Enviado por Do utilizador14540

HERMENEUTICA CAP 01

Propaganda
MÓDULO
10
HERMENÊUTICA
LIVRO DIDÁTICO
FACULDADE
CRISTÃ DE CURITIBA
MÓDULO 10
HERMENÊUTICA
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
Nesta primeira unidade precisamos preparar-nos para compreender com
clareza o conteúdo das outras unidades. Para isso, vamos introduzir
conceitos principais que nos ajudarão a desenvolver uma ideia clara e mais
completa possível do que é a hermenêutica, a interpretação de textos e a
exegese bíblica.
Por isso, além de ler e compreender, esforce-se em memorizar os conceitos
principais. Como? Ora, anote em papeletas que você possa ter consigo em
momentos que seja possível ler rapidamente e lembrar. Claro, estudantes
contemporâneos podem utilizar os recursos de seu smart-phone ou tablet
(caso consigam evitar os passeios em mídias sociais, desconcentrando-se
do conteúdo anotado).
Conceitos e termos podem parecer chatos num primeiro momento.
Contudo, conhecendo os conceitos e termos, a leitura e o estudo deste
livro será muito mais fácil.
O que você vai encontrar nesta unidade?
Além dos termos próprios da disciplina, você
será levado a compreender a importância da
hermenêutica para o estudo proveitoso da
Bíblia. Sim, este livro não é qualquer livro,
ele é inspirado por Deus. Portanto, devemos
pensar um pouco sobre a peculiaridade
inspiracional e as implicações na
hermenêutica. Além disso, sendo a Bíblia
um livro antigo, sua interpretação se
confronta com os critérios hermenêuticos
contemporâneos, o que implica em alguns
problemas previsíveis. Vamos observar
alguns desses problemas para nos prevenir
quando estudamos e interpretamos textos
bíblicos.
Vamos nessa???
12
10 MÓDULO
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
HERMENEUTICA
HERMENÊUTICA
INTRODUÇÃO
Hermenêutica Bíblica é a disciplina da teologia exegética que ensina as
regras para interpretar as Escrituras e a maneira de aplicá-las
corretamente. Seu objetivo primário é estabelecer regras gerais e
específicas de interpretação a fim de entender o verdadeiro sentido do
autor ao redigir as Escrituras. Hermenêutica Bíblica é, pois, a ciência da
compreensão de textos bíblicos com critérios considerados científicos, isto
é, metodologicamente corretos.
O termo correlato de hermenêutica mais comum é interpretação.
Hermenêutica é a ciência das regras de interpretação. Hermeneuo em
grego é equivalente a interpretar. De fato, são dois vocábulos em línguas
diferentes que querem informar a mesma coisa: o primeiro, em grego, o
segundo tem sua raiz no latim. Croatto (1994, p.9) afirma que o termo
interpretação teve o seu sentido original alterado no decorrer dos séculos,
portanto, recomenda-se permanecer com o termo hermenêutica para
precisar o significado a que ele se refere.
Deste modo, hermenêutica trata sinteticamente de três coisas:
a. Hermenêutica é a ação de interpretar textos, discursos e
acontecimentos – quaisquer atos de comunicação.
b. Não se deve olvidar que o intérprete condiciona sua leitura por uma
espécie de pré-compreensão do que surge do próprio texto.
c. Embora nem sempre muito consciente, deve-se considerar que o ato
hermenêutico faz crescer o sentido do texto que se interpreta.
Toda a interpretação, tanto de textos como de acontecimentos e discursos
conotam os aspectos acima. Neste livro trataremos de todos esses aspectos
hermenêuticos, porém, daremos ênfase à interpretação de textos,
concentrando-nos em textos bíblicos. Não devemos esquecer que texto e
acontecimento, o texto e a práxis, se influenciam mutuamente. Isso é
especialmente importante ao considerarmos a leitura da Bíblia, pois esta
instrui a prática e a fé cristã, ela nos remete aos grandes atos salvíficos de
Deus.
Duas eras históricas circunscrevem cada texto: o tempo histórico de sua
redação e o tempo da sua leitura. O texto fica no meio. As experiências e
vivências do leitor se imiscuem no texto e lhe dão o sentido presente. A
hermenêutica bíblica não pode ser compreendida como um conjunto de
regras de interpretação distantes ou até isoladas da hermenêutica
filosófica, sociológica, literária ou outras quaisquer. Embora falamos de
hermenêutica bíblica, devemos lembrar que todas as outras perspectivas
devem ser levadas em conta quando se quer entender realmente e a fundo
o que um texto diz. Assim sendo, existe a hermenêutica geral. O método e
o fenômeno da interpretação coincidem em todas essas perspectivas
hermenêuticas.
13
Não devemos
esquecer que
texto e
acontecimento, o
texto e a práxis,
se influenciam
mutuamente.
MÓDULO 10
HERMENÊUTICA
HERMENEUTICA
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
1.1. CONCEITOS E TERMOS
Segundo alguns estudiosos da metodologia hermenêutica, o próprio termo
provavelmente tenha a sua origem na mitologia grega. Hermes era um deus
grego. Ele era considerado o mensageiro dos deuses. Irreverente, ele era
imprevisível, esperado com ansiedade, temido pelas mensagens não
desejadas. Portanto, era difícil de interpretar o que ele realmente
comunicava.
