Revisão: Minerais e doença renal crônica Minerals and chronic

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J Bras Nefrol 2003;25(1):17-24
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Revisão: Minerais e doença renal crônica
Minerals and chronic renal disease
Denise Mafra
Fundação Instituto Mineiro de Estudos e Pesquisas em Nefrologia (IMEPEN) da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz
de Fora, MG, Brasil
Selênio. Cálcio. Ferro.
Zinco. Cobre. Doença
Renal Crônica (DRC).
Selenium. Calcium. Iron.
Zinc. Copper. Chronic
Renal Disease (CRD).
Resumo
Durante as últimas décadas, tem-se dado ênfase à pesquisa sobre compostos inorgânicos
em pacientes renais crônicos. Os oligoelementos podem apresentar alterações em suas
concentrações e provocar distúrbios biológicos, bioquímicos e/ou funcionais nesses
pacientes. O mecanismo que está envolvido no metabolismo anormal dos oligoelementos
ainda não é muito bem esclarecido, porém as anormalidades observadas nos pacientes
com relação aos minerais contribuem em parte para os sintomas urêmicos, como anemia
por deficiência de ferro, disfunção imune e sexual por alterações nas concentrações do
zinco, aumento da peroxidação lipídica por redução dos níveis de selênio e anormalidades
ósseas por distúrbios do cálcio e fósforo, dentre outros sintomas causados pelo alterado
metabolismo de alguns minerais. Portanto, há necessidade de mais estudos e de avaliação
rotineira do estado nutricional referente a estes minerais, bem como avaliação da ingestão
alimentar pelos pacientes, dos medicamentos, doenças associadas e do tipo de tratamento
que o paciente está recebendo. Assim, o objetivo dessa revisão foi verificar o estado
nutricional relativo a alguns oligoelementos nos pacientes com DRC e mostrar a
importância da realização de mais estudos nesta área da nefrologia.
Abstract
During the last decades, emphasis has been given to research on inorganic compounds in chronic
renal disease (CRD) patients, because they induce biological, biochemical, and/or functional
disturbances. The role of alterations on trace elements in uremia has not yet been characterized
and still remains an unsolved question. However, changes in trace elements concentration may
have important implications for the morbidity of these patients, like anemia due to iron deficiency,
immune and sexual disfunction due to zinc abnormalities, increased lipid peroxidation due to
reduced selenium concentrations, and renal osteodystrophy, one of the more serious
complications of disordered mineral metabolism. More studies are necessary on minerals intake
and nutritional intake of zinc, selenium, iron, and others minerals, as well as an evaluation of
their excretion rate, loss of trace elements in dialysis, disease stage and CRD complications.
The present review identifies some minerals abnormalities seen in CRD patients.
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Minerais e DRC - Mafra D
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I n t r o d u ç ã o
Durante as últimas décadas, tem-se dado ênfase à
pesquisa sobre toxinas urêmicas, mas, quase que exclusivamente, no que diz respeito à retenção e remoção de compostos orgânicos; entretanto, compostos
inorgânicos também induzem distúrbios biológicos, bioquímicos e/ou funcionais nos pacientes com DRC.
Não só mudanças na homeostasia de água e eletrólitos, mas também os minerais têm uma importante implicação para morbidade nesses pacientes.
As anormalidades nas concentrações dos oligoelementos nos fluidos e tecidos de pacientes urêmicos dependem de muitos fatores, sendo os mais importantes
o grau da falência renal, ou seja, o estágio da doença, e
o tipo de tratamento que o paciente está recebendo.1
Com relação aos resultados de vários estudos, não
há uniformidade: dependendo do elemento de estudo, às vezes os valores de sangue total são citados, às
vezes apenas os dos eritrócitos ou plasma ou soro.
