Intelectuais negras Black Women Intelectuals Bell Hooks Frequentemente eu estava em alguma solitária região selvagem, sentindo coisas estranhas e agonias... Uma solidão cósmica era a minha sombra. Nada e nem ninguém ao meu redor me tocou de verdade. Essa é uma das bênçãos desse mundo, que poucas pessoas têm visões e sonhos. Noza Neale Hurston Dust Tracks on the Road Nós temos uma obrigação como mulheres negras, de nos colocarmos na revolução... Kay Lindsey The Black Woman as a Woman O espaço enorme que hoje o trabalho ocupa nas vidas das mulheres negras, segue um padrão estabelecido durante os primeiros dias de escravidão. Quando escravas, o trabalho compulsório ocultou todos os outros aspectos da existência feminina. Dessa forma, parece que o ponto de partida para a exploração das mulheres negras parte de uma apreciação do papel de trabalhadoras. Angela Davis Women, Race and Class Viver numa sociedade que é fundamentalmente anti-intelectual dificulta que pensadorxs comprometidxs e preocupadxs com mudanças sociais radicais afirmem de forma contínua que o trabalho que fazemos tem um impacto significativo. Dentro de círculos de políticas progressistas, o trabalho de intelectuais raramente é reconhecido como uma forma de ativismo, de fato, mais visíveis expressões de ativismo concreto (como bloquear ruas ou viajar para um país de terceiro mundo e outros atos desafiadores e de resistência) são considerados mais importantes para a luta revolucionária que o trabalho da mente. É essa desvalorização do trabalho intelectual que normalmente faz com que pessoas de grupos marginalizados percebam que o trabalho intelectual é importante e é uma vocação útil. Através da nossa história como afroamericano dos Estados Unidos, intelectuais negros apareceram de todas as classes e condições de vida. No entanto, a decisão de conscientemente seguir um caminho intelectual tem sido sempre uma excepcional e difícil escolha. Para muitos de nós, optar por isso tem sido mais como um “chamado” do que uma vocação. Nós temos sido empurrados até mesmo na direção do trabalho intelectual por forças mais fortes que o desejo individual. Oferecendo uma contagem dos fatores que possivelmente motivam pessoas negras a se tornarem intelectuais, Cornel West diz em seu ensaio “The Dilemma of the Black Intellectual” (“O dilema dxs intelectuais negrxs”) “A escolha de se tornar um/uma intelectual negrx é um ato de marginalidade autoimposta; Isso assegura o status de inferioridade na e para a comunidade negra. A busca pela alfabetização de fato é um tema fundamental na história afroamericana e também um impulso básico na comunidade negra. Mas para negrxs, assim como para a maioria dxs americanxs, os usos da alfabetização são mais para benefícios monetários substantivos que para aqueles dxs escritorxs, artistas e professorxs. As razões pelas quais algumas pessoas negras escolhem se tornar intelectuais sérios são diversas. Mas na maioria dos casos essas razões podem ser ligadas a uma única raiz: uma conversão – como uma experiência com um/uma professor/professora ou par altamente influente que convence essa pessoa a dedicar a própria vida às atividade de leitura, escrita e diálogo com propósitos de prazer individual, valor pessoal e melhoria política para pessoas negras (e geralmente outrxs oprimidxs).” Apesar de essas provavelmente serem as razões pela qual pessoas negras escolhem o trabalho intelectual, elas possivelmente coexistem com motivações que são mais difíceis de nomear, especialmente em espaços públicos. No meu caso, enveredei pelo trabalho intelectual numa busca desesperada por um ponto de vista oposto que me ajudaria a sobreviver à dolorosa infância. Crescer numa segregada, sulista e pobre comunidade de classe trabalhadora, onde educação era valorizada primeiramente como um meio para mobilidade de classe, “vida intelectual” era sempre ligada a carreira de professor ou professora. Era o trabalho externo como professor ajudando a elevar a raça, onde professores poderiam ganhar uma aceitação na comunidade negra, ao invés de uma vida intelectual privada. Crescendo em um mundo assim, era mais que evidente que havia uma diferença socialmente compreeendida entre excelência acadêmica e se tornar acadêmicx. Qualquer um poderia ensinar, mas nem todos poderiam se tornar um ou uma intelectual. E enquanto o papel de professor ou professora ganhou algum status e respeito, ser “estudadx”, intelectualizadx significava o risco de ser visto como estranho e possivelmente até como louco. Tendo aprendido cedo que notas boas eram recompensadas enquanto pensamento independente era considerado suspeito, eu sabia que era importante ser inteligente, mas não inteligente demais. Ser muito inteligente era sinônimo de intelectualidade, o que era um problema especialmente para mulheres. Para as crianças inteligentes em comunidades negras, pobres e de subclasse, perguntar muito, falar sobre ideias que diferem da visão de mundo prevalecente na comunidade, dizer coisas que os adultos e as adultas negrxs deixaram para o reino do indizível era o mesmo que convidar o castigo e até o abuso. Ainda não existem estudos psicanalíticos extensos discutindo o destino de crianças negras altamente talentosas criadas em lares onde o brilho de suas mentes não foi valorizado, mas sim fez delas aberrações perseguidas e castigadas. Durante a adolescência eu sofri um processo de conversão que me empurrou para a vida acadêmica. Constantemente perseguida e punida na nossa família, minhas tentativas de entender meu destino me colocaram na direção de um pensamento analítico crítico. Manter uma distância de minha experiência da infância, olhar para ela com um desengajamento externo foi minha estratégia de sobrevivência. Usando o termo da psicanalista Alice Miller, eu me tornei minha própria enlightened Witness (“testemunha iluminada”), capaz de analisar as forças que estavam atuando sobre mim e através dessa percepção, capaz de sustentar um sentido independente de mim mesma. Ferida, muitas vezes perseguida e abusada, eu encontrei na vida mental um refúgio, um santuário onde eu poderia