MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Exmo(a). Sr.(a) Dr.(a) Juiz(a) de Direito da ___ Vara da Fazenda Pública Municipal de Belo Horizonte/MG O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pelo Promotor de Justiça que a presente subscreve, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127, caput, e 129, III e VI, ambos da CR/88; artigo 26, I, b, e II, da Lei Federal nº 8.625/93; artigo 8º, II e IV, e §2º, da Lei Complementar Federal nº 75/93; artigo 1º, IV, 5º, I, e 8º, §§1º e 2º, todos da Lei Federal n.º 7.347/85; artigos 67, I, b, e 74, VIII, ambos da Lei Complementar do Estado de Minas Gerais nº 34/94, e com base no incluso Inquérito Civil Público n.º MPMG0024.13.009390-9, vem, respeitosamente, perante V. Exa., propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de tutela antecipada em face do Município de Belo Horizonte/MG pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ 187153830001/40, com sede na Avenida Afonso Pena, 1212, Belo Horizonte/MG, neste ato representado pelo Procurador-Geral Municipal de Belo Horizonte/MG, Dr. Rúsvel Beltrame, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos. 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS 1. DOS FATOS O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, no exercício das atribuições de defesa da saúde, vem recebendo diuturnas reclamações de responsáveis por usuários que se encontram indevidamente “internados” em Unidades de Pronto Atendimento (UPA), em “fila de espera” na Central de Internação de Belo Horizonte/MG, aguardando-se transferência para leito hospitalar, em razão do tratamento demandar algum tipo de especialidade médica ou leito especializado, não disponíveis em tais unidades. Entre janeiro e julho de 2013, foram registrados somente nesta Curadoria da Saúde 60 (sessenta) casos de pacientes, internados em Unidades de Pronto Atendimento (UPA) desta capital, que aguardavam vagas em leitos hospitalares para tratamento adequado à hipótese diagnóstica apresentada. Dentre esses casos, foram registrados 6 (seis) óbitos de pacientes idosos, indevidamente internados em Unidades de Pronto Atendimento (UPA), no mês de julho de 2013, sendo 5 (cinco) ocorridos em UPAs de Belo Horizonte (UPA OESTE, NORTE E VENDA NOVA) e 1 (um) caso em Betim/MG. Apesar do incessante trabalho desta Promotoria de Justiça, junto à Central de Internação do Município de Belo Horizonte/MG (regulação de leitos), para solução extrajudicial das questões envolvendo pacientes em estado grave ou com risco de vida, em diversos casos tem sido necessária a impetração de mandados de segurança pelo Ministério Público, para viabilizar acesso de pacientes a leitos hospitalares, em razão da falta de transferência dos mesmos de forma administrativa, não obstante configuração de urgência ou emergência dos casos. Para instruir referidas ações, o Ministério Público tem diligenciado junto às Unidades de Pronto Atendimento (UPA), para fornecimento de relatório detalhado pelo médico que assiste ao paciente, conforme modelo adotado por este órgão ministerial (fls. 77/78, do ICP nº 0024.13.009390-9 - anexo). 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Tal procedimento tem sido adotado pelo Ministério Público, visando, inicialmente, tomar conhecimento oficial sobre o quadro de saúde do paciente, bem como para instruir eventual ação judicial, com vistas à transferência do usuário para unidade hospitalar capacitada ao caso, seja na rede pública ou na privada. Entretanto, o órgão ministerial tem enfrentado dificuldades de acesso a tais relatórios, os quais estão sendo negados até mesmo aos familiares dos pacientes. Por conseguinte, instaurou-se o Inquérito Civil Público nº MPMG0024.13.009390-9 (anexo) e, para tentativa de solução extrajudicial da questão, o Ministério Público Estadual expediu a Recomendação nº 06/2013, destinada à Gerente de Urgência e Emergência do Município de Belo Horizonte/MG, Dra Paula Martins, bem como ao então Secretário Municipal de Saúde, Marcelo Gouvêa Teixeira, para fins de encaminhamento ao Ministério Público de relatórios médicos (devidamente preenchido conforme modelo adotado por este Parquet) de pacientes internados nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) há mais de 24 (vinte e quatro) horas e com indicação de transferência para unidade hospitalar com capacidade técnica ao quadro clínico apresentado (fls.03/08, do ICP). Insta salientar, porém, que referida recomendação não teve o efeito desejado. Isso porque a negativa de relatórios médicos persistiu. Nesse sentido, vale indicar a título de amostragem cópias de mandados de segurança impetrados pelo Ministério Público, às fls. 79/151, do ICP anexo, durante o mês de outubro/2013. Tais documentos diziam respeito a 4 (quatro) novos casos registrados nesta Curadoria de Saúde, no referido mês, que consistiam em pacientes idosos indevidamente “internados” em Unidades de Pronto Atendimento (UPA) do Município de Belo Horizonte/MG há mais de 24 (vinte e quatro) horas, sem diagnóstico preciso e em local sem resolutividade para o caso, mesmo havendo cadastro das respectivas AIH’s (autorização para internação hospitalar) na central de internação de Belo Horizonte/MG, para fins de transferência para hospital capacitado. 