A própria hermenêutica deve ser compreendida em duas dimensões: como
ciência e como arte, ambas direcionadas à interpretação de textos,
mensagens e acontecimentos. Em nosso curso, nos interessa a
interpretação bíblica. Mas, a hermenêutica é disciplina do direito, da
antropologia, da sociologia, da psicologia, da pedagogia, da história e
muitas outras ciências mais. Todas elas devem desenvolver interpretação
acurada de textos, mensagens e acontecimentos.
A hermenêutica deve ser compreendida como ciência porque é a
construção de normas, regras e técnicas para interpretação correta
(VIRKLER, 1995, p.9). Ela categoriza, diferencia, organiza e delibera sobre
o significado de conteúdos textuais. Como tal, ela deve ser precisa e
objetiva como as ciências. Como ciência, a hermenêutica é:
- objetiva, pois está fundada em fatos concretos, isto é, na verdade
bíblica.
- racional, pois é constituída de conceitos, juízos e raciocínios, e não por
sensações e imagens.
- analítica, pois em virtude de abordar fatos, processos, ou situações de
interpretação, ela decompõe o todo em partes componentes e
relacionadas entre si. Isto quer dizer que a hermenêutica, ao analisar um
texto, disseca-os em partes a fim de que o todo seja compreendido.
- explicativa, em virtude de ter como finalidade explicitar os fatos em
termos de leis e as leis em termos de princípios.
Ora, qualquer pregador ou estudante, precisa justificar sua interpretação,
isto é, mostrar as leis ou princípios que o conduziram às descobertas em
qualquer texto bíblico. Como elemento explicativo, a hermenêutica é
tanto descritiva quanto prescritiva. Como descritiva explica o que é o texto
(seu significado), enquanto prescritiva, determina qual deve ser o nosso
comportamento mediante a interpretação fornecida - o que deve ser feito.
A hermenêutica também deve ser compreendida como arte. Por que? A arte
depende mais da intuição, da flexibilidade individual do artista, das
habilidades pessoais e de percepção que vão além dos aspectos objetivos
das observações e análises. Assim, a hermenêutica como arte faz o contra
ponto da rigidez, da objetividade, das certezas e das verdades absolutas.
14
10 MÓDULO
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
HERMENEUTICA
HERMENÊUTICA
A comunicação, em qualquer forma, não é um processo absolutamente
objetivo, correto e verdadeiro. Todos sabem que, o que é comunicado,
pode ser interpretado de várias formas. Neste sentido, a hermenêutica
também é arte.
Como a hermenêutica categoriza seus objetos de estudos e suas funções
para facilitar a análise, seja de textos, mensagens ou acontecimentos, os
estudiosos frequentemente a subdividem em hermenêutica geral e
hermenêutica especial.
A hermenêutica geral trata das regras de interpretação dos textos. Estas
regras são constituídas a partir dos enfoques histórico cultural, léxico
sintático, do contexto e da teologia.
A hermenêutica especial desenvolve regras para o estudo e análise de
gêneros específicos de textos como as símiles, as parábolas, as profecias ou
textos apocalípticos, etc.
Trataremos das duas abordagens hermenêuticas em nossos estudos.
1.2. ÁREAS DE ESTUDO BÍBLICO
A hermenêutica está constantemente relacionada com as outras áreas de
estudo bíblico. O estudante de teologia já conhece essas áreas: cânon;
crítica textual; crítica histórica; exegese; teologia bíblica; teologia
sistemática (VIRKLER, 1995, p.10).
a. Ao estudar a Bíblia, uma das primeiras questões é a canonicidade. Quer
dizer, deve-se responder se o livro bíblico em estudo é de inspiração divina,
se foi validado pela Igreja como Palavra de Deus ao compor o todo do livro
sagrado. Os cristãos creem que tanto a redação dos textos bíblicos, quanto
a fixação do cânon tenham sucedido sob orientação e inspiração do Espírito
Santo.
b. A outra ação para compreender um texto bíblico é a crítica textual. O
que é a crítica textual? É um método para identificar o que os textos
originais diziam. Mas, precisamos descobrir o que os originais diziam? Sim,
precisamos! Porque os textos que temos, de fato são somente cópias. E
copistas frequentemente faziam leves alterações no texto quando,
segundo compreensão pessoal, interpretavam que algo tinha de ser
melhorado. Isto é, os copistas já faziam hermenêutica enquanto
copiavam os originais. Então, a crítica textual se esforça em aproximar-se
ao máximo do que o texto original dizia mediante comparações e análises
de textos de várias fontes.
c. A terceira área importante no desenvolvimento da compreensão dos
textos bíblicos é a crítica histórica. Os estudiosos desta área estudam e
definem quem foi o autor do livro, qual o ano (os anos) de sua redação ou
composição, quais os acontecimentos históricos que influenciaram tanto
o(s) autor(es) quanto o texto. Busca-se identificar quão autêntico é o
15
Os copistas já
faziam
hermenêutica
enquanto
copiavam os
originais. Então, a
crítica textual se
esforça em
aproximar-se ao
máximo do que o
texto original
dizia mediante
comparações e
análises de textos
de várias fontes.
MÓDULO 10
HERMENÊUTICA
HERMENEUTICA
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
conteúdo do texto e identifica-se a unidade do estilo literário (se o texto
tem um só estilo, ou se é composto por vários estilos).