Vários dados sobre concentrações de oligoelementos na uremia são citados desde os anos 60 até agora,
e a sensibilidade e acuracidade dos métodos de medidas têm melhorado, tornando-se evidente com estes
estudos que há alterações nas concentrações de alguns
oligoelementos, sendo que uns tendem a aumentar na
falência renal (As, Cd, Cu, Hg e Mo) e outros mostram
tendência em diminuir (Zn, Se, Rb e Cs).2, 3
O mecanismo que está envolvido no metabolismo
anormal dos oligoelementos ainda não é muito bem
esclarecido, porém as anormalidades observadas nos
pacientes com relação aos minerais contribuem em parte
para alguns dos sintomas urêmicos.2, 3
Já existem vários trabalhos relatando as alterações
nas concentrações de minerais nos pacientes com DRC,
como o de Zima et al4 (1999), que avaliaram as concentrações plasmáticas e eritrocitárias de oligoelementos, tais como selênio, cobre e zinco, em pacientes sob
hemodiálise ou diálise peritoneal, comparados com
indivíduos saudáveis. Os autores observaram que existem diferenças nas concentrações plasmáticas e eritrocitárias dos oligoelementos estudados, e também verificaram que o tipo de tratamento pode contribuir para
essas anormalidades nas concentrações de minerais.
A alteração nas concentrações de alguns minerais
pode ser resultante de um consumo inadequado, ou
por anorexia ou quando os pacientes seguem dietas
especiais, como hipoprotéicas, insuficiente excreção
renal, contaminação pela água de diálise, reduzida bio-
disponibilidade, prejudicada absorção, aumento da excreção e perdas extracorporais. Alguns elementos são
perdidos pela diálise, ou até mesmo alguns fármacos
podem alterar as concentrações de oligoelementos.5
A desnutrição, devido a uma baixa ingestão protéica ou proteinúria, pode ser uma das causas das baixas
concentrações de zinco, níquel e manganês. O acúmulo
de alguns minerais também pode ocorrer por algum distúrbio na DRC. Porém, quando a depleção é bem documentada e quando houver evidências de efeitos positivos da suplementação de algum mineral na qualidade
de vida destes pacientes, esta deve ser indicada.
Nesta revisão abordaremos alguns minerais como
selênio, cálcio, ferro, zinco e cobre, e suas alterações na
DRC, relatando recentes estudos citados na literatura.
Selênio(Se)
Este mineral é essencial, pois faz parte da estrutura de hormônios, está envolvido com a produção de
prostaglandina, promoção do crescimento e fertilidade, e ainda é componente da glutationa peroxidase,
que, juntamente com a vitamina E, participa do sistema de defesa antioxidante do organismo.4
As principais fontes de Se são fígado, rins e frutos
do mar, seguidos de carnes e cereais. Além destes, a
castanha do Pará também é uma excelente fonte de Se
no Brasil. O consumo de selênio está primariamente
associado com a ingestão de proteínas, através de fontes alimentares. As quantidades do mineral nos alimentos variam muito, devido ao tipo de solo.2
É difícil identificar as anormalidades clínicas específicas do Se na DRC, mas sabe-se que elas podem estar envolvidas em várias condições, como doenças cardiovasculares, anemia, alterações nos cabelos e unhas
e distúrbios na função imunológica.6-9
Vários trabalhos têm mostrado reduzidos níveis
de Se no soro, eritrócitos e linfócitos nos pacientes
renais crônicos, além de reduzida atividade da glutationa peroxidase.10
Zima et al4 (1999) observaram que as concentrações plasmáticas e eritrocitárias de selênio em pacientes sob hemodiálise foram menores quando comparadas ao grupo controle.
As causas da deficiência de Se na DRC não estão
totalmente esclarecidas, entretanto uma possível redução na absorção de Se no trato gastrointestinal e
perdas através da diálise podem causar a deficiência
de Se nesses pacientes.11 Além disso, o baixo consumo poderia também contribuir para esta deficiência.
