FUNDAMENTOS DE QUIMICA FARMACEUTICA PROFa SANDRA MORETTO Seletividade da Ação dos Medicamentos Alguns medicamentos são relativamente não seletivos, atuando em muitos tecidos ou órgãos diferentes. Exemplificando, a atropina, uma substância administrada com o objetivo de relaxar os músculos no trato gastrointestinal, também pode relaxar os músculos do olho e do trato respiratório, além de diminuir a secreção das glândulas sudoríparas e mucosas. Outros medicamentos são altamente seletivos e afetam principalmente um órgão ou sistema isolado. Um Encaixe Perfeito Um receptor de superfície celular tem uma configuração que permite a uma substância química específica, por exemplo um medicamento, hormônio ou neurotransmissor, se ligar ao receptor, porque a substância tem uma configuração que se encaixa perfeitamente ao receptor. Exemplificando, a digital, uma fármaco administrado a pessoas com insuficiência cardíaca, atua principalmente no coração para aumentar sua eficiência de bombeamento. Fármacos soníferos se direcionam a certas células nervosas do cérebro. Fármacos antiinflamatórios não-esteróides como a aspirina e o ibuprofen são relativamente seletivos, porque atuam em qualquer local onde esteja ocorrendo inflamação. Como os fármacos sabem onde exercer seus efeitos? A resposta está em como elas interagem com as células ou com substâncias como as enzimas. Receptores Muitos fármacos aderem (se ligam) às células por meio de receptores existentes na superfície celular. A maioria das células possui muitos receptores de superfície, o que permite que a atividade celular seja influenciada por substâncias químicas como os medicamentos ou hormônios localizados fora da célula. O receptor tem uma configuração específica, permitindo que somente uma droga que se encaixe perfeitamente possa ligarse a ele – como uma chave que se encaixa em uma fechadura. Freqüentemente a seletividade da substância pode ser explicada por quão seletivamente ela se fixa aos receptores. Algumas substâncias se fixam a apenas um tipo de receptor; outras são como chaves-mestras e podem ligar-se a diversos tipos de receptores por todo o corpo. Provavelmente a natureza não criou os receptores para que, algum dia, os medicamentos pudessem ser capazes de ligar-se a eles. Os receptores têm finalidades naturais (fisiológicas) mas os medicamentos tiram vantagem dos receptores. Exemplificando, morfina e drogas analgésicas afins ligamse aos mesmos receptores no cérebro utilizados pelas endorfinas (substâncias químicas naturalmente produzidas que alteram a percepção e as reações sensitivas). Uma classe de substâncias chamadas agonistas ativa ou estimula seus receptores, disparando uma resposta que aumenta ou diminui a função celular. Exemplificando, o agonista carbacol liga-se a receptores no trato respiratório chamados receptores colinérgicos, fazendo com que as células dos músculos lisos se contraiam e causando broncoconstrição (estreitamento das vias respiratórias). Outro agonista, albuterol, liga-se a outros receptores no trato respiratório, chamados receptores adrenérgicos, fazendo com que as células dos músculos lisos relaxem e causando broncodilatação (dilatação das vias respiratórias). Outra classe de substâncias , chamadas antagonistas, bloqueia o acesso ou a ligação dos agonistas a seus receptores. Os antagonistas são utilizados principalmente no bloqueio ou diminuição das respostas celulares aos agonistas (comumente neurotransmissores) normalmente presentes no corpo. Exemplificando, o antagonista de receptores colinérgicos ipratrópio bloqueia o efeito broncoconstritor da acetilcolina, o transmissor natural dos impulsos nervosos colinérgicos. Os agonistas e os antagonistas são utilizados como abordagens diferentes, mas complementares, no tratamento da asma. O agonista dos receptores adrenérgicos albuterol, que relaxa os músculos lisos dos bronquíolos, pode ser utilizado em conjunto com o antagonista dos receptores colinérgicos ipratrópio, que bloqueia o efeito broncoconstritor da acetilcolina. Um grupo muito utilizado de antagonistas é o dos beta-bloqueadores, como o propranolol. Esses antagonistas bloqueiam ou diminuem a resposta excitatória cardiovascular aos hormônios do estresse – adrenalina e noradrenalina; esses antagonistas são utilizados no tratamento da pressão sangüínea alta, angina e certos ritmos cardíacos anormais. Os antagonistas são mais efetivos quando a concentração local de um agonista está alta. Esses agentes operam de forma muito parecida à de uma barreira policial em uma auto-estrada. Um número maior de veículos é parado pela barreira na hora do “rush” que às 3 horas da madrugada. Do mesmo modo, beta-bloqueadores em doses que têm pouco efeito na função cardíaca normal podem proteger o coração contra elevações súbitas dos hormônios do estresse. Enzimas Além dos receptores celulares, outros alvos importantes para a ação dos medicamentos são as enzimas, que ajudam no transporte de substâncias químicas vitais, regulam a velocidade das reações químicas ou se prestam a outras funções de transporte, reguladoras ou estruturais. Enquanto as substâncias que se direcionam para os receptores são classificadas como agonistas ou antagonistas, as substâncias direcionadas para as enzimas são classificadas como inibidoras ou ativadoras (indutoras). Exemplificando, a lovastatina, utilizada no tratamento de algumas pessoas que têm níveis sangüíneos elevados de colesterol, inibe a enzima HMG-CoA redutase, fundamental na produção de colesterol pelo corpo. Quase todas as interações entre fármacos e receptores ou entre fármacos e enzimas são reversíveis – depois de certo tempo a droga “se solta” e o receptor ou enzima reassume sua função normal. Às vezes uma interação é em grande parte irreversível (como ocorre com omeprazol, uma substância que inibe uma enzima envolvida na secreção do ácido gástrico), e o efeito da substância persiste até que o corpo manufature mais enzimas. Afinidade e Atividade Intrínseca Duas propriedades importantes para a ação de uma substância são a afinidade e a atividade intrínseca. A afinidade é a atração mútua ou a força da ligação entre uma droga e seu alvo, seja um receptor ou enzima. A atividade intrínseca é uma medida da capacidade da substância em produzir um efeito farmacológico quando ligada ao seu receptor. Medicamentos que ativam receptores (agonistas) possuem as duas propriedades; devem ligarse efetivamente (ter afinidade) aos seus receptores, e o complexo fármaco-receptor deve ser capaz de produzir uma resposta no sistema-alvo (ter atividade intrínseca). Por outro lado, substâncias que bloqueiam receptores (antagonistas) ligam-se efetivamente (têm afinidade com os receptores), mas têm pouca ou nenhuma atividade intrínseca – sua função consiste em impedir a interação das moléculas agonistas com seus receptores.