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Solicitados relatórios médicos pormenorizados de tais pacientes, conforme modelo já definido pelo Ministério Público, obteve-se tão somente relatos padronizados elaborados pelas próprias gerências das unidades, que se restringiam a descrever apenas algumas queixas dos pacientes, com a afirmativa padrão de que o mesmo “foi submetido a avaliação clínica, exames complementares laboratoriais, radiológicos, ECG e outros, medicado com sintomáticos, antibióticos e medicações especificas para sua condição clínica”, conforme cópias juntadas às fls. 101, 117, 131 e 151, do ICP anexo. Com efeito, tais arremedos de relatórios (tendenciosamente padronizados) não trazem quaisquer informações relevantes sobre o estado de saúde do paciente e sua eventual situação de urgência ou emergência, a indicar o grau de prioridade e, dessa forma, amparar a atuação do Ministério Publico e o próprio Poder Judiciário, para determinar vaga hospitalar adequada ao caso. Enfim, tudo a dificultar o acesso à Justiça do usuário do SUS e, em conseqüência, afrontar o poder de requisição do Ministério Público. Vale observar, ainda, que o Hospital Odilon Behrens, gerenciado pelo Município de Belo Horizonte/MG, também tem negado relatório pormenorizado de seus pacientes ao Ministério Público, utilizando-se do mesmo “relatório médico padrão”, como já se demonstrara pelo documento de fl. 101, do ICP anexo. Nessa esteira, também se pronunciou a Procuradoria-Geral Municipal, em orientação às referidas unidades de saúde (UPA`s e Hospital Municipal Odilon Behrens), no sentido de afirmar ser VEDADO O ENVIO DE QUALQUER INFORMAÇÃO RELATIVA AO QUADRO CLÍNICO DE USUÁRIOS DO SUS, conforme se denota pela documentação juntada às fls. 152/159, relativa a usuários acompanhados por esta Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, sob a escusa de suposto sigilo médico. Destarte, o que se observa é que as gerências das Unidades de Pronto Atendimento e do Hospital Municipal Odilon Behrens estão adotando postura de omissão de dados de pacientes sob seus cuidados, para dificultar a ação do Ministério Público e o próprio direito de acesso à Justiça pelo cidadão, em situação de lesão (ou iminência de lesão) à sua saúde. 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Embora existam dispositivos legais e constitucionais a garantir o poder de requisição do Ministério Público, as unidades/serviços de saúde, não raro, estão descumprindo a requisição ministerial, sem justificativa legal. Ante a recusa administrativa, outra solução não restou ao Ministério Público senão nova provocação do Poder Judiciário, agora para garantia da obediência de suas atribuições funcionais. Nas presentes questões não são apenas os direitos do paciente e dos familiares que se encontram em jogo, mas, notadamente, o desrespeito aos preceitos de ordem pública (constitucionais e infraconstitucionais), relacionados ao poder de requisição do Ministério Público. 2. DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA 2.1. DO DIREITO À SAÚDE O direito à saúde tem sua efetividade dependente da atuação eficaz do Poder Público através da promoção de políticas públicas com enfoque promocional (qualidade de vida), protetivo (prevenção) e de recuperação (saúde terapêutica ou curativa)1. Cumpre salientar que, nos termos da Organização Mundial de Saúde – OMS –, a saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.”2 Assim, a postura do administrador público brasileiro deve estar adstrita ao disposto no art. 196, da CR/88. Referida norma faz surgir para o Estado deveres que lhe são correlatos e sua efetividade depende da adoção de “políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Nota-se, com isso, que a SCHWARTZ, Germano A. GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. A Tutela Antecipada no Direito à Saúde: aplicabilidade da teoria sistêmica. Porto Alegre: SAFE, 2003. p. 55. 1 2 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO). Conferência Internacional da Saúde: Nova Iorque, 19 a 22 de julho de 1946. 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS necessidade de implementação do direito à saúde condiciona a própria política econômica que venha a ser adotada pelos governantes, por imperativo constitucional. Nessa orientação já se manifestou o STF: “O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.” (STF – AGRG. 271.2868/RS. DJU, 24/11/2000) De outro lado, cumpre frisar que, em virtude da adoção do modelo do Estado Democrático de Direito, como prevê o texto da Constituição Cidadã (art. 1º, caput, da CR/88), o direito à saúde assume dimensão ainda mais ampla e democrática, o que aumenta sua relevância para os cidadãos. Verdadeiramente, a consagração do Estado Democrático de Direito acarreta a necessidade de amplificar os canais de participação popular na gestão da coisa pública, bem como a de conferir eficácia social às normas constitucionais, especialmente àquelas que asseguram direitos e garantias fundamentais. Nesse diapasão, ao tratar