa resistência destes germes aos antibióticos supracitados. Inicia-se uma
luoroquinolona de largo espectro para gram negativos e muda-se (ou não) de
acordo com os resultados do antibiograma.
Na gestante, as luoroquinolonas e o SMX-TMP são antibióticos
contra-indicados devido ao risco de dano ao feto. Devemos, portanto, utilizar, à
nitrofurantoína, penicilinas e cefalosporinas de primeira geração na ITU baixa.
A ITU alta (pielonefrite) é uma infecção grave e deve ser tratada
empiricamente tão logo suspeitemos desta entidade (lembrando que devemos
colher antes de iniciarmos o antibiotico uma urinocultura e uma hemocultura).
O tratamento costuma ser iniciado com uma luorquinolona que poderá ser VO
ou EV (dependendo da gravidade- hipotensão, vômitos associados, febre com
calafrios). Jamais usar no tratamento da pielonefrite uma SMX-TMP devido a
resistência de 20% das cepas de E.coli. Se o exame microscópico de urina indicar a
presença de cocos gram positivos na ITU alta, deveremos pensar em Enterococcus
spp. Portanto, deveremos utilizar a amoxicilina 500mg 6/6hs por 14 dias, ou, a
ampicilina 1gr 6/6hs por 14 dias.
A gestante com ITU alta deverá ser tratada com uma cefalosporina de
3º geração (Ceftriaxone, Cefotaxima e Caftizoxima). Sempre deveremos solicitar
uma urinocultura após 2-4 semanas de tratamento de uma pielonefrite.
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