radioterapia Radioterapia em câncer de mama – aliada ou vilã? A POPULAÇÃO MUNDIAL ESTÁ FICANDO PROGRESSI- Divulgação VAMENTE MAIS NUMEROSA Rodrigo de Morais Hanriot Radioterapeuta sênior do Hospital Israelita Albert Einstein; Radioterapeuta do Hospital Alemão Oswaldo Cruz; Membro internacional da International Society for IntraOperative Radiation Therapy (ISIORT) Contato: [email protected] 20 fevereiro/março 2011 Onco& – E MAIS IDOSA. O MUNDO HOJE TEM CERCA DE 6,83 BILHÕES DE pessoas e estima-se que em 2050 a população mundial seja de cerca de 8,4 bilhões. Em poucos anos prevê-se que uma em cada cinco pessoas no planeta tenha mais de 60 anos de idade. Portanto, haverá não somente mais pessoas, mas também mais idosos. A expectativa mundial de vida hoje é de 67,2 anos. Calcula-se que até 2100 essa expectativa se eleve para 81,5 anos. Atualmente 11% da população mundial tem mais de 60 anos e em 2050 espera-se que 21,9% terão mais de 60 anos de idade (CIA World Factbook e Organização Mundial de Saúde). O câncer de mama é a neoplasia mais prevalente nas mulheres em países industrializados, representando pelo menos um terço de todos os casos de câncer. Sua incidência está intimamente relacionada ao avanço da idade, embora seja também uma neoplasia relativamente frequente em mulheres mais jovens (Figura 1). Em 2009 foram diagnosticados 207.090 casos novos nos EUA, sendo contabilizadas 39.840 mortes pela doença no mesmo período (mortalidade de 19,2%). Metade das pacientes diagnosticadas tinha mais de 65 anos e estima-se que, nos próximos dez anos, essa proporção aumente em 30%. Populações mais velhas, como a da Suíça, apresentam as taxas mais elevadas de câncer de mama da Europa. A expectativa de vida da mulher suíça é particularmente alta (em torno de 82,5 anos), e as mulheres com idade acima de 80 anos representam 5% da população feminina do país. Mais de 500 casos novos de câncer de mama são diagnosticados por ano nesse grupo populacional, representando 12% de todos os casos de câncer de mama, o que demonstra alta incidência mesmo em mulheres de idade muito avançada. No Brasil, o câncer de mama também se coloca em primeiro lugar entre as mulheres (exceção ao câncer de pele não melanoma), com estimados 49.240 casos novos em 2010, representando um ris- co estimado de 52 casos para cada 100 mil mulheres. Segundo dados da OMS, dois terços dos pacientes com câncer utilizam radioterapia em alguma fase do tratamento da doença, seja de maneira isolada ou associada a outras formas de terapia oncológica. Para o ano de 2010, são projetados 489.270 casos novos de câncer no Brasil (INCA 2010). A estimativa da incidência de novos casos de câncer para os países de baixa e média renda per capita representa mais da metade do que ocorre em termos mundiais. Para o ano de 2020, estima-se uma cifra de 70% do total dessa incidência (Barton et al., 2006). Tecnologia na radioterapia – faz diferença? A radioterapia avança rapidamente em sua tecnologia, e novas máquinas, técnicas e recursos são oferecidos a intervalos de tempo cada vez menores. Partimos de uma radioterapia de primeira geração, chamada bidimensional ou convencional, que se utilizava de radiografias simples e um planejamento terapêutico idem, e que por décadas poucas mudanças sofreu. Apresentou no tratamento de tumores de mama importante papel no incremento do controle local e, apesar de importantes paraefeitos das antigas “bombas de cobalto”, permitiu menores chances de recidiva e redução de mortes associadas diretamente às neoplasias. Porém, os paraefeitos cardíacos quase anularam esses ganhos em controle tumoral. A evolução do maquinário para os “aceleradores lineares”, equipamentos elétricos sem material radioativo, permitiu minimizar erros de prescrição e localização, aumentar o número de mulheres tratadas, reduzindo as longas filas de espera para tratamento e os efeitos em pele (radiodermites). A introdução da segunda geração da radioterapia, a chamada radioterapia conformada tridimensional – que usa uma tomografia computadorizada para reconstruir tridimensionalmente os órgãos de risco e o volume alvo –, permitiu maior precisão no cálculo das doses e na mensuração dos riscos envolvidos. Mais modernamente, a introdução da radioterapia de terceira geração, de Intensidade Modulada da Radioterapia (ou IMRT), proporcionou menor toxicidade superficial, preservando pele e evitando interrupções no tratamento por radiodermites