dos direitos sociais – capítulo em que consta o direito à saúde (art. 6º, caput), o constituinte inseriu-os no título em que trata dos direitos e garantias fundamentais, circunstância esta que torna aplicável o regime jurídico destes últimos. Destarte, tem-se que o exercício do direito à saúde pelo indivíduo não se encontra condicionado à regulamentação infraconstitucional, a teor do que prescreve o art. 5º, § 1º, da CR/88: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Dessa forma, como têm decidido os tribunais superiores, não há que se falar em discricionariedade administrativa na promoção das políticas públicas ou implementação de normas programáticas quando se trata de viabilizar o acesso da população a direitos fundamentais. Isso porque, especialmente em tema de direitos fundamentais, o que se impõe é conferir força normativa à Constituição e buscar a ótima concretização da norma3. Assim, embora a adoção das políticas necessárias para se garantir o acesso à saúde esteja inicialmente a cargo dos poderes executivo e legislativo, incumbe ao Poder Judiciário assegurar ao jurisdicionado o direito violado pela omissão do Poder Público, impedindo que a norma constitucional se torne promessa constitucional inconseqüente4: “Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da ‘reserva do possível’ ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.” (STF – ADPF nº 45 – Relator: Min. Celso de Mello. Informativo do STF 345. Disponível na internet: http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/inf o345.asp) HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: SAFE, 1991, pág. 22. Expressão utilizada pelo Min. Celso de Melo no seguinte aresto: PACIENTE COM HIV/AIDS PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA (RE 271286 AgR/RS, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ de 24.11.2000) 3 4 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS “o Judiciário não desconhece o rigorismo da Constituição ao vedar a realização de despesas pelos órgãos públicos além daqueles em que há previsão orçamentária; este Poder, todavia, sempre consciente de sua importância como integrante de um dos Poderes do Estado, como pacificador dos conflitos sociais e defensor da Justiça e do bem comum, tem agido com maior justeza optando pela defesa do bem maior, veementemente defendido pela Constituição – A VIDA – interpretando a lei de acordo com as necessidades sociais imediatas que ela se propõe a satisfazer.” (Apel. Cível nº 98.006204-7, Santa Catarina, Rel. Nilton Macedo Machado, 08/09/98). No tocante à saúde, o legislador não deixou margem a qualquer dúvida sobre o dever do Estado em garantir o acesso integral da população às ações e serviços necessários à prevenção, promoção e recuperação da saúde (art. 6º, I, d, da Lei Federal 8080/90). Os casos diuturnamente atendidos pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde são de pacientes indevidamente “internados” em Unidades de Pronto Atendimento (UPA`s), em tempo superior ao que determina a normatização de saúde (prazo de até 24 hs) e que não possuem resolutividade para tratamento, a indicar transferências de usuários para unidades hospitalares capacitadas a tanto. COMO PODERÁ O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PODER JUDICIÁRIO AVALIAREM CADA CASO SEM O RESPECTIVO RELATÓRIO MÉDICO PORMENORIZADO ?????? A fim de viabilizar o acesso a leitos, o Estado de Minas Gerais definiu como política pública de saúde a criação de centrais de regulação em âmbito regional, cujo objetivo é receber as solicitações de internação e localizar estabelecimento de saúde que possa atender à demanda apresentada. Para tanto, atribuiu autoridade sanitária para os profissionais que trabalham nas atividades de regulação (como a Central de Internação de Belo Horizonte/MG), a fim 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS de responderem de forma técnica às demandas por vagas de internação no SUS, para realização de procedimentos em caráter de urgência/emergência (art. 12, da Lei Estadual 15.474/2005). Para conferir resolutividade às centrais de regulação, foi concedida às autoridades sanitárias, no exercício das atividades de regulação da assistência à saúde, a possibilidade de “requisitar recursos públicos e privados em situações excepcionais e de calamidade pública, com pagamento ou contrapartida a posteriori, conforme pactuação a ser realizada com as autoridades competentes” (art. 4º, IV, “d”, do Decreto Estadual nº 44.099/2005). Com efeito, esgotada a capacidade do sistema, incumbe à autoridade sanitária, no caso a Coordenadora da Central de Internação de Belo Horizonte/MG, requisitar os recursos privados para atendimento da presente demanda. Em uma frase: não pode o usuário permanecer indefinidamente aguardando transferência a leito hospitalar pela autoridade sanitária, sob pena de grave comprometimento à sua saúde ou mesmo risco de morte, por ter se esgotado a capacidade do sistema público de saúde! Diante dessa omissão da autoridade sanitária à efetivação do direito à saúde é que o Ministério Público vem agindo, a partir da impetração freqüente de mandados de seguranças, como forma de efetivar a garantia constitucional de acesso às ações e serviços de saúde indicados ao caso. 2.2 DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Na histórica transformação vivenciada ao longo dos últimos anos, adquiriu o Ministério Público a função primordial de proteger os direitos difusos e coletivos, contando, para tanto, com o instrumento indispensável da Ação Civil Pública (art. 129, III, da CR/88, e art. 5º, I, da Lei Federal n.