SENSUALIDADE ETÍLICA: o estereótipo da mulher devassa

Propaganda
SENSUALIDADE ETÍLICA: o estereótipo da mulher devassa na
propaganda de cerveja¹
MOMO, Maria Vitória Galvan (Estudante de Graduação)²
FRANCO, Carlos Fernando Martins (professor doutor)³
Projeto patrocinado pelo PIBIC UFT
Universidade Federal do Tocantins/ Tocantins
Resumo: O presente trabalho visa analisar a maneira como a mulher é comparada ao produto,
nesse caso a cerveja Devassa, nas propagandas publicitárias. Utilizando conceitos como publicidade,
persuasão, marketing e estereótipo, traça-se considerações da forma como são usados os recursos e
objetos persuasivos na consumação dos produtos. Assim, a propaganda “travesseiros” da cerveja Devassa
é utilizada como exemplo demonstrativo de que a imagem do produto vendido é relacionada diretamente
à figura feminina. Além de compreender como se dá essa comparação entre a mulher produto através da
análise dos planos da propaganda, tenta-se demonstrar se isso se dá de forma negativa ou positiva para a
mulher. Com isso, o trabalho abrange diferentes formas persuasivas utilizadas pelas propagandas como o
recurso mais presente e visível da cervejaria Schincariol, que é o apelo sexual transmitido através da
mulher-objeto que se confunde, em diversas ocasiões, com a própria cerveja Devassa.
Palavras Chave: Mulher; Propaganda; Consumo; Devassa;
Introdução: A figura feminina sempre foi utilizada pela mídia em analogia à
submissão, trazendo a ideia machista de que “o lugar da mulher é na cozinha”. Desde
antigamente, as “Amélias” são retratadas pela publicidade em propagandas de produto
de limpeza. Porém, com o passar do tempo, a modernidade trouxe novos reflexos da
mudança de comportamento.
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¹ Trabalho apresentado no GT de Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 9º Encontro Nacional de
História da Mídia, 2013.
² Estudante do quinto período de Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do
Tocantins. Endereço eletrônico: [email protected]
³ Radialista, professor Adjunto do Colegiado de Comunicação Social da Universidade Federal do
Tocantns, Líder do Geli - Grupo de Pesquisa em Estética, Linguagem e identidade.
Dessa vez, ela também é apresentada como produto de consumo. A mulher deixou
a figura de “boa moça, boa esposa e dona do lar” para ser vista como um produto a ser
consumido. Assim, através dela, as propagandas fazem alusões ao erotismo em busca do
consumo pelo desejo. Apesar disto, ela continuou sendo usada nas propagandas outrora
tradicionais.
O fato de sua imagem estar, nos dias atuais, veiculada também a outros produtos
torna isso uma evolução para a figura da mulher? Muito pelo contrário. Seu uso acabou
sendo associado ainda mais à submissão da mulher e predominância do homem. Assim,
começou uma nova onda de “brindes” à supremacia masculina: à mulher produto, à
mulher devassa, à mulher que nasceu apenas para servir, limpar e ser usada.
Publicidade e Persuasão
As propagandas utilizam a técnica da persuasão para atingir seu público alvo.
“Persuadir é construir no terreno da ação: quando persuadimos alguém, esse alguém
realiza algo que desejamos que ele realize”. (RIBEIRO, 2005, p. 410). Persuadir, ainda
como nos diz Ribeiro, é “(...) falar à emoção do outro”.
Assim, a propaganda produzida para o audiovisual utiliza variados recursos de
sonoridades e imagens para se aproximar do seu público, pois ela é uma das ferramentas
do processo de persuasão. A propaganda faz com que o produto vendido ganhe a
confiança do consumidor, que pode identificar-se ilusoriamente com o produto. J.
Brown defende a tese de que a publicidade faz uso de esquemas básicos a fim de obter o
convencimento dos receptores. Um dos esquemas é o uso de estereótipo, cujo propósito
é convencer pela boa aparência.