Os estudiosos da crítica histórica frequentemente identificam dificuldades
de coesão, de identidade, de estilo, de data, de local de produção do
texto, etc. Assim, ao publicarem as suas conclusões, confrontam ou até
afrontam as crenças de estudiosos mais ortodoxos que não gostariam de
mexer com o sagrado dos textos bíblicos. Por isso, a crítica histórica
frequentemente é relacionada à teologia liberal. Mas, isso não deveria ser
assim, pois, mesmo que se encontre algumas questões sem explicações, ou
até contraditórias, tais descobertas podem facilitar a compreensão total
dos textos bíblicos.
Depois que as primeiras três áreas de estudo bíblico tiverem sido
realizadas, o texto está pronto para a exegese. O que é exegese? “Exegese
é uma análise, interpretação ou explicação detalhada e cuidadosa de uma
obra, um texto, uma palavra ou expressão” (SIGNIFICADOS, s/d, s/pg). Em
geral, é considerado sinônimo de hermenêutica. Por que? Porque
“etimologicamente, este termo se originou a partir do grego exégésis, que
significa “interpretação”, “tradução” ou “levar para fora (expor) os fatos”
(SIGNIFICADOS, s/d, s/pg), que também é a significação de hermenêutica.
Tecnicamente, temos um desafio a enfrentar e um problema a resolver,
quando falamos de exegese bíblica em nossos dias. O que muitos
pregadores fazem, com certeza não é exegese bíblica, mas eixegese. Qual
é a diferença? E como isso afeta a pregação do Evangelho?
A exegese bíblica é o esforço de descobrir o que um texto, inspirado,
escrito há dois mil anos fez para ser lido até os nossos dias. Qual é a sua
origem? Qual é a sua constituição? Quem é/são o/s seu/s autor/es? O que
faz com que ele se diga inspirado por Deus? E o que este texto de fato quis
dizer naquele tempo em que foi escrito? O que ele quer dizer para a
sociedade ainda hoje? Estas e outras perguntas, são perguntas exegéticas.
Mas, em nossos dias, muitos pregadores fazem eixegese, como já afirmei.
O que é eixegese?
Eixegese é o oposto de exegese, pois o intérprete da Bíblia não se preocupa
com os itens acima. O intérprete simplesmente se preocupa em utilizar o
texto bíblico para dizer o que ele já determinou em seu coração. Eixegese
é interpretação do texto fora de seu contexto. O pregador eixegético
escolhe um texto para dizer que leu a Bíblia, mas, depois ele interpreta
sem fazer relações históricas, culturais, sintáticas ou literárias com o texto
bíblico. Assim, muitas mensagens deixam de ser bíblicas.
Voltando à exegese, qual é a diferença entre hermenêutica e exegese? De
modo geral, a hermenêutica é o corpo constitutivo e metodológico de
regras de interpretação (teoria), e a exegese é a execução e aplicação
dessas regras no processo da interpretação (prática).
Considerando ainda as áreas de estudo bíblico, a exegese e a hermenêutica
fornecem dados e produzem dois enfoques teológicos diferenciados, a
teologia bíblica e a teologia sistemática. A teologia bíblica organiza as
16
10 MÓDULO
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
HERMENEUTICA
HERMENÊUTICA
conclusões da exegese, propondo a compreensão progressiva da revelação
divina para a humanidade de todos os tempos. A teologia bíblica também
identificar o que e como o texto bíblico contribuiu para o conhecimento
que os crentes daquele tempo tinham de Deus e que os crentes de hoje
podem ter.
Já a teologia sistemática organiza o estudo da Bíblia e da teologia em
temas e os aborda separadamente. Por exemplo, a teologia sistemática
busca todas as informações possíveis na Bíblia a respeito dos anjos, ou do
conceito de pecado, ou Deus e a sua natureza, ou sobre a Igreja, ou a vida
além da morte e assim sucessivamente. Tal organização é sistemática,
portanto, teologia sistemática.
As teologias bíblica e sistemática são estudos complementares. São
modos variados, em perspectivas diferenciadas de compreensão da Bíblia
com o intento de compreender o livro sagrado em amplitude e
profundidade. Assim, se completa em grande parte o processo geral da
hermenêutica. Vejamos a seguir porque tudo isso é necessário.
1.3. NECESSIDADE HERMENÊUTICA NO ESTUDO DA BÍBLIA
Para resumir, podemos dizer que há quatro barreiras que dificultam a
interpretação correta da Bíblia. Vejamos cada uma um pouco, para
justificar a necessidade da hermenêutica.
Interpretamos espontaneamente o que vemos, ouvimos ou lemos. Nem
sabemos como se realiza o processo de aprender e conhecer. Isso
simplesmente acontece (alguns têm mais facilidade que outros). O
significado parece estar aí, evidentemente. No entanto, quando não
conseguimos compreender e aprender algo, então iniciamos a nos
questionar o que normalmente fazemos para identificar os significados.
Esta é a primeira barreira. Então iniciamos ações hermenêuticas:
analisamos conscientemente a partir de critérios desenvolvidos durante a
vida, classificamos e codificamos as ações analíticas e cognitivas que
usamos para compreender e aprender algo em amplitude e profundidade
para que o todo faça sentido e tenha lógica. Mas, normalmente não
pensamos nessas ações. Elas são automáticas.