sentir uma agência e assim construir minha própria identidade como sujeita. Esse reconhecimento vivido de como a mente engajada em pensamentos críticos poderia ser usada em prol da sobrevivência, de como ela poderia ser a força de cura na minha luta contra o desespero da infância, me deu condições para que eu me torna-se autônoma numa casa disfuncional e me levou a valorizar o trabalho intelectual. Eu não o valorizei por ter me trazido status ou reconhecimento, mas sim porque me trouxe fontes para melhorar a vida e aumentar o prazer em viver. Nunca pense no trabalho intelectual como algo distante da política do dia-a-dia. Eu conscientemente escolhi me tornar uma intelectual porque era a função que me permitia dar sentido a minha realidade e ao mundo ao meu redor, confrontar e compreender o concreto. Essa experiência estabeleceu as bases da minha compreensão de que a vida intelectual não precisa afastar a pessoa da comunidade, mas ao contrário deve capacitá-la para participar mais completamente da vida familiar e comunitária. Isso confirmou desde cedo o que os líderes negros no século XIX sabiam bem: o trabalho intelectual é uma parte necessária na luta de libertação, central para os esforços de todas as pessoas oprimidas e/ou exploradas que passariam de objetos para sujeitos, descolonizariam e libertariam suas mentes. Quando escritores acadêmicos escrevem sobre vida intelectual negra, focam exclusivamente nas vidas e trabalhos de homens negros. Ao contrário, o trabalho massivo de Harold Cruse “The crisis of the Negro Intellectual” (“A crise do intelectual negro”) que não dá nenhuma atenção ao trabalho de mulheres negras intelectuais, o ensaio de Cornel West “The Dilemma of the Black Intellectual” (O dilema dx intelectual negrx”) que foi escrito num momento histórico onde havia um foco feminista na questão de gênero que deveria ter levado qualquer acadêmico a considerar o impacto do sexismo. Mesmo assim West não especificamente analisa a vida intelectual negra feminina. Ele não admite o impacto de gênero ou discute a forma como ideias sexistas de papéis masculinos e femininos são fatores que informam e formam tanto a noção de quem o intelectual negrx é ou pode ser, como a percepção de suas relações com um mundo de ideias, que está além das produções individuais. Apesar da evidência histórica de que mulheres negras sempre ocuparam importantes posições como professoras, pensadoras críticas e teóricas culturais na vida negra, principalmente em comunidades negras segregadas, existe muito pouco escrito sobre intelectuais negras. Quando a maioria das pessoas negras pensam sobre “grandes mentes”, frequentemente evocam imagens masculinas. Quando eu pergunto para alunxs por nomes de intelectuais negrxs sem requisitar por um gênero específico, elxs invariavelmente falam de homens negros: Du Bois, Delaney, Garvey, Malcom X, e até mesmo os contemporâneos como Cornel West e Henry Louis Gates são mencionados. Se eu peço que elxs sejam específicxs quanto a gêneros elxs rapidamente citam estes homens negros e hesitam enquanto mentalmente procuram pelos nomes das mulheres negras. Depois de longas pausas começam a falar os nomes contemporâneos das escritoras negras famosas, normalmente Alice Walker ou Toni Morrison. De vez em quando o nome de Angela Davis aparece na lista. Eles não conhecem o trabalho das mulheres negras do século XIX. As pensadoras críticas negras que seriam perfeitamente equivalentes a Du Bois e Delaney são desconhecidas. Os nomes de Anna Julia Cooper, Mary Chuch Terrel e até o mais amplamente circulado nome de Ida B. Wells não estão na língua de todxs. Na sua introdução para a edição da Schomburg do texto de 1982, “A voice from the South” (“Uma voz do sul”), de Anna Julia Cooper, Mary Helen Washington enfatiza tanto a importância dos trabalhos de intelectuais negras quando a realidade de que estas produções ainda precisam receber o reconhecimento e aceitação. Washington diz que “sem mulheres como Fannie Barrier Williams, Ida B. Wells, Fannie Jackson Coppin, Victoria Earle Matthews, Frances Harper, Mary Church Terrel e Anna Julia Cooper, nós saberíamos muito pouco sobre as condições de vida das mulheres do século XIX. Até recentemente a tradição intelectual negra ignorou estas mulheres e desvalorizou a escolaridade delas, subordinando-as ao produzido por homens. Ao mesmo tempo que não é surpreendente que estudantes não estejam aptos para citar intelectuais negras do século XIX, é chocante que eles não conheçam o trabalho das pensadoras negras contemporâneas, como Hortense Spillers, Hazer Carby, Patricia Williams, and Beverly GuySheftall apenas. Subordinação sexista na vida intelectual negra continua tornando obscuro e desvaloriza o trabalho de intelectuais negras. Essa é a razão pela qual é tão difícil para alunos citá-las. Estes alunos que evocam os nomes de Walker e Morrison raramente leram seu trabalho não-ficcional e frequentemente não têm nenhuma ideia do âmbito ou da extensão de seus pensamentos. Intelectuais negras que não são escritoras famosas (e nem todas as escritoras são intelectuais) continuam invisíveis na sociedade. Essa invisibilidade é uma atribuição do racismo institucionalizado, sexismo, exploração de classe e um reflexo da realidade onde grandes números de mulheres negras não escolhem o trabalho intelectual como suas vocações. Trabalhar com estudantes negras dentro da academia que expressam extrema reticência sobre o valor e importância do trabalho intelectual tem me motivado a criticamente analisar as relações das mulheres negras com o trabalho intelectual, para fazer as seguintes questões: Quantas mulheres negras veriam a si mesmas como intelectuais? Como nós nos sustentamos? Estamos todos na academia? Onde estão nossos ensaios e produções intelectuais, etc.? Muitas das estudantes negras que eu encontro estão incertas sobre o trabalho intelectual. Eu estou impressionada com a profundidade do anti-intelectualismo com que elas são atacadas e que elas acabam internalizando. Muitas delas expressam desprezo pelo trabalho intelectual porque não enxergam uma conexão substantiva