Em nossa pesquisa exploratória e bibliográfica, observamos que o uso de uma
figura estereotipada para convencimento do grande público não é uma novidade, sendo
desde antigamente explorado pelos políticos e comerciantes para conseguir êxito em sua
persuasão. Há, porém, diferenças em seu modo de elaboração. “Enquanto hoje utiliza-se
a aproximação com o receptor através do psicológico, buscando a cumplicidade e
intimidade, antes havia a preocupação com a produção de formas belas e eficazes de
discurso” (MACHADO, GOMES, COSTA, p.3, [entre 2008 e 2012], online).
Platão, em sua obra A República já defendia a tese do estereótipo, afirmando que
as pessoas tendem a eleger seus representantes baseadas na concupiscência, ou seja,
pelo desejo sexual; lado esse extremamente explorado pelos políticos para atingir seu
alvo: o voto. Com isto, Platão traz uma nova tese à tona. Além de convencer pela
aproximação com o consumidor, as propagandas visam a convencer, também, pelos
desejos sexuais e, nesse ponto, entra novamente a ideia de estereótipo.
A propaganda, ao final, precisa buscar um modelo padrão de beleza firmado na
sociedade, ou seja, para que se torne objeto persuasivo precisa ser aceita por um grande
número de pessoas. O estereótipo, nesse caso, são generalizações, segundo
características externas, feitas sobre modelos aceitos por um grande número de pessoas,
formando rotulações a respeito de determinados preceitos. Pois, “[o] padrão de beleza
estabelecido pela propaganda persuasiva está associado a jovialidade, a sensualidade, ao
corpo perfeito” (MACHADO, GOMES, COSTA, p.9, [entre 2008 e 2012], online).
Outro objeto usado para persuasão é a incitação da felicidade. Ou seja, para que as
pessoas comprem o produto vendido, ele precisa trazer alguma coisa positiva para suas
vidas. Assim, as propagandas afirmam que caso você compre o produto, você será uma
pessoa mais feliz, sua vida será mais fácil e suas realizações pessoais maiores. Nesse
ponto, Nunes explica e conclui que “Todo mundo é feliz nos anúncios de cigarro. Todo
mundo é feliz nos anúncios de bebida. Todo mundo é feliz nos anúncios de carro. Todo
mundo é feliz nos anúncios de tudo. A melhor garota propaganda da publicidade é a
felicidade” (NUNES apud MACHADO, GOMES, COSTA, [entre 2008 e 2012],
online).
O marketing e a mulher devassa nas propagandas de cerveja
Estimulador de vendas, o marketing tem como objetivo conquistar seu público e
mantê-lo. Por essa razão, por meio da publicidade os desejos e fantasias do consumidor
são associados a alguma figura para que se concretize o consumo do produto. Dessa
forma, Marcos Cobra (2002), autor de Sexo & marketing e Administração de marketing
no Brasil e consultoria em marketing – o manual do consultor (2003), afirma que:
O “marketing” moderno está centrado na identificação de
necessidades não atendidas no mercado e no desenvolvimento de
produtos e serviços destinados a suprir essas necessidades. O
“marketing”, de alguma maneira, ajuda o consumidor a realizar
desejos de forma a proporcionar-lhe satisfação e prazer.
Descobrindo qual o desejo do consumidor e unindo novos desejos de consumo, a
propaganda acaba por criar necessidades antes não existentes, envolvendo
emocionalmente os indivíduos atingidos pela publicidade. Com isso, bem lembra
Drummond, a publicidade causa uma falsa felicidade, fazendo com que ao voltar à
realidade, o indivíduo sofra algumas consequências, como uma angústia profunda.
Ao mesmo passo em que cria necessidades e angústias, a publicidade também cria
artifícios de persuasão. Para que possa atingir seu público alvo, busca simpatia e
cumplicidade, fazendo com que o indivíduo identifique-se com o produto vendido e a
adesão do produto o torne superior em status e qualificação.
