a responsabilidade civil do estado por ato do concessionário de

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO DO
CONCESSIONÁRIO DE SERVIÇO PÚBLICO
Roberto Wagner Marquesi*
Mariana Motta Barbosa de Oliveira**
RESUMO
Abordagem sobre a responsabilidade civil do Estado por ato lesivo praticado no âmbito da
administração indireta, especialmente no tocante à concessão e permissão de serviço público, este
artigo examina a natureza da responsabilidade, seus pressupostos e amplitude.
Palavras-Chave: Direito civil e administrativo. Administração indireta. Responsabilidade civil do
Estado.
ABSTRACT
Focus on the liability of the State for the harmful act committed under the indirect administration,
especially with regard to granting permission and public service, this article examines the nature of
responsibility, their assumptions and amplitude.
Keywords: Civil and administrative law. Indirect administration. State Liability.
*
Doutorando pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP). Professor dos Cursos de Graduação e
Pós-Graduação em Direito Civil da Universidade de Londrina. Advogado na Cidade de Londrina.
**
Mestranda pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP). Advogada na Cidade de São Paulo.
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1 INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil é, talvez, a disciplina jurídica que mais transformações vêm
sofrendo ao longo das últimas décadas, a ponto de ter resgatado soluções que haviam sido
abandonadas há séculos, como o da responsabilidade sem culpa. Isso se vê da codificação de
2002, que introduziu sensíveis alterações em relação ao Código anterior.
No âmbito da administração pública, o instituto da responsabilidade civil suscita
debate doutrinário e jurisprudencial, especialmente quando se trata da imputação do dever
ressarcitório aos delegatários de serviços públicos. Cuida-se de um tema caro ao operador do
direito, na medida em que a delegação de serviços públicos parece uma tendência crescente
nas sociedades contemporâneas.
Algumas questões põem-se assim à liça, como os pressupostos desse tipo de
responsabilidade, seus fundamentos, natureza e alcance prático. Também merece considerada
a problemática da omissão do delegatário e a necessidade da prova da culpa para ensejar a
responsabilização civil.
Tais as questões que se pretende aqui enfrentar.
2 DIREITO CIVIL E ESTADO
Não há na doutrina grandes dissensos acerca do conceito da responsabilidade civil de
ente público. Como se colhe da doutrina, tal responsabilidade expressa-se no dever de
indenizar os danos sofridos por terceiros em razão de ato comissivo ou omissivo atribuível ao
Estado (JUSTEN FILHO, 2006, p. 805).
É possível que a locução “responsabilidade civil do Estado” cause alguma estranheza
ao espírito do leitor, pois este vai se deparar com um instituto clássico do direito privado, que
é a responsabilidade civil, em inusitada intersecção com a seara publicista. Esse sentimento de
perplexidade decorre da influência da tradicional ideia de que o direito civil trata apenas das
relações entre particulares.1
1
De fato, o professor italiano Michele Giorgianni leciona que “esse ‘individualismo’ do Direito Privado tinha
como reflexo - muito importante para compreender o significado e as fronteiras do Direito Privado de então –
uma qualificação acentuadamente subjetivista. Em outros termos, a função do direito não era a de disciplinar
algumas atividades da vida econômica e familiar da sociedade, mas a vida dos indivíduos (ou dos particulares)
no seio da sociedade. O Direito Privado era verdadeiramente – como evidenciado pela célebre definição
savigniana, supracitada – a esfera de ação do indivíduo. São conhecidas as tintas tipicamente subjetivistas
assumidas pelos instrumentos dogmáticos construídos pelos juristas, e principalmente pela pandectística alemã:
o direito subjetivo como senhoria da vontade, a propriedade como senhoria sobre a coisa, o negócio jurídico
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Ocorre que esse conceito do direito civil, arraigado ao longo do período da história
em que se procurou firmar o liberalismo nas relações sociais, ou seja, a supremacia dos
interesses individuais em detrimento da intervenção estatal, foi, paulatinamente, perdendo seu
fundamento no mundo moderno, dando lugar a uma concepção social do direito. No Brasil,
pode-se afirmar que esta mudança axiológica foi, de modo absoluto, consagrada com o
advento da Constituição Federal de 1988.
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL COMO POSTULADO DO ESTADO DE
DIREITO
A compreensão do instituto da responsabilidade civil do Estado, segundo se vê nos
dias presentes, impõe ao agente do direito a essencial conscientização de que o instituto
representa, antes de tudo, um dos maiores postulados do próprio Estado de Direito.