com a vida real ou com o reino das experiência concretas. Outras que têm interesse em seguir o trabalho intelectual são golpeadas pela dúvida por não sentirem que existem mulheres negras para serem suas mentoras, em quem possam se espelhar ou elas percebem que as intelectuais negras que elas encontram não recebem recompensas ou reconhecimento pelos seus trabalhos. Intelectuais negras trabalhando em universidades confrontam um mundo que (os outsiders poderiam imaginar) daria as boas vindas a nossa presença e frequentemente vê nossa intelectualidade como “suspeita”. As pessoas podem se sentir confortáveis com a presença de acadêmicas negras e podem até desejar esta presença, mas elas estão menos receptivos para mulheres negras que se apresentam como intelectuais comprometidas que precisam de apoio institucional, tempo e espaço para perseguir esta dimensão de suas realidades. A professora de Direto negra, Patricia Williams, em sua nova coleção de ensaios, “The Alchemy of Race and Rights” (“A alquimia da raça e dos direitos”), escreve eloquentemente sobre a forma com que estudantes e professoras negras engajam-se no pensamento crítico e trabalho intelectual, o que ameaça o status quo e torna difícil para nós conseguir o apoio e a afirmação necessária. Dessa forma, por conta do racismo e sexismo combinados, seremos vistas por colegas com perspectivas limitadas e como intrusas. Williams explica que “o status de outsider é um tipo de ferida aberta”. Algumas de nós escolhemos então negar nossa habilidade intelectual para não confrontarmos essa realidade. Outras escolhem ser acadêmicas, mas evitam a categoria “intelectual.” Na sua recente coleção de ensaios “The Significance of Theory” (“A importância da teoria”), Terry Eagleton inclui um ensaio “Criticism, Ideology and Fiction” (“Criticismo, ideologia e ficção”) onde ele explica a diferença entre acadêmicos (que não necessariamente são intelectuais) e intelectuais. Se olharmos na tradicional compreensão de intelectual do Ocidente, me parece que ela é caracterizada por duas diferentes questões: um ou uma intelectual não é simplesmente alguém que faz intercâmbios de ideias. Eu tenho muitxs colegas que fazem esta troca e eu sou extremamente relutante para chama-lxs de intelectuais. Um intelectual é alguém que faz um intercâmbio de ideias através da transgressão de fronteiras de discurso porque ele ou ela vêm essa necessidade. Além disso, um intelectual é alguém que faz um intercâmbio de ideias numa ligação vital com uma cultura política mais ampla. A distinção de Eagleton baseia-se na suposição de uma abertura crítica de qualidade que possibilita a transgressão. Obviamente, ele considera essencial que intelectuais sejam pensadores criativos, exploradores no reino de ideias, capazes de empurrar os limites para além, seguir ideias para onde quer que elas os/as levem. É a concepção racista/sexista ocidental de quem e o que é um intelectual que dita as possibilidades que aparecerão na mente das mulheres negras como representantes de uma vocação intelectual. De fato com o patriarcado branco, capitalista e supremo, todo o trabalho cultural para negar às mulheres negras a oportunidade de buscar um trabalho mental, faz do domínio intelectual um lugar fora de cogitação. Como nossas ancestrais do século XIX, é apenas através de resistência ativa que nós reivindicaremos nosso direito de impor uma presença intelectual. Sexismo e racismo trabalhando juntos perpetuam uma iconografia que imprime na mentalidade cultural coletiva a ideia de que mulheres negras estão neste planeta para servir a outras pessoas antes de qualquer coisa. Da escravidão até os dias presente o corpo das mulheres negras tem sido visto pelo Ocidente como o principal símbolo de uma presença feminina natural, orgânica, animalesca, primitiva. Explorando a fusão da mulher e da natureza em “The Death of Nature” (“A morte da natureza”), Carolyn Merchant escreveu: A imagem da natureza que se tornou importante no início do período moderno foi a de um desordenado e caótico reino para ser subjugado e controlado... a selvagem e incontrolável natureza era associada a mulher. As imagem tanto da natureza quanto da mulher eram bilaterais. A virgem ninfa ofereceu paz e serenidade, a mãe terra alimento e fertilidade, mas a natureza também trouxe pragas, fome e tempestade. Similarmente, a mulher foi virgem e bruxa, o Renascimento, cortês amante, colocou-a num pedestal; o inquisidor queimou-a. A bruxa, símbolo da violência natural, tempestades invocadas, doenças espalhadas, colheitas destruídas, gerações obstruídas e crianças assassinadas. Mulheres desordenadas, como a natureza caótica, precisavam ser controladas . Entre aqueles grupos de mulheres assassinadas como bruxas na sociedade colonial americana, mulheres negras têm sido historicamente percebidas como a personificação da perigosa natureza feminina que precisa ser controlada. Mais do que qualquer grupo de mulheres nessa sociedade, as mulheres negras tem sido vistas como “corpos sem mentes”. O uso de corpos negros femininos durante a escravidão como incubadoras para a procriação de outros escravos era praticamente a exemplificação da ideia de “mulher desordenada” deveria ser controlada. Para justificar a exploração sexual dessas mulheres por parte dos homens brancos e os estupros, a cultura branca havia de produzir uma iconografia do corpo negro feminino, que insistia em representa-los altamente sexualizados, a perfeita incorporação do primitivo, incontrolado erotismo. Essas representações colocaram na consciência de todo mundo a noção de que as mulheres negras eram apenas corpos sem mentes. A corrente cultural deles continua a informar como mulheres negras são percebidas. Vistas como “símbolo sexual”, os corpos femininos negros são colocados numa categoria que, culturalmente falando, é considerado muito distante da vida intelectual. Dentro das hierarquias de sexo/raça/classe dos Estados Unidos, mulheres negras têm sempre residido na base. A parte baixa é reservado nessa cultura para aqueles considerados incapazes de mobilidade social porque são percebidos