Os objetos persuasivos usualmente utilizados pelas propagandas são: Emoção –
fazer com que o produto alcance o lado sentimental de quem o assiste; Confiança –
unida à emoção, faz com que o consumidor se identifique com o produto, esse conjunto
faz surgir o terceiro objeto; Necessidade – mesmo que seja um produto inovador,
precisa incitar o desejo pelo consumo, fazendo com que o consumidor pense que o
objeto a ser vendido é essencial para a manutenção da vida; Estereótipo e apelo sexual –
unidos, formam um grande e recorrente recurso utilizado pela publicidade, o qual forma
padrões aceitos socialmente e, ainda, transformam esse padrão em desejo.
Uma das táticas usadas pela cervejaria Schincariol, fabricante da cerveja Devassa,
é o uso dos atributos de uma personalidade na identificação de seu produto, estratégia
essa frequentemente vista nas peças publicitárias. Desde seu contrato com Paris Hilton,
a cerveja, que já possuía o nome “Devassa”, acabou adquirindo atributos dados à
socialite americana, conhecida por seu comportamento irresponsável e transgressor,
passados para a cerveja.
Utilizando os padrões de beleza conhecidos pela sociedade, a cervejaria sempre
trouxe mulheres bonitas e sensualizadas em suas propagandas. Assim, notório fica a
apresentação de um forte apelo erótico na comparação da cerveja com o corpo feminino.
Segundo o próprio site da cerveja Devassa, a empresa investe em espiritualidade e
autenticidade, “assumindo tudo o que as outras cervejas gostariam de ser, mas morrem
de vergonha. Quem pede uma Devassa tem a dose certa de segundas intenções, busca
liberdade”. Uzêda explica nestes termos que:
Os publicitários criam a propaganda para atingir o senso comum,
desse modo, existe um significado do discurso dominante socialmente
atribuído à mulher. A cerveja por ela mesma não cria no imaginário
social um poder de venda, é necessário ela está (sic) associada a
outros valores (atribuídos nesse caso à mulher) para se tornar um
objeto de desejo e consumo. Aparecendo ao lado de objetos de
consumo, os corpos femininos prometem um paraíso erótico, em
suma, são, para nós, os representantes genéricos do que é desejável.
(UZÊDA, 2007, online).
Dessa forma, a mulher é usada como o próprio objeto de consumo, trazendo suas
características para o produto divulgado. Segundo Uzêda, as peças publicitárias, com
intuito de atingir seu público, não criam nenhuma ideia desconhecida socialmente.
Apenas atrelam aos seus produtos os conceitos dados pela própria sociedade. Nesse
meio surge o conceito de belo que se pretende incutir pela via publicitária. Inclusive,
“[a]s propagandas de cerveja utilizam representações sobre as mulheres que circulam na
sociedade” (UZÊDA, 2007, online). Ou seja, procuram representar de forma estética e
comportamental o que é presenciado no cotidiano cultural. As imagens percebidas no
dia-a-dia e virtualizadas pela nossa memória acabam sendo atualizadas nas
propagandas, pois:
Vivemos em um mundo visual, em uma sociedade de imagens, em
uma cultura da mídia. Portanto é relevante para quem vive imerso em
uma sociedade da mídia e consumo, aprender a conviver neste
ambiente midiático, aprendendo como entender, interpretar e criticar
os seus significados e imagens [...] (UZÊDA, 2007, online).
Outro conflito aparente que surge na propagação de imagens pejorativas da
mulher na propaganda de cerveja está ligado à ideia de dominação masculina e
diferenças entre os sexos.
Desse modo, as práticas discursivas dominantes veiculadas nas propagandas de
cerveja contribuem para que a dominação masculina perpetue, fortalecendo a submissão
das mulheres no âmbito público e principalmente no privado. A mulher (e por extensão
o seu corpo) está presente nas propagandas para ser “consumida” assim como a cerveja.
Com isto, a mulher perde suas características de „sujeito‟ para virar apenas mais um
objeto: produto divulgado pela mídia.