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A suplementação rotineira de selênio nos pacientes renais ainda é controversa. Porém, em alguns trabalhos, parece ser efetiva para melhorar a função imunológica e reduzir os produtos do estresse oxidativo
desses pacientes, além de ter efeito cardioprotetor e
propriedades imunoestimulatórias.12
Em um estudo, a suplementação oral com 500 mg/
dia durante 12 semanas manteve os níveis de selênio
dentro do normal, embora a enzima glutationa peroxidase ainda permanecesse em níveis baixos.13
Outro estudo mostrou que um grupo de hemodialisados foi suplementado com fórmula líquida de selenato e observou um aumento significante de selênio
no plasma.14
Alguns trabalhos realizados com pacientes hemodialisados observaram um aumento nas concentrações
de Se nos pacientes que receberam eritropoetina.10,15,16
A retenção de uma quantidade excessiva de selênio pode ser um problema para o paciente renal crônico com anúria, visto que a homeostasia do mineral é
mantida através da excreção urinária. Existe, portanto, um risco potencial de toxicidade e a suplementação deve ser monitorada cuidadosamente.2
Cálcio e fósforo (Ca e P)
Os distúrbios que ocorrem no metabolismo do cálcio e fósforo envolvem principalmente dois hormônios, calcitriol e paratormônio (PTH), e levam a doenças
como osteíte fibrosa, osteomalácia e doença óssea adinâmica.17 Quando a função renal declina, ocorrem várias mudanças no metabolismo mineral como hiperfosfatemia, hiperparatireoidismo secundário e
deficiência de calcitriol.18
Assim, dietas hipofosfatêmicas melhoram o hiperparatireoidismo secundário pelo aumento dos níveis
de calcitriol,19 mas também por um mecanismo que é
independente dos níveis plasmáticos de calcitriol ou
cálcio ionizado, agindo na secreção do PTH. Ressaltase que este é um mecanismo ainda desconhecido.20
Os alimentos com elevado conteúdo de proteínas
são ricos em fósforo (carnes, laticínios, ovos, leguminosas e oleaginosas). Além disso, refrigerantes e alimentos processados que contém aditivos à base de
fósforo contribuem de maneira significativa na ingestão deste mineral.21
Assim, é difícil equilibrar as restrições de fósforo
alimentar com a necessidade de uma ingestão adequada de proteínas. A dieta hiposfosfatêmica sozinha,
apesar de ser importante no tratamento da hiperfosfa-
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temia, não consegue controlar os níveis séricos de fósforo nesses pacientes.
Trabalhos recentes tem mostrado que pode ocorrer também hipoparatireoidismo nesses pacientes, levando à doença óssea adinâmica, não só pelos quelantes de fósforo ou dietas hiposfosfatêmicas, mas pelo
uso de calcitriol ou altas doses de cálcio.22,23
Estudos indicam que para manter um balanço neutro ou positivo de cálcio são necessários 1.200 a 1.600
mg/dia. As dietas hipoprotéicas prescritas para pacientes em tratamento conservador devem ser suplementadas com cálcio. Porém, há necessidade de monitoramento do cálcio sérico, para evitar hipercalcemia que
poderia causar calcificação em tecidos moles.
Estudos têm demonstrado que os níveis séricos de
fósforo elevados (>5,5 mg/dL) e um produto Ca x P
alto (>55 mg2/dL2) podem contribuir para calcificação
metastática, mesmo que os níveis séricos de cálcio
permaneçam normais.
A calcificação coronariana é comum, grave e significantemente associada com doença cardiovascular isquêmica em pacientes com DRC. A desregulação do
metabolismo mineral na doença renal pode influenciar o risco de calcificação cardíaca e vascular.24,25
A administração de 0,25 a 0,5 mg de vitamina D/dia
mostrou suprimir a atividade da paratireóide e melhorar a doença óssea renal. Outros trabalhos mostraram
que para evitar a doença óssea adinâmica, é necessário
reduzir as doses de calcitriol para 0,125 mg/dia.26,27
Para pacientes com TFG entre 25 a 70 mL/min, a
recomendação de fósforo é de 8 a 10 mg/kg/dia em
dietas hipoprotéicas (0,55 a 0,6 g/kg/dia). Para pacientes com TFG <25 mL/min o consumo de fósforo deveria ser de 5 a 10 mg/kg/dia.
Como é muito difícil conseguir uma dieta hipofosfatêmica, têm-se prescrito quelantes de fósforo. O acetato de Ca é o que tem maior afinidade pelo fósforo,
porém é o que causa mais efeitos colaterais.26 Para evitar a hipercalcemia e intoxicação por alumínio, novos
quelantes de fósforo estão sendo produzidos, mas são
pouco utilizados, principalmente no Brasil, devido ao
custo elevado.
