AULA FUNDAMENTOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR – Prof. Heloisa B.C.Chiattone FUNDAMENTOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR AS DIFERENÇAS DA PSICOLOGIA HOSPITALAR Experiências mal sucedidas em psicologia hospitalar, parecem caracterizar-se pela inadequação do psicólogo ao tentar transpor ao hospital, o modelo clínico tradicional aprendido, o que determina desastroso exercício, pelo distanciamento da realidade institucional, pela inadequação na assistência, pelo exercício do poder, mascarado - quase sempre, por um insistente falso saber. Nessa medida, é consenso que o psicólogo hospitalar deve possuir características próprias, adequadas e específicas ao hospital que, por sua vez, interferem diretamente na inserção e no desempenho técnico do profissional. Estas questões são fundamentais principalmente porque, a psicologia hospitalar diferencia-se da psicologia clínica em alguns pontos fundamentais, baseada na premissa de que há uma dinâmica própria da área hospitalar (e lato sensu, na área da saúde) que interfere na inserção e no desempenho técnico do psicólogo, e que gera, obrigatoriamente, a revisão dos referenciais teóricos, acadêmicos e até mesmo práticos da psicologia: 01. A atuação do psicólogo hospitalar está diretamente determinada por limites institucionais, pela instituição em si - o hospital - caracterizado por regras, rotinas, condutas específicas, dinâmicas que devem ser respeitadas e seguidas, limitando as possibilidades de atuação do profissional. E, nessa medida, o psicólogo encontra um espaço institucional resistente - segunda característica peculiar da psicologia hospitalar, na medida em que o psicólogo no hospital não era elemento previsto, dada a valorização do aspecto orgânico das doenças e dos doentes, em detrimento do aspecto psíquico, refletindo a força do modelo biomédico, em detrimento do modelo biopsicossocial. Definindo-se como diferença significativa entre a psicologia no contexto hospitalar e a Psicologia Clínica tradicionalmente definida como disciplina, no hospital, o psicólogo deve transpor os limites de seu consultório, mantendo contato obrigatório com outras profissões, o que determina multiplicidade de enfoques ao mesmo problema e em consequência, ações diversas. Partindo do pressuposto de que o ser doente deve ser considerado nas três esferas (biopsico-social), onde uma esfera interdepende e inter-relaciona-se à outra, mantendo o ser doente, intercâmbios contínuos com o meio em que vive, num constante esforço de adaptação à sua nova condição de doente (Olivieri, 1985; Chiattone e Sebastiani, 1991), define-se a abrangência AULA FUNDAMENTOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR – Prof. Heloisa B.C.Chiattone multidisciplinar e estratégica da atuação do psicólogo hospitalar, pelo reconhecimento do campo de saúde como uma realidade complexa que necessita conhecimentos distintos integrados e que define o problema da intervenção de forma imediata. Estas ações deveriam envolver profissionais de diferentes áreas em uma rede de complementariedade onde são mantidas as exigências organizacionais unitárias. Fortalecendo a premissa de que saúde é um assunto para muitos profissionais, a abordagem em equipe deve ser comum a toda a assistência à saúde. A complicar ou reforçar esse aspecto a atuação do psicólogo hospitalar é permeada pela multiplicidade de solicitações, característica peculiar da psicologia no contexto hospitalar. Assim, ora o psicólogo hospitalar atende um paciente em pré-operatório, ora atende um surto psicótico na UTI, ora atende uma tentativa de suicídio no Pronto Socorro, ora atende um paciente terminal, ora atende um paciente que não aceita tomar a medicação, ora atende um familiar desestruturado ou ainda, um membro da equipe de saúde ‘stressado’. Essa amplitude abrange desde distúrbios de comportamento, influência de fatores psicológicos sobre o funcionamento orgânico, reações de não aderência ao tratamento, distúrbios de personalidade afetando as relações, manifestações depressivas, manifestações de ansiedade, casos de dor crônica ou aguda, distúrbios de sono, quadros de delirium, demência e outras síndromes