MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS NOTA TÉCNICA Nº 003/2016 Sistema Único de Saúde. Medicamentos de alto custo. Inexistência de registro na ANVISA. Doenças Raras. Princípio da Universalidade. Necessidade de garantir o tratamento adequado. Inexistência de medicamento com eficácia terapêutica similar no Brasil. Registro e comercialização em outros países. Dever de fornecimento do medicamento não registrado para o tratamento, desde que comprovado o registro em outros países e indisponibilidade de fármaco eficaz no SUS. A Constituição Federal de 1988 criou a obrigação do Estado de prestar o serviço de saúde universal e integral, atendendo aos anseios sociais da 8ª Conferência Nacional de Saúde que pleiteavam o atendimento de todos sem distinção de gênero ou classe social (artigos 196 a 198 da CRFB). Dois anos após a implementação das normas constitucionais que implementaram o direito à saúde universal no Brasil, iniciou-se um arcabouço de legislação infraconstitucional buscando uma regulação e a equidade do acesso ao serviço público de saúde. Neste diapasão, vale ressaltar a importância da Lei nº 8080/90, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, e do Decreto nº 7508/2011 que regulamentou esta lei, tornando-se um marco regulatório no acesso aos serviços de saúde. Neste aspecto, vale destacar que a integralidade restou balizada com a necessidade de incorporação de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS às listas padronizadas dos entes federativos (RENAME, REMEME e REMUME), dentre outros parâmetros regulatórios do acesso ao SUS1. A incorporação de novos medicamentos nas listas citadas acima passa pelo crivo da CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias no SUS). Se é verdade que tivemos avanços no marco regulatório, também não pode ser ignorado que casos especiais de atendimento à saúde da população merecem ser analisados com a devida cautela, visando resguardar os direitos constitucionais à saúde e à vida. Nestes casos especiais, por exemplo, podemos citar os pacientes com doenças raras que necessitam de medicamentos essenciais ao tratamento e proteção da vida, todavia alguns fármacos não são registrados e produzidos neste país. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as doenças raras são aquelas com incidência menor que 65 casos em cada 100 mil habitantes. Cerca de 13 milhões de brasileiros sofrem de doenças raras e em 80% dos casos as causas são genéticas. A Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 57, de 20 de dezembro de 2013, da ANVISA, define as doenças raras como doenças de baixa prevalência na população, conforme parâmetro estabelecido pelo Ministério da Saúde, informando que tais doenças geralmente são crônicas, progressivas, degenerativas e até incapacitantes. 1 Art. 28 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS Das 15 mil doenças genéticas existentes no Brasil não há medicamentos específicos registrados para 99,99% delas. Isso porque, devido à inexistência de um mercado suficiente para absorvê-los, não há estímulos para a pesquisa, desenvolvimento e produção de drogas para tratá-las. E por serem utilizados por poucos pacientes, o custo da produção é bastante elevado. Os pouquíssimos medicamentos desenvolvidos para doenças genéticas e que atingiram a fase de registro e comercialização em outros países não estão disponíveis no mercado brasileiro, na quase totalidade dos casos. Isto ocorre porque a raridade destas doenças está associada à baixa taxa de diagnóstico no Brasil, tornando o investimento em registro e distribuição destas drogas pouco rentável em nosso país. Ao contrário dos extraordinários avanços do SUS em um ambiente epidemiológico onde os inimigos a vencer (doenças contagiosas, desnutrição, falta de imunização) eram simples e baratos, o fornecimento de tratamento adequado para doenças raras demanda custos elevados para atendimento de enfermidades de elevadíssima complexidade que, em geral, atingem um número muito pequeno de pacientes. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA autarquia vinculada ao Ministério da Saúde foi criada pela Lei 9.782/99 com o objetivo de proteger a saúde da população por meio do controle amplo dos produtos e serviços comercializados, dentre outras atribuições. A Lei 8.080/1990, em seu art. 8°, § 1°, I, da Lei 8.080/1990, dispõe ser papel da ANVISA promover a proteção da saúde da população, utilizando-se do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, aí incluindo os medicamentos. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS O art. 19-T, da lei supracitada, veda em todas as esferas de gestão do SUS, dispensação, pagamento, ressarcimento ou reembolso de medicamento ou produto experimental ou de uso não autorizado pela ANVISA, o qual pode ser considerado como empecilho jurídico para se buscar o emprego dessa substância no âmbito do sistema de saúde. A norma citada acima é omissa com relação a casos singulares como o das doenças raras, eis que no tratamento destas doenças existem peculiaridades a serem consideradas: 1) os medicamentos comumente requeridos não são experimentais, pois possuem registros em órgãos sanitários dos EUA e Europa; 2) as indústrias farmacêuticas não se interessam em comercializar o produto no Brasil ante os elevados custos para registro, produção e comercialização; e 3) inexistência de medicamentos registrados na ANVISA com eficácia terapêutica para o tratamento da doença rara. É importante salientar que Lei nº 9782/99 autoriza a importação de medicamento não registrado, quando "adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso de programas em saúde pública pelo Ministério da Saúde". Neste diapasão, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA reconheceu que - em casos excepcionais como nos das doenças raras – tornase necessária a importação de certos medicamentos, desde que cumpridos os requisitos da Resolução-RDC Nº 8/2014, vejamos: Art. 1º. Aprovar, em caráter excepcional, mediante deferimento de Licença de Importação, a importação dos medicamentos constantes na Instrução Normativa que dispõe sobre a lista de medicamentos liberados para importação em caráter excepcional, destinados unicamente a uso hospitalar ou sob prescrição médica, MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS cuja importação esteja vinculada a uma determinada entidade hospitalar e/ou entidade civil representativa ligadas à área de saúde, para seu uso exclusivo, não se destinando à revenda ou ao comércio. [...] Art. 2º A Instrução Normativa de que trata o Artigo 1º desta norma periodicamente, necessidades será a de fim revisada de e republicada atender inclusão ou às novas exclusão de medicamentos. Art. 3º. São critérios para inclusão de medicamentos na lista de medicamentos liberados para importação em caráter excepcional: I - Indisponibilidade do medicamento no mercado brasileiro; II - Ausência de opção terapêutica para a indicação (ões) pleiteada (s); III - Comprovação de eficácia e segurança do medicamento por meio de literatura técnico-científica indexada; IV - Comprovação de que o medicamento apresenta registro no país de origem ou no país onde está sendo comercializado, na forma administração, concentração farmacêutica, e indicação via de (ões) terapêutica (s) requerida (s). (...)." Para reforçar o reconhecimento pelo Ministério da Saúde da necessidade de atenção especial às pessoas com doenças raras, instituiu-se a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, garantindo a integralidade do cuidado, exames diagnósticos laboratórios de referência, incorporação de medicamentos e fórmulas nutricionais através dos Protocolos MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) que definem os critérios diagnósticos e terapêuticos adotados pelo SUS para determinada condição clínica . A atualização de tais PCDTs passou a ser responsabilidade da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (CONITEC). Entretanto a condição essencial para a incorporação de medicamentos no SUS é a existência de registro na Anvisa. Diante da inexistência de registro de medicamentos eficazes, a Anvisa definiu medicamentos para tratamento ou diagnóstico de doenças raras como “medicamentos órfãos”, ou seja, sem o devido registro no órgão sanitário brasileiro. (Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 28, de 04 de abril de 2007 e RDC Nº 57, de 20 de dezembro de 2013). O reconhecimento da necessidade de ações para salvar a vida destes pacientes também restou demonstrado na RDC nº 08/2014 da ANVISA2 que posteriormente teve a lista de medicamentos publicada na Instrução Normativa nº 01/2014 que apesar de ter previsão de atualização periódica no art. 2º da RDC nº 08/2014, jamais foi atualizada. 