como deficientes, inadequados e inferiores em termos sexistas, racistas e classicistas. No geral, representações de mulheres negras na mídia de massa contemporânea continua a nos identificar como altamente sexuais, como terráqueas excêntricas fora de controle. E o sucesso popular de um trabalho polêmico como “The Black Mans Guide to Understanding The Black Women” (“O guia do homem negro para compreender a mulher negra”) de Shahrazad Ali, que insiste que mulheres negras são intelectuais inferiores em relação aos homens negros, têm cérebros menores, etc., indica em que medida muitas pessoas negras internalizam pensamentos racistas/sexistas sobre a identidade negra feminina. Como aqueles tratados misóginos renascentistas, o livro de Ali associa a mulher negra com a natureza, com a sexualidade, afirmando a tese anterior de que devemos ser controladas. Em oposição às representações da mulher negra como selvagens sexuais e/ou prostitutas, estão as representações do estereótipo de “mãe”. Novamente esta imagem inscreve significados na presença das mulheres negras através do corpo, neste caso a construção da mulher como mãe, como “seio”, alimentando e sustentando a vida de outros. Notavelmente o provérbio, “mamãe” toma conta de todas as necessidades dos outros, particularmente daqueles mais poderosos. Seu trabalho é caracterizado pelo serviço generoso. Apesar do fato de a maioria das casas nos Estados Unidos não terem empregadas ou babás negras trabalhando nelas, racistas e sexistas pressupõem que as mulheres negras são de alguma forma inerentemente mais capazes de cuidar para outros continuarem permeando o pensamento cultural sobre o papel feminino negro. Como uma consequência, mulheres negras em todos os caminhos da vida, de profissões corporativas e professoras universitárias até operárias, reclamam que seus colegas, supervisões, etc. pedem a elas para assumirem vários papéis de “cuidadoras”, serem suas conselheiras, babás, terapeutas, sacerdotisa – para serem mães. Como essas mulheres negras não são obrigadas por práticas escravagistas a servir solenemente em trabalhos considerados domésticos, espera-se que elas limpem a bagunça de todo mundo. Não é apenas o mundo branco que traz essas expectativas para as mulheres negras carregarem; elas são impostas por homens negros e crianças que também acreditam que mulheres deveriam servi-las. As suposições dos sexistas sobre o papel feminino explica as expectativas das comunidades negras para as mulheres. Muitas pessoas negras compartilham as considerações tomadas por diversos grupos nessa sociedade de que mulheres são intrinsicamente destinadas a servir outros e outras generosamente. Este pensamento é frequentemente reforçado nas comunidades negras pelo ensino religioso enfatizando a necessidade do trabalho abnegado como a expressão maior da caridade cristã. Coletivamente, muitas mulheres negras internalizam a ideia de que devem sempre servir, estar sempre disponível para encontrar a necessidade de alguém, sem importar o desejo da pessoa. A insistência cultural na ideia de que mulheres negras são serventes, independentemente do nosso emprego ou carreira, assim como a aceitação passiva dessas mulheres a respeito desses papéis, podem ser os maiores fatores que impedem as mulheres negras de escolherem se tornar intelectuais. O trabalho intelectual até mesmo quando é considerado socialmente relevante, não é visto como um “trabalho caridoso”. De fato um estereótipo prevalecente do intelectual é alguém que normalmente está preocupado com suas ideias de forma egocêntrica. Até mesmo naquelas instâncias onde o trabalho intelectual é mais respeitado, ele é frequentemente visto como produções que surgem do engajamento e envolvimento individual, particular. Mesmo apesar de intelectuais negros com Du Bois tenham ligado a vida da mente a várias formas de ativismo político, elas eram focadas na busca pessoal de ideias. Falando com mulheres negras, tanto acadêmicas e não acadêmicas, sobre nossa relação com o mundo de ideias, para procurar conhecimento e produção de conhecimento, um dos mais consistentes temas que emergiram foi o medo de parecer egoísta, de não fazer um trabalho que seria visto como diretamente reconhecível para além da própria individualidade para servir a outrxs. Muitas mulheres negras, até eu mesma, descreveram experiências de infância onde o anseio por ler, contemplar e falar sobre uma vasta gama de ideias foi desencorajado, as atividades vistas como fúteis ou atividades que nos levariam a ser egoístas, frias, desligadas de sentimentos e estranhas a sociedade. Na infância, se eu não colocasse as tarefas de manutenção da casa acima dos prazeres de leitura e pensamento, os adultos ameaçavam me punir queimando meus livros e me proibindo de ler. Embora isso nunca tenha acontecido, isso deu a minha consciência o sentido de que preferir estar sozinha lendo, pensando e escrevendo não era apenas errado, mas de alguma forma perigoso para o meu bem-estar e um gesto insensível para o bem-estar dos outros. Na idade adulta, eu passei vários anos acreditando (portanto fazendo assim) que era importante que eu concluísse todas as outras tarefas, sem importar o quão inconsequentes, antes de fazer o trabalho intelectual. Claro, eu frequentemente chegava com pouca energia e cansada ao espaço destinado a tal trabalho. O início da socialização sexista que ensina a mulher negra, e de fato a maioria das mulheres, que trabalho mental deve sempre ser secundário ao trabalho doméstico, ao cuidado das crianças ou a outras atividades desse tipo, dificulta que as mulheres tornem o trabalho intelectual uma prioridade central até mesmo quando nossas circunstâncias sociais iriam de fato oferecer recompensas por essa atividade. No meio das pensadoras negras que trabalham como acadêmicas, muitas com quem conversei sentiram que seus anseios por dedicar tempo e energia ao trabalho intelectual poderiam não ser atendido porque elas se viram perpetuamente fazendo um malabarismo com várias demandas. Reclamando com razão de que lhes faltava tempo para seguir o trabalho intelectual livremente e