Sulphur e a Alquimia Dr. Jorge Frederico Fortes Letra Homeopathica Jung demonstrou em seu livro "Psychology and Alchemy" que o simbolismo alquímico é em grande parte um produto da psique inconsciente. "A real natureza da matéria era desconhecida do alquimista, ele tinha meros indícios a respeito. Ao tentar explorá-la projetou o inconsciente sobre as trevas da materia a fim de iluminá-la... Enquanto fazia suas experiências químicas, o operador passava por determinadas experiências psíquicas que lhe pareciam ser o comportamento particular do processo químico. Como se tratava de uma questão de projeção ele naturalmente desconhecia o fato de a experiência nada ter a ver com a própria matéria. Ele experimentava sua projeção como uma propriedade da matéria; mas sua experiência, na realidade, era do seu próprio inconsciente". Assim, podemos afirmar que as imagens alquímicas descreviam através de suas etapas (Calcinatio, Solutio, Coagulatio, Sublimatio, Mortificatio, Separatio e Coniunctio) um processo psíquico que Jung denominou de Individuação e que ofereciam uma espécie de anatomia deste processo. Sulphur é uma das tres substâncias que fazem parte da Coagulatio (as outras duas são Mg e Plb). Coagulatio é o processo que transforma as coisas em "terra". Tornar-se terra para um conteúdo psíquico significa concretizar-se numa forma particular, significa tornar-se ligado a um ego. A operação alquímica da Coagulatio constitui um elaborado sistema de símbolos que expressa o processo arquetípico da formação do ego. O desenvolvimento do ego é como um processo em que a totalidade latente, préexistente, que Jung chamou de "Si-mesmo", uma pré-figuração inconsciente do ego, primeiro encarna e depois é assimilado por meio dos esforços do individuo. Segundo Neumann no homem existe uma persistente tendência no sentido de tornar conteudos primários, transpessoais e coletivos em conteudos secundários e pessoais. A personalização acha-se diretamente vinculada com o crescimento do ego, da consciência e da individualidade. Os três agentes da Coagulatio na Alquimia (Mg, Plb, Sulph) têm significados psicológicos diferentes. O Mg significa a união do espírito transpessoal com a realidade humana corriqueira. O Plb, pesado, sombrio, incômodo, associado ao planeta Saturno, carrega qualidades como depressão e melancolia e vincula-se à pesada realidade com suas limitações. Sulphur com sua cor amarela e seu carater inflamável é associado ao Sol, por outro lado seus vapores impregnam de mau cheiro e escurecem metais, razão pela qual é também associado ao inferno. Ele constitui a força impulsionadora da consciência. Se por um lado a vontade é concebida como um dinamismo subordinado à consciência, a compulsão ou impulso involuntário, um dinamismo inconsciente é associado ao Sulphur. Parte do significado do enxofre é desejo, e o desejo "coagula". O desejo irrefreado é não apenas característico da carne (o aspecto coagulado da psique) como inicia o processo da encarnação. Como exemplo, encarnação e desejo estão vinculados no "Livro Tibetano dos Mortos". Sem desejo não haveria senão quietude eterna, sem substancialidade segundo Jacob Boehme. Uma imagem neoplatônica da encarnação da alma também atribui a esta o estado de motivação pelo desejo: "olhando a terra daquela altíssima esfera e daquela luz perpétua, e tendo contemplado com secreto desejo a tentação do corpo e de sua vida, dita na terra, a alma, pelo próprio peso disso faz seu pensamento voltado para a terra afundar gradualmente na direção do mundo inferior... Em cada esfera por que passa é revestida por um invólucro etéreo, pelos quais se reconcilia, por etapas, com a companhia de suas vestes terrenas. E assim é que ela passa por tantas mortes quantas são as esferas que percorre quando se dirige para aquilo que, na terra, é chamado vida".(Macrobius, citado em Jonas-The Gnostic Religion) Nesta passagem vincula-se o processo de encarnação com o desejo, com uma descida ou queda do céu e com o vestir-se. A queda do céu no Gênesis, por soberba, paixão ou mesmo rebelião de Lucifer contem os elementos do simbolismo da Coagulatio. Trata-se de uma descrição do ato pré-consciente original que assentou os alicerces do ego. Anjos ou seu equivalente ainda caem do céu nos sonhos modernos. Sonhos de aviões em choque, de objetos cadentes, de fogo que cai do céu costumam referir-se a Coagulatio e consequentemente ao processo de formação de ego. Pacientes com problemas neste processo padecem de uma deficiência de desenvolvimento do ego. Eles tem um investimento inadequado de libido, uma fragilidade em termos de desejo, são pessoas que não sabem o que querem e temem seus próprios desejos. Assemelham-se a almas não nascidas que, no céu, fogem da queda na realidade concreta. Desenvolvem uma "Philosophical mania", uma espécie de filosofia sem nenhuma base real, uma aversão ao trabalho real, objetivo, sistemático... Uma incapacidade de materializar suas idéias, em suma, uma dificuldade de "coagular". Eles precisam cultivar seus desejos, procurá-los, alimentálos e agir de acordo com eles. Somente depois que o fizerem a energia psíquica se mobilizará para promover a experiência de vida e devenvolvimento do ego. O alimento, que nutre o corpo, também pertence ao simbolismo da coagulatio. Comer algo significa incorporá-lo, torná-lo corpo. O paciente Sulphur terá muitas questões também ligadas a esta esfera. Concluindo, todo processo inicial de desenvolvimento psíquico individual, o surgimento do ego a partir do seu estado original de Unicidade com a psique objetiva, pode ser sentido como um processo de Coagulatio onde Sulphur é o correspondente material destes princípios arquetípicos. Bibliografia JUNG, C. G. Psychologie du Transfert JUNG, C. G. Psychologie et Alchimie EDINGER, E. F. Anatomia da Psique KENT, J. T. Materia Medica