FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL PIAUIENSE- FUNEAC FACULDADE DAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS DE TERESINA - FAETE DIREÇÃO DE ASSUNTOS ACADÊMICOS E COMUNITÁRIOS COORDENAÇÃO DO CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO CIRURGIÃO DENTISTA: OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO? MARCONDES MARTINS DA SILVA JÚNIOR TERESINA - PIAUÍ 2017 MARCONDES MARTINS DA SILVA JÚNIOR CIRURGIÃO DENTISTA: OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO? Trabalho de conclusão de curso apresentada à Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina - FAETE, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob orientação da Profª Cínthia Ayres TERESINA-PIAUÍ 2017 S586c Silva Junior, Marcondes Martins da Cirurgião dentista: obrigação de meio ou de resultado? 42 f. Monografia (Graduação) – Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina – FAETE, Direito, 2017. “Orientadora Profª. Esp. Cínthia Ayres Holanda”. 1. Cirurgião dentista. 2. Obrigação. 3. Processo Judicial. CDD: 340 I. Título MARCONDES MARTINS DA SILVA JÚNIOR CIRURGIÃO DENTISTA: OBRIGAÇÃO DE MEIO OU DE RESULTADO? Trabalho de conclusão de curso apresentada à Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina - FAETE, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob orientação da Profª Cínthia Ayres Aprovado em : ___ de _____ de ___. Banca Examinadora ________________________________________________________ Profª. Esp. Cínthia Ayres Holanda Orientadora ________________________________________________________ Profª. Esp. Silvia Carvalho Sampaio Santana Dedico esse trabalho aos meus pais, ao meu amado filho Pedro Nícolas, irmãos e minha mãe Maria Creuza Silva, que sempre me incentivou a lutar pelos meus sonhos. AGRADECIMENTOS Foi uma longa caminhada, e sempre há aqueles que nos apoiam e nos motivam para que consigamos alcançar nossos objetivos. Meus mais sinceros agradecimentos: A Deus, por ter me dado força e coragem para chegar até aqui: A meus pais, pela vida e pelos exemplos de coragem e fé. À minha família, em especial ao meu irmão Maxwell, pela disponibilidade de sempre ajudar. A minha orientadora professora Cínthia Ayres Holanda, que me aceitou como orientando e me apoiou durante o processo de realização do trabalho. A todos os colegas da graduação, particularmente aos parceiros Victor Ximenes, Raphael Pereira e de forma especial a amiga Carmen Ramos. Aos professores e a própria Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina (FAETE), tanto pelos ensinamentos que me mostraram a importância do curso de Direito, como pelo ambiente de reflexão onde convivi com alunos e funcionários maravilhosos. “O acaso favorece as mentes preparadas” Louís Pasteur RESUMO A relação dentista paciente gera um vínculo caracterizado por obrigações mútuas capaz de gerar expectativas principalmente pelo paciente. Caberá ao profissional liberal esclarecer os objetivos do tratamento e a partir desse fato, obter o consentimento para a realização dos procedimentos necessários ao sucesso do tratamento. A insatisfação com o resultado desses tratamentos leva as partes rotineiramente a processos judiciais, onde, de praxe, a doutrina e a jurisprudência, qualifica o paciente como hipossuficiente e impõe ao profissional a obrigação de produzir as provas necessárias capazes de lhe afastar da culpa presumida, mas se comprovado um resultado lesivo ao paciente, por imprudência, imperícia ou negligência, o cirurgião dentista estará sujeito às penalidades previstas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, sendo obrigado a satisfazer o dano e indenizar, segundo a consequência provocada. O presente estudo foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, de onde se conclui que o reconhecimento do tipo de obrigação assumida pelo profissional na sua relação com o paciente revela-se útil e importante na medida em que será ou não o profissional cobrado pelo que foi pactuado no início do tratamento. Palavras-chave: Cirurgião dentista. Obrigação. Processo Judicial. ABSTRACT The patient dentist relationship generates a bond characterized by mutual obligations capable of generating expectations mainly by the patient. It will be up to the professional to clarify the objectives of the treatment and, from that fact, obtain the consent for the accomplishment of the necessary procedures to the success of the treatment. The dissatisfaction with the results of these treatments leads the parties routinely to litigations, where, in practice, doctrine and jurisprudence, qualifies the patient as hypo sufficient and imposes on the professional the obligation to produce the necessary evidence capable of distancing him from presumed guilt, but if it proves harmful to the patient, due to imprudence, malpractice or negligence, the dentist surgeon will be subject to the penalties provided for in the Civil Code and the Consumer Protection Code, being obliged to satisfy the damage and indemnify, according to the consequence provoked. The present study was developed through bibliographical and jurisprudential research, which concludes that the recognition of the type of obligation assumed by the professional in his relationship with the patient proves to be useful and important insofar as it will be the professional charged by the which was agreed at the beginning of treatment. Key- words: Surgeon dentist. Obligation. Litigation. SUMÁRIO SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................10 1. ODONTOLOGIA...................................................................................................12 INTRODUÇÃO................................................................................................................10 1.1 Histórico...............................................................................................................12 1. ODONTOLOGIA........................................................................................................12 1.2 Legal...........................................................................................................14 1.1 Base Histórico.....................................................................................................................12 1.3 odontológico......................................................................................15 1.2 Tratamento Base