AUTOR: Túlio de Morais Revoredo A FILOSOFIA DA INFORMAÇÃO EM MICHEL FOUCAULT: uma análise na perspectiva da obra “A Ordem do Discurso” RESUMO O artigo pretende apresentar, sob a luz da Ciência da Informação, as aproximações conceituais da Filosofia da Informação com a obra do Filósofo Francês Michel Foucault, abordando as questões pertinentes ao uso e apropriação da informação para divulgação social. Apresenta um panorama das principais ideias de Foucault em “A ordem do Discurso” com o propósito de estabelecer ligações de estruturação conceitual com a Filosofia da Informação, esta que teve o Filósofo italiano Luciano Floridi como precursor. Com base em uma revisão de literatura, este artigo se dispõe a abordar os conceitos filosóficos, prioritariamente, analisando a essência na produção da informação em “A ordem do Discurso” para que, desta forma, possamos discutir as conceituações e as atribuições da Filosofia da Informação, tentando elucidar as suas contribuições e propor uma reflexão de como o pensar filosófico pode levar a uma melhor compreensão do contexto sócioinformacional. Palavras-Chave: Ciência da Informação. Filosofia da Informação. Luciano Floridi. Michel Foucault. ABSTRACT The article aims to present, in the light of information science, the conceptual approaches of Philosophy information with the work of French philosopher Michel Foucault, addressing issues relevant to the use and ownership of information for social dissemination. Presents an overview of the main ideas of Foucault in "order of discourse" for the purpose of establishing conceptual relations with the Philosophy of Information, this philosophy was the Italian philosopher Luciano Floridi as a precursor. Based on a literature review, this article aims to address the philosophical concepts and their relation to the production of information in the "order of discourse" in this way so we can discuss ideas and tasks of the philosophy of information in an attempt to elucidate their contributions and propose a reflection of how philosophical thinking can lead to a better understanding of the social and informational. Keywords: Information science. Luciano Floridi. Michel Foucault. Philosophy of Information. GT 1 – FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO 1 INTRODUÇÃO Não é tarefa fácil sintetizar, de forma clara, objetiva e rigorosa, o pensamento de um autor como Michel Foucault, que elabora ideias, métodos e conceitos que são retomados e enriquecidos ao longo da obra. Talvez uma tentativa de ordenação, de sistematização de um pensamento tão denso e complexo corra o risco de deixar de lado ou desconsiderar elementos importantes para a estruturação do conjunto da obra. Mesmo assim, decidimos assumir os riscos e eleger o movimento de um conceito fundamental - o Discurso - como um guia que nos ajudaria a explorar o solo em que caminha Foucault em “A Ordem do Discurso”. ‘A Ordem do Discurso’ é uma transcrição de uma aula inaugural realizada no College de France, ministrada pelo então professor, Michel Foucault em dezembro de 1970 (FOUCAULT, 1996). Na obra são abordadas questões do Discurso nos diversos níveis e organizações sociais, analisando o poder do Discurso e, consequentemente, da informação na sociedade. A informação é o pilar mestre do Discurso, dado que as formas de expressão se dão por meio da informação propagada pelos diversos níveis de linguagem. Embora Foucault não tivesse em mente o conceito “Filosofia da Informação”, hoje, após Luciano Floridi dar inicio as suas pesquisas sobre o assunto em 2001, tornamse evidentes as aproximações conceituais, no que diz respeito ao pensar filosófico da informação na sociedade e como a informação pode mudar e doutrinar determinados contextos sociais. O levantamento bibliográfico apresentado aqui pretende se focar em ideias centrais da obra do autor Michel Foucault e realizar um comparativo entre os conceitos de Filosofia da Informação apresentados por Luciano Floridi e, posteriormente, apresentados por Fernando Ilharco, atinando para questões relacionadas ao poder da informação na sociedade. 