Ferro (Fe)
A anemia na DRC é multifatorial e está presente na
maioria dos pacientes renais crônicos, sendo a diminuição da produção de eritropoetina a causa mais importante. Supõe-se que as toxinas urêmicas também
inibam a eritropoiese e reduzam o tempo de vida dos
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eritrócitos. A anemia pode ser agravada por perdas
sangüíneas durante a diálise ou pelo trato gastrointestinal, por inflamações, acúmulo de alumínio, deficiência de folato ou de vitamina B12. Além disso, a dieta
hipoprotéica pode levar a uma dieta deficiente em ferro.28,29 O ferro está presente em muitos alimentos, e as
fontes mais ricas são fígado, carne vermelha, frango e
feijão. Frutas e vegetais contêm pouco ferro.28
Estudos realizados em pacientes pré-dialisados
anêmicos revelam que, desde o tratamento conservador, a maioria tem reduzidos estoques de ferro. Dentre as causas da deficiência de ferro desses pacientes
estão: anorexia, dietas hipoprotéicas que reduzem a
quantidade de proteína animal, reduzida absorção intestinal de ferro, que pode ser causada por mudanças na mucosa intestinal, administração de quelantes
de fósforo à base de alumínio ou sais de cálcio; sangramentos intestinais decorrentes de gastrites e úlceras ou proteinúria.29
A análise da dieta obtida pelo método em duplicata, realizada pela técnica de ativação de nêutrons, mostrou que pacientes renais pré-dialisados têm baixa ingestão de ferro, sendo a média em torno de 6 mg/dia.30
Mafra et al31 (2002) avaliaram o estado nutricional
relativo ao ferro e zinco de pacientes pré-dialisados e
observaram baixas concentrações de ferritina e saturação de transferrina nesses pacientes, indicando uma
deficiência absoluta de ferro, além de uma má distribuição de zinco entre plasma e eritrócitos.
Os melhores parâmetros para avaliação do estado
nutricional relativo ao ferro na DRC incluem a ferritina
(normal >100 ng/mL) e porcentagem de saturação de
transferrina (normal >20%).32
O sucesso da terapia para a anemia nos pacientes
com doença renal crônica, tratados com eritropoetina
recombinante, só é alcançado com a manutenção do
suprimento adequado de ferro. Portanto, a avaliação
precoce e o tratamento com ferro são as recomendações para o tratamento da anemia na DRC.33,34
Vários estudos têm mostrado que a suplementação oral é insuficiente para manter estoques de ferro
adequados, particularmente em pacientes tratados por
hemodiálise, nos quais a absorção de ferro não consegue suprir as necessidades.29,32,35
Há controvérsia a respeito da melhor via de suplementação de ferro, e muitos pesquisadores tentam desenvolver as melhores estratégias para essa suplementação.34 Para pacientes com níveis de ferritina menores que
100 ng/mL, é indicado o uso de ferro intravenoso.34,36
O uso de Fe intravenoso terapêutico e de manutenção parece justificado na maioria dos pacientes em
hemodiálise e provavelmente também nos pacientes
em tratamento conservador e diálise peritoneal.37
A anemia tem sido a principal causa da diminuição do desempenho e da qualidade de vida do paciente renal.38 Outro fato que tem sido bastante ressaltado nesses pacientes é o desenvolvimento de
hipertrofia ventricular esquerda decorrente da anemia, devido ao aumento da adaptação hiperdinâmica
circulatória com sobrecarga de fluxo e volume. A anemia é um importante fator de risco cardiovascular em
adição a fatores como hipertensão, hiperlipidemia,
tabagismo e diabetes.