º 7.347/85). Considerando-se este novo panorama em que está inserido o Ministério Público, concebe-se que a recusa dos profissionais médicos em fornecer os relatórios a 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS esta instituição configura-se como ato atentatório à própria sociedade. Ora, a partir do momento que fica impedido de acessar documentos indispensáveis à sua atuação deixa o Parquet de cumprir efetivamente com suas funções legais e constitucionais, na defesa da sociedade. As ações de saúde ajuizadas pelo Ministério Público em favor de usuários, na grande maioria idosos, que se encontram indevidamente internados em Unidades de Pronto Atendimento (UPA) sem a devida resolutividade, buscam realizar no plano da faticidade os direitos e garantias constitucionalmente previstos para estes pacientes. Mais do que concretizar o acesso à saúde, os ajuizamentos de tais demandas são imprescindíveis para assegurar a vida e a dignidade dos usuários. Dessa forma, constata-se a absoluta indisponibilidade do interesse defendido, que impõe o dever do Ministério Público em promover as medidas necessárias para assegurá-lo, por meio de legitimação extraordinária. Nesse sentido, a jurisprudência reconhece a legitimidade do Parquet para ajuizar ações que busquem concretizar direitos individuais indisponíveis de idosos e crianças, notadamente, direito à saúde: “APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO SEGURANÇA - TRANSFERÊNCIA DE INFERMO - DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL - LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - PRELIMINAR REJEITADA. - Buscando-se tutelar os direitos à vida e à saúde de que tratam os arts. 5º, caput, e 196 da Constituição Federal em favor de pessoa carente de tratamento, por apresentar pseudoartrose de diófise do fêmur, que necessita de transferência para hospital que disponha de capacidade técnica para a realização do procedimento cirúrgico, a legitimidade ativa do Ministério Público se afirma, não por se tratar 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS de tutela de direitos individuais homogêneos, mas por se tratar de interesses individuais indisponíveis. V.V. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA. DIREITO INDIVIDUAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE ATIVA. Não é permitida a atuação do Ministério Público na defesa de direitos individuais daquele que não está amparado pelos Estatutos do Idoso ou da Criança e do Adolescente, tendo em vista que tal atribuição cabe, por expressa previsão constitucional (artigo 134), à Defensoria Pública. Recurso provido.” (Apelação Cível 1.0210.11.007337-1/001, Relator(a): Des.(a) Albergaria Costa , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/04/2013, publicação da súmula em 26/04/2013) (grifo nosso) “EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO À SAÚDE - IDOSO LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO RESPONSABILIDADE FEDERADOS - SOLIDÁRIA DOS ENTES FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - DIREITO LÍQUIDO E CERTO PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - AUSÊNCIA - DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. - O Ministério Público do Estado é parte legítima para ajuizar mandado de segurança na defesa de direito individual homogêneo, principalmente, na espécie, em que atua, como substituto processual, na defesa de pessoa idosa (art. 127, caput, da CR/88 e art.74, inciso III da Lei Federal n. 10.741/03). 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - Cabe aos entes federados, de forma comum e solidária, fornecer meios para a plena realização do direito à saúde, nos termos da Lei Federal n. 8.080/90, que determina que as ações e os serviços públicos de saúde que integram o SUS são realizados de forma descentralizada. - Direito líquido e certo é aquele comprovado de plano, mediante prova pré-constituída que dispensa exame técnico e dilação probatória. Consequentemente, para o caso de fornecimento de medicação em que se exija o confronto da prova trazida pela parte impetrante com outros elementos a serem coligidos em instrução probatória, inclusive em respeito ao princípio da ampla defesa e do contraditório, o mandado de segurança não se apresenta como meio adequado para a obtenção da pretensão, devendo, portanto, ser denegada a ordem pleiteada. - Sentença reformada em reexame necessário.” (Reexame Necessário-Cv 1.0249.11.0013565/001, Relator(a): Des.