completamente, elas também expressavam o medo de que uma dedicação tão apaixonada aos objetivos intelectuais as tirassem das atividades relacionais significativas. Ainda, elas não viam interesse para descobrir as razões pelas quais elas são tão relutantes, ou em alguns casos simplesmente impossibilitadas de reivindicar o trabalho intelectual como a principal atenção. Focando particularmente nas mulheres negras que tiveram cursos de graduação completos mas que pararam no momento da monografia, eu achei que elas estavam presas demais a sentimentos contraditórios sobre o valor do trabalho acadêmico ou intelectual, e esses sentimentos psicologicamente bloquearam as suas habilidades para completar essa etapa final. Então percebi que o momento do trabalho de conclusão de curso é quando mais confrontamos diretamente o que significa engajar-se num raciocínio solitário e na escrita. Para a maioria dxs estudantes, é a experiência da graduação que melhor exemplifica o caráter individualista do pensamento e trabalho acadêmicos. Alguém que escreve sozinho, normalmente despende de muito tempo isolado. Frequentemente é difícil para manter um senso de engajamento na comunidade. Mulheres negras que foram socializadas para desvalorizar ou sentirem-se culpadas devido ao tempo dedicado a outras coisas que não sejam servir a outras pessoas, podem não estar aptas a reivindicar ou criar espaço para isolar-se e escrever. Isso é especialmente real para mulheres negras com filhxs. Mães solteiras devem frequentemente lutar com entraves materiais concretos que não permitem que elas foquem intensivamente no pensamento ou na escrita mesmo que este seja o seu desejo. Ainda, existem mulheres sem restrições relacionais ou materiais que são tão relutantes quanto as menos favorecidas em reivindicar o trabalho intelectual como a principal vocação. Novamente, o medo do isolamento da comunidade ou a noção de que a vida não terá sido bem vivida se não for em comunidade, são identificados como barreiras que impedem mulheres negras de veementemente escolher o trabalho intelectual. Para estas barreiras serem superadas, as mulheres negras que são capazes de continuar dedicadas a vocação intelectual, mesmo quando se sentem conectadas com a comunidade, devem traçar este caminho. Em “The Dilemma of the Black Intellectual” (“O dilema dx intelectual negrx”) Cornel West aborda os conflitos que emergem quando intelectuais negrxs são confrontadxs com um “modelo burguês de atividade intelectual” que nos coloca na defensiva: “Sempre existe a necessidade de afirmar e defender a humanidade da gente negra, incluindo suas habilidades e capacidades de raciocinar logicamente, pensar coerentemente e escrever lucidamente. O peso desse inevitável fardo para estudantes negrxs na academia branca, tem frequentemente determinado o conteúdo e o caráter a atividade intelectual negra”. Estes conflitos parecem particularmente agudos para mulheres negras que devem lutar contra estes estereótipos racistas e sexistas que continuamente levam outras pessoas (e até nós mesmas) a questionar se somos ou não competentes, capazes da excelência intelectual. Para acadêmicas negras e/ou intelectuais, o estilo de escrita pode evocar questões de fidelidade política. Usar um estilo para ganhar uma aceitação acadêmica e um reconhecimento, mais a frente, pode afastar esta produção de uma audiência de leitura negra. Novamente, enfrenta-se em diferentes formas a questão do isolamento a respeito do envolvimento na comunidade. Escolher escrever num estilo acadêmico tradicional pode levar ao isolamento. Mesmo se alguém escrever através do estilo acadêmico aceito, não há garantia de que o trabalho será respeitado. Com frequência, pensadorxs negrxs temem que nosso trabalho não seja levado a sério pela ampla audiência, que isso será de alguma forma visto com faltas. Esses medos inibem a produção intelectual. Escrevendo ensaios que incluem reflexões confessionais, me senti insegura sobre a eficácia do texto em falar para xs leitorxs mais do que só sobre mim e meus amigxs. Quando publiquei minha primeira coleção de ensaios, “Talking back”, eu fiquei surpresa pela enorme quantidade de cartas que recebi de mulheres negras discutindo o ensaio em que foquei nas dificuldades que tive como aluna de graduação. Histórias de perseguições por professores e colegas, relatos de mulheres negras sendo interrogadas por aqueles que procuravam saber se elas eram capazes de completar o trabalho, pensar logicamente, escrever coerentemente com uma norma. Estas formas de assédio frequentemente minam a capacidade de mulheres negras em transmitir suas capacidades intelectuais. Também haviam as histórias - contadas através de cartas – de depressão e desespero de ameaça de vida. Sobretudo, essas cartas confirmam que a escolha de seguir uma carreira intelectual e /ou acadêmica no modo socialmente legitimado continua sendo uma tarefa árdua para mulheres negras. Mesmo que existam certamente muito mais acadêmicas negras do que havia antigamente, elas são frequentemente anti-intelectuais (uma postura a qual é frequentemente uma consequência da dor que elas suportaram como alunas ou como professoras que são contempladas suspeita e desprezo por colegas). Nas suas vidas diárias elas podem insistir que o trabalho que dialoga diretamente com a experiência concreta é mais valioso que aquelas formas de trabalho intelectual que não são produzidas para serem comercializadas com a audiência de massa. Dada a ausência de afirmação pública e apoio a mulheres negras escolherem vocações intelectuais, quando confrontam trabalhos no isolamento, em espaços privados, não é surpreendente que estas mulheres possam se acham repletas de dúvidas, de forma que estes espaços possam intensificar o medo de lacunas, o medo de que as ideias não valham a pena serem escutadas. Mulheres negras devem rever noções de trabalho intelectual que nos capacitem abranger e conectar uma preocupação com a vida mental e o bem-estar da comunidade. No “The Dilemma of the Black Intellectual” (“O dilema dxs intelectuais negrxs”) West é extremamente crítico daqueles