severas. Entretanto, não há estudo clínico comparativo que demonstre qualquer benefício no controle local, sobrevida global ou livre de doença entre as três gerações. A técnica de IMRT proporciona apenas redução nos índices de toxicidade superficial, minimizando chances de interrupção do tratamento por radiodermites importantes em pacientes com mamas volumosas. Pelo custo expressivo de uma tecnologia sofisticada como a IMRT, ela deve ser reservada a pacientes com mamas volumosas, pendulares, com limitações funcionais que as impeçam de permanecer em posição adequada ao tratamento irradiante. Radioterapia em câncer de mama Segundo dados de importante metanálise do Early Breast Cancer Trialist Collaborative Group (EBCTCG), que avaliou 400 estudos prospectivos e aleatorizados com mais de 400 mil mulheres alocadas, o emprego da radiote- Mais novo que 85 anos rapia apresentou cerca de 65% de redução da recidiva locorregional em comparação à sua omissão, além de tendência a ganho em sobrevida global. A indicação de radioterapia após cirurgia mamária se define pelo risco básico de recidiva. Usualmente, risco inferior a 10% de recidiva permite a opção de omissão da radioterapia. Uma mastectomia radical modificada tem risco de recidiva local e taxas de sobrevida global muito semelhantes a uma cirurgia conservadora de mama com associação de radioterapia, com o benefício para esta última de menor custo, tempo cirúrgico, complicações associadas e efeito estético final. Omissão da radioterapia em mulheres idosas A omissão da radioterapia de mama em mulheres acima de 70 anos de idade submetidas a ressecção conservadora de mama deve obedecer a critérios rígidos de seleção, como grau histológico 1 ou 2, receptores hormonais de estrógeno e progesterona positivos, ausência de linfonodos axilares acometidos e lesões de até 2 cm no maior diâmetro. Mesmo com o uso adjuvante de tamoxifeno ou similares, a 85 anos ou mais velho Doença cardíaca Taxa por população de 100 mil Doença cardíaca taxa de risco de recidiva local em dez anos foi de 9% para as mulheres não irradiadas versus 2% para o grupo que recebeu radioterapia e tamoxifeno, sem contudo apresentar impacto em sobrevida global ou índice de mastectomia de resgate, conforme recente atualização de estudo prospectivo. Entretanto, existem dados diversos que analisam especificamente o perfil de recidiva e mortalidade específica em câncer de mama em população geriátrica. A diversidade se deveu aos índices crescentes de mortalidade por câncer de mama com o aumento da faixa etária, sem atingir uma estabilidade ou platô, conforme dados revistos recentemente pelo SEER-Surveillance Epidemiology and End Results (Figura 2). Muito mais que uma análise somente pela idade, deve-se avaliar a perspectiva de sobrevida estimada de um grupo geriátrico específico e considerar o incremento da idade mediana de uma população ao longo dos anos. A omissão de irradiação deve ser pesada em suas vantagens (ausência da toxicidade de radioterapia, eliminação de dissabores de deslocamento diário, necessidade de acompanhante para pacientes mais idosas e/ou com limitações de movimentação, custos associados em estada prolongada), em riscos associados de morte por câncer de mama ou por causas diversas, possibilidade de acompanhamento regular destas pacientes e intervenção precoce, quando indicado. Usualmente, torna-se uma decisão compartilhada entre médico, paciente e familiares. Radioterapia hipofracionada Câncer Câncer Ano da morte Ano da morte Figura 1: Mortalidade ao longo das décadas por câncer ou doença cardíaca em pessoas com menos de 85 anos ou com mais de 85 anos Essa forma de radioterapia refere-se a um regime de tratamento que emprega doses diárias mais elevadas e, portanto, menor duração total do tratamento, reduzindo os 25 dias úteis de irradiação tradicional (cinco semanas) para 16 dias úteis (três semanas e um dia) no regime de hipofracionamento. Após dez anos de seguimento, um estudo prospectivo da Columbia Britânica demonstrou não haver nenhuma diferença em relação a controle local, sobrevida livre de doença, sobrevida global, toxicidade aguda e tardia e mesmo sobre o aspecto cosmético das mulheres irradiadas com os dois Onco& fevereiro/março 2011 21 mantidos, como idade acima de 50 anos, tamanho tumoral abaixo de 2,5 cm, linfonodos axilares sem comprometimento neoplásico e grau histológico 1 ou 2, todos com significância estatística. Idade mediana ~ 63 Incidência