(a) Versiani Penna , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/11/2012, publicação da súmula em 19/11/2012) (grifei) 2.3 DO PODER DE REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES E DOCUMENTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO In casu, pretende-se demonstrar a prerrogativa inerente do Ministério Público em requisitar diretamente os relatórios médicos e quaisquer outras anotações do paciente, em defesa de interesses do respectivo usuário. Desta feita, é inconcebível qualquer ato de negativa que venha restringir a atuação do Ministério Público na defesa dos interesses da coletividade, quando a própria Constituição Federal e a legislação de regência não fazem ressalvas quanto ao poder requisitório do Ministério Público. Inicialmente, o poder de requisição do Ministério Público tem sede constitucional: 12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: […] VI. expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar; […] (grifei) Sobre a matéria, preceitua o doutrinador Alexandre de Moraes: A Lei Complementar n.º 75, de 20/05/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, prevê no art. 8º, § 2º, que nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido. Igualmente, com base no art. 80 da Lei n.º 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que dispõe sobre a aplicabilidade subsidiária aos Ministérios Públicos dos Estados às normas da Lei Complementar n.º 75, não se pode alegar sigilo às requisições dos Ministérios Públicos Estaduais. Senão, veja-se: Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: I – instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: […] b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS II – requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie; […]5 (grifei) Cita o doutrinador supracitado o comentário de Nelson Nery Júnior e Rosa Nery: Em nenhuma hipótese a requisição do Ministério Público pode ser negada, sendo que o desatendimento pode caracterizar crime de prevaricação ou desobediência (RT 499/304), conforme o caso. 6 (grifei) Consignam-se ainda, os seguintes dispositivos da Lei Complementar Federal nº 75/93, que regem a matéria: Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; (…) IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas; Igualmente relevantes as seguintes disposições da Lei de Ação Civil Pública (Lei Federal nº 7.347/85). In verbis: Art. 8º (…) § 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis. 5 6 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 96-97. Idem. p. 97. 14 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS § 2º Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los. (grifei) Da mesma forma, rezam os artigos 67, I, b, e 74, VIII, ambos da Lei Complementar Estadual n.º 34, de 12 de setembro de 1994, que dispõe sobre a organização do Ministério Público do Estado de Minas Gerais: Art. 67. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: I – instaurar inquéritos civis e outros procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: […] b) requisitar informações, exames periciais, certidões e outros documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e das entidades da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. […] Art. 74. Além das atribuições previstas na Constituição Federal, na Constituição Estadual, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e em outras leis, compete aos Promotores de Justiça: […] VIII – expedir notificações e requisições e instaurar procedimentos investigatórios nos casos afetos à sua área de atuação; […] Na oportunidade, cabe destacar posição jurisprudencial sobre o tema: CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – REQUISIÇÃO – DEVER DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS EM INFORMAR AO MINISTÉRIO INSTAURAÇÃO PÚBLICO PRÉVIA – DESNECESSIDADE DE DE PROCEDIMENTO 15 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS ADMINISTRATIVO E/OU INQUÉRITO CIVIL. Nos termos do ordenamento jurídico vigente, o Ministério Público tem como prerrogativa, para instruir os procedimentos administrativos de sua competência, expedir requisições prévias na busca de informações e documentos, a fim de formar sua convicção. (Processo n. 1.0525.03.037318-3/001(1), 6ª Ccível TJMG, Relator: Des. Edílson Fernandes, Publicação: 10/09/2004). (grifei) PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS DA MUNICIPALIDADE. POSSIBILIDADE. PREVISÕES CONSTITUCIONAL E LEGAL. NEGATIVA DE FORNECIMENTO PELO PREFEITO. DESCABIMENTO. OFENSA À GARANTIA DA NÃO-AUTO-INCRIMINAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO DEFENSOR CONSTITUÍDO DA CONSTRANGIMENTO PARCIALMENTE SESSÃO ILEGAL CONHECIDA DE JULGAMENTO. RECONHECIDO. E, NESSA ORDEM EXTENSÃO, CONCEDIDA. 1. O Ministério Público, nos termos dos arts. 129, VI, da Constituição Federal e 26, I, b, da Lei 8.625/93, detém a prerrogativa de conduzir diligências investigatórias, podendo requisitar diretamente documentos e informações que julgar necessários ao exercício de suas atribuições de dominus litis. 2. O prefeito, na condição de autoridade pública, tem o dever de fornecer os documentos públicos, pertencentes à municipalidade, requisitados com estrita observância constitucional e legal pelo órgão do Ministério Público local, não havendo falar em ofensa à garantia da não-auto-incriminação. 