Com efeito, ao contrário do que vigorava no Absolutismo, o Estado passou a se
submeter, como qualquer particular, aos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico no
que tange ao exercício de seus poderes, isto é, ao Princípio da Legalidade. A submissão do
Estado à lei significa que este também responderá pelos atos que vierem a violar o
ordenamento jurídico. Por isso, a responsabilidade civil do Estado é um verdadeiro corolário
da aplicação do Princípio da Legalidade.
Nesse sentido, Gomes Canotilho indica que a responsabilidade civil do Estado é um
instituto que se deduz de outros princípios caracterizadores do Estado de Direito. Assim o é
diante da garantia do acesso à Justiça, já que os particulares lesados têm o direito de demandar
contra quem lhe tiver causado o dano, mesmo que tenha sido o próprio Estado. Ainda
segundo o mestre lusitano, o instituto se coaduna com o princípio da igualdade na distribuição
dos encargos públicos, perpetrando verdadeira “socialização das perdas” decorrentes da
atividade estatal. Além disso, a responsabilização estatal age em prol da segurança jurídica
nas relações sociais, ao garantir ao indivíduo sua indenidade quando se deparar com a atuação
do ente público (CANOTILHO, 1993, p. 171 e 659).
4 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO
como declaração de vontade” (GIORGIANNI, p. 35-55).
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4
No estudo da responsabilidade civil do Estado, é especialmente interessante a análise
de sua a evolução histórica, porque esta mostra, com bastante clareza, a alteração dos valores
e da própria realidade social refletidas nas regras do direito.
Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho (2006, p. 41-47) divide a evolução da
responsabilidade civil no direito europeu – inspiradora do direito pátrio - desde o século
XVII aos dias atuais, em quatro fases.
A primeira fase, na verdade, é a fase da irresponsabilidade do Estado. Essa noção
vigorava desde tempos mais remotos, mas foi com o Absolutismo que ela teve as suas
nuances mais acentuadas. O Estado caracterizava-se pela soberania absoluta, isto é, estava
hierarquicamente acima dos seus súditos. Ora, se o rei, cujo poder tinha origem divina,
inimaginável seria que o Estado violasse o direito de algum dos seus súditos – o que foi
consagrado pela célebre fórmula: the king can do no wrong.
Superada essa concepção absolutista, na medida em que se passou a admitir que
também o rei, como qualquer pessoa jurídica, devia se submeter ao ordenamento jurídico,
seguiu-se a segunda fase da evolução do instituto, vale dizer a da responsabilidade subjetiva
do Estado. Esta concepção liga-se à noção da culpabilidade, cabendo à vítima identificar o
agente do Estado que praticou o ato lesivo e provar a sua culpa.
Ora, diante da dificuldade que o polo hipossuficiente naturalmente possui em obter
os elementos de prova diante do poderio estatal, fácil concluir que a teoria subjetiva não era
satisfatória para garantir ao particular a reparação do dano causado pelo Estado.
Assim, no terceiro período, a ideia da culpa, embora mantida, sofre um
abrandamento, passando-se a admitir a culpa anônima do Estado. Esta concepção surgiu na
França, no final do século XIX e foi assim chamada porque dispensava a identificação do
agente causador do dano, bastando que se comprovasse a mera ilicitude do ato,
consubstanciada na falha do serviço público (faute du service), que ocorreria diante de um dos
seguintes casos: a) quando o serviço não funcionasse ou não existisse (omissão do Estado); b)
quando o serviço funcionasse mal (defeituoso); e c) quando o serviço funcionasse com atraso
(causando danos).
Nota-se que, embora não houvesse mais a necessidade de se identificar o agente
específico e demonstrar o elemento subjetivo, ainda cabia à vítima o ônus de provar a ilicitude
na execução do serviço, de forma que a teoria da culpa anônima ainda não era apta a resolver
por completo esta questão.
Finalmente, surge uma quarta fase, que “tem como fundamento o princípio da
igualdade dos ônus e encargos sociais” (MONTEIRO FILHO, 2006, p. 46), caracterizada pela
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teoria da responsabilidade objetiva do Estado, pela qual basta à vítima demonstrar tãosomente o dano experimentado e o respectivo nexo com o ato estatal para que surja o direito à
reparação. Esta é a atual orientação sobre o assunto em quase todos os ordenamentos jurídicos
do mundo e, muito felizmente, também no sistema pátrio.