Assim, sugere-se que o controle precoce da anemia no período pré-dialítico poderia melhorar a qualidade de vida dos pacientes, prevenir hipertrofia ventricular esquerda, além de ter efeito também sobre as
concentrações de zinco plasmático e eritrocitário.29,30,39
Zinco (Zn)
O zinco é também um oligoelemento de grande
interesse para os pesquisadores, pois já existem evidências de que sua deficiência causa algumas das anormalidades encontradas nos pacientes renais crônicos,
como atrofia testicular, depressão, deficiência imunológica, retardo no crescimento, anormalidades no paladar e olfato.3,4
Mariscos, ostras, carnes vermelhas, fígado, miúdos e ovos são consideradas as melhores fontes de
zinco.28 Sendo assim, o consumo deste mineral fica
reduzido, principalmente quando é instituída uma
dieta hipoprotéica, como visto no trabalho de Mafra
& Cozzolino30 (2001), onde a média de ingestão foi
em torno de 6,3 mg/dia, ficando abaixo das recomendações (8 mg/dia para mulheres e 11 mg/dia para
homens).
A deficiência de zinco na DRC tem sido pesquisada nos últimos anos, principalmente no que diz respeito a pacientes submetidos à hemodiálise. Numa
revisão feita por Mafra et al40 (1998), observou-se que
a maioria dos trabalhos mostra que o estado nutricional, relativo ao zinco, destes pacientes está alterado.
Mendes et al41 (1988) avaliaram a presença de hipozincemia num grupo de pacientes sob hemodiálise comparado a um grupo controle de indivíduos
saudáveis. Verificaram que a média do zinco sérico
nos indivíduos normais foi de 121±52 mg%, enquanto
que a dos pacientes foi de 59,9±18,9 mg%.
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Apesar de vários trabalhos mostrarem uma reduzida concentração de zinco no plasma dos pacientes urêmicos, há relatos de que a concentração eritrocitária
de zinco está elevada, sugerindo, portanto, uma redistribuição anormal do zinco, mais do que uma deficiência verdadeira.4,42
A anemia por deficiência de ferro pode provocar
um aumento nas concentrações eritrocitárias de zinco
protoporfirina e, assim, alterar as concentrações de
zinco entre plasma e eritrócitos.43
Com relação à defesa antioxidante do organismo,
além do Zn, o Se também é bastante estudado nos pacientes renais crônicos.
Richard et al44 (1991) avaliaram as concentrações
plasmáticas do selênio, zinco, cobre, glutationa peroxidase (GSH-Px) e superóxido dismutase (SOD) em
pacientes renais crônicos em hemodiálise e em indivíduos saudáveis. Os níveis de selênio, glutationa peroxidase e a atividade da superóxido dismutase nos eritrócitos estavam baixos nos pacientes, bem como o
zinco plasmático, demonstrando redução na atividade
antioxidante, o que poderia contribuir para o aumento do dano oxidativo para as células.
O mesmo estudo confirma os níveis alterados de
zinco e selênio associados com o aumento da peroxidação lipídica. Os achados indicam que isso já ocorrera antes do tratamento dialítico. O zinco estabiliza a
enzima SOD dependente de Zn e Cu. Na deficiência
de zinco, há maior risco da ação do radical superóxido e do peróxido de hidrogênio nas células.44
A peroxidação lipídica e os oligoelementos foram
estudados por Lin et al45 (1996) em pacientes renais
crônicos sob hemodiálise comparados a indivíduos
saudáveis. Observaram que havia níveis aumentados
de cobre, chumbo, zinco e manganês nos eritrócitos e
reduzidos de zinco e selênio plasmáticos, concluindo
que os níveis dos oligoelementos são alterados pela
hemodiálise e podem aumentar a susceptibilidade à
peroxidação lipídica na uremia.
O zinco participa da enzima conversora de angiotensina testicular, sendo que esta tem baixa expressão
durante a deficiência desse mineral. Estudos têm demonstrado que a suplementação com zinco nos pacientes urêmicos melhora a função sexual, aumenta os
níveis de testosterona e a quantidade de esperma.46
As concentrações séricas de Zn e Se foram analisadas em 37 pacientes com DRC e verificaram-se reduzidos níveis destes, o que poderia estar relacionado com o estágio da doença renal crônica.47
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As concentrações de zinco no plasma podem estar
diminuídas nos pacientes sob hemodiálise, fato este
associado com a imunodepressão que os pacientes
apresentam. Alguns pesquisadores mostram que a suplementação com zinco restaura algumas das funções
imunes desses pacientes, induzindo a ativação dos linfócitos T, bem como níveis séricos de testosterona, libido e melhora da potência sexual.48
Como visto por alguns trabalhos, a concentração
plasmática baixa deste mineral pode estar relacionada
a uma redistribuição tecidual. Assim, mais estudos devem ser realizados para encontrar as causas dessa má
distribuição do zinco corporal nos pacientes renais e, a
partir daí, indicar ou não a suplementação do mineral.