2 Art. 1º. Aprovar, em caráter excepcional, mediante deferimento de Licença de Importação, a importação dos medicamentos constantes na Instrução Normativa que dispõe sobre a lista de medicamentos liberados para importação em caráter excepcional, destinados unicamente a uso hospitalar ou sob prescrição médica, cuja importação esteja vinculada a uma determinada entidade hospitalar e/ou entidade civil representativa ligadas à área de saúde, para seu uso exclusivo, não se destinando à revenda ou ao comércio. [...] Art. 2º A Instrução Normativa de que trata o Artigo 1º desta norma será revisada e republicada periodicamente, a fim de atender às novas necessidades de inclusão ou exclusão de medicamentos. Art. 3º. São critérios para inclusão de medicamentos na lista de medicamentos liberados para importação em caráter excepcional: I - Indisponibilidade do medicamento no mercado brasileiro; II - Ausência de opção terapêutica para a indicação (ões) pleiteada (s); III - Comprovação de eficácia e segurança do medicamento por meio de literatura técnico-científica indexada; IV - Comprovação de que o medicamento apresenta registro no país de origem ou no país onde está sendo comercializado, na forma farmacêutica, via de administração, concentração e indicação (ões) terapêutica (s) requerida (s). MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS Os entraves criados para a incorporação destes medicamentos geram um elevado custo para os entes federativos, eis que o custo amplia significativamente no momento do cumprimento de decisões judiciais. Um caso raro de incorporação em tempo recorde que gerou melhora no atendimento e sensível diminuição de custos para o sistema de saúde foi o da medicação daclatasvir (sofosbuvir) para tratamento da hepatite C. A incorporação foi realizada em junho de 2015, não obstante o custo de tratamento médio aproximado de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada paciente. Após essa providência, os antivirais foram adquiridos por valores unitários com reduções de até 86% em comparação com os apurados na judicialização. Além disso, o Ministério da Saúde aumentou o quantitativo da compra, ampliando o acesso e garantindo à assistência à saúde dos pacientes. O valor da primeira compra dos três antivirais foi de R$921,9 milhões. Se o Ministério da Saúde tivesse comprado esse volume com os preços médios unitários da judicialização, os gastos alcançariam R$4,5 bilhões (R$ 3,6 bilhões acima do gasto pós-incorporação). Em razão dos gastos realizados no cumprimento de demandas judiciais, a própria Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos estabeleceu em 2015 que os PCDTs para o tratamento de doenças raras deveriam ter prioridade em sua elaboração pela CONITEC (Portaria n. 19, de 26 de maio de 2015). No que tange às doenças raras atualmente no Brasil existem 35 protocolos clínicos aprovados. Entretanto, apenas um PCDT incorporou MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS “medicamento órfão” para doença rara. A incorporação ocorreu para a Doença de Gaucher (medicamento miglustate), embora seja também o único fármaco adequado ao tratamento de Niemann-Pick Tipo C. Por não ter sido incorporado o medicamento para esta última doença rara, a judicialização se tornou a única via de acesso. Os demais protocolos clínicos incorporaram medicamentos direcionados para doenças prevalentes, cujo resultado apenas diminui os efeitos colaterais causados pelas doenças raras, sem afetar sua progressão. Ora, se existem medicamentos eficazes para o tratamento devidamente aprovados em órgãos sanitários internacionais, a não incorporação do medicamento pela CONITEC e falta de registro na ANVISA não pode prejudicar a integralidade do cuidado prevista na Constituição da República (art. 198) e também os direitos à vida e à saúde (artigos 5, I, 6º e 196 da CRFB). Obviamente, não se pode dispensar medicamentos experimentais que não possuem eficácia terapêutica. Todavia, caso