Ao estudar a Bíblia, o tempo histórico de sua redação é uma barreira de
compreensão. O tempo histórico nos distancia. Os autores são tão
diferentes. Somos, experimentamos e pensamos de modo tão diferente do
que eles. Segundo a nossa cultura, muitas afirmações e ações bíblicas são
absolutamente ilógicas, sem nexo e estranhas. A cultura hebraica e judaica
de dois mil a três mil anos atrás é inalcançável para a nossa compreensão
imediata. Esta é a segunda barreira. Precisamos da hermenêutica para
identificar e compreender o que os textos relatam, definem e defendem.
Todas as pessoas analisam e compreendem as coisas através de seus
próprios olhos, quer dizer, através de suas maneiras idiossincráticas de
compreender a realidade.
17
A cultura hebraica
e judaica de dois
mil a três mil anos
atrás é
inalcançável para
a nossa
compreensão
imediata.
MÓDULO 10
HERMENÊUTICA
HERMENEUTICA
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
Precisamos saber que as nossas compreensões imediatas são parciais, elas
não incluem tudo. Como Paulo muito bem afirma, “agora, pois, vemos
apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a
face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma
forma como sou plenamente conhecido” (I Cor 13.12).
O nosso tempo histórico, a nossa cultura, o nosso conhecimento, as nossas
dores e sofrimentos, nossos relacionamentos, os sucessos e fracassos, e
muitas coisas mais, estão constantemente como lentes de óculos diante de
nossos olhos. E olhamos as coisas através delas, estando as conclusões
sujeitas às interpretações marcadas por todas essas interferências. Isso
justifica a demanda da hermenêutica.
Harold Garfinkel (2018) descreve a necessidade da hermenêutica mediante
uma metáfora eloquente. Ele sugere que somos como peixes ornamentais
em um aquário (nosso tempo, nossa cultura) olhando para peixes de outro
aquário (história e costumes) totalmente diferente. Como jamais podemos
estar neste outro aquário, precisamos desenvolver métodos e regras para
analisar e compreender, portanto, identificar adequadamente como é
estar no outro aquário. Portanto, podemos desenvolver uma noção
aproximada do outro aquário. Mas, jamais poderemos estar dentro do
outro aquário para capta-lo tal qual ele é de fato. Por isso precisamos de
hermenêutica, para nos aproximar ao máximo possível da compreensão
desse outro aquário.
Uma terceira barreira a ser superada para compreender e interpretar a
Bíblia é a língua. Ao observarmos pessoas falando em outra língua, parece
tão fácil. Mas, quando tentamos traduzir a outra língua, aparecem as
dificuldades: termos que não existem na outra língua (por exemplo:
“jeito” em português não existe em alemão; a palavra “saudade” é
praticamente impossível traduzir literalmente para o francês). Além disso,
quando traduzimos uma língua que não é nossa língua materna, para a
língua materna do outro intérprete, este terá sérias dificuldades em
concordar com a nossa tradução, se não estivermos muito versados e
proficientes.
A Bíblia foi redigida originalmente em hebraico, aramaico e grego. Houve
traduções para o latim. A partir da Reforma Protestante a Bíblia foi
traduzida em centenas de línguas. Para equacionar tanta diversidade, é
preciso apelar à hermenêutica para não fazermos interpretações que malversam a própria Bíblia.
E por fim, a quarta barreira que justifica a dedicação hermenêutica no
estudo da Bíblia é o abismo filosófico entre as eras originais e
contemporâneas. As cosmovisões e culturas são absolutamente diferentes.
Ao ler e traduzir o que se lê da Bíblia, o intérprete hermeneuta tem que
estar ciente das percepções e cosmovisões absurdamente diferentes.
Se quisermos compreender corretamente a Palavra de Deus e aplica-la de
modo que seja compreendida segundo a vontade de Deus, precisamos levar
18
10 MÓDULO
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
HERMENEUTICA
HERMENÊUTICA
em conta e superar as barreiras da história, da cultura, da língua e das
cosmovisões.
Há outro desafio a ser superado no estudo da Bíblia. Ela é inspirada por
Deus. Isso é muito importante. Isso implica em muitas considerações, pois,
ninguém conhece Deus tal como pessoas podem se conhecer. Ora, se Deus
mesmo inspirou a redação da Bíblia, Ele já não resolveu também todas
essas barreiras de interpretação para que a sua vontade ficasse totalmente
clara à humanidade? Esta e outras questões precisam ser consideradas na
hermenêutica.
1.4. IMPLICAÇÕES DA DOUTRINA DA INSPIRAÇÃO
Em termos das teologias contemporâneas predominantes, existem
posturas diferenciadas quanto à inspiração divina das Escrituras, o que
reflete diretamente na hermenêutica.
Para a teologia liberal, a inspiração da Palavra de Deus é similar à
inspiração que Beethoven teve quando redigiu a nona sinfonia. O músico
era superdotado, teve tempos de especial sensibilidade para sons e
composições de sons, então, motivado redigiu o que empolga as pessoas
por séculos. Teólogos liberais defendem que os autores simplesmente
redigiram e descreveram as “primitivas concepções religiosas hebraicas a
respeito de Deus e de suas ações” (VIRKLER, 1995, p. 13.). Destarte, os
liberais estudam e descrevem teorias de como os autores reuniram o
material de escritos antigos e os critérios para compor o que temos hoje da
Bíblia. Igualmente, os teólogos liberais analisam e descrevem a evolução
da consciência religiosa desses autores no decorrer do desenvolvimento
das Escrituras e de como isso influenciou e formou culturas, como a cultura
cristã até os nossos dias.