Com relação a esse assunto, Berenice Bento, doutora em sociologia e
pesquisadora da Universidade de Brasília, afirma em entrevista para a Folha de São
Paulo que “Não há sutileza, as mulheres estão ali para serem consumidas. Os anúncios
revelam que a mulher é algo para servir ao homem e mostram como estamos longe de
uma sociedade com equidade de gêneros”.
Nesse sentido, diversos militantes do movimento feminista se manifestam em
favor da mudança no uso do corpo feminino nas propagandas. Anualmente, diversos
estudos são publicados com o intuito de evidenciar tal problema, além de outras
medidas tomadas com o objetivo de sanar esse “vício” na comunicação publicitária de
associar a mulher e seu corpo com o consumo de cerveja. Como exemplo temos o
projeto de lei da deputada Iara Bernardi (PT-SP) o qual proibia a veiculação de
propagandas que utilizassem imagens sensuais ou pornográficas em qualquer meio de
comunicação do país.
Em contrapartida, outros críticos e publicitários manifestam-se em favor do uso da
“beleza” da mulher para incitação do desejo de consumo, como diz Sérgio Valente:
Não vou mostrar pessoas esfaqueando às outras, porque isso é um
exemplo ruim... não se deve criar uma „patrulha‟ ideológica sobre os
criativos. Mas também não acho que vincular mulher bonita a cerveja
seja algo machista, isso é brasileiro... O único papel da propaganda é o
resultado em vendas. (VALENTE in MADUREIRA, 2002, online).
As propagandas utilizam-se, pois, da beleza (muitas vezes estereotipada, afinal,
apesar de ser um elemento subjetivo inerente a cada um, existe, ainda, um modelo
socialmente pré-definido por bonito) para atacar o lúdico de quem o assiste.
O caso analisado por esse artigo está presente na propaganda intitulada
“travesseiro” da Cerveja Devassa. Como já dito anteriormente, a cervejaria já atribuiu
uma imagem para seu produto caracterizada no próprio nome (devassa, significa, pelo
dicionário, mulher desprovida de pudores ou questões morais em relação ao sexo).
Atrelado ao nome, que já é sugestivo, a cervejaria ainda conta com outros artifícios para
comparar a cerveja com uma mulher de verdade. Um desses é a logomarca utilizada,
uma mulher com grandes curvas e as palavras “bem loura”, caracterizando a cerveja.
Outra questão perceptível é a forma como as propagandas são passadas. Paris Hilton foi
quem deu o ar ousado que a cerveja estava procurando. Após, outras mulheres loiras e
socialmente admitidas como bonitas fizeram parte do tributo cultural da cerveja.
Visível fica, com a análise da propaganda, a comparação direta que se pretende
alcançar ao fazer com que a cerveja seja a própria mulher. Por conta disso é que se
busca um padrão de beleza aceito, para que aqueles que consomem a cerveja consumam
a loira devassa. Com relação à concepção de beleza, Nishida explica que “Hoje a
mulher busca a beleza primordialmente para sua satisfação pessoal. Porém, ressaltamos
que a publicidade de alguns segmentos de produtos ainda se vale do princípio da beleza
como artifício para a conquista do sexo oposto” (Nishida, p.4, 2006, online).
A mulher como produto de consumo
As propagandas de cerveja costumam utilizar-se de representações femininas
associadas aos produtos fazendo alusão ao desejo e consumo. Assim como afirma
Uzeda, 2007, online, “A mulher (e por extensão o seu corpo - assim fragmentados) está
presente nas propagandas para ser “consumida” assim como a cerveja”.
Quanto aos valores atribuídos ao produto, como já explicado, as cervejas
necessitam de um novo objeto para dar valor ao seu produto. Como a grande maioria de
quem consome as cervejas são do sexo masculino, prevaleceu a ideia de que o outro
objeto de consumo utilizado como apoio seria o corpo feminino, que realizam o paraíso
erótico no qual quem consome a cerveja, consome também a mulher.