Toxicidades cardíaca e pulmonar Mortalidade Há muita preocupação acerca de toxicidade cardíaca de longo prazo após radioterapia em câncer de mama. Os primeiros trabalhos que mostraram ganho de sobrevida global no câncer de mama tratado com radioterapia também mostraram maior mortalidade cardíaca de longo prazo. Muitos dos dados dos primeiros trabalhos deveram-se ao tipo de técnica empregada – irradiação da drenagem mamária interna, em que se utilizava um campo direto de irradiação com equipamentos de cobalto. Essa técnica, praticamente não utilizada na rotina clínica, promovia doses inaceitáveis em coronárias e câmara esquerda do coração. Levantamento recente de 12 mil mulheres operadas de modo conservador por câncer de mama, seguidas por pelo menos 12 anos nos EUA e irradiadas em mama direita ou em mama esquerda com técnica tangente clássica, foram seguidas para avaliação de cardiopatia, valvopatia, infarto ou coronariopatia. Em mediana de 15 anos de seguimento não houve qualquer diferença entre as mamas irradiadas à direita ou à esquerda em relação a esses quatro itens, sugerindo que a irradiação tangencial mamária contemporânea não tenha efeitos deletérios sobre o coração. O mesmo ocorre com o pulmão, onde habitualmente menos de 7% do órgão é irradiado com a técnica tangencial clássica. Poucas alterações são descritas, porém o hábito de manter tabagismo durante o período de radioterapia ou após dobra o risco de se desenvolver um tumor de pulmão. Recomenda-se fortemente a cessação do tabagismo antes de se iniciar a radioterapia. Hyman B. Muss, The Oncologist, 2010; 15(suppl. 5): 57-65 Figura 2: Correlação entre faixa etária, incidência e mortalidade de câncer de mama nos EUA regimes de tratamento. Deve-se reforçar, contudo, que os critérios de seleção foram rigorosos e, para atingir resultados semelhantes, as seguintes exigências devem ser observadas: pacientes com tumores de até 5 cm no maior diâmetro, linfonodos axilares negativos, diâmetro laterolateral da base da mama de até 25 cm, sendo preferencialmente graus histológicos 1 e 2 e receptores hormonais positivos. Trata-se de importante alternativa de tratamento que, desde que seguidos os critérios mencionados, barateia os custos às fontes financiadoras da saúde, diminui a fila de espera para o tratamento irradiante, aumenta a adesão das pacientes mais idosas ao tratamento, reduzindo assim o risco de recidivas. Radioterapia intraoperatória O uso de irradiação em dose única no momento de uma cirurgia é procedimento existente há cerca de 30 anos, empregada para tumores de pâncreas, estômago, reto e mesmo sarcomas retroperitoneais ou intraabdominais. O seu uso em tumores de mama foi inicialmente proposto, de forma protocolar, em Milão em 2000, tornando-se um dos protocolos de pesquisa mais reproduzidos no Brasil. Tratava-se de conceito avançado de ressecção segmentar de um tumor de mama 22 fevereiro/março 2011 Onco& com linfadenectomia sentinela somente, ao invés de uma ampla dissecção axilar, e caso o(s) linfonodo(s) axilar(es) estivesse(m) sem acometimento neoplásico e o tumor tivesse menos de 2,5 cm de diâmetro e margens cirúrgicas livres, irradiava-se o leito glandular mamário remanescente com uma dose única de energia pouco penetrante (elétrons), suficiente somente para tratar de 2 a 4 cm de tecido mamário, sem dose absorvida em pele, pulmão ou coração, durante o próprio procedimento cirúrgico, ainda com a paciente anestesiada. Ao término da irradiação a sutura dos tecidos era concluída e a paciente se recuperava como habitualmente após uma ressecção segmentar de mama, sem necessidade de curso adicional de irradiação. A versatilidade e a eficiência, aliadas ao menor custo do procedimento e tratamento cirúrgico e de radioterapia combinados em um único tempo, tornaram esse procedimento foco de atenção. Publicação recente confirmou que o controle local é semelhante ao de uma irradiação tradicional após ressecção segmentar de mama, acrescentando porém menor toxicidade, custo reduzido e ampliando a faixa etária que recebe integralmente o tratamento proposto. Entretanto, os critérios de seleção devem ser rigorosamente Radioterapia após mastectomia Recomendação do Guideline da American Society for Therapeutic Radiation and Oncology (ASTRO) resume-se a pacientes submetidas a mastectomia radical modificada com ou sem reconstrução imediata e que apresentem: - estadiamento T3 (lesões acima de 5 cm de diâmetro) com pelo menos