2 A FILOSOFIA DA INFORMAÇÃO NO CONTEXTO DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO Historicamente, sobretudo no contexto da biblioteconomia, a reflexão filosófica estava presente nos argumentos atribuídos às práticas biblioteconômicas. Souza (1986, p. 194) argumenta sobre a Biblioteconomia e a Filosofia como “uma ciência reflexiva” e a partir disso, propõe uma “Filosofia da Biblioteconomia” onde ele aborda "como um conjunto de teorias, princípios e métodos que procuram fazer da Biblioteconomia uma ciência." No argumento percebe-se a intenção em alertar a necessidade de discussão filosófica na Biblioteconomia. Souza (1986, p. 194-195) prossegue definindo os conceitos: a Filosofia da Biblioteconomia implica em questionar como raciocina o bibliotecário, como ele busca e se utiliza dos princípios filosóficos aplicáveis a todas as ciências, para a construção das teorias biblioteconômicas. Fazer Filosofia da Biblioteconomia é não colocar limites à inteligência criativa do bibliotecário, é fornecer-lhe os subsídios para teorizar e praticar; é dar-lhe condições de buscar as causas dos problemas que surgem no seio de sua profissão, é dar-lhe condições de pensar e agir de forma metódica e constante em prol da informação No argumento acima fica claro a visão de que o autor, ao atribuir o pensar filosófico as ações do Bibliotecário, considera a Filosofia um mecanismo de motivação e inovação do profissional. Tenta-se no pensamento filosófico que o bibliotecário busque as ferramentas para a reflexão da sua profissão e de sua atuação social. Por extensão, o autor explana alguns conceitos norteadores para uma Filosofia da Biblioteconomia: Filosofia da Biblioteconomia é a reflexão profunda sobre si mesma, sobre seus conceitos, abrangência, correlações, funções; é o repensar sobre tudo o que fez, faz e fará; é a reflexão sobre cada uma de suas partes e divisões, sobre cada uma de suas etapas; é a reflexão sobre o como e o por quê de cada ação bibliotecária. (SOUZA, 1986, p. 195) Durante todo o argumento do autor percebe-se uma aplicação da filosofia para práticas e ações profissionais, não considerando a informação enquanto objeto de estudo e/ou enquanto fenômeno de impacto social. Isso por que é somente com a proliferação das tecnologias de acesso e uso informacional, configurada de forma mais significativa no inicio do século XXI, que a filosofia aplicada a CI e mais específica, a Filosofia aplicada ao objeto de estudo da CI – Informação -, ganhou um pouco mais de contexto e buscou de forma mais intensa, analisar o objeto informação. Diferentemente da “Filosofia da Biblioteconomia”, que buscava formalizar as praticas biblioteconômicas como ciência. Nesse sentido, origina-se a Filosofia da Informação1, que basicamente teve seu inicio derivado da inquietação acarretada pelas tecnologias de informação. Ilharco (2003) baseado em Floridi (2001) afirma que a necessidade do estudo da Filosofia da Informação, está diretamente ligada as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Configurado pelo crescimento nos últimos anos, sobretudo, impulsionado por uma apropriação, por parte da sociedade, das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), o fenômeno informação passou a ter uma representatividade maior no que tange as formas de comunicação, atribuindo-a novos meios de propagação, aportando assim em uma nova conjectura sócio-informacional, dando espaço para outros tipos de relações sociais, que não o presencial. Tal crescimento trouxe consigo algumas inquietações para pensadores/teóricos da Ciência da Informação, no que diz respeito as formas de apresentação da Informação, perguntando-se de fato, o que é informação? Certamente questionador, e paradoxalmente não questionado ou pelo menos, não tanto quanto necessita, o objeto de estudo informação oferece, sem dúvidas, um gigantesco leque de estudos e de possíveis indagações com relação a usabilidade e aplicabilidade na tão especulada “sociedade da informação”, criando assim um problema dialético às áreas que lidam com esse conceito. Ora, se temos um objeto de estudo que almeja conceitos, questionamentos e prospecções, porque não pensar e repensar suas aplicabilidades? E, dessa forma, gerar discussões mais específicas e contundentes sobre sua teoria e conceituação. Com o surgimento da Ciência da Informação enquanto área formal, a atribuição de estudo filosófica da informação não passou a existir? Admitindo que o termo “Ciência” tem por definição, refletir sobre as atribuições e aplicabilidades do seu objeto de estudo. Então, seria o estudo filosófico da informação dispensável? 