modelos burgueses de vida intelectual que é concebido solenemente nos termos individualistas e elitistas, oferecendo a insurgência de um modelo como alternativa. Ele afirma: “Ao invés de um herói solitário, exilado, e um gênio isolado – o intelectual como estrela, celebridade, produto – este modelo privilegia o trabalho coletivo-individual que contribui para a luta e resistência comunitárias”. Enquanto a ideia de insurgência providencia um útil contraponto para o modelo burguês na teoria, West não explica a realidade concreta de que circunstâncias, que condições materiais permitem e promovem o trabalho intelectual. De fato, sem privilegiar a noção de gênio isolado deve-se honestamente dizer que muito do tempo em isolamento está ligado a contemplação, internalização e escrita. Como poderiam mulheres negras escolherem o isolamento necessário sem entrar no modelo burguês? Qualquer discussão do trabalho intelectual que não enfatiza as condições que fazem tal trabalho possível deturpa as circunstâncias concretas que permitem a produção intelectual. De fato mulheres negras lutando para fortalecer e aprofundar nosso compromisso com o trabalho intelectual sabem que nós devemos confrontar o problema do “isolamento”, nosso medo disso, nosso medo de que isso nos afaste da comunidade inibe o completo seguir do trabalho intelectual. Dentro do patriarcado, homens sempre tiveram a liberdade para se isolarem da família e da comunidade, fazer um trabalho autônomo e penetrar um mundo relacional quando eles querem, independentemente de sua classe. É a imagem da figura masculina procurando solidão para fazer o trabalho mental que é comum nas mídias de massa e não o da mulher. O mundo patriarcal, que apoia e afirma o retornar masculino para a família e a comunidade depois de algum tempo distante, frequentemente pune as mulheres por escolheres fazer o trabalho autônomo. Estudos recentes (como o de Arlie Hochschild, The Second Shift) que examinam a natureza de gênero das tarefas domésticas, indicam que mulheres que trabalham fora continuam fazendo a maior parte dessas tarefas. Então, antes dessa isolada intelectual negra retornar a comunidade relacional é provável que ela deva primeiro assumir a responsabilidade de uma variedade de atividades domésticas. Evidentemente, acadêmicas negras e intelectuais frequentemente são impedidas de reivindicar o tempo necessário de solidão para fazerem seus trabalhos. Discutindo questões de isolamento com colegas e alunas negras, eu não me surpreendi em descobrir que a maioria de nós teve uma pequena experiência de estar sozinha ou trabalhar sozinha. Isso provavelmente é muito real para mulheres de camadas pobres e operárias onde o espaço limitado e o grande número de corpos em um dado domicílio fez do tempo sozinha uma impossibilidade. Criada numa grande casa, foi apenas quando fui para a faculdade que percebi que eu nunca tinha estado sozinha um dia inteiro de minha vida. Mulheres negras criadas em lares sexistas não foram colocadas em situações onde nós pudéssemos passar tempo sozinhas. De fato era normalmente o oposto. Nós éramos constantemente colocadas em configurações com acompanhantes ou companhia (no passado, claro, isso era para proteger as virtudes femininas). Ao mesmo tempo, era considerado não natural para uma garota, que precisava aprender como ser mãe e dona de casa, estar sozinha. Pesquisas feministas sobre ter filhos indicam que mulheres são socializadas para desenvolver habilidade relacionais que reforçam nossas habilidades de cuidar dos outros. Essa socialização era e é normalmente explicitada em lares negros tradicionais. Desde que muitas mulheres negras têm sido criadas em lares com mães que trabalham, elas assumiram a responsabilidade pelas atividades domésticas e pelo cuidado com outros muito cedo. O tempo sozinhas para pensar não têm sido tradicionalmente valorizado para garotas negras. E mesmo apesar de homens pobres e de classes trabalhadoras possam não ter sido criados em configurações que abertamente valorizavam o tempo de isolamento, homens estão aptos para ocupar espaços por eles mesmos, para estabelecer comércio sozinhos, para contemplar o universo, sentar no telhado, etc.. Discutindo com outras mulheres negras, eu descobri que nosso tempo para pensar normalmente aconteciam apenas quando as tarefas domésticas estavam feitas. Era frequentemente tempo roubado. Às vezes tinha que escolher entre ter aquele espaço ou prazeres relacionais, se divertir com amigos ou família. Intelectuais negras sabiam o valor do tempo aproveitado no isolamento. Muitas pensadoras negras que eu entrevistei falaram sobre as dificuldades de sentar e escrever por longos períodos de tempo. Algumas dessas dificuldades emergem por estas pessoas não saberem se sentir confortável sozinhas e com atividades solitárias. Certamente nem todos os trabalhos intelectuais acontecem no isolamento (algumas de nossas melhores ideias aparecem em contextos de troca) mas essa realidade coexiste com a noção de que a contemplação solitária de ideias é um componente crucial do processo intelectual. Para sentir que temos o direito de termos um tempo sozinhas, mulheres negras devem quebrar essas concepções convencionais sexistas/racistas do papel feminino. Dentro de uma supremacia branca, capitalista, contexto social patriarcal como essa cultura, nenhuma mulher negra torna-se uma intelectual sem descolonizar sua mente. Mulheres negras podem tornar-se acadêmicas bemsucedidas sem passar por esse processo e, de fato, mantendo uma mente colonizada podem atrapalhar o próprio destaque na academia, mas isso não aprimora o processo intelectual. O modelo de insurgência que Cornel West defende, apropriadamente pontua tanto o processo em que mulheres negras têm que se engajar para se tornarem intelectuais quanto o momento crítico em que devemos assumir para sustentar a continuidade de nossa escolha. Para considerar a internalizada baixa autoestima que é constantemente imposta às mulheres negras em uma cultura anti-intelectual racista/sexista, aquelas de nós que vierem a se tornar intelectuais devem ser vigilantes. Nós