Nessa análise, a mulher não aparece nas propagandas como sujeito, detentor de
direitos, desejos e opiniões, mas apenas seu corpo, utilizado independentemente do ser,
como se fosse, assim como a cerveja, om objeto inanimado, sem vontades ou vida
própria, que está ali apenas para ser consumido. Quanto a isso, Uzêda explica que “É
necessário um discurso político eficaz sobre os usos do corpo feminino pela mídia, pois,
ao fragmentar a mulher, dando evidencia somente a algumas partes do seu corpo, ela
não se constitui enquanto sujeito”.
Análise dos planos – Propaganda “Travesseiro”, cerveja Devassa
. A propaganda conta com planos (intervalo entre dois cortes) curtos, trazendo
movimentação para a propaganda.
. Além disso, as mulheres usadas são todas loiras, associando-as ainda mais com a
cerveja mostrada na propaganda, que é a “devassa loura”.
. A sonora de toda a propaganda é composta de uma música instrumental (teclado
e bateria).
O primeiro plano tem a duração de dois segundos, e nele observa-se a figura de
um homem abrindo uma porta, atento a alguma figura que aparecerá no contraplano,
como se algo estivesse chamando sua atenção. Junto com o homem e a porta, aparecem
também penas de travesseiro, que serão explicadas nos próximos planos. O que
configura esse plano é a ênfase de uma imagem metonímica, pois o objeto que vibra
aparece com parte do rosto escondida por detrás de um anteparo.
No segundo plano aparecem cinco mulheres, todas loiras, de trajes íntimos de
dormir, brincando de guerra de travesseiros. O ambiente possui lustres e sancas com
decorações refinadas e douradas. Aparece também uma parte do personagem descrito no
plano anterior, de costas, observando a brincadeira das mulheres. Este personagem
aparece mais uma vez de forma metonímica, sendo que a luz incide na sua frente, o que
faz com que a imagem que sugere o homem do plano anterior apareça numa sombra.
Existe um contraste entre um ambiente refinado com o caos produzido pelo esvoaçar
das penas oriundas dos travesseiros sacudidos das mulheres. Percebe-se a luz que entra
pela porta localizada na parte direita do plano, fazendo-nos concluir que a ação ocorre
em ambiente interno/dia/manhã. Ao contrário do que temos em mente sobre o ato de
dormir, a cena com mulheres trajadas em roupas de dormir ocorre em uma sala, com os
móveis bagunçados e espalhados pelo ambiente. Há uma antítese conceitual entre os
objetos: mulheres trajadas com roupas de dormir, ambiente diurno e em uma sala de
estar.
No terceiro plano aparece uma das mulheres, loira, em primeiro plano, de
calcinha, em um pulo em câmera lenta. Ao pular, a camiseta sobe, aparecendo uma parte
do abdome. A mulher está em um movimento (em câmera lenta) com o travesseiro ao
alto, dando a entender que está prestes a acertar o travesseiro em alguém (a mulher em
segundo plano). Ela também está sorrindo, e mantém os olhos fechados, como alusão à
realidade da brincadeira. Em segundo plano aparece, no canto do plano, uma segunda
mulher, também loira e de pijamas, de costas, brincando de guerra de travesseiro com a
mulher descrita anteriormente.
No quarto plano aparece outra mulher loira em primeiro plano, olhando fixamente
para a câmera. Pelo movimento das imagens, dá a entender que no momento em que
aparecem as mulheres é como se a câmera fosse a própria visão que o homem tem das
mulheres. Então, quando elas encaram a imagem é como se estivessem o encarando e
sorrindo para ele. Esta mulher sorri de canto, mostrando descontração com a brincadeira
e provocação do homem. Ao fundo há a presença de outra mulher loira. Essa segunda
mulher também está rindo, dando a entender que a descontração vem da brincadeira.
No quinto plano aparece mais uma vez o homem, seu olhar perdido passa de um
lado para o outro do quarto. As expressões mostram indecisão, sem saber para qual das
mulheres olhar. Mesmo as cenas que não mostram as mulheres brincando, como esta,
podemos ver penas voando na frente do rosto do homem, lembrando a quem assiste de
que ele está observando as mulheres brincar.