1 A Filosofia da Informação é um campo da pesquisa filosófica voltado para a investigação crítica da estrutura conceitual e dos princípios básicos da informação e ainda da elaboração e aplicação da Teoria da informação e das metodologias computacionais aos problemas filosóficos, segundo definição do filósofo italiano Luciano Floridi. Dado as suas redundâncias no que tange a convergências de sentido com a Ciência da Informação? Diante de tais perguntas e prosseguindo nessa perspectiva, o surgimento de uma filosofia apropriada para uso e estudo da informação, é de indispensável e vital necessidade, na medida em que, como já mencionado, a informação enquanto conteúdo precisa de alicerces conceituais. A apropriação das áreas do conhecimento em se posicionar diante de um cenário filosófico apropriado vem se configurando de forma muito intensa devido a necessidade de remodelamento das áreas de acordo com sua formas de interagir com a sociedade. Nesse sentido Robredo (2007, p.62) afirma que em uma busca rápida pela internet encontrou mais de 11.000 resultados para “Phylophy of * “ e eliminando as repetições encontrou 300 entradas (Phylophy of Arithmetic, artificial intelligence, Biology, Business, Chemistry, Economics, Education, Engineering, Envioronment, Freedom, Geography, History, Information …) A Biblioteconomia e a Ciência da Informação (CI) já são estudadas na perspectiva filosófica por teóricos da área, porém, em uma abordagem apenas epistemológica. O que a Filosofia da Informação traz de novo, especialmente a partir de Floridi2 (2001; 2002), é pensar quais as formas de apropriação conceitual da informação e as barreiras sobre o seu estudo. Investindo em tais análises, podemos observar que a FI é uma área relativamente nova e que está a procura de seu reconhecimento formal como um campo de pesquisa filosófica. Possui um grande potencial que é proporcionar uma reflexão de base, sob uma mesma perspectiva de fundo, a informação, sobre os pressupostos, os métodos, os problemas e as soluções de cada vez maiores parte das atividades científicas, culturais, sociais e profissionais nas sociedades desenvolvidas (ILHARCO, 2004). A Filosofia enquanto área de estudo preocupa-se em analisar questões fundamentais relacionadas à existência, ao conhecimento, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à linguagem. Dessa Maneira, Ilharco3 (2003, p.17) 2 Luciano Floridi (nascido em 1964) é um filósofo italiano conhecido pelo seu trabalho pioneiro no campo da Filosofia da Informação e da Ética da Informação. 3 Fernado Ilharco possui PHD em Informação de Sistemas e é professor da Universidade Católica de Portugal. Desenvolve estudos sobre a Informação, Sociedade da Informação; Organizações e Tecnologias de Informação e Comunicação; Ciência, Tecnologia e Sociedade; Filosofia da Informação e da Comunicação. argumenta que a FI surge em um projeto que pretende se consolidar enquanto área de estudo para entender e/ou pensar a informação de maneira filosófica, atribuindolhe premissas de questionamentos como, “Quais as dinâmicas e modos de ser informação?”. Diante dessa abordagem, Ilharco (2003) alicerçado nos conceitos propostos por Floridi (2001;2002) em seu ensaio sobre a “Philosophy of Information” , aponta 15 problemas que são vitais para a estruturação da Filosofia da Informação, São eles: 1) O problema ontológico (o problema de fundo, basilar, que constitui o próprio campo de reflexão e análise é a questão ontológica: qual a natureza da informação?) 2) O problema epistemológico (terá a filosofia esquecido a questão informação ao ter avançado para a questão do conhecimento?) 3) Outro problema epistemológico (Quais “ferramentas” e/ou instrumentos serão utilizados de forma apropriada para estudo e análise da informação?) 4) O problema da realidade (Que relação existe entre a informação e a realidade? É a informação realidade? O que é a realidade além da informação?) 5) O problema da verdade (a verdade, o estar correto, ser verdadeiro é ou não uma característica da informação? o que é a desinformação? É a desinformação, informação?) 6) O problema do ser (Que correspondência ou relação existe entre informação e o ser?) 7) O problema dos níveis de abstração (a que níveis de abstração se coloca cada uma dessas informações? Um 3 é o quê? O número 3, um algarismo uma quantidade, um símbolo, um desenho, um conceito, por um meio de comunicação, um acordo, conhecimento à priori?) 