Consulta Nefrológica em 10 minutos Infecção Urinária na Infância (ITU) Eleonora Moreira Lima Profa Associada do Departamento de Pediatria – FM – UFMG Membro da Unidade de Nefrologia Pediátrica – HC – UFMG Criança do sexo masculino, 2 anos de idade com história de ITU de repetição, cujos episódios se manifestam com febre ≥ 39°C, estado geral comprometido, inapetência, diarréia e vômitos. Episódios tratados com antibióticos diversos sem propedêutica para avaliar o trato urinário. Quais são os principais aspectos a serem abordados? A ITU é comum no lactente e na criança pequena, sendo que, na avaliação de infecção bacteriana grave febril, ITU é a condição mais freqüente. Um dos erros mais comuns no manuseio da ITU na criança e, especialmente no lactente, é a falha para estabelecer o diagnóstico adequado da ITU. Se a ITU não é diagnosticada podese perder a oportunidade de prevenir a lesão renal ou, por outro lado, se o diagnóstico for incorreto pode levar a investigação desnecessária. O reconhecimento da ITU na criança pode ser difícil porque os sintomas são inespecíficos, principalmente no lactente. A coleta e interpretação do exame de urina em lactentes e pré escolares não é fácil e, nem sempre é possível confirmar o diagnóstico. O objetivo principal da abordagem da criança com ITU é a prevenção de complicações a longo prazo como hipertensão, insuficiência renal e complicações durante a gravidez. História: detalhar os surtos de ITU, febre, sintomas associados como gastrintestinais, septicemia, inapetência, urina turva, fétida, jato urinário fino/gotejante, constipação intestinal, uso prévio de antibióticos oral/parenteral. Os sintomas clássicos como disúria, freqüência urinária, dor lombar ocorrem na criança mais velha. Exame físico: peso, estatura, temperatura, pressão arterial, estado geral, hidratação, palidez cutânea, bexiga palpada, jato urinário, inspecção da genitália externa e da coluna lombo-sacra. O que deve ser feito Coleta de urina: Não existe uma técnica de coleta de urina cujo risco de contaminação é zero. Infelizmente o problema é pior para os lactentes que são aqueles com maior risco de cicatriz renal associada à ITU. Apesar da punção supra púbica representar a técnica mais indicada para a coleta de urina de um lactente febril, necessita do ultra-som para o sucesso clínico. A coleta por saco coletor tem um risco de contaminação de 62,8% vs 9,1% pelo cateter uretral. Na criança com controle esfincteriano a coleta é facilmente realizada pela técnica do jato médio, após higiene da região perineal e genital. A cultura de urina é o método padrão ouro para o diagnóstico de ITU. A presença ou ausência de leucócitos na urina não representa uma alteração confiável para o diagnóstico de ITU, podendo estar presente em condições como balonopostite, vulvovaginite ou ausente pela lise com a estocagem prolongada. A bactéria mais comum é a Escherichia coli, seguida pelas espécies Proteus e Pseudomonas. A interpretação do crescimento bacteriano depende do método de coleta (tabela 1). Condições que predispõem à ITU: pacientes com alterações anatômicas como refluxo vésico-ureteral (RVU), obstruções ureterais, válvula de uretra posterior (VUP), ureterocele, divertículo da bexiga, distúrbios funcionais da bexiga, estase urinária e/ou presença de fatores específicos de virulência bacteriana. Investigação da criança com ITU Embora não haja consenso em relação à investigação mais apropriada para a criança com ITU, o objetivo do diagnóstico por imagem é identificar precocemente os pacientes com risco de desenvolverem cicatriz renal, especialmente neonatos e lactentes após a primeira ITU, com diagnóstico pré-natal de hidronefrose ou irmãos de pacientes com RVU. Portanto, a criança com ITU febril deve ser submetida a exames de imagem após o diagnóstico da ITU para a identificação de anomalias urológicas que predispõem à recorrência da ITU e aumentam os riscos de lesão renal. Recomenda-se o uso de quimioprofilaxia com sulfametoxazol-trimetoprim ou nitrofurantoína na dose única de 1 a 2 mg/kg/dia ou cefalexina (10mg/kg/dose) nos lactentes abaixo de 3 meses de idade, após o tratamento da ITU para prevenção de nova ITU até a conclusão da propedêutica. O ultra-som renal (USR) e da bexiga é o primeiro a exame a ser solicitado e detecta anomalias estruturais. A uretrocistografia miccional está indicada para lactentes com ITU febril para avaliação da presença de RVU e outras alterações como VUP. A cintilografia renal estática – Tc 99mDMSA- e/ou cintilografia dinâmica -Tc99mDTPA – devem ser realizados quando se detecta RVU ou alterações ao USR. Nos lactentes com ITU, alguns autores preferem realizar o DMSA e só recomendam a UCM se este mostrar alterações. Na presença de anomalias estruturais a criança deve ser encaminhada para o nefrologista/urologista pediátrico. Referências Christensen AM, Shaw K. Urinary Tract Infection in Childhood. In: Kaplan BS, Meyers KEC (eds), Pediatric Nephrology and Urology. The Requisites in Pediatrics. Philadelphia, Elsevier Mosby, 2004. Min-Hua Tseng, Wei-Jen Lin, Wen-Tsung Lo, Sheng-Ru Wang, Mong-Ling Chu, Chih-Chien Wang. Does a Normal DMSA Obviate the Performance of Voiding Cystourethrography in Evaluation of Young Children after Their First Urinary Tract Infection? J Pediatr 2007;150:96-9. Stefanidid CJ, Siomou E. Imaging strategies for vesicoureteral reflux diagnosis. Pediatr Neprol 2007;22:937-947. Tabela 1. Definição da cultura de urina vs método de obtenção da amostra Método Punção supra púbica Cateter uretral Jato médio UFC – unidades formadoras de colônia Positivo ≥ 102 UFC/ml, 1 patógeno ≥ 103 UFC/ml, 1 patógeno ≥ 105 UFC/ml, 1 patógeno Negativo Sem crescimento < 500 UFC/ml, qualquer agente < 500 UFC/ml, qualquer agente