UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE UFS DISCIPLINA: Leitura e Composição de Textos Filosóficos IV ALUNO: Victor Sávio De Oliveira Tavares ARACAJU 2019 Uma análise entre o belo e sublime e o apolíneo e dionisíaco Esse trabalho pretende expor os conceitos de sublime encontrados em Lições Sobre a Analítica do Sublime de Jean-François Lyotard, como também os conceitos de apolíneo e dionisíaco apresentadas por Friedrich Nietzsche em suas obras. Traçando paralelos entre os conflitos suscitados pelo sentimento sublime, e o conflito eterno entre o apolíneo e dionisíaco, mostrando suas similaridades e diferenças. Lyotard em suas Lições Sobre a Analítica do Sublime nos apresenta uma visão do sublime baseado nas obras que tratam da estética escritas por Kant. E adicionando visões que tratam da experiência do sublime em vários âmbitos, analisando os processos que Kant expões em sua obra para entender como uma experiência do sublime se dá no individual e no coletivo em um contexto de relações do Sec. XX. Assim como Kant, Lyotard diferencia e define as duas experiências estéticas: Sendo o belo aquele conceito indeterminado que advêm de um objeto que se caracteriza por sua afinidade com as faculdades do entendimento, objeto esse que tem por fim ele mesmo. Já o sublime é aquele sentimento suscitado por uma experiência que quebra com todas as faculdades do entendimento e apela para a razão para ser apreendido, traz à tona a ideia de infinito, que paradoxalmente, é entendido. Esse sentimento é antagônico a nossa predeterminação de juízo, abrangendo um conflito entre as faculdades do juízo e da razão. “[...] Mas ao acordo das duas faculdades de conhecimento que estão em jogo em toda relação com um objeto, a faculdade de apresentação e a faculdade de apresentação e a faculdade de concepção, a imaginação e o entendimento. [...] É a relação destas entre si que, enfim, confere ao gosto a autoridade de pretender a universalidade”. (LYOTARD, 1993, Pg. 12) Esses sentimentos estéticos são provocados por diferentes sensações. Lyotard usa como norte a definição dada por Kant para o termo “sensação” na Crítica Da Faculdade do Juízo, que se caracteriza por ser aquele sentimento interno que nos permite formar um juízo, a partir do qual podemos diferenciar, de modo subjetivo, certas faculdades estéticas. Sendo então o princípio de um ajuizamento, sendo aquele que indica ao espirito os afetos, estímulos que um objeto causa no espirito indo do prazer ao desprazer. E por outro lado temos as “operações de comando”, que visam a atividade transcendental do pensamento, delimitando assim as operações reflexivas do juízo estético. Se o belo se caracteriza por uma conformidade com as faculdades do entendimento, o sublime se diferencia por ser uma experiência baseada em um “conflito”. Esse conflito se caracteriza pela violência causada pelo objeto que suscita o sentimento sublime, esse objeto que traz à tona a ideia de infinidade, maior que a nossa própria compreensão, leva inevitavelmente a um conflito com nossas faculdades de entendimento. Mas um conflito que está destinado a ter um vencedor, o objeto sublime humilha o nosso entendimento. O que poderia levar a se questionar se haveria um conflito em primeiro lugar; pois bem, essa “humilhação” causada pelo sublime ao entendimento é o caminho necessário para que esse sentimento seja levado a razão. É somente quando esgotamos nossa capacidade de entendimento que somos obrigados a “desistir” dele e apelarmos a razão. O objeto sublime para suscitar esse sentimento necessita responder a alguns requisitos: para dar a ideia de infinito, esse objeto precisa ser “disforme” em um certo sentido. Necessita também ser um evento que cause uma noção de violência em quem o observa; e também, deve ser um objeto advindo da natureza, que esteja totalmente fora do controle humano. Já o belo é aquele objeto que cativa pela sua forma, que por ser possível a apreensão dele por nosso entendimento, podemos entende-lo melhor. Agrada por respeitar o equilíbrio entre suas formas, ficando longe da incomensurabilidade do sentimento sublime. Ou seja, é aquilo que tende a uma boa proporção das formas. Em a Origem da Tragédia, Nietzsche expõe uma concepção de um eterno conflito na produção das artes vindas da Grécia antiga. Esse conflito se dá a partir da representação de duas figuras da mitologia grega: Apolo e Dionísio. Que era, por sua vez, uma forma de representar ambos lados da vida, impedindo de cair no total pessimismo e niilismo, promovendo ao mesmo tempo o lado prazeroso da vida, como também lembrando do lado negativo. O apolíneo é definido por ser aquilo que é de forma definida, representa a luz. São as artes plásticas, representando a vida pelas formas mais perfeitas possíveis. Aquilo que representa o de mais belo e perfeito que auxilia a superar o pessimismo que a realidade pode causar. É representado também pelas artes épicas. Já o dionisíaco trata do disforme, daquilo que está desmedido. É um enfrentamento da realidade através de uma afirmação da vida em todos os seus âmbitos, negativos e positivos. É também por onde se prática a perda de si mesmo, onde as formas apolíneas são desfeitas, e o individual se perde na multidão. É representado pela música e pela tragédia. O conflito entre o apolíneo e dionisíaco é o que define os dois lados da arte como também os lados da vida, onde através dessa tensão nenhum lado sobrepuja o outro, impedindo de viver a vida em um constante estado de