8) O problema dos dados (o que são dados? o que é um dado? o que distingue informação de dados? como os poderemos constatar ou distinguir de informação? ) 9) O problema do conhecimento (qual a relação entre informação e conhecimento? É possível o ser humano, estar no mundo, sem conhecimento?) 10) O problema da ação (para que queremos ser informados? O que é uma informação útil? ) 11) O problema da comunicação (o que é a comunicação? Será a comunicação a transmissão de informação?) 12) O problema da utilidade (a informação fundamentalmente informa. Assim, deve questionar-se: o que é informar ou ser informado?) 13) O problema da tecnologia em geral (deveremos questionar qual a relação do fenômeno da informação, e dos fenômenos que lhe são adjacentes, com o mundo tecnológico: que relação existe a eficiência tecnológica e a informação?) 14) O problema da informação tecnológica como contexto (a medida que mais e mais organizações absorvem o esquema contextual da informação e comunicação tecnológica, isto é, quanto mais essas entidades partilham entre si um novo esquema cognitivo, mais provável será que a sua produtividade possa subir, sendo que o contrário também se deverá verificar. A exclusão do novo contexto de produção da informação gera um “escanteamento” de quem não adere) 15) O problema ético (As mudanças de comportamentos, de estruturas, de valores, de estratégias de poderes provocadas, desencadeadas ou relacionadas com a disseminação das tecnologias de informação e comunicação pelo planeta estão trazendo novos desafios e novos problemas à humanidade). No argumento fica claro que o estudo proposto e sua problemática, estão voltados para a informação enquanto conteúdo de interação social. Nesse mesmo ponto Floridi (2002, p.124) afirma que a Filosofia da Informação procura expandir a fronteira de pesquisa filosófica, visto que, inclui novas áreas à sua investigação porque não coloca juntos tópicos pré-existentes, proporcionando uma reordenação do cenário filosófico. Floridi (2010, p.39) argumenta ainda que o objeto de pesquisa da Biblioteconomia e Ciência da Informação é a informação no sentido “fraco” e mais específico de dados registrados, isto é, documentos. Biblioteconomia e Ciência da Informação como Filosofia da Informação aplicada é uma disciplina preocupada com documentos e seu ciclo de vida, bem como com os procedimentos e técnicas pelos quais o ciclo dos documentos é implementado e regulado. Em outro sentido, Robredo (2007, p.63), baseado nos filósofos Deleuze e Guattari, afirma que é função da Filosofia criar conceitos. Argumenta, por extensão, que a Ciência da Informação é uma filosofia, pois, “criou” o conceito de informação. Segundo o autor, esta é uma questão ontológica de difícil solução, pois, demanda o desdobramento da filosofia em níveis (Filosofia→Filosofia das Ciências Sociais→Filosofia das Ciências Sociais Aplicadas→Filosofia da Ciência da Informação. Esta última comportaria, pelo menos, quatro vertentes: Filosofia da Biblioteconomia; Filosofia da Arquivologia; Filosofia da Museologia; e, Filosofia da Documentação). Robredo não aprofunda a análise, destacando que o seu objetivo é verificar a contribuição do pensamento filosófico para a Ciência da Informação. Aqui já se pode observar uma grande divergência conceitual entre os conceitos elaborados por Floridi e os conceitos expostos por Robredo. Para Robredo a Ciência da Informação, enquanto área de estudo da informação, deve contemplar a reflexão da informação enquanto perspectiva filosófica, devido a sua ligação com as Ciências Humanas e com a própria Filosofia. Por sua vez, Floridi admite que a reflexão da Informação será melhor contemplada se inserida em um estudo que parta dos alicerces conceituais da Filosofia, trazendo suas bases para o estudo da informação, validando e analisando a CI, em seus diversos aspectos, e estruturando um estudo filosófico da Informação. Percebe-se, até então, que se trata de divergências no que tange aonde o estudo reflexivo da informação terá sua sustentação formal, mas ao que parece, ambos concordam que tal estudo deve existir. Visualizamos ainda, autores como Frohmann (apud, CAPURRO, 2007) que atribuem ao valor da informação à conceituação de mensagem. A mensagem é dependente do emissor, isto é, ela é baseada em uma estrutura heteronômica e assimétrica. Este não é o caso da informação: recebemos uma mensagem, porém não solicitamos uma informação. Trazem