seja comprovado cientificamente que o medicamento é eficaz para evitar a progressão de uma doença, trazendo resultados efetivos para a vida de uma pessoa, creio que hão de prevalecer as normas constitucionais que tutelam o direito à saúde e vida. Se atualmente 95% dos gastos do Ministério da Saúde com judicialização são para pagamentos de medicamentos já aprovados e incorporados por outros países, há que buscar um novo modelo de gestão para incorporação de medicamentos – ou tornar mais célere o já existente -, abrangendo as peculiaridades das doenças e do mercado, de modo que se consiga um melhor preço e atendimento ao cidadão, tal como ocorreu na experiência positiva utilizada no tratamento da hepatite C. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS Um dos principais problemas relacionados à incorporação de medicamentos órfãos é o critério de avaliação para a inclusão de tratamentos no SUS, que utiliza o conhecido como Avaliação de Tecnologias de Saúde (ATS). A análise feita pelo método ATS pondera três questões: evidência, custoefetividade e impacto orçamentário. Ocorre que tal método não distingue os medicamentos para doenças prevalentes dos medicamentos órfãos. Além disso, a avaliação a partir do custo-efetividade requer uma análise comparativa com outras tecnologias já existentes para o tratamento previsto pelos medicamentos sob análise. Pelo alto custo de seu desenvolvimento e por sua singularidade no mercado, a análise comparativa requerida pelo critério de custo-efetividade não é aplicável a medicamentos órfãos. Por seu alto custo, toda avaliação feita através do método ATS a medicamentos órfãos concluirá por uma relação de custo-efetividade alta demais para a incorporação em protocolos. Ou seja, a avaliação das medicações órfãs tal como realizada hoje é totalmente ineficiente e prejudicial para a incorporação de medicamentos de alto custo no SUS. Constata-se, mais uma vez, um cenário que se mostra desfavorável para a incorporação pelo poder público de medicamentos de alto custo, com práticas regulatórias ineficientes, como o estabelecimento de preço máximo para vendas para o governo e comercialização no país, e com a ausência de critérios e processos que diferenciam as drogas órfãs das que tratam de doenças de alta prevalência. A consequência, como dito, é que a indústria farmacêutica que desenvolve esse tipo de medicamento opta por não registrá-lo no país, deixando aos pacientes como única opção a judicialização para obter acesso ao tratamento existente. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS Vale citar alguns exemplos de medicamentos eficazes para doenças raras atualmente disponibilizados apenas pela determinação judicial de importação do medicamento: 1) DA POLINEUROPATIA AMILOIDÓTICA FAMILIAR (PAF) - quase dois mil brasileiros são portadores de Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) – o que faz do Brasil o segundo país com maior número de pacientes atingidos, após Portugal. Embora a medicação Tafamidis (nome comercial Vyndagel) tenha sido autorizada para uso na Europa desde 2011, até hoje seu registro não foi aprovado pela Anvisa e, consequentemente, não foi incorporada pela CONITEC. O Poder Judiciário foi acionado e determinou o fornecimento da medicação aos pacientes, exatamente por reconhecer que a inexistência de registro na ANVISA não pode servir de óbice para que se forneça o medicamento à interessada, uma vez que prevalece o princípio constitucional do direito à vida e à saúde (STF/STA 768 RJ, decisão de 17/12/2014, onde o Ministro Ricardo Lewandovski reconheceu que “a manutenção da decisão atacada demonstra-se imperiosa para preservação da vida da interessada”). B) DA HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA (HPN) - dentre os vinte medicamentos mais requisitados ao Poder Judiciário e sem registro na Anvisa está o Eculizumabe (SOLIRIS), para tratamento da hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), doença rara que, em resumo, destrói as hemácias dentro dos vasos sanguíneos. Exatamente por reconhecer que o acesso à medicação é imperioso para preservar a vida dos pacientes, seu fornecimento foi reiteradamente determinado pelo STF (STA 761, Suspensões de Liminares 558 e 633, dentre