3. Na medida em que o paciente não forneceu os documentos requisitados, tem o Ministério Público interesse para ajuizar ação cautelar de exibição de documentos públicos, considerados indispensáveis à formação da opinio 16 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS delicti e à propositura de eventual ação penal. (Processo HC 53818 / BA HABEAS CORPUS 2006/0023952-0 Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA STJ Data do Julgamento 06/12/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 07/02/2008 p. 1). (grifei) Cabe acrescentar que a legitimidade do Ministério Público ao ajuizamento da presente Ação Civil Pública visa preservação das prerrogativas e atribuições da própria instituição e de seus órgãos de execução. Dessa forma, atua o Ministério Público como legitimado ativo ordinário, pois defende, em nome próprio, direitos e interesses da própria instituição. Ainda, ressalte-se que no caso em questão a autorização judicial para liberação dos documentos é dispensável. Quando a ordem jurídica condiciona a realização de determinada diligência ao crivo do Poder Judiciário, devendo a ele recorrer o Ministério Público, ela o faz de forma expressa, como ocorre na Lei Complementar Federal n.º 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, e a Lei Federal nº 9.296/96, que cuida da interceptação de comunicações telefônicas, na linha de interpretação do artigo 8º, §2º, da Lei de Ação Civil Pública. Percebe-se, portanto, que os relatórios médicos não estão elencados dentre aquelas diligências que necessitam de prévia autorização do Judiciário, possuindo o Ministério Público, portanto, plena legitimidade para requisitá-los diretamente. Fora as hipóteses expressamente previstas em lei, os direitos à intimidade e ao sigilo, alegados por alguns profissionais de saúde e/ou direções de unidades de saúde, em recusa ao acesso aos relatórios médicos, devem ser ponderados diante da proteção do interesse público perseguido pelo Parquet, a preponderar a atuação do Ministério Público em seu mister constitucional de efetivação dos direitos fundamentais (direito à saúde). Destarte, experimentado diuturnamente pelo Ministério Público Estadual ofensa às suas atribuições constitucionais/legais, relativas ao seu poder requisitório, quando de 17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS sua atuação em defesa da saúde, razão pela qual ajuizada a presente ação, para preservação das atribuições ministeriais. Assinala-se que a documentação objeto das requisições não atendidas pelo município de Belo Horizonte/MG, nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA`s) ou no Hospital Municipal Odilon Behrens, dizem respeito a registros das ocorrências clínicas e evoluções relevantes do quadro de saúde dos usuários que procuram a Curadoria de Saúde, por meio de seus representantes, durante o atendimento realizado nas referidas unidades de saúde, que são indispensáveis para atuação responsável do Ministério Público em defesa de tais pacientes. Acrescenta-se que os representantes dos procedimentos instaurados pelo Ministério Público são todos parentes/cônjuges dos usuários internados nas UPA’s ou no Hospital Odilon Behrens, conforme comprovam os documentos anexos, o que os legitimam a solicitarem tais relatórios médicos, em razão da sua relação de parentesco e interesse na causa, e assim amparar, igualmente, a atuação do Ministério Público a favor desses usuários do SUS. Por fim, consigne-se que a recusa injustificada por parte de autoridades sanitárias, médicos e diretores de unidades de saúde em atender às requisições do Ministério Público, sendo esta justa e lícita, enseja, igualmente, configuração do delito de desobediência, previsto no artigo 330, do Código Penal Brasileiro, ou mesmo a configuração do delito disposto no artigo 10, da Lei de Ação Civil Pública. 3. DO PRAZO DE 24 HS PARA ENTREGA DE RELATÓRIOS MÉDICOS As Unidades de Pronto Atendimento (UPA) são equipamentos que compõem a rede de urgência e emergência, mas, no entanto, são unidades NÃO HOSPITALARES, sendo caracterizadas como unidades intermediárias situadas entre a Atenção Básica e a Rede Hospitalar. 18 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Segundo normatização vigente (Portaria do Ministério da Saúde nº 342, de 04 de março de 2013), juntada às fls. 08/22, do ICP anexo, é de até 24 (vinte e quatro) horas o prazo máximo de observação de usuários em Unidades de Pronto Atendimento (UPA), para elucidação diagnóstica e/ou estabilização clínica (art. 7º, IX, da Portaria MS 342/2013 – fl. 09 do ICP anexo). Nesse sentido, em razão da falta de capacidade instalada das UPA’s (ou mesmo do Hospital Municipal Odilon Behrens nos casos de falta de resolutividade), para fins diagnósticos e de tratamento em casos de média e alta complexidade, deve a respectiva gerência solicitar leito especializado à central de internação de Belo Horizonte/MG, com emissão da respectiva AIH (autorização para internação hospitalar), visando transferência imediata do usuário, sob pena de agravamento do caso ou mesmo risco de morte. Tal previsão consta expressamente no artigo 7º, X, da Portaria MS 342/2013 – fl. 09 do ICP