Já a teologia neo-ortodoxo defende que Deus se manifestou em atos e
milagres poderosos, mas que Ele não deu palavras aos autores bíblicos. Os
textos apresentam apenas a compreensão que os autores tiveram das
grandes ações de Deus junto ao povo hebreu e depois dos judeus, já na era
cristã. Assim, a Bíblia se torna a palavra de Deus quando alguém a lê, ela
não é a Palavra de Deus, independentemente do leitor. Quando dizem que
a Escritura se torna palavra de Deus, isso significa que cada pessoa
desenvolve uma hermenêutica particular a respeito da mesma, e o Espírito
Santo opera nos leitores de modo que cada um é transformado em suas
necessidades específicas.
Tanto a postura teológica liberal quanto a neo-ortodoxa assim
desmitologizam a Bíblia, quer dizer, retira-se do mito a verdade existencial
necessária para o leitor no momento da leitura, tanto que ele possa ter um
encontro pessoal com a verdade que subtrai da leitura. Aos teólogos
ortodoxos as posturas teológicas citadas parecem hermenêuticas muito
pouco regradas e organizadas. Falta-lhes critérios bíblicos para a
interpretação que sejam hermeneuticamente corretos. Teólogos
ortodoxos tem que se corre o risco de interpretações absurdas e de
19
A teologia neoortodoxo defende
que Deus se
manifestou em
atos e milagres
poderosos, mas
que Ele não deu
palavras aos
autores bíblicos.
MÓDULO 10
HERMENÊUTICA
HERMENEUTICA
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
pluralismos religiosos quase infinitos, ao ponto de justificar a privatização
da fé a partir da Bíblia.
Virkler (1995, p. 14) diz: “A perspectiva ortodoxa da inspiração é que Deus
operou por intermédio das personalidades dos escritores bíblicos de tal
modo que, sem suspender seus estilos pessoais de expressão ou liberdade,
o que eles produziram foi literalmente 'soprado por Deus' [2 Tim. 3.16]”.
Não somente a Escritura, mas também os escritores foram inspirados.
Segundo a epístola a Timóteo citada, Deus deu aos redatores bíblicos os
escritos de modo que estes mesmos são o selo da inspiração. A própria
Bíblia atesta que ela é inspirada divinamente. Assim sendo, a Palavra de
Deus é o compêndio da verdade objetiva de Deus. Independentemente, se
alguém lê a Bíblia ou não, ela é a verdade do Criador para a sua criatura.
Assim considerado, fica evidente que as hermenêuticas das três teologias
contemporaneamente preponderantes são essencialmente diferentes. As
regras, as categorizações, as conclusões e os encaminhamentos das
teologias bíblica e sistemática tendem a ser essencial e fundamentalmente
diferentes. Tanto que a hermenêutica é um campo de constantes tensões
entre estudiosos de literatura e teólogos.
1.5. PROBLEMAS NA HERMENÊUTICA CONTEMPORÂNEA
Antes de estudar a história da hermenêutica, precisamos refletir em
algumas dificuldades relacionadas e advindas da hermenêutica
contemporânea. Ao estudar um texto, incluso a Bíblia, precisamos estar
cientes de algumas questões para tirar do mesmo o significado que o seu
autor quis transmitir. Esta é a grande prerrogativa e busca do exegeta:
Compreender maximamente o que o autor quis dizer com o que escreveu. E
tal ação depende de boa e correta hermenêutica, de regras realmente
válidas para deduzir os significados de um texto.
Primeira Questão – A validade na interpretação
Quando duas pessoas leem um mesmo texto, elas
aprendem coisas diferentes dele. Todos nós já
tivemos esta experiência. Mas, se é assim que
cada leitor aprende coisas diferentes de um
mesmo texto, para que nos preocupar em
interpreta-lo corretamente? Para que interpretar
se cada leitor terá compreensões diferentes (ainda
que levemente diferentes)? A grande pergunta é: “Um
texto contém somente um significado válido”? ou poderia
haver vários significados válidos? Caso haja vários significados
num texto, há aqueles que são mais verdadeiros que outros? Caso
sim, como discernir um do outro? Quais critérios definem se uma
interpretação está mais próxima que outra do significado que o autor quis
dar ao seu texto?
20
10 MÓDULO
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
HERMENEUTICA
HERMENÊUTICA
Devido às muitas perguntas acima e à complexidade para definir a validade
na interpretação, há pensadores que propõe algumas posturas e as
defendem para resolver o conflito. Por exemplo, E. D. Hirsch (1968) conclui
que a melhor forma de resolver o conflito é decidir que o significado do
texto é aquele que ele significa para o seu leitor. Outro autor, T. S. Eliot
(1932) propôs que “a melhor poesia é impossível, objetiva e autônoma;
que leva uma vida própria depois de escrita, totalmente separada da vida
de seu autor”. Contudo, para o estudante de teologia, tais posturas são
inúteis para o estudo da Bíblia, pois, o cristão busca o significado que Deus
quer passar ao leitor. O estudioso cristão precisa aproximar-se dos
significados reais dos textos bíblicos, pois, são Palavra de Deus.