devemos desenvolver estratégias para ganhar avaliação crítica de nosso valor e mérito que não nos obrigue a olhar para avaliações e afirmações críticas das mesmas estruturas, instituições e indivíduos que não acreditam na nossa capacidade de aprender. Frequentemente, nós devemos estar prontas para afirmar que o nosso trabalho é valioso mesmo se ele não for considerado assim pelas estruturas socialmente legitimadas. Afirmando isoladamente que o trabalho que fazemos pode ter um impacto significativo no quadro coletivo, nós devemos com frequência tomar a iniciativa de chamar atenção para nosso trabalho de forma que reforce uma ideia de público. Como uma intelectual negra escrevendo teorias feministas de um lugar que tem como centro entender a natureza específica da política de gênero negra, e como essa atividade política desafia os pensamentos racistas e sexistas, eu comecei este trabalho num contexto acadêmico apesar de algumas pessoas na academia afirmarem meus esforços. Falando com operárixs negrxs de várias funções, com pessoas nas comunidades onde eu fui criada e vivi, eu encontrei pessoas para afirmar e encorajar meu trabalho. Este encorajamento foi crucial para o meu sucesso. Eu não poderia continuar trabalhando isolada, meu espírito estaria depressivo. Apesar de meu trabalho agora ser amplamente afirmado nas configurações acadêmicas, eu continuo muito grata aqueles não acadêmicxs que me encorajaram quando auqele apoio não estava lá no lugar socialmente legitimado. É impossível para mulheres negras intelectuais florescerem se não tivermos uma crença essencial em nós mesmos, no valor de nosso trabalho, e uma correspondente afirmação do mundo ao nosso redor que pode sustentar e nutri-lo. Com frequência, nós não podemos olhar para lugares tradicionais para reconhecer nosso valor; nós suportamos nossa responsabilidade de procurar e até criar lugares diferentes. A política do patriarcado produz situações de distinção entre homens intelectuais negros e mulheres intelectuais negras. Apesar deles enfrentarem o racismo, eles não enfrentam preconceitos de gênero. E como já foi afirmado, desde que eles sejam vistos como membros legítimos de uma tradição intelectual estabelecida, o trabalho deles é menos suspeito e mais recompensado que o de intelectuais negras. Fundamentalmente, mulheres negras intelectuais precisam de apoio e encorajamento de parceiros negros. Frequentemente, o sexismo vive na forma que homens negros oferecem apoio. Simultaneamente, a competitividade acadêmica milita contra a formação de comunidades intelectuais negras que ultrapassem instituições e disciplinas. Assim como comunidades emergem da resistência de mulheres e homens negros que reconhecem que nós fortalecemos nossas posições apoiando um/uma ao/a outro/outra. West insiste que “a maior prioridade de intelectuais negrxs deve ser a criação e a reativação de redes institucionais que promovam hábitos críticos de alta qualidade principalmente com o propósito de uma insurgência negra.” Considerando esta proposição mais a frente, é crucial que esforços como esses englobem intelectuais negrxs que podem não ter nenhuma filiação formalmente institucional. Isto é especificamente importante para mulheres negras já que muitas pensadoras críticas excepcionais não trabalham em configurações acadêmicas. Afirmando que “a questão central de intelectuais negrxs pós-modernos é estimular rápidas, alternativas e estimuladoras percepções e práticas para desalojar discursos e poderes prevalecentes”. West oferece um paradigma que permite uma ênfase no findar das opressões sexistas e racistas como uma pré-condição necessária para a insurgência intelectual negra. Por essa única razão é que mulheres e homens negrxs lutam contra o condicionamento sexista que promove a suposição de que o trabalho intelectual é exclusivamente um domínio dos homens, que o trabalho deles é mais importante ou que podemos criar comunidades e ambientes que completamente promovam e sustentem nosso trabalho intelectual. E apenas nossa vigilante interrogação das tendências sexistas e práticas que vão possibilitar que homens negros encorajem e valorizem o trabalho de suas parceiras negras. Isso significaria que intelectuais negros viriam nossos trabalhos com seriedade, que eles parariam de falar muito e fazer pouco sobre a ideia de findar o sexismo, enquanto continuam ignorando ou se apropriando de ideias. Quando intelectuais negros referem-se ao trabalho de colegas negras e o usam construtivamente em diversas configurações (salas de aula, palestras, etc.), eles ajudam a trazer maior visibilidade para a mulher negra, fortalecendo vínculos de solidariedade. Nós vemos isso no trabalho de intelectuais negros, Manning Marable, Derrick Bell e Kobena Mercer, para falar apenas de alguns. Simultaneamente, aliados não negros poderiam expressar melhor solidariedade não aceitando e apoiando homens negros que se apropriam do trabalho acadêmico de mulheres negras. Como diversas comunidades negras lutam com problemas de gênero e como o trabalho das feministas acadêmicas é lido ou discutido mais amplamente nesses contextos, intelectuais negras não terão maior reconhecimento e visibilidade; haverá maiores encorajamentos para as jovens estudantes escolherem o caminho intelectual. Apesar das muitas dificuldades que aparecem quando uma mulher negra escolhe o trabalho intelectual, as possiblidades de recompensas significativas servirão como um contraponto, nos motivado e sustentando. Essas recompensas podem nem sempre serem as que convencionalmente se espera. Elas podem ser dadas pela comunidade, que não tem nenhum contato com a academia. Cartas de homens negros que estão na prisão usando o tempo para educar-se para uma consciência crítica têm sido uma fonte de inspiração para o meu trabalho. Quando um homem negro preso me escreve para dizer, “seu trabalho têm me tocado de formas que fazem com que me esforce para ser íntegro”, afirma que um trabalho intelectual pode nos conectar com um mundo fora da academia, pode aprofundar e enriquecer o nosso senso de comunidade. Essa é a mensagem que eu