No sexto plano aparece uma das mulheres anteriormente mostradas. Esta é a
mulher que está em segundo plano (de costas) no terceiro plano. Percebe-se que essa é a
única mulher que possuí a cor da roupa diferente das demais. Porém, todas elas
possuem degote, mostrando boa parte do corpo das mulheres. Durante toda a
propaganda é perceptível uma espécie de pingue-pongue com planos curtos mostrando
mulheres loiras (e belas, de acordo com o padrão imposto pela mídia). A forma como o
homem as observa mostra sua apreciação e desejo pelo que é visto.
No sétimo plano aparecem três das cinco mulheres, novamente brincando com os
travesseiros. As loiras sorriem mostrando diversão na brincadeira. As imagens das
mulheres são sempre feitas em câmera lenta, dando mais tempo para o espectador
apreciar a propaganda e também auxiliando um jogo de sedução entre as mulheres e a
câmera (supostamente o homem).
No oitavo plano aparece um segundo homem, em frente as mulheres, desviando a
atenção do primeiro homem. Aparece trajando uma camiseta da mesma cor que alguns
móveis do cenário (vermelho escuro) e com uma lata de cerveja devassa na mão. O
plano é composto pelas cinco mulheres ao fundo, mostrando o ambiente inteiro,
juntamente com o segundo homem. As mulheres brincam como se nada estivesse
acontecendo. O segundo homem faz gestos como se tentasse chamar a atenção de
alguém (ele assobia, estrala os dedos e fala “ô, ô, ô, acorda aí”), o que dá a se entender
que é a do primeiro homem que observava as mulheres.
No nono plano, o primeiro homem (que observava as mulheres) aparece atrás de
cervejas devassas, em frente a um freezer repleto de cervejas, observando-as. Tal
associação dá a entender que durante todos os momentos o homem esteve diante das
cervejas, apenas imaginando a cena das mulheres brincando de guerra de travesseiros.
Assim dá a entender que, na verdade, as mulheres eram imaginação do primeiro
homem, que olhava apenas para as cervejas. Aparecem diversas latas de cerveja nesse
plano. É apresentado de forma precisa, nesse momento, a marca do comercial, a cerveja
devassa.
No décimo plano aparece novamente o segundo homem, conversando com o
primeiro “a porta da geladeira, a cerveja vai esquentar”, e mais duas pessoas- que não
participam ativamente do comercial- ao fundo. Nesse plano fica visível o primeiro
homem, com a geladeira aberta repleta de devassa, além de várias outras latas
espalhadas pelo ambiente.
No décimo primeiro plano aparece o primeiro homem prestando atenção na
conversa do segundo homem, mostrando um pedaço da geladeira com cervejas devassa,
reafirmando que o que realmente acontecia, o homem observava a geladeira com
cervejas, e não as mulheres. Escuta-se apenas a voz do segundo homem “a porta Mané,
fecha”. O homem descrito no plano está olhando para o lado (supostamente para o outro
homem) e volta seu olhar para a geladeira aberta repleta de cervejas.
No décimo segundo plano aparece, em primeiro plano, somente a geladeira cheia
de cervejas devassa, como se a câmera fosse o olhar do primeiro homem (o que
realmente ele estava vendo).
No décimo terceiro plano aparece o primeiro homem ainda segurando a porta da
geladeira, com a mesma cara descrita nos planos anteriores, mostrando não entender
direito o que se passa, e o segundo homem pegando uma lata de cerveja “fica esperto”.
Dessa vez aparecem 5 pessoas ao fundo, 3 mulheres e 2 homens.
No décimo quarto plano aparece o primeiro homem da mesma forma como no
nono plano (atrás de uma geladeira – segurando a porta aberta). O plano se dá de dentro
da geladeira, mostrando algumas latas de cerveja Devassa e o rosto do primeiro comem,
revelado o objeto real da admiração.
