SELEÇÃO DE LINHAGENS DE MICRORGANISMOS CAPAZES DE CRESCER EM ALTAS CONCENTRAÇÕES DE GLICEROL 1 Luis Mesquita de Sousa Filho, 2 Jefferson Almeida Rocha, 2 Laércio de Sousa Saraiva, 3 Juliana Rodrigues Rocha, 3 Nayara Dannielle Costa de Sousa, 3 Iveli Ferreira Guimarães, 4 Rosimery Rodrigues de Oliveira, 5 Geraldo Eduardo da Luz Júnior 6 Francisca Lúcia De Lima 1 2 Bolsista PIBIC-CNPq Aluno do curso de Ciências Biológicas 3 Biólogas- Bolsistas GERATEC 4 5 6 Química Professor do Curso de Química Orientadora e Coordenadora do LABMICRO/GERATEC 2 INTRODUÇÃO A demanda mundial por energia vem estimulando a pesquisa e o desenvolvimento de novas fontes renováveis. Entre elas, o biodiesel vem se destacando no Brasil e demais países do mundo. Entretanto, estes produtos levam a produção de um excedente inevitável de glicerol, que já vem causando preocupações no seu processamento e transformação em produtos de interesse industrial (Dharmadi, et al., 2008). Para se ter uma idéia, o crescimento da indústria do biodiesel criou um excedente de glicerol que resultou em uma diminuição de 10 vezes nos preços ao longo dos últimos 2 anos (Yazdani & Gonzalez, 2007). Esta diminuição dos preços representa um problema para a produção de glicerol e das indústrias de refino, afetando a viabilidade econômica da indústria do biodiesel (McCoy, 2006; Dharmadi, et al., 2008). No Brasil que deve produzir 1,2 bilhões de litros de biodiesel no ano de 2008, a quantidade de glicerina produzida deve ser de 120 milhões de litros (10% do total de biodiesel produzido). Levando a um excedente de glicerina no mercado e conseqüentemente remetendo o preço para valores irrisórios. Essa situação torna-se mais preocupante quando se verifica que esse volume de glicerina corresponde somente à adição de 3% de biodiesel ao diesel no Brasil que tem um programa Governamental de Biodiesel o qual prevê a adição de 5% já em 2010. O co-produto de biodiesel, na sua forma final de descarte na fábrica (glicerina bruta) é composta por água, álcool, sabões, ácidos graxos livres, triglicerídeos e glicerina o constituinte em maior concentração. A purificação da glicerina bruta, proveniente das indústrias de biodiesel por processos alcalinos, a maioria atualmente, é realizado através das seguintes etapas: a evaporação do excesso de álcool; a neutralização dos álcalis com ácido sulfúrico, onde se obtém dois produtos, a glicerina loira e a matéria graxa; a glicerina loira é destilada, para a obtenção de glicerina pura. Esse processo demanda instalações em aço inoxidável e um consumo constante de ácido que tem valor por litro, próximo ou superior ao da glicerina obtida. Nesse processo, a obtenção da glicerina exige uma central de vácuo (consumo de energia elétrica) e aplicação de energia térmica para aquecimento do sistema a temperaturas acima de 160 °C. Levando-se em consideração o procedimento acima descrito, a fermentação da glicerina bruta apresenta-se como um processo alternativo, sobre o qual apresentamos uma discussão a seguir. O glicerol apresenta uma abundante fonte de carbono, que pode ser aproveitada para fermentação anaeróbica por microrganismos. O desenvolvimento de processos para 3 converter glicerol bruto em produtos de valor mais elevado é uma necessidade urgente. A utilização de glicerol como matéria-prima em processos de fermentação ainda tem outra vantagem, dada a natureza altamente reduzida dos átomos de carbono do glicerol, combustíveis e produtos químicos gerados a partir dele tem rendimentos mais elevados do que os obtidos a partir de açucares comuns, como a glicose ou xilose (Gonzalez, et al., 2008). Para obtermos plenamente essas vantagens, a utilização de fermentações anaeróbias é altamente desejável. Embora muitos microrganismos sejam capazes de degradar o glicerol na presença de elétrons externos (metabolismo respiratório), poucos são capazes de fazê-lo de forma fermentativa (isto é, na ausência de elétrons). O metabolismo fermentativo de glicerol tem sido relatado em espécie dos gêneros Klebsiella, Citrobacter, Enterobacter, Clostridium, Lactobacillus, Propionibacterium, e Anaerobiospirillum (Yazdani & Gonzalez, 2007). No entanto, o potencial de utilização destes organismos de forma industrial poderia ser limitado devido a várias questões que incluem patogenicidade, exigência de condições anaeróbicas estritas, necessidade de suplementação com nutrientes ricos, entre outras. A utilização de bactérias como a Escherichia coli, um organismo já