mais quero compartilhar com as jovens mulheres negras que têm medo que o trabalho intelectual afaste-nos do mundo real. De fato, quando nós fazemos um trabalho intelectual insurgente, que fala para uma audiência diversificadas, para massas com diferentes classes, raças, ou bases educacionais, nós nos tornamos parte de comunidades de resistência, coalizões que não são convencionais. O trabalho intelectual apenas nos afasta de comunidades negras quando nós não relatamos ou compartilhamos de infinitas formas nossas preocupações. Esse compartilhamento tem que ir além da palavra escrita já que muitxs negrxs sabem ler muito mal ou até mesmo não sabem. Falando de igrejas e casas, tanto no sentido formal e informal, nós podemos compartilhar o trabalho que fazemos. Através do reconhecimento daquela recompensa, entendendo, e entendimento é, pode ser e será dado para nós por lugares não convencionais e através da valorização essas fontes de afirmação, intelectuais negrxs chamam atenção para um hegemônico sistema oposto de legitimação e valorização que ou em conjunto com o trabalho que fazemos em instituições ou como uma alternativa a ele, pode legitimar e sustentar o nosso trabalho. A afirmação que tem aparecido para mim de indivíduos e locais que são marginais me fortalecem e inspiram. Eu chamo a atenção para isso não para ser egoísta mas para prover um contra discurso, um que oponha a insistência de que não possa haver nenhuma troca significativa, contato, influência, de intelectuais com pessoas que não têm uma base educacional. West conclui seu ensaio “The Dilemma of the Black Intellectual” (“O dilema dxs intelectuais negrxs”) com o comentário edificante: “A situação difícil dx intelectual negrx não precisa ser sombria. Apesar do perverso racismo na sociedade americana e do anti-intelectualismo nas sociedades negras, os espaços críticos e a atividade insurgente pode ser expandidos. Essa expansão vai ocorrer mais prontamente quando intelectuais negrxs olharem mais francamente para eles/elas mesmxs, para as forças históricas e sociais que xs esculpem, e as limitadas porém significantes fontes que a comunidade de onde elxs são originados”. Contínuas críticas de sexismo expandem aquele espaço e tornam possível que as contribuições femininas sejam valorizadas. Até este momento, racismo e sexismo vão continuar determinando como o trabalho de afro-americanxs é recompensado. Meu conhecimento específico sobre os dilemas das intelectuais negras foi aprofundado quando eu comecei meu primeiro trabalho na Universidade de Yale. Naquela época, eu era uma de duas afro-americanas na universidade. Durante a minha estada, a outra mulher negra, já idosa, historiadora da arte, Sylvia Boone, era titular. Quando eu chamava atenção para a relativa falta de acadêmicas negras na instituição, pontuando o impacto do sexismo e racismo, meus colegas brancos me diziam, “se mulheres negras não estão aqui, não é porque Yale é racista, mas sim porque mulheres negras não são boas o suficiente”. Esses comentários me forçaram a criticamente focar nos jeitos em que representações sexistas e racistas das intelectuais negras determinam a forma que nós seremos percebidas. Colocam no jogo estruturas que legitimam a desvalorização do nosso trabalho. Até meu tempo na Yale, eu não tinha de fato pensado na importância e na necessidade de abertamente me declarar um intelectual e encorajar outras mulheres negras a fazerem o mesmo, para fazer nossa presença ser sentida, para transmitir nossos pensamentos sobre o processo intelectual. Desde cedo, eu vejo muitxs jovens alunxs desistindo do trabalho intelectual porque eles se sentem diminuídos nas instituições, porque eles sentem que suas vozes não são valorizadas na sociedade. Preocupada com o futuro das estudantes negras, as mesmas de quem as ideias, escolaridade e escrita são profundamente necessitadas, tenho sido motivada a fazer “o crítico auto-balanço” que West defende e publicamente discutir experiências pessoais, dar testemunhos pessoais que podem encorajar estas pessoas. No processo de crítico autobalanço, eu percebi como eu tinha sido socializada para não falar sobre compromissos com a vida intelectual, mas ao invés ver isso como privada, quase secreta. Não falando sobre a minha escolha, eu também não estava transmitindo para estudantes negras os prazeres do trabalho intelectual. Se eu e outra mulheres negras, particularmente aquelas de nós que trabalham na academia, apenas falarmos sobre as dificuldades nós construímos um quadro sombrio que pode levar alunxs a verem o trabalho intelectual como minoração. Frequentemente em conversas com alunxs, principalmente jovens meninas, elas me pedem para discutir aspectos da minha jornada pessoal. Este interrogatório apaixonado com frequência desafia o meu senso de privacidade, ainda isso está enraizado num profundo desejo da parte delas de entender o processo pelo qual uma mulher negra escolhe o caminho intelectual, onde e como encontra-se a completude. O anseio delas por intelectuais negras para esboçar a jornada frequentemente coloca uma demanda por abertura, sinceras e honestas revelações que não podem ser exercidas por homens ou mulheres não negras. Ainda assim, intelectuais negras comprometidas com a práticas insurgentes devem reconhecer a chamada para falar abertamente sobre a vida intelectual como nós a conhecemos, sobre nosso trabalho e forma de ativismo. Frequentes vezes, o trabalho intelectual força o enfrentamento com ásperas realidades. Isso pode nós lembrar que a dominação e opressão continuam moldando as vidas de todo mundo, especialmente pessoas negras. Tal trabalho não apenas nos leva próximo do sofrimento, mas também nos faz sofrer. Indo através desta dor para trabalhar com ideias que podem servir como um catalisador para a transformação de nossas consciências e vidas, assim como as dos outros. Quando o trabalho intelectual emerge de uma preocupação social e política radical, quando este trabalho é direcionado para a necessidade das pessoas, isso nos coloca em grande solidariedade e comunidade. É fundamentalmente a valorização da vida.