A propósito, tratando somente da evolução histórica da responsabilidade civil no
direito brasileiro, pode-se afirmar que a teoria da irresponsabilidade do Estado não chegou a
vigorar propriamente no ordenamento brasileiro, pois a Constituição do Império, de 1824,
embora não previsse a responsabilização do Estado, já positivava a responsabilidade pessoal
do funcionário público por seus atos, garantindo ao prejudicado uma reparação, ainda que
incipiente.
O Código Civil de 1916 dispôs, em seu artigo 15, sobre a responsabilidade civil do
Estado, mas de natureza subjetiva, abrangendo apenas os atos ilícitos (“procedendo de modo
contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei”).2
Foi somente com a Constituição Federal de 1946, em seu artigo 1943, que se pode
afirmar categoricamente a introdução da responsabilidade civil objetiva do Estado no direito
brasileiro, eliminando-se qualquer referência ao elemento culpa.
Nesse ponto, a festejada Constituição de 1988, em seu artigo 37, § 6º, fez apenas
manter a orientação referida, incluindo na previsão a responsabilidade das pessoas jurídicas de
direito privado que exerçam atividade pública. Litterim:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
[...]
§6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa”
Na mesma esteira, o Código Civil de 2002 reproduziu, em seu artigo 434, a
disposição da Constituição de 1988. Porém, suprimiu a expressão “pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviço público”. Alguns veem nessa omissão um lapso imperdoável
2
“Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes
que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contraio ao direito ou faltando a dever
prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano”.
3
“Art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus
funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único – Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido
culpa destes".
4
“Art. 43 - As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que
nessa qualidade causarem a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver por
parte destes, dolo ou culpa”.
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do legislador, provavelmente em decorrência da antiguidade do projeto, anterior mesmo à
novel constituição; outros entendem que tal supressão foi exigência da técnica legislativa, já
que referido artigo se encontra no capítulo das pessoas de direito público.
Ocorre que, mesmo diante da positivação da responsabilidade objetiva no sistema
jurídico brasileiro, a questão da culpa ainda não foi suplantada, como passaremos a analisar.
5 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – O
PROBLEMA DA CULPA
Segundo
foi assentado
linhas
atrás,
um dos
pressupostos
basilares
da
responsabilidade civil em geral baseia-se na ideia da culpa, como transparece do artigo 186 do
Código Civil e como se via, por exemplo, do art. 159 da codificação anterior. Segue daí que,
na apuração da responsabilidade civil em geral, exige-se, além do dano, da conduta e do nexo
causal, um elemento subjetivo, a repousar justamente na noção da culpa, cujo conceito é bem
conhecido entre os civilistas.
Contudo, em se cuidando de responsabilidade civil imputável ao Estado, não exige a
lei tal rigor no tocante aos pressupostos. Aqui os quatro requisitos se reduzem a três apenas,
vale dizer a conduta, o dano e o nexo de causalidade. Em relação à conduta, não se indaga,
assim, se o agente se houve com a intenção de provocar o dano ou se agiu nas modalidades de
imprudência, negligência ou imperícia, como ocorre no sistema tradicional. Vale isso a dizer
que o requisito subjetivo é dispensado em se tratando de responsabilidade civil por ato do
Estado.
É o que transparece, com meridiana clareza, do artigo 37, § 6º, do Texto
Constitucional,e do artigo 43 do Código Civil, já referidos.
Veja-se o conhecido exemplo do acidente ocorrido em rodovia conservada pelo
Estado. Alguém que, transitando à noite por essa rodovia, é surpreendido por um buraco e tem
seu veículo sinistrado, promoverá demanda judicial contra o Poder Público, mas não terá o
ônus de demonstrar a culpa do Estado na conservação do leito asfáltico. Bastar-lhe-á mostrar
o dano e o nexo causal com o acidente.
Ocorre que, diante do Estado, adota-se a teoria do risco administrativo. Dado ter o
Estado tomado para si a função de prestador dos serviços essenciais da coletividade, dele se
deve exigir um padrão de excelência. Quando os poderes públicos falham na prestação do
serviço, então é de repartir os ônus entre os membros da coletividade. Em relação a isso já se
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disse que “o risco e a solidariedade são, pois, os suportes desta doutrina, que, por sua
objetividade e partilha dos encargos, conduz à mais perfeita justiça distributiva, razão pela
qual tem merecido o acolhimento dos Estados modernos, inclusive o Brasil, que a consagrou
pela primeira vez no art. 194 da CF de 1946” (MEIRELLES, 1995, p. 557).