Posturas hermenêuticas como as de Hirsch e Eliot são resultado do
relativismo contemporâneo e da crítica literária severa no século XX. Já
em nosso tempo, há outras filosofias que influenciam a validade na
interpretação além do relativismo de valores que são conflituosos
especialmente para o estudo da Bíblia e da teologia bíblica. Citamos
apenas algumas influências: a privatização da fé; a secularização de todas
as áreas da sociedade; a forte influência liberal do individualismo sobre
todas as coisas; a compreensão que o importante é o prazer, o hedonismo.
Há outras tendências e cosmovisões que contemporaneamente
influenciam a hermenêutica, portanto, levam ao questionamento da
validade na interpretação.
Estudiosos da Bíblia, exegetas e teólogos precisam de critérios para que
possam considerar uma interpretação bíblica como válida. A teologia cristã
busca compreender o que Deus quis dizer em sua Palavra. Portanto,
rejeita-se o pressuposto que um texto bíblico quer dizer apenas aquilo que
ele significa para cada leitor. Mas, o pressuposto oposto também é
complexo: um texto bíblico tem somente um sentido, e este tem que ser
exclusivamente compreendido por todos.
Virkler (1995) propõe que se diferencie entre interpretação e aplicação.
Quer dizer, na leitura bíblica deve-se buscar ao máximo a interpretação
daquilo que supostamente Deus quis que seus filhos compreendessem, mas
ao aplicar o compreendido, que haja considerações peculiares de cada
situação ou leitor. A aplicação é orientada pela base hermenêutica
fundamental a ser buscada no estudo da Bíblia, mas depois se considera as
circunstâncias e variâncias ao encontrar formas práticas do significado na
vida.
Um exemplo deve esclarecer as afirmações anteriores. Efésios 4.26-27 diz:
“Quando ficarem irados, não pequem. Apaziguem a sua ira antes que o sol
se ponha, e não deem lugar ao Diabo”. Essa orientação de Paulo ganha
aplicações variadas quando se considera com quem a pessoa estiver irada.
A aplicação do texto muda na medida que alguém está irado com o
frentista do posto de combustível ou com a esposa, os filhos ou a sogra. A
aplicação também ganha conotações diferenciadas caso o irado esteja
incomodado com o chefe ou com o pastor de sua igreja. Portanto, a
interpretação precisa chegar a um consenso maximamente possível,
21
Estudiosos da
Bíblia, exegetas e
teólogos precisam
de critérios para
que possam
considerar uma
interpretação
bíblica como
válida. A teologia
cristã busca
compreender o
que Deus quis
dizer em sua
Palavra.
MÓDULO 10
HERMENÊUTICA
HERMENEUTICA
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
enquanto a aplicação da interpretação necessita do bom senso e da
inteligência racional.
Segunda Questão – A autoria dupla da Bíblia
Como os cristãos creem na inspiração divina das Escrituras através de
autores humanos, surgem algumas perguntas. Pode-se diferenciar o
significado que o autor humano tinha do significado que Deus quis passar?
As intenções de significados são idênticas ou iguais por serem inspirados? O
significado divino é maior e mais importante que o significado do autor
humano?
Os estudiosos da hermenêutica falam do sensus plenior quando discutem as
perguntas acima. Sensus plenior é o sentido mais amplo, profundo e
completo de um texto, mais do que o autor humano conseguiu transmitir.
Porém, vejamos algumas implicações dessa pressuposição. Caso o texto
bíblico tenha um sentido maior e mais pleno por ser divino, então devemos
admitir que ele pode ter mais sentidos do que apenas o imediatamente
interpretado ou o intentado pelo autor humano. Isso torna a hermenêutica
mais complexa, pois qualquer interpretação pode chegar a conclusões
variadas.
Algumas passagens bíblicas parecem indicar que a Bíblia foi concebia em
sensus plenior. Vejamos! Quando o apóstolo Pedro diz: “Desta salvação
inquiriram e indagaram diligentemente os profetas que profetizaram da
graça que para vós era destinada...” (1Pd 1.10), parece que ele indica que
os profetas não compreendiam todas as coisas das quais falavam. Daniel é
até mais direto na afirmação de que não compreendia certas coisas que
ouvia de Deus: “Eu, pois, ouvi, mas não entendi; por isso perguntei: Senhor
meu, qual será o fim destas coisas?” (Dn 12.8.). Mesmo no Novo
Testamento sucede algo curioso, relatado por João (11.49-52). Caifás, o
sumo sacerdote, que intenta matar Jesus, fala deste em forma
profética sem saber, dizendo: “...convém que morra um só homem pelo
povo, e que não pereça a nação toda. Ora, isso não disse ele por si
mesmo; mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus
havia de morrer pela nação”.
Estes sentidos no texto além daquilo que está objetivamente
comunicado é que se denomina sensus plenior, e gera outras discussões.
Caso aceitarmos a ideia de duplos ou múltiplos significados nas
Escrituras, não se estaria abrindo o caminho para multiformes exegeses
e aplicações? Os profetas do Antigo Testamento não estariam ignorando
apenas o tempo da concretização das profecias messiânicas, mas
tinham consciência restrita a respeito do significado das mesmas?
Parece que algumas vezes os profetas compreendiam bem as suas
predições, mas não tinham a mínima noção das implicações.
Tanto que, a questão da dupla autoria das Escrituras e de seu sensus
plenior permanece um conflito entre os hermeneutas. Provavelmente
jamais será completamente elucidado.
22
10 MÓDULO
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
Terceira Questão – A literalidade da interpretação
Em princípio, a relação entre as ideias que as palavras expressam
e a realidade é direta, em princípio não são simbólicas. A não ser
que o autor explicite que as palavras utilizadas indicam figuras de
linguagem ou símbolos, o leitor deve pensar objetivamente.