ainda discussões sobre a fenomenologia e a hermenêutica da informação, e vêm contribuindo para uma Filosofia da Informação. Para Francelin e Pellegatti (2004, p.127) o método de estudo da Filosofia da Informação é relacional, ou seja, baseia-se na complexidade do pensamento e do cotidiano humanos e o seu objeto de estudo é a informação “liberta”, é aquela informação que não está presa a um domínio, que está fora do controle humano, mas não de sua percepção. Vislumbram ainda a problemática e estruturas conceituais para a Informação sendo estudado diante de uma Filosofia apropriada, admitindo a informação prioritariamente, como mecanismo de interação, sendo por meios diretos ou não. A FI configura-se como campo da pesquisa filosófica voltado para a investigação crítica da estrutura conceitual das elaborações e aplicações da teoria da informação e das metodologias computacionais aos problemas filosóficos, pressupõe que um problema ou uma explicação pode ser legitimamente e genuinamente reduzido para um problema informacional. 3 MICHEL FOUCAULT E “A ORDEM DO DISCURSO” A Ordem do Discurso que de início era uma aula e que depois transformou-se em livro, tinha como hipótese central analisar a produção dos Discursos na sociedade atinando para como estes Discursos eram regulados, selecionados, organizados e distribuídos nas diversas instâncias sociais, conjugando poderes e perigos (FOUCAULT, 1996). Os pontos apresentados em relação as várias atuações do poder por meio do Discurso, Foucault (1996) leva-nos a compreender os conceitos básicos de sua estrutura filosófica na perspectiva do ‘Saber’, do ‘Poder’ e do ‘Sujeito’, tal como a descoberta do poder nas palavras no Discurso do indivíduo. Por sua vez, o individuo ao interagir com as relações de poderes e de estruturas de grupos sociais, exclui, reprime e torna-se dono do “Saber Poder”, definindo os procedimentos externos ou internos de controle e delimitação do Discurso. Essas relações do ‘Saber’, do ‘Poder’ e do ‘Sujeito’ acarretam em estruturas de organizações intelecto-sócio-doutrinais, ou seja, os indivíduos/sujeitos sociais se agrupam e se separam pelas semelhanças e pelas diferenças discursivas. A Doutrina, segundo Foucault (1996), estabelece padrões de verdades, aceitações e de regras de conformidade com os diversos Discursos validados. A doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e lhes proíbe, consequentemente, de todos os outros. Foucault segue conceituando: À primeira vista, as "doutrinas" (religiosas, políticas, filosóficas) constituem o inverso de uma "sociedade de Discurso": nesta, o número dos indivíduos que falavam, mesmo se não fosse fixado, tendia a ser limitado; e só entre eles o Discurso podia circular e ser transmitido. A doutrina, ao contrário, tende a difundir-se; e é pela partilha de um só e mesmo conjunto de Discursos que indivíduos, tão numerosos quanto se queira imaginar, definem sua pertença recíproca. Aparentemente, a única condição requerida é o reconhecimento das mesmas verdades e a aceitação de certa regra mais ou menos flexível- de conformidade com os Discursos validados; se fossem apenas isto, as doutrinas não seriam tão diferentes das disciplinas científicas, e o controle discursivo trataria somente da forma ou do conteúdo do enunciado, não do sujeito que fala. Ora, a pertença doutrinária questiona ao mesmo tempo o enunciado e o sujeito que fala, e um através do outro. Questiona o sujeito que fala através e a partir do enunciado, como provam os procedimentos de exclusão e os mecanismos de rejeição que entram em jogo quando um sujeito que fala formula um ou vários enunciados inassimiláveis; a heresia e a ortodoxia não derivam de um exagero fanático dos mecanismos doutrinários, elas lhes pertencem fundamentalmente. (FOUCAULT, 1996. p. 41-42) As Doutrinas são estabelecidas pelos Discursos, e os Discursos são limitados pela Doutrina. Esta relação é uma troca infinita, onde a existência de um, acarreta, consequentemente, na existência do outro. Além de todo esse sistema de controle por meio dos Discursos e, por conseguinte, das Doutrinas, Foucault (1996) apresenta duas imposições de regras ao sujeito do Discurso, a saber: o ‘Ritual’ e a ‘Apropriação Social dos Discursos’. O ‘Ritual’ está diretamente ligado as formas de propagação das ideias contidas nos Discursos, nas mais diversas Doutrinas, ou seja, os Discursos religiosos, por