O tema dos pressupostos, assim como dos fundamentos da responsabilidade civil do
Estado, é bem conhecido no direito de danos, mas é interessante transcrever modelar acórdão
do Supremo Tribunal Federal (STF). A transcrição é longa porém elucidativa:
A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos
constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento
doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os
agentes públicos houverem dado causa, por ação ou omissão. Essa concepção
teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do
Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo
Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e ou patrimonial sofrido,
independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de
demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e
delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem
(a) alteridade do dano; (b) a causalidade necessária entre o ‘eventus damni’ e o
comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público e (c) a
oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que
tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva,
independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (BRASIL,
1996)
Nesse sentido, não parece correta a asserção de que aqui vigore a teoria do risco
integral, e isso por uma simples razão: não há no sistema brasileiro nenhum exemplo onde a
culpa exclusiva da vítima não possa ser discutida no processo indenizatório, para efeito de
apurar a responsabilidade civil. Diz-se que a lei dos danos nucleares constitui exemplo da
aplicação do risco integral, mas isso não parece verdadeiro, à vista do disposto no art. 6º. da
Lei 6.453/77, que cogita justamente da culpa exclusiva da vítima como causa de isenção da
responsabilidade do suposto agressor.
Sem embargo, o fato de o Estado responder objetivamente pelos danos que provoca
aos particulares não significa que, sempre e necessariamente, as demandas judiciais ajuizadas
contra ele serão exitosas. Não se trata, na verdade, de impedir a discussão da culpa no caso
concreto, mas sim de desobrigar o autor de demonstrá-la ao juiz. No fundo, a adoção da teoria
objetiva da responsabilidade civil tem como efeito principal a inversão do ônus da prova, e
não a imputação automática da responsabilização civil ao Estado.
Por isso já se decidiu:
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O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que
admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil
do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias,
como o caso fortuito e a força maior, ou evidenciadoras de ocorrência de culpa
atribuível à própria vítima (RDA, 137/2003).
Medite-se no exemplo do acidente de trânsito acima referido. Supondo que o Estado
demonstre ao juiz que o autor estava a transitar em estado etílico, acima do limite de
velocidade e com os faróis apagados, claro que a sentença julgará o pedido improcedente ou,
na melhor das hipóteses, parcialmente procedente. Dito em outras palavras, significa isso
dizer que a questão da culpa, mesmo em se tratando de responsabilidade objetiva do Estado,
foi discutida e decidida.
Ainda em relação à culpa, não se pode esquecer que, embora ocorra a inversão do
ônus em favor do particular, será ela necessariamente discutida em sede de regresso. É que,
uma vez tendo indenizado a vítima, o Estado demandará contra o agente causador do dano e,
nesse caso, terá de demonstrar a prática dolosa ou culposa, forte nos arts. 37, § 6º., da CF e 43
do Código Civil. Logo, há um ambiente propício à discussão da culpa durante toda a
mecânica processual, seja do particular contra o Estado seja deste contra o agente.
6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO OMISSIVO
Questão tormentosa, que há muito permeia o tema da culpa na responsabilidade civil,
é a dos atos omissivos do Estado geradores de dano.
A despeito de a regra constitucional ser expressa quanto à responsabilidade objetiva
do Estado pelos danos causados por seus agentes, tanto a doutrina quanto a jurisprudência
mostram-se divididas, ora mandando aplicar a teoria objetiva ora sustentando a subjetiva.
A corrente mais tradicional, e ainda majoritária, desenvolvida inicialmente por
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e seguida pelo filho, Celso Antonio Bandeira de Mello,
entende que a responsabilidade estatal por atos omissivos será necessariamente subjetiva, com
base na regra geral da responsabilidade civil do Código Civil5. Afinal, se o Estado não agiu,
logicamente não pode ser autor de qualquer dano e, não tendo sido o autor, somente poderia
ser responsabilizado se tivesse obrigação expressa de evitá-lo.