Cobre
O cobre é um importante oligoelemento, pois participa da estrutura de algumas enzimas oxigenases nos
tecidos conectivos e ossos, veias, síntese de hemoglobina, além de apresentar função antioxidante fazendo
parte da CuZn-SOD, ceruloplasmina e tioneínas intracelulares. No plasma, grande parte do cobre está ligado à cerulosplasmina e, nos eritrócitos, à SOD. A ceruloplasmina oxida ferro ferroso a ferro férrico, ação
importante para que ocorra a ligação do ferro à transferrina no plasma.49
Nos pacientes renais crônicos tem-se observado
elevadas concentrações de cobre no plasma, não sendo acompanhadas de um aumento de ceruloplasmina.50 Alguns trabalhos relatam baixas concentrações
de Cu onde há correlação com a atividade de SOD
nos eritrócitos.44
Estudos observaram altos níveis de cobre e ceruloplasmina em pacientes com DRC.51,52
A avaliação das concentrações séricas de Cu e Zn
em 92 pacientes com DRC mostrou reduzidos níveis
de zinco e elevadas concentrações de cobre.53
A hipercupremia também foi descrita por Sondheimer et al54 (1988), porém, observaram níveis normais de
ceruloplasmina. Kirschbaum49 (2000) observou tanto os
níveis de cobre como os de ceruloplasmina elevados.
Tamura et al55 (1989), num estudo sobre Zn e Cu
em pacientes com DRC, observaram reduzidas concentrações de zinco plasmático e concentrações normais
de cobre.
As concentrações séricas de Cu, Ca, Zn, Se e Mg
foram analisadas em 37 pacientes com DRC e verificaram-se reduzidos níveis de Zn, Se e Mg e elevados
de Cu, que poderiam estar correlacionados com o
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grau de falência renal.56,57
O aumento na concentração do cobre pode ser decorrente da contaminação pelo dialisado, o que pode
provocar gosto metálico na boca, vômitos, náuseas,
dor epigástrica, dor de cabeça, diarréia, hemólise e,
em casos mais graves, anúria e hipotensão. Além disso, é possível que a DRC altere o metabolismo hepático do cobre, mas também tem sido sugerido que a
deficiência de zinco resulta em aumento da absorção
de cobre no intestino.
C o n c l u s õ e s
O papel dos oligoelementos nos pacientes com DRC
ainda não foi totalmente caracterizado. Assim, para pre-
venir algumas complicações nos pacientes renais, é
muito importante o estudo referente ao seu estado
nutricional relativo aos minerais. A suplementação de
minerais pode ser indicada quando há confirmação da
deficiência e dos efeitos positivos desse elemento na
qualidade de vida do paciente. Ressalta-se que ainda
não está definido quando nem qual a recomendação
de cada mineral para pacientes com DRC.
Não parece existir evidência da necessidade de suplementação rotineira de nenhum mineral, exceto para
o ferro. Por isso, há necessidade de mais estudos sobre avaliação do estado nutricional referente a esses
minerais, bem como estudos referentes à ingestão alimentar dos pacientes, dos medicamentos, doenças associadas e do tipo de tratamento que o paciente renal
está recebendo.
R e f e r ê n c i a s
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Recebido em 18/6/2002. Aprovado em 27/9/2002.
Fonte de financiamento e conflito de interesses inexistente.
Endereço para correspondência:
Denise Mafra
R. Dr
inheiro, 620, apto 302 Jardim Glória
Dr.. João PPinheiro,
36015-040 Juiz de Fora, MG, Brasil
E-mail: [email protected]
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