utilizado em condições industriais, poderia ajudar a superar os problemas mencionados. Entretanto, acreditava-se que o metabolismo do glicerol em E. coli exigia a presença de elétrons externos (Lin, 1976; Dharmadi, et al., 2008). Relatos recentes, afirmam que ao contrário do que se pensava, este microrganismo pode fermentar o glicerol por via anaeróbia (Neidhardt, et al., 1974, Dharmadi, et al., 2006; Dharmadi, et al., 2008). Esses achados representam uma solução promissora para os problemas acima mencionados, uma vez que poderia facilitar o desenvolvimento da E. coli para a conversão do glicerol de baixo valor bruto a produtos químicos e combustíveis de maior valor, com rendimentos superiores aos obtidos a partir de açucares comuns (Yazdani & Gonzalez, 2007). Esses autores preconizam ser economicamente viável e possível a utilização desses microrganismos em escala industrial para obtenção desses produtos a partir do glicerol bruto produzido nas usinas de biodiesel. Para tanto e necessário o isolamento de linhagens capazes de sobreviver nesses resíduos. Neste projeto propomos o isolamento de microorganismos do ambiente capazes de crescer em altas concentrações de glicerol puro. 4 OBJETIVOS Isolar de ambientes naturais e modificados bactérias capazes de crescer em glicerol. METODOLOGIA 1. Isolamento e identificação das amostras bacterianas Foram utilizadas duas amostras oriundas de coletas realizadas no Rio Parnaíba (Teresina-Piauí, próximo a boca de esgoto da ponte Presidente José Sarney) relacionadas ao desenvolvimento do projeto “ Susceptibilidade a desinfetantes de bactérias isoladas de afluentes da rede hospitalar na cidade de Teresina”, financiado pela FAPEPI/CNPq. Essas bactérias foram isoladas do meio Chromagar ECC que e fazem parte agora do acervo da bacterioteca do Laboratório de Pesquisa em Microbiologia (LABMICRO). Inicialmente, esses microrganismos foram descongelados e foi retirado 10 µl com uma pipeta e depois semeado em uma placa com o meio TSA (ágar triptona de soja), sendo uma bactéria em cada placa. As duas placas contendo as bactérias foram incubadas em uma estufa B.O.D por 24 horas a 35º C. Após o crescimento, foi realizado a coloração de Gram para confirmação da pureza da cultura e a certificação de se tratar da espécie Escherichia Coli, devido as mesmas terem sido isoladas em Chromagar ECC, que é seletivo e diferencial para essa bactéria. 2. Verificação da capacidade de crescimento em diferentes concentrações de glicerol O meio de cultura utilizado para o experimento apresentava 2 gramas de peptona por litro (0,2%) e concentrações de glicerol variado de 0% (controle), 1, 2, 3, 4 e 5%. O pH do meio de cultura antes do inóculo das bactérias foi medido e padronizado em 7. As duas bactérias crescidas nas placas de TSA foram raspadas com ajuda de uma alça de platina estéril e adicionando-se 1 ml de meio líquido, para fazer um homogenizado. Após essa etapa, o material das duas placas foi juntado em um tubo de ensaio estéril e medido a absorbância (OD) em espectrofotômetro a 600nm até acalçar a OD de 1,0 (equivalente a 3,0X 109) . O meio de cultura descrito acima foi dividido em 6 erlenmeyer contendo as concentrações de glicerol mencionadas. Em cada frasco foi acrescentado o inóculo bacteriano até atingir a concentração de 0,01 de OD ( 3,0 X 107). Após essa etapa os frascos foram incubados em estufa a 35°C por 48 horas. 5 3. Medidas de pH e absorbância O pH e a absorbância (OD em espectrofotômetro a 600 nm) foi medido nos meios de cultura contendo o inóculo bacteriano antes da incubação em estufa a 35°C por 48 horas. Essas medidas são importantes para mensuração das condições de crescimento do microrganismo e da utilização do glicerol. 4. Obtenção dos extratos extracelulares As amostras crescidas foram centrifugada em centrífuga a 5000 rpm e o sedimento celular foi separado do sobrenadante. Foi obtido então o sobrenadante do controle e dos crescimentos em diferentes concentrações de glicerol. Esse material foi encaminhado ao Laboratório de Química da UESPI onde foram submetidos a destilação simples. A solução a ser destilada foi aquecida no balão de destilação. Aumentando-se a temperatura da solução, até cerca de 98 ºC, onde os compostos mais voláteis tendem a evaporar e passando pelo condensador precipitam em um recipiente adequado para posterior identificação do líquido obtido no processo de crescimento microbiano. As amostras também foram colocadas em um roto-evaporador visando a