5
Quando da vigência do Código Civil de 1916, os adeptos dessa corrente encontravam a base legal para a
aplicação da responsabilidade subjetiva para os casos de atos omissivos no artigo 15. Como o Código Civil de
2002 reproduziu o texto da Constituição da República, o fundamento da teoria subjetiva agora encontra guarida
na regra geral da responsabilidade civil;
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Muito além de considerar simplesmente o núcleo verbal do artigo 37, §6º, que
realmente fala apenas em causar, os defensores desse posicionamento possuem o plausível e
convincente argumento de que o Estado, se responsabilizado objetivamente por qualquer dano
que pudesse, em tese, ter sido evitado por alguma atuação sua, acabaria por se tornar
segurador universal de todos os cidadãos, a respeito de qualquer dano.
Filiam-se a essa corrente juristas da mais alta estirpe, tais como Maria Sylvia di
Pietro, Lucia Valle Figueiredo, Diógenes Gasparini, Odete Medauar, José dos Santos
Carvalho e Maria Helena Diniz.
Exemplo do qual a doutrina se vale e que tem sido tema recorrente no Judiciário, diz
respeito ao ferimento por bala perdida.
Corrente oposta, na qual se destaca como ferrenho defensor Gustavo Tepedino,
entende pela completa superação do entendimento tradicional, devendo a teoria objetiva ser
adotada integralmente, quer seja para atos comissivos quer seja para atos omissivos do
Estado, pois “não é dado ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu, sobretudo
em se tratando de legislador constituinte – ubi lex non distinguit nec nos distinguere
debemus” (TEPEDINO, 1999, p. 191).
Os adeptos dessa concepção entendem que, tendo a Constituição Federal introduzido
a responsabilidade objetiva para os atos da Administração Pública, alterou-se inteiramente a
dogmática da responsabilidade nesse campo, com base em outros princípios axiológicos e
normativos, de forma que não cabe mais a aplicação da anterior teoria do subjetivismo,
porque suprimida a sua base de validade. O elemento culpa só vai interessar na relação do
Estado com o seu agente, para efeito de eventual direito de regresso.6
No tocante à asserção de que, ao se excluir a apuração da culpa na omissão, o Estado
correria o risco de se tornar o segurador universal de todos os danos advindos aos cidadãos, a
corrente representada por Gustavo Tepedino argumenta que o sistema objetivista traz em seu
bojo contrapesos para que sejam evitadas arbitrariedades, ao admitir a eficácia das chamadas
“excludentes de responsabilidade”, que rompem o nexo causal em casos de culpa exclusiva da
vítima, culpa de terceiro, força maior ou caso fortuito.
Diz o mestre fluminense:
6
Nessa esteira, tem se delineado entre muitos civilistas brasileiros (especialmente do Rio de Janeiro) uma
corrente denominada “Direito Civil Constitucional”, a qual enxerga no direito civil o fenômeno da
constitucionalização do Direito, caracterizado por Luís Roberto Barroso (2005) como “um efeito expansivo das
normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema
jurídico”.
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Nem se objete que tal entendimento levaria ao absurdo, configurando-se uma
espécie de panresponsabilização do Estado diante de todos os danos sofridos pelos
cidadãos, o que exoneraria excessivamente o erário e suscitaria uma ruptura no
sistema da responsabilização civil. A rigor, a teoria da responsabilidade objetiva do
Estado comporta causas excludentes, que atuam, como acima já aludido, sobre o
nexo causal entre o fato danoso (a ação administrativa) e o dano, de tal sorte a
mitigar a responsabilização, sem que, para isso, seja preciso violar o Texto
Constitucional e recorrer à responsabilidade aquiliana (TEPEDINO, 1999, p. 191).
Juristas de nomeada também compartilham desta opinião, dentre eles Hely Lopes
Meirelles, Celso Bastos, Yussef Said Cahali, Sergio Cavalieri Filho e Guilherme Couto de
Castro.
Assim como a doutrina encontra-se em dissenso, também a jurisprudência não é
pacífica quanto à natureza da responsabilidade civil do Estado no caso de omissão.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal tem emitido decisões nos dois sentidos. A
Primeira Turma tem se pareado com a doutrina mais moderna, no sentido de adotar a
responsabilidade objetiva do Estado para todos os atos, sejam comissivos sejam omissivos.
A título ilustrativo, remete-se o leitor à transcrição registrada no item 4 acima.