organo-cerebrais, disfunções sexuais com etiologia orgânica e/ou psíquica, manifestações decorrentes de efeitos medicamentos, distúrbios psiquiátricos, estados terminais, casos de abuso sexual e maus tratos, entre tantos outros. Ressalta-se que à multiplicidade de solicitações segue a consistente e rápida capacidade de ação emergencial do profissional. No hospital, o psicólogo possue uma extensa área de ação, muitas vezes não se circunscrevendo apenas àquelas que envolvem os conhecimentos aprendidos durante sua formação. Assim, o alcance, as limitações ou o tipo de atendimento realizado, estarão intimamente ligados à situação em si, ao contexto, às necessidades do paciente assistido ou da população alvo. O local de trabalho do psicólogo hospitalar também é consideravelmente específico e diverso dos padrões anteriormente aprendidos em Psicologia. Isso porque o hospital desmobiliza a segurança e a tranquilidade do consultório tradicional, levando o profissional a realizar seus atendimentos entre macas no pronto socorro ou no centro cirúrgico, ao lado dos leitos dos pacientes nas enfermarias, muitas vezes, conjuntamente a procedimentos terapêuticos e rotinas hospitalares. Esta tarefa pressupõe uma reformulação interna do profissional, coerente com uma adaptação a nova forma de atuação, na medida em que, sabidamente, o psicólogo, em sua formação recebe outro tipo de orientação. O ambiente físico onde ocorrerá o atendimento AULA FUNDAMENTOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR – Prof. Heloisa B.C.Chiattone psicológico, além de ser considerado um elemento de muita importância (Craig, 1991), pressupõe tranquilidade, espaço suficiente para a acomodação dos participantes de forma confortável (Kaplan e Sadock, 1990), com garantias de adequação a nível de silêncio e luminosidade. Além disso, propõe-se que o paciente só falará livremente em ambiente que garanta a privacidade e os atendimentos devem ocorrer sem interrupções (Craig, 1991). Ocorre que no hospital estas questões são altamente questionáveis, ou melhor, dificilmente conseguem ser seguidas. À exceção dos atendimentos psicológicos no hospital realizados em consultórios nos ambulatórios, o psicólogo no contexto hospitalar realizará seus atendimentos nas enfermarias e unidades, em pé, ao lado do leito, com privacidade questionável, muitas vezes sem garantia de espaço e silêncio adequados. “Quase sempre o paciente é atendido em seu leito. Quando está em um quarto particular é mais fácil obter um clima de privacidade, mesmo levando em conta que a maioria das portas não tem tranca. Nas enfermarias onde existem ‘boxes’, estes apresentam condições de vedação acústica precárias, e doentes de leitos vizinhos ou profissionais que trabalham por perto podem, eventualmente, ouvir o que está sendo dito entre paciente e terapeuta. Para pessoas com dificuldade de expor sentimentos, com características esquizóides ou paranóides, esta falta de privacidade pode ser um obstáculo difícil de ser vencido”(Penna, 1992:364). No entanto, atendimentos psicológicos em salas de quimioterapia, unidades de diálise, unidades de terapia intensiva que não possuam box separando os leitos, nos pronto-socorros ou mesmo em enfermarias lotadas são exemplos do cotidiano do psicólogo hospitalar que, no entanto não impedem a realização de atendimentos consistentes e fundamentados em prática de apoio às vivências psicológicas na situação de doença e hospitalização. Assim, o psicólogo que exerce suas funções no hospital deve ‘estar onde estão os acontecimentos’ (Lamosa, 1987), libertando-se do modelo de consultório, constrito a uma sala e andar pelo hospital. A nova espacialidade, além de definir características específicas aos atendimentos psicológicos e de pressupor reformulações internas aos profissionais que na formação, recebem orientações distintas, pressupõe a premissa de inserção à instituição, visando essencialmente o paciente. O espaço do paciente no hospital define-se por seu leito, em determinada enfermaria, individualmente ou em conjunto a outros pacientes. Propostas de trabalhos fora das enfermarias, eventualmente podem resultar em resultados positivos, mas em geral incluem dificuldades como