anexo. Confira-se: Art. 7º A UPA 24h terá as seguintes competências na RUE: (...) X – encaminhar para internação em serviços hospitalares, por meio das centrais reguladoras, os pacientes que não tiverem suas queixas resolvidas nas 24 (vinte e quatro) horas de observação, conforme definido no inciso IX do “caput”; (destaquei) De igual maneira, a previsão do Enunciado 20, do 3º Curso de Direito à Saúde, do Fórum Permanente de Direito à Saúde de Minas Gerais, ocorrido na sede do TJMG, aos 27.07.2011 (fl. 28, do ICP anexo): ENUNCIADO 20 – As unidades de atendimentos pré-hospitalar (UPA, PAM, etc), destinadas às situações de urgências e emergências médicas, de natureza ambulatorial, não possuem natureza de unidade hospitalar, sendo portanto, inadequada a 19 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS manutenção de “internações” de pacientes em seus complexos, quando for o caso de remoção para leito hospitalar adequado.(destaquei) Todavia, o que se denota pelas demandas noticiadas ao Ministério Público, quanto à falta de regulação para leitos hospitalares adequados (constantes por amostragem no procedimento anexo), é que grande parte dos usuários que ingressam nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA’s) ficam por vários dias indevidamente “internados” pelas suas enfermarias, corredores ou mesmo em leitos improvisados em “salas de emergência”, sem contar, às vezes, nem mesmo com diagnóstico sobre seu estado de saúde, mas cuja hipótese diagnóstica demanda leito especializado em hospital com capacidade instalada para tanto. Por exemplo, não há UPA em Belo Horizonte/MG que tenha capacidade de cuidar de paciente que apresenta hipótese (suspeita) de AVC (Acidente Vascular Cerebral), pois nenhuma de nossas UPA’s conta com médico neurologista, ou mesmo equipamentos de imagens voltados a tal diagnóstico. Destarte, diante da indevida situação de alguns usuários, sem resolutividade adequada para o caso, não cabe ao Ministério Público senão o ajuizamento de ações visando acesso de tais usuários (notadamente crianças, adolescentes e idosos em situação de risco) ao serviço hospitalar referenciado, necessitando-se, invariavelmente, dos respectivos relatórios médicos, para instrução inicial do feito. Enfim, em sintonia com a referida normatização sanitária, adota-se o prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para fins de cumprimento das requisições do Ministério Público voltadas ao acesso a tais relatórios, visando pronta atuação nos casos prioritários (urgência e emergência) e eficiência no tratamento a ser dispensado a tais usuários em situação de risco. 4. DA TUTELA ANTECIPADA 20 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS As questões afetas à área da saúde pública, por guardarem estreita relação com a vida humana, são sempre questões relevantes e urgentes. Para a Constituição da República as ações e os serviços públicos de saúde são de relevância pública (art. 197), cabendo ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito do Poder Público e dos serviços de relevância pública, promovendo-se as medidas necessárias à sua manutenção e garantia (art. 129, III). In casu, o órgão ministerial encontra-se privado do exercício regular de suas atribuições legais/constitucionais, por negativas infundadas de profissionais médicos e/ou gerentes de unidades de saúde (UPA’s e Hospital Municipal Odilon Behrens) em fornecer relatórios médicos de pacientes, cujos responsáveis/familiares procuraram o Ministério Público, para fins de acesso a diagnósticos definitivos e consequente tratamento médico aos mesmos. Por ser o Ministério Público instituição incumbida da defesa de direitos fundamentais dos cidadãos, percebe-se a gravidade desta situação. Para a concessão da antecipação de tutela, o Código de Processo Civil, em seu artigo 273, determina os requisitos indispensáveis, a saber, a existência de prova inequívoca, a verossimilhança das alegações e, por fim, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou a caracterização de abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Pelo exposto nesta Ação Civil Pública, percebese estar configurada hipótese para deferimento da tutela antecipada. Vejamos. Primeiramente, acompanham esta peça inicial documentos comprobatórios das recusas/omissões sofridas pelo Ministério Público Estadual, no tocante à liberação de relatórios médicos, conforme se dessume pelos documentos de fls. 101, 117, 131 e 151, do ICP anexo. Juntadas cópias de algumas requisições de relatórios médicos pelo Ministério Público, acompanhado de modelo conciso para preenchimento, visando conhecimento de informações básicas sobre o estado de saúde dos pacientes, para avaliação de possibilidade de atuação deste órgão ministerial, em sendo evidenciado caso de urgência (potencialidade de agravo sério à saúde) ou emergência (risco de morte), obteve-se tão 21 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS somente relatos padronizados elaborados pelas próprias gerências das unidades, que se restringiam a descrever apenas algumas queixas dos pacientes, com afirmativa padrão de que o mesmo “foi submetido a avaliação clínica, exames