obtenção e separação de compostos produzidos. O material obtido com esses processos será enviado a Laboratório de química da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para identificação das substâncias produzidas por HPLC e Cromatografia Gasosa acoplada ao MS (Espectrômetro de Massa). RESULTADOS E DISCUSSÃO As duas bactérias isoladas a partir da água do esgoto são da espécie E. Coli. São coco bacilos Gram negativos e foram isoladas em meio seletivo e diferencial e em se tratado da E. Coli, as colônias crescem com forte coloração azul e as demais bactérias crescem em vermelho ou rosa. As duas amostras foram misturadas obtendo-se um “pool” que foi inoculado no experimento. Todas as amostras contendo glicerol cresceram (Quadro1 e Quadro 3) mais que o controle, indicando haver sido utilizado o glicerol no metabolismo microbiano. Segundo Goznalez (2008), bactérias entéricas como a E. coli são capazes de crescer em meio de cultura mínimo contendo concentrações crescentes de glicerol e o utilizar para fermentação. Quando comparamos o resultado do pH dos meios de cultura antes do crescimento (Quadro 2), com o pH após o crescimento (Quadro 3) podemos perceber a 6 queda de pelo menos 2 pontos de pH, esse passando de 7,5 no controle, para 4,5 no crescimento do meio contendo 1% de glicerol, evidenciando a formação de algum tipo de ácido (Neidhardt, 1974). O aumento da absorbância que pode ser observado em todas as concentrações de glicerol, principalmente no 1% (Quadro 1) o que evidencia o aumento da massa microbiana pela utilização do glicerol como fonte de energia (McCoy, 2006). Entretanto, não houve diferenças significativas no crescimento quando se aumentou a quantidade de glicerol no disponível no meio. A concentração de 1% foi considerada ideal para os ensaios, pois favoreceu um crescimento significativo das bactérias. O material obtido do sobrenadante de todas as concentrações e do controle foram submetidas a processo de evaporação (roto evaporador) para obtenção dos produtos de metabolismos. Esse material foi enviado a UFRN para ser submetido a colunas de HPLC e Cromatografia Gasosa acoplada ao MS (Espectrômetro de Massa) para quantificação e identificação dos compostos. Somente após os resultados é que teremos informações para sabermos se essas bactérias tem um potencial para utilização da glicerol puro e também da glicerina proveniente das usinas de biodiesel. Caso tenhamos um resultado interessante, será dado continuidade ao trabalho com essas bactérias, ou testaremos outras para o mesmo fim. Amostras Absorbância (nm) Controle (Sem glicerol) 0,28 1% 0,4 2% 0,341 3% 0,344 4% 0,357 5% 0,34 Quadro 1: Leitura da absorbância após 48h de crescimento em estufa a 35°C. 7 Amostras PH Controle (Sem glicerol) 6,8 1% 6,9 2% 7,3 3% 6,8 4% 6,8 5% 7,0 Quadro 2: Leitura do pH do meio de cultura antes do crescimento (somente meio e glicerol) Amostras PH Controle (Sem glicerol) 7,5 1% 4,5 2% 4,2 3% 4,2 4% 4,3 5% 4,1 Quadro 3: Leitura do pH após 48h de crescimento das bactérias em estufa a 35°C. CONCLUSÃO 1. As amostras de E. Coli utilizadas no trabalho são capazes de utilizar o glicerol puro para seu crescimento. 2. Durante o crescimento das amostras bacterianas houve a formação de substâncias ácidas, evidenciado pela queda no pH. 3. Os ácidos produzido durante o crescimento podem ser de interesse industrial. 4. É possível a utilização desses microrganismos para metabolizar o glicerol oriundo das usinas de biodiesel. 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIER, O. Técnicas Bacteriológicas. In: Microbiologia e Imunologia. 30ª ed. São Paulo: Melhoramentos, p. 931, 1990. DHARMADI Y, MURARKA A, GONZALEZ R. (2006). Anaerobic fermentation of glycerol by Escherichia coli: a new platform for metabolic engineering..Biotechnol Bioeng. 5, v-94, 821-9. GOZNALEZ R, MURARKA A, DHARMADI Y, YAZDANI S.S.(2008) A new model for the anaerobic fermentation of glycerol in enteric bacteria: trunk and auxiliary pathways in Escherichia coli. Metab Eng, v-10, 234-45. LIN, E. C. C. (1976). Glycerol dissimilation and its regulation in bacteria. Annu. Rev. Microbiol. v-30, 535-578. McCOY, M. (2006). Glycerin surplus. Chem. Eng. News v- 84, 7-8. NEIDHARDT, F. C., P. L. BLOCH, & D. F. SMITH. (1974). Culture medium for enterobacteria. J. Bacteriol. V- 119, 736-747. YAZDANI, S. S., & R. GONZALEZ. (2007). Anaerobic fermentation of glycerol: a path to economic viability for the biofuels industry. Curr. Opin. Biotechnol. V- 18, 213-219.