Por outro lado, a Segunda Turma do STF, embora chegue a transitar corrente
objetivista, não resiste à aplicação da responsabilidade subjetiva do Estado para os atos
omissivos, tal como se pode observar da ementa a seguir transcrita, oriunda do RE 179.147-1SP cujo relator foi o Min. Carlos Velloso:
Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é
subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência,
imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado
que atribuída ao serviço público, de forma genérica, a ‘faute de service’ dos
franceses (BRASIL, 1997).
Fato é que a corrente objetivista privilegia a posição da vítima, ao dispensar a prova
do elemento subjetivo do agente estatal, o que, sem dúvida, acarreta uma maior simplicidade e
celeridade em eventual instrução probatória. Esse aspecto representa a concretização dos
valores mais elevados do Estado de Direito, pois tem-se deparado com a presença do Estado
em todos os setores da sociedade, desenvolvendo toda sorte de atividades – o que ocorre
especialmente por meio dos órgãos da administração indireta.
7 ESTADO E SERVIÇOS PÚBLICOS. A ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
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O Texto Constitucional de 1988 permite ao Estado desempenhar seus serviços
diretamente ou por terceiros. No segundo caso, avulta a figura da administração indireta,
mecanismo secularmente conhecido e justificado pela demanda crescente de necessidades a
que os poderes públicos devem acudir. Dada a multiplicidade de tarefas dos Estados póscontemporâneos, que se projetam nos mais diversos setores sócio-econômicos, envolvendo
desde áreas como a da saúde pública até terrenos como o transporte rodoviário, surge a
necessidade de atribuir a determinados entidades algumas funções públicas.
A administração pública indireta está ao centro do fenômeno conhecido como
“descentralização”. Cuida-se de um mecanismo destinado a descongestionar a máquina
administrativa, invariavelmente sobrecarregada de serviços (CRETELLA JR, 1987, p. 63).
Embora a amplitude da descentralização varie de Estado para Estado, é fato ser ela capaz de
gerar problemas de alguma complexidade na área da responsabilidade civil, especialmente
quando se trata de atribuir ao Estado o dever ressarcitório.
A descentralização administrativa pode ser empreendida de várias formas. Interessa a
esta pesquisa, particularmente, a descentralização por colaboração. Nesta, o Estado delega aos
particulares serviços que, em princípio, seriam seus. É o que se lê do art. 175 do Texto:
“incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
Concessão e permissão assomam, portanto, como os instrumentos eleitos pelo
constituinte para o desempenho de serviços públicos por sujeitos particulares. Importante,
assim, diferenciá-las. Ambas se assemelham, dentre outros pontos, por constituírem uma
forma de delegação de funções pelo poder público e por serem remuneradas. Contudo, o que
as distingue é a precariedade, presente na permissão e ausente na concessão.
Com efeito, enquanto a concessão pode ser definida como o instituto por meio do
qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceite executá-lo em
nome próprio e por sua conta e risco, segundo as condições fixadas e unilateralmente
alteráveis pelo concedente, mas com a garantia de um equilíbrio contratual (BANDEIRA DE
MELO, 2008, p. 690), a permissão é a atribuição daquele mesmo serviço, mas em caráter
precário e revogável (DI PIETRO, 2008, p. 217).
Segue daí que tanto a concessão como a permissão são formas de delegação de
funções a particulares, que se remuneram do usuário do serviço, mas, enquanto na primeira
existe uma estabilidade contratual, na segunda vige a precariedade. Sem embargo, para os
propósitos do trabalho aqui empreendido, não importa distinguir entre concessão ou
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permissão, pois eventual responsabilização civil do Estado por ato da administração indireta
não leva em conta tal distinção.
8 NATUREZA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATO DO
DELEGATÁRIO
No exercício de sua função, pode dar-se de o concessionário ou permissionário virem
a causar danos aos particulares. Nesse caso várias questões se propõem. A primeira delas diz
respeito à necessidade ou não de demonstrar a culpa do agente causador do dano. Em relação
a isso dúvida não há pela aplicação da teoria da responsabilidade civil objetiva, segundo
dispõe o multicitado art. 37, § 6º, do Texto, que, em matéria de responsabilização por danos,
posiciona as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos ao lado das
pessoas jurídicas de direito público. A todas se aplica a responsabilidade objetiva.