complementares laboratoriais, radiológicos, ECG e outros, medicado com sintomáticos, antibióticos e medicações especificas para sua condição clínica ”, o que, em verdade, nada diz sobre diagnóstico (ou hipótese diagnóstica) ou eventual situação de risco (urgência ou emergência). Por conseguinte, demonstrado com clareza o atentado ao poder requisitório deste órgão, a ensejar intervenção judicial antecipatória de mérito, visando continuidade de atuação do Ministério Público, em defesa da saúde, notadamente nos casos que envolvem crianças, adolescentes e idosos. Desse modo, inconteste o dano diuturno sofrido pelo Ministério Público, no exercício regular de suas funções (in casu, na Curadoria da Saúde), bem como não haver dúvida sobre a irreparabilidade dos danos a serem suportados pela coletividade que procura o Ministério Público, visando acesso a serviços de saúde que possuam capacidade para o respectivo tratamento. Lado outro, pela larga legislação mencionada anteriormente, restou incontestável a plausibilidade do direito alegado. Não obstante os obstáculos interpostos ao Ministério Público, para que este não tenha acesso aos relatórios médicos, demonstrou-se estarem as requisições ministeriais baseadas e fundamentadas em dispositivos constitucionais e legais pertinentes, que legitimam sua atuação nesses casos. Como já assentado, não há que se falar em sigilo médico, como escusa ao acesso do Ministério Público a documentos pessoais, consistentes em relatórios médicos, justamente daqueles que procuram o Parquet para a defesa e garantia do direito à saúde. Por fim, há que se ressaltar o receio de que a demora no julgamento desta lide ocasione prejuízos irreparáveis à sociedade. Como mencionado anteriormente, as requisições ministeriais de relatórios médicos são inerentes à atuação do Ministério Público na defesa da saúde. Sem os relatórios, ou com relatórios sem descrição exata do quadro de saúde dos usuários, vários pacientes correm o risco de permanecer 22 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS indevidamente “internados” em UPA’s ou no Hospital Municipal Odilon Behrens, sem diagnóstico preciso e sem resolução eficaz do quadro apresentado, o que pode levá-los a óbito (ou algum tipo de sequela), pela demora na transferência a hospitais com maior porte e capacidade instalada para o tratamento adequado. Destarte, requer o órgão ministerial a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, in limine e inaudita altera pars, nos termos do artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que estão presentes todos os requisitos legais que autorizam a tutela emergencial, eis que o acesso a relatórios médicos (de acordo com o modelo anexado às respectivas requisições ministeriais) é imprescindível à atuação do Ministério Público, como defensor de direitos difusos da sociedade, na área da saúde pública. 5. DOS PEDIDOS Diante do exposto, requer o Ministério Público, após autuação desta inicial e documentação anexa (ICP n.º MPMG-0024.13.009390-9 – dois volumes): 5.1. o deferimento da antecipação de tutela, liminarmente e inaudita altera pars, determinando-se ao Município de Belo Horizonte/MG que, no prazo de 5 (cinco) dias, publique resolução, com publicidade no diário oficial municipal (DOM), visando orientação a todos os profissionais médicos e às gerências de unidades de tratamento médico (clínico e ambulatorial), no sentido de atenderem às requisições do Ministério Público, no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, consistentes em relatórios médicos de pacientes (devidamente preenchidos conforme modelo encaminhado) que se encontram internados em Unidades de Pronto Atendimento (UPA) ou em Hospitais da Rede Pública Municipal; 5.2. a intimação do requerido, na pessoa de seu representante legal, o Procurador Geral do Município, para cumprimento imediato da tutela antecipada, caso deferida, com a ressalva de crime de desobediência em caso de eventual descumprimento, bem como 23 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS citação do mesmo, para fins de eventual resposta a esta ação, sob pena de presunção de veracidade dos presentes fatos; 5.3. seja, ao final, confirmada a antecipação de tutela e julgado procedente o pedido, no sentido de determinar ao Município de Belo Horizonte/MG que, no prazo de 5 (cinco) dias, publique resolução, com publicidade no diário oficial municipal (DOM), visando orientação a todos os profissionais médicos e às gerências de unidades de tratamento médico (clínico e ambulatorial), no sentido de atenderem às requisições do Ministério Público, no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, consistentes em relatórios médicos de pacientes (devidamente preenchidos conforme modelo encaminhado) que se encontram internados em Unidades de Pronto Atendimento (UPA) ou em Hospitais da Rede Pública Municipal. Pretende-se provar o alegado, por todos os meios de prova em direito admitidos. Dá-se à causa o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), embora seu objeto seja de valor inestimável. Belo Horizonte, 27 de janeiro de 2014. Nélio Costa Dutra Jr. Promotor de Justiça 24