exemplo, são dotados de ritos e locais específicos para propagação de ideias, assim como, os políticos no exercício de suas atividades. Por meio destes, os Discursos são disseminados para uma determinada doutrina, porém junto à fala desde sujeitos existem propriedades singulares e papéis preestabelecidos, que denotam certo respeito e autoridade ao emissor do Discurso. Já a ‘Apropriação Social do Discurso’ é a maneira política de manter ou modificar a apropriação dos saberes e dos poderes, ou seja, uma ritualização da palavra, uma qualificação e uma fixação dos papeis para os sujeitos emissores. Para analisar a materialidade discursiva em suas condições, em seu jogo e em seus defeitos é fundamental optar por três decisões às quais nossos préconceitos (no sentido literal da palavra) resistem em aceitar e correspondem aos três grupos de funções aqui evocadas, são eles: ‘Questionar nossa vontade de verdade’; ‘Restituir ao Discurso seu caráter de acontecimento’; Suspender, enfim, a ‘Soberania do significante’. Baseado nessas funções, Foucault (1996) apresenta princípios fundamentais para a compreensão do Discurso e do seu poder, são eles: “O princípio de descontinuidade” onde não existe um Discurso ilimitado, contínuo e silencioso que nós tivéssemos por missão descobrir restituindo-lhe, enfim, a palavra; “O princípio de especificidade” que pretende não transformar o Discurso em jogo de significações prévias; não imaginar que o mundo nos apresenta uma face legível que teríamos de decifrar, apenas. Por fim, “O princípio da exterioridade” que propõe não analisar, apenas, o Discurso em seu núcleo ou em um centro de pensamento ou sentido que se manifestaria nele, mas a partir do próprio Discurso, de sua aparição e de sua própria regularidade, passar às suas condições externas de possibilidade. 4 A FILOSOFIA DA INFORMAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM “A ORDEM DO DISCURSO” A fim de estabelecer uma comparação intelectual entre os conceitos apresentados na proposta Floridiana de estudo “Filosofia da Informação” com os conceitos apresentados em “A ordem do Discurso” por Foucault, estabeleceremos uma breve apresentação dos principais conceitos de ambos campos de estudos e suas aproximações. Ilharco (2003) baseado em Floridi (2001;2002) apresenta 15 problemas fundamentais para a elaboração da Filosofia da Informação, como mostrado anteriormente. Porém, para contextualizar, relembremos: 1) O problema ontológico; 2) O problema epistemológico; 3) Outro problema epistemológico; 4) O problema da realidade; 5) O problema da verdade; 6) O problema do ser; 7) O problema dos níveis de abstração; 8) O problema dos dados; 9) O problema do conhecimento; 10) O problema da ação; 11) O problema da comunicação; 12) O problema da utilidade; 13) O problema da tecnologia em geral; 14) O problema da informação tecnológica como contexto; 15) O problema ético. Na obra ‘Foucaultiana’, por meio da análise aqui apresentada, podemos estabelecer alguns pontos centrais, são eles: 1) O Discurso; 2) A Doutrina; 3) Apropriação Social dos Discursos. A primeira relação e talvez a mais aparente e indissociável é o próprio ‘Discurso’, como forma de propagação de informação dotada de significados e significâncias. O Discurso obedece a relações claras com todos os problemas apresentados pela Filosofia da Informação, ele é o centro de todas as indagações. A ‘Doutrina’ por estar diretamente ligada ao Discurso, também tem sua relação direta com todos os 15 problemas apresentados pela Filosofia da Informação, mas há algumas ressalvas no que respeito as tecnologias de propagação da informação, estas tecnologias geram Doutrinas regidas não apenas pelo Discurso mas também, pelas estruturas virtuais conhecidas como redes de interação virtual e/ou redes sociais na web. Em tese, essas estruturas abrangem múltiplos Discursos como forma de interação, são elas, também, formas de trocas de doutrinas e não apenas uma formação de grupos. A ‘Apropriação Social do Discurso’, é a base fundamental da Filosofia da Informação, pois nela estão contidos os atributos de transmissão do Discurso e suas formas de passar os ideais político-sociais. A Filosofia da informação centra sua análise da informação na interação social e nas suas formas de transmissão, procurando refletir sobre a Ética, as ações e a evolução tecnológica. Até aqui, podemos observar algumas relações