Além disso, assentado ser objetiva a responsabilidade civil do concessionário e do
permissionário, cumpre saber se tal responsabilidade tem natureza solidária ou subsidiária. A
questão adquire enorme importância prática, pois, como é cediço, no primeiro caso, o Estado
responde como se devedor fosse; no segundo, responde apenas excepcionalmente.
Se, num passado não muito distante, dúvidas havia acerca da natureza da
responsabilidade do Estado por ato do concessionário ou permissionário, hoje é de concluir
pela aplicação da responsabilidade subsidiária. E isso por duas razões: a uma, porque não há
lei que preveja solidariedade em casos tais; a duas, porque o delegatário do serviço público
não pode ser visto como preposto ou mandatário do poder público.
Em relação ao segundo argumento, colhe-se, de fato, que nem a concessão nem a
permissão são relações de preposição, figura prevista no art. 932, III, do Código Civil. Nas
hipóteses desse dispositivo, a responsabilidade é solidária porque existe uma relação de
mando/obediência ou poder/sujeição, de forma que o agente atua segundo a orientação de um
representado. É o caso de obrigar-se o empregador pelo ato do empregado ou o mandante pela
ação do mandatário.
A ideia da preposição remete ao conceito da representação. Por isso “pré posto”, ou
seja, posto antes. O concessionário que assume a conservação de uma rodovia não representa
o Estado, não lhe é preposto; antes, age em nome próprio, ainda que execute serviço de
interesse coletivo (de notar que quem remunera o concessionário, num tal caso, é o usuário,
não o Estado).
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Assim sendo, mostra-se equivocado o entendimento de que Estado e delegatário
sejam solidários quando este provoque danos ao usuário. Aqui não há preposição, como
preposição não há, apenas para ilustrar, no caso de locatário de veículo em relação ao
respectivo locador, sendo igualmente equivocada a Súmula 492 do STF.7
Agora bem, se solidariedade não existe, dúvida não resta de que há responsabilidade
subsidiária. Se o concessionário executa o serviço por sua conta e risco, não é preposto do
Estado, mas essa circunstância não implica isenção deste em situações como a da insolvência
do delegatário, por exemplo. Em casos como esse não é possível afastar o dever ressarcitório
do poder público, quando esgotado o patrimônio do concessionário causador do dano. “Podese, então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária) existente em certos casos, isto
é, naqueles em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo
concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado”
(BANDEIRA DE MELLO, 1987, p. 58).
De fato, a melhor doutrina vai no sentido de que a responsabilidade do Estado “é
subsidiária sempre que, esgotadas as forças do outorgado, restar por satisfazer certo montante
decorrente de obrigações originadas diretamente da prestação dos serviços" (GASPARINI,
1995, p. 244). Não poderia ser de outra forma; se o Estado não é preponente do delegatário,
isso não afasta a responsabilidade oriunda da má escolha.
O tema encontra-se, inclusive, pacificado na jurisprudência, como se extrai da leitura
do acórdão seguinte:
Exauridas as forças da concessionária, responderá o concedente, subsidiariamente,
pela culpa subjetiva do agente, porque a atividade lesiva só foi possível porque o
Estado lhe colocou em mãos o desempenho da atividade exclusivamente pública
geradora do dano, se a lei ou o contrato não ditarem o contrário (SÃO PAULO,
2008).
Tal parece ser a melhor solução quando se depara com ato lesivo praticado por
delegatário de serviço público.
9 CONCESSIONÁRIO E TERCEIRO NÃO USUÁRIO
Questão igualmente importante para a completa compreensão do tema sob análise diz
respeito à possibilidade de um terceiro, não usuário do serviço público, poder responsabilizar
7
"A
locatário,
locado".
empresa
pelos
locadora
de
danos
por
veículos
responde,
este
causados
a
civil
e
terceiro,
solidariamente
com
o
no
uso
do
carro
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o delegatário do serviço no caso de dano. Ocorre que este trabalho vem falando da
responsabilidade do delegatário e do poder público sob a premissa de que a vítima do dano
seja um usuário do serviço, como, e.g., o passageiro de um ônibus de propriedade de
concessionária de transporte. Mas e quando o dano é infligido a quem não é usuário do
serviço, aplicar-se-ão as mesmas soluções acima apresentadas?
À luz da doutrina é de responder positivamente, ainda que o STF venha entendendo
em sentido contrário.
Razão não há, na verdade, para discriminar usuário e não usuário de serviço público.