“Todo mundo tem um lado que sonha com uma devassa bem loura, bem suada e
bem gostosa. Afinal, todo mundo tem um lado devassa”. (a frase aparece como uma
sonora, dita no décimo quarto, décimo quinto, décimo sexto, décimo sétimo e décimo
oitavo plano).
No décimo quinto plano aparecem os dois homens, abraçados de forma
descontraída, com o segundo segurando um balde da devassa com garrafas da cerveja,
mudando o padrão, pois ate agora só tinham aparecido latas, e não garrafas. Não há
mais um ambiente, e sim um plano de fundo vermelho. O plano aparece de forma
rápida, não podendo ser feita a análise durante a passagem da propaganda.
No decimo sexto plano aparece o primeiro homem com um copo de cerveja na
mão, cercado pelas mulheres que ele imaginou, todas com “baby-doll” branco e curto.
Aparece com uma feição de satisfação (sorrindo) e as mulheres em sua volta, pegando
em seu ombro. Mistura-se o conceito do motivo do prazer demonstrado pelo homem, a
cerveja ou as mulheres? É o mesmo fundo do plano anterior.
No décimo sétimo plano aparecem, de forma muito rápida, os dois homens
“abraçando” uma geladeira da cerveja devassa. O fundo é o mesmo vermelho utilizado a
partir do décimo quinto plano.
No décimo oitavo plano aparece a frase “todo mundo tem um lado devassa” (logo
da cervejaria) no mesmo fundo vermelho. O ícone que aparece é uma mulher (a mesma
do logo da marca) com curvas delineadas e uma garrafa de cerveja na mão, fazendo com
que seu lado devassa seja associado ao da cerveja, indicando o lado devassa do produto,
almejado pelos homens em uma mulher.
No décimo nono plano aparece a logomarca do produto “devassa: bem loura”,
com seu ícone da mulher (na pose sensual, somente de lingerie, sentada nas pernas, com
os braços erguidos e atrás da cabeça). Continua o fundo vermelho.
Primeiro Plano
Segundo Plano
Terceiro Plano
Quarto Plano
Quinto Plano
Sexto Plano
Sétimo Plano
Oitavo Plano
Nono Plano
Décimo Plano
Décimo primeiro Plano
Décimo segundo Plano
Décimo terceiro Plano
Décimo quarto Plano
Décimo quinto Plano
Décimo sexto Plano
Décimo sétimo Plano
Décimo oitavo Plano
Décimo nono Plano
Considerações Finais:
A ambiguidade usada pela cerveja Devassa em sua propaganda “travesseiros” faz
alusão àquilo que é o próprio objetivo da cerveja: confundir a mulher devassa da
propaganda com a própria cerveja. Assim, o jogo de imagens traz a ideia de que ao
observar a cerveja na geladeira, o homem observa belas mulheres loiras, como se ambas
fossem uma coisa só.
Visível fica, portanto, a utilização pejorativa da mulher-produto como objeto
persuasivo. Não há o que se pensar, nesse âmbito, na venda descasada entre o produto e
a mulher. Assim, quem compra a cerveja leva para casa belas “devassas bem louras”.
Essa ideia pertencente à qualificação da cerveja se concretiza no conjunto da utilização
de seu nome “Devassa” com as figuras atribuídas a ela. Sempre mulheres loiras
encaixadas no padrão de beleza aceito socialmente.
A brincadeira (guerra de travesseiros) utilizada durante a propaganda, porém, se
caracteriza como mais uma jogada da empresa Schincariol. Misturando uma brincadeira
puramente infantil e, em teoria, inocente, com a impureza e perversão que caracterizam
uma mulher devassa, a propaganda faz um novo jogo com o lúdico do espectador.
Assim, conforme analisado durante as pesquisas exploratórias, chegou-se a
conclusão de que além de seu uso frequente como objeto persuasivo em diversos estilos
de propagandas, a mulher é relacionada diretamente ao produto, caracterizando e dando
suas atribuições a ele. Por esse motivo é que se busca a ideia estereotipada de belo e
bom, para que o produto se torne uma necessidade dos espectadores que o verão de
forma positiva.
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