O sintoma na prática médica Nas diversas culturas e tempos a medicina foi se metamorfoseando, sendo influenciada pelo momento histórico e pela evolução do pensamento e conhecimento humano. As civilizações primitivas não distinguiam religião, magia e medicina, e as doenças eram consideradas oriundas de feitiçarias, espíritos ou divindades. O diagnóstico era fundamentado na causa suposta da doença e não nela propriamente, e, assim, era tratado o doente removendo a feitiçaria ou substância estranha. A evolução do pensamento humano e a filosofia em especial promoveram importantes modificações na medicina. Da Grécia antiga vem os primórdios da filosofia e das ciências, e o conceito de doença foi influenciado por sua filosofia. Vários dos filósofos gregos tinham grande interesse pela medicina e aplicaram suas teorias também nela, possibilitando novas concepções deste assunto.Claro que, por muito tempo ainda,a magia esteve implicada na prática médica. O surgimento do pensamento científico moderno, intensamente influenciado por Descartes, provocou uma mudança de rumos na história da humanidade e imensas contribuições ao saber médico, chegando-se mesmo a acreditar que tudo seria respondido pela ciência. O método hipotético-indutivo aliado ao hipotéticodedutivo foi extremamente valorizado e a metafísica e a filosofia foram desacreditadas. Com isso surge o modelo que fornece as bases da medicina moderna. A prática médica atual utiliza-se em grande parte do raciocínio hipotéticodedutivo, ou seja, da consideração de um conjunto de sintomas e sinais que levam à formulação de uma hipótese ou diagnóstico propriamente dito,que pode requerer exames complementares para sua confirmação e que conduz ao planejamento terapêutico. A consulta médica, na qual ocorre todo este processo, tem uma base bem estruturada e que pode ser resumidamente dividida na identificação completa do paciente, na anamnese, exame físico e planejamento e condutas terapêuticas. No momento, nos ocupa o conceito de sintoma na prática médica, que é o que aparece e é investigado na anamnese do paciente. O termo anamnese vem da palavra grega anamnesis e significa recordação; indica tudo que se refere à memorização dos sintomas da doença atual, aquela que motivou a consulta. Esta investigação é a parte inicial da consulta e tem valor fundamental no processo de assistência médica, pois, além da coleta de informações, nela desencadeia-se um relacionamento que ajudará o paciente a acreditar e confiar no médico. O sintoma é definido pela queixa que o paciente traz quando vem à consulta, aquilo que ele relata estar sentindo, o motivo que o levou a procurar ajuda. Ao médico cabe escutar os sintomas relatados, mas também a pesquisa ativa, através de outra etapa da anamnese que é a revisão de sistemas.Nesse caso, interroga-se acerca de sintomas comuns em cada um dos sistemas corporais, tentando identificar problemas não relatados espontaneamente e que possam ter valor diagnóstico.Mesmo usando de perguntas direcionadas, existe sempre o cuidado de não induzir respostas, fazendo-as de forma aberta e com tempo livre. Seguindo a anamnese vem o exame físico, no qual se encontram os sinais específicos que servem para confirmar uma hipótese diagnóstica já formulada ou descartá-la e avaliar a necessidade da realização de exames complementares. De qualquer maneira, o sintoma não tem valor apenas para definir problemas puramente orgânicos, com base biológica bem definida, mas também conhecer o paciente, o meio em que ele vive e suas características psicológicas. Sabemos que ele pode fazer parte da doença ou não, e o trabalho médico também deve esclarecer estas peculiaridades. Portanto, a escuta também se faz necessária na medicina e sabemos que fatores individuais, familiares, sociais e ambientais influenciam na queixa do paciente e no raciocínio médico. Há necessidade do uso de várias abordagens para o estudo de cada uma das doenças e dos sintomas relatados, evitando uma excessiva valorização biológica. Embora cada indivíduo possua uma base genética, ou biológica, a qual tem influência preponderante no aparecimento ou não de doenças, não pode ser negligenciado o fato de que outros fatores influenciam nesta base genética facilitando ou dificultando o surgimento de doenças. Por esse motivo,o sintoma, tal como é trazido pelo paciente, é escutado na prática médica, da maneira mais abrangente possível, levando sempre em consideração o indivíduo que está na origem do sintoma e o meio que o envolve.