Contudo, a comunicação escrita figurativa e simbólica muito
utilizada na Bíblia, e nem sempre fica claro quando ela foi escrita
com intenções literais, simbólicas ou figurativas. A Bíblia é muito
rica em linguagem figurativa e simbólica, enfim, ela fornece os
fundamentos conceituais de uma religião, o cristianismo. A
linguagem de todas as religiões é expressivamente figurativa e
simbólica porque trata da transcendência, de coisas que não são
da vivência humana concreta.
A dificuldade surge quando os leitores interpretam as palavras
usadas e a redação do texto de modo diferente daquele que o
autor tinha em mente. Tanto que, encontram-se frequentemente
pessoas que interpretam o literal pelo figurativo e o simbólico de
modo literal. Quando se trata de religião, que sociologicamente é
cultura de símbolos a respeito do transcendente, as confusões e
sobreposições de interpretações são fáceis de ocorrerem.
De modo muito geral, quanto mais ortodoxo e conservador o
teólogo, mais forte é a tendência da interpretação literal. Quanto
mais liberal, tanto maior a tendência de compreender que o texto
bíblico é figurativo e simbólico.
A questão dos vários sentidos possíveis (literal; figurativa;
simbólica) de uma mesma palavra, frase ou texto, justifica a
necessidade da hermenêutica.
Questão Quatro – Espiritualidade e processo perceptivo
A questão é simples! As pessoas que são profundamente espirituais
(realmente convertidas a Jesus; leem a Bíblia; oram; testemunham;
praticam a verdade; se santificam constantemente; etc.) têm um
entendimento mais profundo da Bíblia que aquelas que não preenchem o
requisito da espiritualidade cristã? Um estudioso das Escrituras que é
muito bem formado e informado em técnicas hermenêuticas, mas não vive
a fé cristã, fica prejudicado na exegese realizada por tal razão?
Existem os teólogos que defendem piamente que sem a iluminação do
Espírito Santo (e esta somente os verdadeiros crentes têm) não é possível
compreender a boa e perfeita vontade de Deus através da Bíblia. É
necessário ter sido transformado pelo sangue de Jesus, ter compromisso
com a fé cristã, exercer os dons da Graça e buscar intensamente a vontade
de Deus para interpretar a Bíblia de modo que se possa entender o que ela
diz para cada pessoa em cada situação peculiar.
23
HERMENÊUTICA
HERMENEUTICA
MÓDULO 10
HERMENÊUTICA
HERMENEUTICA
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
Outros teólogos, tendo observado frequentes despautérios hermenêuticos
de cristãos muito espirituais e bem intencionados, mas mal formados em
hermenêutica, defendem que mais importante é o desenvolvimento da
habilidade exegética que a espiritual. Defendem que quanto melhor se
entende a Bíblia, melhor poderá ser a vida espiritual.
Talvez a psicologia possa nos ajudar no esclarecimento dessa
questão, da espiritualidade e da interpretação bíblica. Os processos
de percepção do ser humano se realizam dentre muitos outros
fenômenos por atenção seletiva. Perceber é receber um estímulo
(sensação) e interpreta-lo. Ex. o clima está abafado (sensação tátil) e
há nuvens no céu (sensação visual). Por conseguinte, tudo indica que
vai chover (percepção, pois, as sensações foram interpretadas).
Uma vez clarificada a diferença entre sensação e percepção,
podemos agora ir ao conceito de atenção seletiva. Esta atenção é
promovida por interesses e motivação. O ser humano se concentra
melhor naquilo que lhe interessa. Assim sendo, dedica-se mais,
aprofunda-se e amplia seu conhecimento em torno de algo. Ele
concede atenção seletiva.
O crente espiritualmente compromissado com a sua fé, disposto a
desenvolver intuições espirituais, que vive na Luz de Cristo e sob
iluminação do Espírito Santo obviamente tem sua atenção
seletivamente concentrada sobre todas as questões de fé e prática.
Quando abre a Bíblia para estudar, enxergará com vivacidade
questões espirituais que um estudioso que não está neste espírito,
terá dificuldades de enxergar. A atenção do crente está
seletivamente centrada no improvável, no transcendente, no
milagre e na espera espiritual, enquanto do estudioso teórico estará
concentrado em questões apenas hermenêuticas.
A atenção de um teólogo formado em hermenêutica pode ter a
mesma intensidade motivacional, fascínio e interesse em
compreender a Bíblia e o que Deus diz através dela. Mas, sua atenção
está concentrada técnicas e métodos hermenêuticos. A atenção
seletiva do intérprete das Escrituras é orientada pela vontade de
compreender o texto, a gramática, a ortografia, a construção do estilo
literário, a análise léxico-sintática, etc. Todavia, não se pode dizer que o
estudioso é menos importante e tem menos descobertas para a fé cristã
que o intérprete espiritual, regido por visões espirituais.
O exegeta desenvolve conhecimento intelectual do texto bíblico, o crente
desenvolve o que se chama conhecimento verdadeiro da Bíblia e de Deus
quando lê a Bíblia.
Desta maneira, a espiritualidade influencia os processos perceptivos
(interpretativos) através da atenção seletiva (motivacional). O
hermeneuta necessita estar consciente dos vários processos psicológicos
que influenciam a aprendizagem quando estuda a Bíblia.