entre a Filosofia da Informação e a “Ordem do Discurso”. Prosseguindo nessa perspectiva, abordaremos os entrelaces conceituais existentes entre os quinze problemas apresentados por Ilharco (2003) e nos conceitos apresentados por Foucault (1996). O problema ontológico. A informação enquanto informação, estruturando os conceitos a respeito da natureza do Discurso. O problema epistemológico. Questionando-se sobre a questão da informação e conhecimento, observando quais níveis de relação há entre o Discurso e suas apropriações sociais. Outro problema epistemológico. Observando quais as ferramentas são utilizadas para estudo e uso da informação e do Discurso. O problema da realidade. Uma relação sobre a existência que precede o ser, ou seja, a questão aqui é “existe contexto antes do Discurso?” isto merece uma análise mais profunda, deixamos aqui, além da reflexão, a relação intelectual. O problema da verdade. As certezas e suas Doutrinas, a verdade é multável de acordo com o Discurso? O problema do ser. Analisando as relações da informação e do Ser (indivíduo do Discurso). O problema dos níveis de abstração. Quais as reflexões sobre as Doutrinas e os Discursos, como o Discurso é formado? O problema dos dados. Dados com parte menor do processo de criação da informação e do Discurso. O problema do conhecimento. O Discurso em si carrega conhecimentos em potencial, estes que regulam as Doutrinas. O problema da ação. Reflexão enquanto a ação de ser informado e de absolver o Discurso. Até que ponto precisa-se ser informado e/ou Doutrinado? O problema da comunicação. A comunicação para algumas Doutrinas geram alguns rituais, estes são fundamentais para compreensão do Discurso?. O problema da tecnologia em geral. Como a tecnologia influenciou nos Discursos? O problema da informação tecnológica como contexto. As tecnologias como forma de propagação informacional. A tecnologia gera círculos sociais virtuais, onde não somente o Discurso rege a participação na doutrina mas o acesso a rede e as ferramentas tecnológicas, são imprescindíveis para a formação doutrinal. O problema ético. Quais os conceitos de verdade no Discurso?, quais as barreiras Doutrinais?, como e quando apelar para o senso de Moral?. O julgamento repressivo é parte do Discurso e da informação? Seria o Discurso dotado de préconceitos não éticos? Estas foram algumas breves análises reflexivas em torno dos problemas centrais da Filosofia da Informação. Foucault por ser um Filósofo e ter em sua essência uma natureza reflexiva, certamente teria aproximações conceituais com a proposta Floridiana do estudo filosófico da informação. 5 ALGUMAS REFLEXÕES FINAIS Como dito no começo das nossas discussões sabíamos que mergulhar em teorias tão complexas quanto a do Foucault não seria tarefa fácil, porém acreditamos que conseguimos atingir nosso objetivo ao apontar aproximações e indagações pertinentes aos estudos desenvolvidos tanto pela Filosofia da Informação, quanto pela “A ordem do Discurso”. A estrutura de Regular -> Selecionar -> Organizar -> Distribuir , proposta por Foucault (1996) é um conceito apropriado pela filosofia da informação ao realizar teorias sobre como a informação está se difundindo em estruturas sociais. Na nossa perspectiva, ficou claro o conceito de que a Informação é um Discurso em potencial, dado que a informação carrega consigo, conceitos e verdades. A Filosofia do Discurso, como uma proposta, seria perfeitamente aceitável por se tratar de um estudo reflexivo sobre as relações de poderes e de como a sociedade segue sendo informada. O Discurso é a forma prática de informar. REFERENCIAS CAPURRO, Rafael. Epistemologia y Ciencia de La Informacion. 2007. Disponível em: <http://www.capurro.de/enancib.html>. Acesso em: 08 mar 2011. FLORIDI, Luciano. Biblioteconomia e Ciência da Informação (BCI) como Filosofia da Informação Aplicada: uma reavaliação. In: Revista de Ciência da Informação e Documentação, Ribeirão Preto. v. 1, n. 2, p. 37-47, jul./dez. 2010. ______. Ethics and Information Technology. v.3, n.1, p. 55-66, 2001. Disponível em: <http://www.wolfson.ox.ac.uk/~floridi>. Acesso em: 8 set 2011. ______. Open Problems in the Philosophy of Information. Metaphilosophy, V. 35, n.3, 2004. Disponível em: <http://www.wolfson.ox.ac.uk/~floridi>. Acesso em: 8 set. 2011. ______. What is philosophy of information? 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