outras). Cite-se, também dentre as determinações judiciais de fornecimento de medicação sem o registro na Anvisa, os fármacos elosulfase (VIMIZIM), lomitapida (JUXTAPID), carfizomibe (KYPROLIS), lenalidomida (REVLIMID) e mipomersen (KYNAMRO). Nenhuma dessas medicações está registrada na Anvisa e, por isso, nenhuma pode ser avaliada pela CONITEC para ser incorporada, ou não, aos programas e protocolos de tratamento. C) DA FIBROSE CÍSTICA - Os pacientes de Fibrose Cística possuem secreções mais espessas que comprometem o funcionamento de alguns órgãos, em especial o pâncreas e o pulmão. A doença leva à morte pela destruição do pulmão, em MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS razão de infecções recorrentes causadas por germes agressivos. O PCDT publicado pela União em 2010 (Portaria SAS/MS Nº 224, de 10/05/2010), contempla apenas um mucolítico e enzimas pancreáticas. Além de ser pouquíssimo abrangente no trato de uma doença tão complexa, está absolutamente desatualizado. O tratamento pulmonar consiste no uso constante de antibióticos, nas formas de apresentação oral, inalatória e endovenosa, alternadas para diminuir o comprometimento dos órgãos responsáveis pela sua metabolização, que com o passar do tempo se tornam resistentes à ação de antimicrobianos. Em decorrência do uso continuado de antibióticos por vários anos, alguns pacientes desenvolvem alergias, intolerâncias e sobretudo resistência a maioria dos fármacos. Nestes casos a única opção terapêutica é o uso do medicamento AZTREONAM INALATÓRIO 75 mg, (nome comercial CAYSTON). Embora não registrado na Anvisa, o Poder Judiciário vem reconhecendo a especificidade da situação clínica e determinando o fornecimento da medicação. Feitas estas ponderações, observa-se que o grande desafio ao tratamento de doenças raras é acompanhar a peculiaridade de cada doença, considerando a singularidade de cada caso, bem como adotar um modelo de gestão para incorporação dos medicamentos necessários e eficazes ao tratamento de cada doença. As singularidades de cada caso não podem ser desconsideradas, pois se a Constituição da República propõe um atendimento integral visando à recuperação da saúde e vida do cidadão brasileiro, torna-se imprescindível que políticas públicas sejam implementadas para incorporação de medicamentos com maior celeridade, visando tratar as pessoas com doenças raras com os medicamentos necessários e eficácia internacionalmente reconhecida. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Saúde – CAPS Quanto aos medicamentos experimentais – sem validação em órgão sanitário internacional – a situação é diferente, não cabendo o fornecimento por falta de comprovação da eficácia. Desta forma, no entendimento deste Centro de Apoio Operacional de Implementação de Políticas de Saúde os medicamentos para doenças raras podem ser deferidos desde que: 1) o fármaco solicitado não esteja disponível no mercado brasileiro; 2) esteja o medicamento registrado em órgão sanitário internacional, em especial o do país de origem; 3) comprovação da eficácia e segurança; 4) ausência de opção terapêutica com a mesma eficácia da medicação que foi solicitada; e 5) o medicamento não seja experimental. Os critérios sugeridos nesta nota técnica foram utilizados pela RDC nº 08/2014 da ANVISA quando disciplinou a possibilidade de importação de medicamentos órfãos, sendo, portanto, uma referência normativa legítima neste tema e que atende aos direitos fundamentais à saúde e vida, ora consignados na Constituição da República3. Vitória/ES, 21 de outubro de 2016. Cleto Vinícius Vieira Pedrollo Promotor de Justiça/Dirigente CAPS 3 Art. 3º. São critérios para inclusão de medicamentos na lista de medicamentos liberados para importação em caráter excepcional: I - Indisponibilidade do medicamento no mercado brasileiro; II - Ausência de opção terapêutica para a indicação (ões) pleiteada (s); III - Comprovação de eficácia e segurança do medicamento por meio de literatura técnico-científica indexada; IV - Comprovação de que o medicamento apresenta registro no país de origem ou no país onde está sendo comercializado, na forma farmacêutica, via de administração, concentração e indicação (ões) terapêutica (s) requerida (s). (...)."