24
10 MÓDULO
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
HERMENEUTICA
HERMENÊUTICA
Quinta Questão – A inerrância bíblica
Talvez o tema da inerrância bíblica tenha sido um dos temas de debate
mais acalorados entre cristãos evangélicos do último século. Os
tradicionais, fundamentalistas e conservadores defendem que a Bíblia é
completamente sem erros. Já os cristãos liberais afirmam que a Bíblia está
“sem erro toda vez que ela fala de questões da salvação e da fé cristã, mas
pode possuir erros nos fatos históricos e noutros” (VIRKLER, 1995, p. 21)
detalhes.
A questão da inerrância é muito importante para a hermenêutica, pois, se a
Bíblia erra em assuntos não essenciais à salvação, então ela pode errar em
muitas outras temáticas do viver cristão. Se ela erra, ela deixa de ser
critério de fé e prática compreensível e seguro, e se torna num livro que
apenas nos informa sobre questões filosóficas e psicológicas de um tempo
passado que agora não tem mais nenhuma validade axiomática (de
valores). Caso haja erros em pequenos detalhes, logo se começa a
questionar as doutrinas de importância maior.
A postura que a Bíblia pode conter erros, seja de tradução, de eventos
históricos e datas, arqueológicos, etc. (KELLER, 1978; FINKELSTEIN e
SILBERMAN, 2003), motiva o exegeta a encontrar um modo justificável de
resolver as discrepâncias. O resultado desse trabalho hermenêutico é a
chamado análise teológica, que consiste em comparar um texto dado com
outros que tratam do mesmo assunto, no esforço de explicar aquelas
informações e conceitos que isoladamente no texto aparentemente não
fazem sentido.
Assim, a hermenêutica deve desenvolver uma unidade de pensamento,
sem se preocupar excessivamente se a Bíblia é absolutamente inerrante ou
se alguns detalhes no texto podem estar contraditórios. Para a teologia
cristã, para os cristãos, o importante é a compreensão global do
evangelho. E para tanto, todas as partes da Bíblia precisam aproximar-se,
em busca de harmonização de premissas, conceitos, verdades e
informação. Isto é tarefa da exegese, fundamentada em critérios
hermenêuticos cientificamente categorizados.
A inerrância bíblica não deve ser considerada absoluta, em termos de
letras e acentos, mas, de aproximação. Existem níveis de aproximação da
verdade em todas as áreas do conhecimento humano. Em algumas áreas,
essa premissa é muito séria por causa das possíveis consequências, como
por exemplo no cockpit de um piloto de Boeing 747. Em outras áreas, se
fazem concessões, como na apresentação do número total da população
brasileira. Quando se diz que o Brasil tem 220 milhões de habitantes, isso
pode oscilar em termos de alguns milhões. Mas, ninguém se dirá enganado,
uma vez que esta cifra é de aproximação.
25
A inerrância
bíblica não deve
ser considerada
absoluta, em
termos de letras e
acentos, mas, de
aproximação.
Existem níveis de
aproximação da
verdade em todas
as áreas do
conhecimento
humano.
MÓDULO 10
HERMENÊUTICA
HERMENEUTICA
CAPÍTULO 01
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
DA HERMENÊUTICA BÍBLICA
O importante é o “nível intencional de precisão”, segundo Virkler (1995, p.
31). Este mesmo autor afirma que, neste sentido dos erros/acertos
aproximados, alguns princípios devem reger a interpretação dos textos
bíblicos:
Muitas vezes os números são dados aproximadamente,
praxe muito frequente em comunicação popular. Os
discursos e citações podem ser parafraseados em vez de
reproduzidos textualmente, prática muito costumeira
quando se resumem as palavras de outrem. O mundo pode
ser descrito em termos fenomenológicos (como os eventos
parecem aos observadores humanos). Os discursos feitos
por homens ou por Satanás estão registrados com exatidão
sem que isso signifique que era correto o que eles
afirmaram. Às vezes um escritor usou fontes para alcançar
seu objetivo sem implicar afirmação divina de tudo o mais
que essa fonte haja dito (VIRKLER, 1995, p.31).
Uma declaração é considerada exata quando ela representa o nível de
precisão intencionada pelo seu escritor e esperado por quem o lê. Embora
um artigo científico seja muito mais preciso que textos em geral, aquele
também deve ser compreendido dentro do contexto para o qual foi
intencionado.
CONSIDERAÇÕES
Assim, concluímos este primeiro subcapítulo.
Definimos que hermenêutica é a arte e a ciência da
interpretação bíblica, tendo diferenciado
hermenêutica geral e específica. A hermenêutica é
exegese aplicada ao texto bíblico e desempenha
papel essencial no processo do estudo teológico.
Po r t a n t o , e s t u d a n t e s d e t e o l o g i a f a r ã o
hermenêutica desde a primeira à última aula de seu
curso.
Depois que discutimos alguns conceitos e
realizamos algumas delimitações do campo da
hermenêutica, considerando o termo de modo geral
e aplicado à Bíblia, vamos agora focar nas
Escrituras. Enfim, este é o ponto que nos interessa
enquanto estudantes de teologia.
26
FACULDADE
CRISTÃ DE CURITIBA
Rua Presidente Faria, 275
Centro - Curitiba/PR CEP 80.020-290
www.faculdadecristadecuritiba.com.br
Download