Aponta-se, dentre algumas razões, a própria dicção do art. 37, § 6º., da CF, que emprega a
rubrica “terceiros” para se referir às vítimas do dano causado pelo delegatário de serviços
públicos. Como o dispositivo não distinguiu, então é de concluir, numa interpretação literal,
estarem sob sua égide tanto os terceiros usuários quanto os terceiros não usuários de tais
serviços. Nesse diapasão estão, dentre outros, Cretella Jr. (2000, v. IV, p. 352) e Ruth de
Oliveira (2003, p. 205).
Enquanto exercentes de um serviço que, em princípio, deveria ser desempenhado
pelos poderes públicos, concessionário e permissionário devem guiar-se por exemplar padrão
de conduta, conduta que há de ser seguida tanto em face dos usuários como dos não usuários.
Ademais, se os fundamentos da teoria do risco administrativo são, como acima ficou dito, a
solidariedade e a partilha dos encargos, discriminar o não usuário vai contra esses valores.
Mas assim não pensa o STF.
À luz do colegiado superior, embora o delegatário responda pelos danos que vier a
infligir a um terceiro não usuário, não o fará segundo o regime da responsabilidade objetiva,
mas em conformidade com o art. 186 do Código Civil. Se, por exemplo, o ônibus antes
referido vier a colidir com um veículo de passeio, provocando dano aos ocupantes deste, a
imputação da responsabilidade dependerá da apuração da culpa do condutor do coletivo. Tal
não seria necessário se o dano fosse produzido em pessoa transportada pelo ônibus.
É o que se vê do acórdão seguinte.
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PESSOAS
JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO.
CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE
COLETIVO. C.F., Art. 37, § 6º. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários
do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de
usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da C.F. (BRASIL, 2004).
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Colhe-se do volto do relator que a intenção do constituinte, ao estabelecer a regra da
responsabilidade objetiva naquele dispositivo, foi a de obrigar o poder público e respectivos
delegatários à prestação de um “serviço ideal”. O titular do direito subjetivo a esse serviço
ideal seria apenas o respectivo usuário.
Tal entendimento não é condizente, porém, com os princípios que norteiam a
administração pública, em especial o da eficiência. Não parece razoável sustentar que alguns
tenham direito a um serviço ideal e outros, não. Então, quem é usuário de um serviço público
recebe um tratamento privilegiado em face de quem não o é? Quer dizer, o poder público
precisa ser eficiente somente para alguns?
O que o dispositivo em apreço realmente objetiva é a solidariedade e a partilha dos
danos. Se o Estado, por si ou por colaboradores, vem a causar um dano quando está a agir por
todos os membros do tecido social, não faz sentido algum preterir alguns em favorecimento
de outros, criando distinções onde a própria lei não o faz. Como lembra o Min. JOAQUIM
BARBOSA, voto vencido no caso acima examinado, tendo a Constituição brasileira optado
pela teoria do risco administrativo, deve a sociedade como um todo compartilhar dos
prejuízos advindos dos riscos da administração da coisa pública, diante da isonomia de todos
diante do administrador (p. 457 dos autos do RE).
Na realidade, entender de outra forma será ferir os princípios que norteiam a
administração pública do Estado Brasileiro, com respingos no princípio do solidarismo que
funda a República.
10 CONCLUSÕES
A análise da evolução do conceito de responsabilidade civil demonstra claramente
que, mais que mero instituto do direito privado, trata-se de um postulado do próprio Estado de
Direito. Diante disso, para a concretização dos escopos instituto, a exigência da culpa deve ser
atenuada.
A responsabilidade civil administrativa do Estado Brasileiro é informada pela teoria
do risco administrativo, o que determina a adoção da teoria da responsabilidade civil objetiva
em face dos danos provocados tanto pela administração direta quanto pela administração
indireta, incluindo as concessionárias e permissionárias de serviços públicos.
A responsabilidade civil do Estado por ato dos delegatários de seus serviços,
incluindo aí as concessionárias e permissionárias, é subsidiária, razão por que o Estado só
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responderá quando o acervo patrimonial destas não for bastante para reparar o dano que
provocaram.
A teoria do risco administrativo e a responsabilidade civil objetiva devem ser
aplicadas quando os delegatários, nessa condição, infligirem danos a terceiro não usuário do
respectivo serviço. Opinião em contrário do Supremo Tribunal Federal não infirma essa
conclusão.
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