a delimitação de um horário adequado, entre condutas diagnósticas e terapêuticas. Assim, a nova espacialidade define a tarefa profissional, seus contornos e características em enfermarias individuais ou coletivas, em unidades ou em ambulatórios. Cada um desses espaços delimita a tarefa, caracteriza o atendimento e a amplitude da atuação. AULA FUNDAMENTOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR – Prof. Heloisa B.C.Chiattone Além da nova espacialidade, a existência do elemento tempo interferindo no tratamento psicoterápico, delimitando a intervenção do psicólogo hospitalar, dada a rotatividade de leitos, à gravidade das doenças e à ação, sempre emergencial, da tarefa, é outro elemento específico da psicologia hospitalar. No entanto, o fator tempo é pré-determinado nos atendimentos ou tratamentos psicológicos em Psicologia Clínica. Craig (1991) e Schreiber (1992) concordam que é necessário o estabelecimento de um tempo determinado para o atendimento ao paciente. Enquanto Kaplan e Sadock (1990) propõem atendimentos de 30 a 50 minutos, Mackinnon e Michels (1981) e ainda Mackinnon e Yudofsky (1988) consideram 45 a 50 minutos como adequado, Schreiber (1992) determina um período variável entre 45 minutos a uma hora e meia, dependendo das características do paciente. No hospital, ao contrário, o psicólogo seguirá o tempo do paciente, em exercício de apreensão de suas necessidades psicológicas aliadas à situação de doença e hospitalização. Assim, por exemplo, pacientes em pré-operatório podem exigir atendimentos prolongados para uma adequada preparação que visa, essencialmente, a manutenção de equilíbrio psicológico necessário para o enfrentamento da situação. Não raro, muitos pacientes, durante a administração do quimioterápico em sala de quimioterapia, requisitam a presença do psicológo, como elemento de alívio. No mesmo sentido, longos atendimentos de apoio podem ser realizados em unidades de diálise durante o tratamento dialítico. Em contrapartida, pacientes com dores, sonolentos por medicação ou apresentando efeitos colaterais da doença ou tratamento, podem suportar breves atendimentos. No hospital, o tempo do paciente é distinto e específico. Pela própria situação de doença e internação, o tempo cronológico habitual se modifica, definindo-se em tempo da doença, dos exames, das condutas terapêuticas, da visita médica, do horário de visitas ou de alimentação. Vive-se um outro tempo que demanda um outro ritmo - o ritmo da doença e do tratamento. Ao lidar com o paciente enfermo, o psicólogo hospitalar lida com o sofrimento físico sobreposto ao sofrimento psíquico tendo sua tarefa definida pela sobreposição entre o sofrimento físico e o conflito em si. Assim evidencia-se a consideração do conflito determinado pela situação de doença e hospitalização, o sofrimento físico, a dor, o mal estar, as sequelas do tratamento na compreensão do sujeito em sua integridade. A utilização da psicoterapia breve no hospital realça, por outro lado, o aspecto preventivo da intervenção do psicólogo ao caracterizar-se em tratamento imediato, AULA FUNDAMENTOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR – Prof. Heloisa B.C.Chiattone mesmo que seja breve, visando evitar a progressão do desequilíbrio psicológico diante da situação de doença, hospitalização e tratamento. A atuação preventiva é essencial na situação de crise imposta pela doença e pela hospitalização aos pacientes, pois a vivência da doença, ao representar uma situação de perda da saúde, apresenta-se como condição propícia para gerar crise adaptativa por perda, especialmente porque traz consigo a ameaça de aniquilamento e morte. Assim, na psicologia hospitalar, a atenção do psicólogo estará voltada para um momento de crise na história da pessoa, assumindo o psicólogo hospitalar, uma ação terapêutica predominantemente egóica. Como último fator significativo da psicologia no contexto hospitalar tem-se que a tarefa é essencialmente permeada pela morte e o morrer no cotidiano, caracterizando assim, especificamente o contato, a atuação profissional do psicólogo e da equipe, o momento de crise do paciente e dos familiares, a urgência dos atendimentos e o tempo de ação.