ilusão apolínea, ou em uma embriaguez que nunca acaba apresentada pelo dionisíaco. Apesar de serem conceitos ligados a estética, o belo e o sublime, e o apolíneo e o dionisíaco são muito diferentes em suas propostas e resoluções. Os conceitos apresentados por Kant e Lyotard estão voltados para uma experiência com o transcendental, uma realização da liberdade através do transcendente. Já os conceitos apresentados por Nietzsche dizem respeito a uma experiência que se realiza na realidade como ela é, sem buscar subterfúgios no transcendente. Mas isso não nos impede de achar paralelos entre esses conceitos. Comecemos por analisar os conceitos de belo e apolíneo. Ambos apresentam como cerne a apreciação por aquilo que tem formas que aprazem os sentidos, no caso de belo, é por agradar as faculdades do entendimento com suas formas, acaba por ser apreciado por aquele que o observa, criando um juízo sobre tal objeto, que exige ser universalmente considerado belo por aquele que ajuizou. O apolíneo também se caracteriza por suas formas e por ser associado a objetos que tem pela apreciação de sua beleza, um fim em si mesmo. O apolíneo é harmonioso, não há exageros em suas linhas. Já entre o dionisíaco e o sublime, ambos se caracterizam por tratarem de formas desmedidas, daquilo que perde seus limites. São sentimentos causados por uma desproporção de seus objetos. No caso do sublime, pelo tamanho e assombro que o objeto causa em quem o observa. E no dionisíaco essa desproporção está no exagero da embriaguez, da paixão. Os objetos que os suscitam também são diferentes. O dionisíaco tem sua expressão mais ampla na tragédia grega, usada para expiar as angustias da realidade. Já no sublime, esse sentimento é causado pelos objetos da natureza, que se mostram maior que nosso entendimento. “[...] posto que o que se experimenta no sublime não é a boa proporção no jogo das duas faculdades que aí estão em exercício, mas sua desproporção e até sua incomensurabilidade: “um abismo, abgrund” separa-os, que “assusta” e “atrai” a imaginação [...] o de discernir nessa cacofonia uma eufonia secreta, de nível superior (aqui 5)”. (LYOTARD, 1993, Pg. 29) Esses conceitos em seus respectivos contextos pretendem através da experiência estética levar a um caminho de realização da vida em um âmbito especifico. No sublime temos a realização da liberdade através desse sentimento, ao encarar de frente a incomensurabilidade da natureza, o indivíduo percebe sua diferença em relação a natureza, ele pode se elevar aos seus instintos naturais, tendo a escolha de nega-los, alcançando a verdadeira liberdade. Temos uma ideia antagônica nos conceitos de Nietzsche, já que eles procuram em última instância uma afirmação da vontade, dos instintos através desse embate entre Apolo e Dionísio na arte, através de uma afirmação da vida em todas as suas contingências. Adivinha-se em que lugar era colocado, com isso, o grande ponto de interrogação sobre o valor da existência. Será o pessimismo necessariamente o signo do declínio, da ruína, do fracasso, dos instintos cansados e debilitados como ele o foi entre os indianos, como ele o é, segundo todas as aparências, entre nós, homens e europeus "modernos"? Há um pessimismo da fortitude? Uma propensão intelectual para o duro, o horrendo, o mal, o problemático da existência, devido ao bem-estar, a uma transbordante saúde, a uma plenitude da existência? Há talvez um sofrimento devido à própria superabundância? Uma tentadora intrepidez do olhar mais agudo, que exige o terrível como inimigo, o digno inimigo em que pode pôr à prova a sua força? Em que deseja aprender o que é "temer"? O que significa, justamente entre os gregos da melhor época, da mais forte, da mais valorosa, o mito trágico? E o descomunal fenômeno do dionisíaco? O que significa, dele nascida, a tragédia? - E, de outra parte: aquilo de que a tragédia morreu, o socratismo da moral, a dialética, a suficiência e a serenojovialidade do homem teórico - como? Não poderia ser precisamente esse socratismo um signo de declínio, do cansaço, da doença, de instintos que se dissolvem anárquicos? É a "serenojovialidade grega" do helenismo posterior, tão-somente, um arrebol do crepúsculo? A vontade epicúria contra o pessimismo, apenas uma precaução do sofredor? E a ciência mesma, a nossa ciência - sim, o que significa em geral, encarada como sintoma da vida, toda a ciência? Para que, pior ainda, de onde - toda a ciência? Como? É a cientificidade talvez apenas um temor e uma escapatória ante o pessimismo? Uma sutil legítima defesa contra - a verdade? E, moralmente falando, algo como covardia e falsidade? E, amoralmente, uma astúcia? ó Sócrates, Sócrates, foi este porventura o teu segredo?, ironista misterioso, foi esta, porventura, a tua - ironia? (NIETZSCHE, 1992, Pg. 14) Podemos perceber então que ambas as obras, apesarem de tratar de conceitos estético, partem de conceitos muito distintos, e tem como objetivos também muito diferenciados. Enquanto para Kant e Lyotard esse sentimento provido pela experiência estética tem como objetivo colocar o homem em contato com sua destinação transcendental. Já para Nietzsche é justamente o contrário, o homem através do conflito entre o apolíneo e dionisíaco entra em contato com a realidade sensível, com sua vontade e seus instintos. Referências Bibliográficas - LYOTARD, Jean-François. Lições Sobre A Analítica Do Sublime. São Paulo: Papirus, 1993 - NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia Das Letras, 1992