um linfonodo acometido ou T4 (infiltração de parede torácica ou pele) - 4 ou mais linfonodos acometidos Todos os outros fatores não encontraram consenso para indicação de radioterapia pósmastectomia. Em estudo prospectivo (SUPREMO Trial) está a avaliação de tumores T1-2 (lesões de até 5 cm de diâmetro) com 1 a 3 linfonodos acometidos após mastectomia. Existem sugestões de que testes de perfil genético comercialmente disponíveis podem predizer risco de recidiva local e sugerir ou não a indicação de radioterapia pós-mastectomia baseado no risco individual. Considerações finais A radioterapia contribuiu ao longo de décadas para o tratamento conservador do câncer de mama, reduzindo os índices de mastectomias e permitindo um apreciável ganho estético de longo prazo. Técnicas padrão de tratamento irradiante ainda permitem excelente controle locorregional de longo prazo e são usualmente reprodutíveis e disponíveis em todo o território nacional. A toxicidade do tratamento é normal- Referências bibliográficas 1. INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER – INCA – Controle do câncer de mama – documento de consenso, 2004. Disponível em: http://www.inca.gov.br/ publicacoes/consensointegra.pdf. Acessado em agosto de 2010. 2. JEMAL, A.; SIEGEL, R; XU, J AND WARD, E. Cancer statistics, 2010. CA Cancer J Clin. 2010;60(5):277-300. 3. LORIGAN P, CALIFANO R, FAIVRE-FINN C, et al. Intraoperative radiotherapy during breast conserving surgery: a study on 1,822 cases treated with electrons. The Lancet Oncology 2010;11(12)1184-92. 4. National Comprehensive Cancer Network (NCCN) – Clinical Practice Guidelines in Oncology - Breast Cancer V.2.2010. Disponível em http://www.nccn.org/ professionals/physician_gls/PDF/breast.pdf. Acessado em setembro de 2010. mente limitada, e cuidados locais intensivos, se possível com técnica mais avançada de irradiação, permitem a realização do tratamento sem interrupções ou sequelas. Novas abordagens, como a irradiação hipofracionada e a radioterapia intraoperatória de mama, podem ampliar a parcela da população com aderência a esse tratamento complementar, reduzindo riscos de recidivas locais, tempo de espera para acesso aos centros de tratamento e minimizando custos imediatos e tardios (cirurgias mais extensas para evitar radioterapia posterior, re-tratamentos e recidivas locais e/ou sistêmicas). 5. VERONESI U, SACCOZZI R, DEL VECCHIO M ET AL. Comparing radical mastectomy with quadrantectomy, axillary dissection, and radiotherapy in patients with small cancers of the breast. 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Disponível em: http://www.who.int/nha/en/index.html Acessado em setembro de 2010. www.revistaonco.com.br Avanços em pesquisa Novos medicamentos Procedimentos inovadores Responsabilidade social Oncologia para todas as especialidades www.revistaonco.com.br www.revistaonco.com.br www.revistaonco.com.br Agosto/Setembro 2010 Ano 1 • nº 01 Especialista em economia da saúde analisa o câncer sob a perspectiva econômica Tabagismo Um panorama desse problema de saúde pública no Brasil Ano 1 • nº 3 Oncologia para todas as especialidades Entrevista Câncer Dezembro 2010/janeiro 2011 Outubro/Novembro 2010 Ano 1 • nº 2 Oncologia para todas as especialidades Entenda a delicada relação entre câncer e tabagismo Do bem Oncologia para todas as especialidades Medicina integrativa Saiba como orientar seu paciente nas terapias complementares Aconselhamento genético Iniciativas da indústria farmacêutica para pacientes de câncer de mama Como ele vem mudando o rumo do câncer Dor Como entender e tratar a dor do paciente oncológico Entrevista Farmácia O que muda na medicina paliativa como especialidade, com Maria Goretti Maciel Conheça o risco das interações medicamentosas e saiba como evitá-las Fertilidade Especial Para continuar recebendo a revista gratuitamente, faça seu cadastro pelo site Conheça as alternativas quando o assunto é câncer e fertilidade Destaques do encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica Abdômen Orientações para detecção precoce do câncer colorretal no paciente assintomático entrevista | ginecologia | cuidados paliativos | do bem | curtas Tudo isso e muito mais você vai encontrar nas páginas da revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, uma publicação bimestral da Iaso Editora. geniturinário | mama | cuidados paliativos | calendário mama | do bem | curtas | calendário www.revistaonco.com.br/cadastro