Legal.................................................................................................................14 21.3 QUESTÕES DA RELAÇÃO DENTISTA PACIENTE..................16 TratamentoCONTRATUAIS odontológico...........................................................................................15 2.1 Princípios..............................................................................................................16 2 QUESTÕES CONTRATUAIS DA RELAÇÃO DENTISTA PACIENTE........................16 2.2 de consentimento livre e esclarecido (TCLE) por cirurgiões dentistas em 2.1 Termo Princípios...................................................................................................................16 atividades 2.2 Termoclinicas.......................................................................................................19 de consentimento livre e esclarecido (TCLE) por cirurgiões dentistas em 2.3 A relação dentista paciente..................................................................................20 atividades clinicas............................................................................................................19 32.3 DEVER JURÍDICO E SUCESSIVO NA ODONTOLOGIA...............25 A relação dentistaORIGINÁRIO paciente........................................................................................20 3.1 Obrigação de meioORIGINÁRIO ou de resultado.....................................................................25 3 DEVER JURÍDICO E SUCESSIVO NA ODONTOLOGIA.....................25 3.2 A responsabilidade na ótica do Código de Defesa do Consumidor: 3.1 Obrigação de meio ou civil de resultado...........................................................................25 aplicabilidade do CDC................................................................................................30 3.2 A responsabilidade civil na ótica do Código de Defesa do Consumidor: aplicabilidade 3.2.1 A inversão do ônus da prova.............................................................................32 do CDC............................................................................................................................30 3.3 A responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais.......................................33 3.2.1 A inversão do ônus da prova..................................................................................32 CONCLUSÃO............................................................................................................39 3.3 A responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais.............................................33 REFERÊNCIAS..........................................................................................................41 CONCLUSÃO..................................................................................................................39 REFERÊNCIAS...............................................................................................................41 10 INTRODUÇÃO A Odontologia surgiu de forma empírica dentro da medicina e ao longo dos anos evoluiu bastante no campo de pesquisa em laboratório e na atividade clínica. É uma profissão altamente eficaz, resolutiva, com tecnologias avançadas tanto nas áreas preventivas, quanto nas corretivas e cirúrgicas. Como consequência desse ganho de conhecimento em todas as áreas, houve uma grande expansão das especialidades, cada uma com um vasto campo de atuação. A difusão dos métodos de cura e a consciência do dano sofrido têm conduzido a um aumento significativo do número de pacientes que buscam a reparação por prejuízos em decorrência da culpa profissional. Entretanto, observase que os juristas nacionais pouco se dedicaram ao estudo da responsabilidade civil dos cirurgiões dentistas. Na atual realidade de mercado, altamente competitivo, no qual alguns profissionais buscam atingir, muitas vezes, apenas o lucro, observa-se um aumento no número de processos contra profissionais da área da saúde. O presente trabalho visa tratar sobre questões relativas ao desempenho da atividade laborativa do cirurgião dentista e da sua responsabilidade específica: a de responder pelos atos cometidos no exercício da profissão. Na área de saúde, essa obrigação de responder pelos atos praticados no desempenho da profissão (responsabilidade profissional) comporta um quádruplo enquadramento: penal, civil, administrativo e ético. Portanto, todo lesado tem o direito de buscar a reparação do dano que lhe foi causado, o que torna ainda mais delicada a relação profissional com o paciente de hoje, quando a maioria dos procedimentos realizados pelos cirurgiões-dentistas ficam sujeitos à análise de qualidade, podendo esses profissionais responder civilmente pelos seus atos. Este estudo tem como problema de pesquisa a relação jurídica dos cirurgiões dentistas e seus pacientes, que tem como consequências rotineiras disputas judiciais. É também objeto dessa pesquisa estabelecer fatores que justificam a reparação do dano civil, no exercício da odontologia, seja na obrigação de meio ou de resultado. 11 A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a relação jurídica do cirurgião dentista e seu paciente e como objetivos específicos concretizar essa relação jurídica, por meio do estudo de conceitos, de características, princípios e como a doutrina e a jurisprudência trata o tema. O interesse pelo estudo do presente tema tem o propósito de tornar mais transparente a relação entre as partes envolvidas e facilitar o entendimento dessa relação pelas partes e pelos estudiosos do direito. Estabelecer, então, uma obrigação jurídica na relação cirurgião dentista e paciente e contribuir por meio de pesquisa bibliográfica do estudo das leis e da jurisprudência no esclarecimento das obrigações dessa relação. Esta monografia é embasada numa pesquisa de cunho bibliográfico que foi desenvolvida a partir de material já elaborado e publicado. Como ponto de partida, esse trabalho se estrutura da seguinte forma: apresenta-se a introdução que discorre de forma geral sobre o trabalho, apresentando os objetivos e a metodologia da pesquisa. Dando continuidade, no primeiro capítulo trata-se da odontologia e seu breve histórico, que sai do empirismo, chegando ao estado de ciência atual. Em seguida, trata-se da sua base legal infraconstitucional, com fundamento jurídico de validade na CRFB/88 art XIII e a relação inicial entre o dentista e o paciente. No capitulo dois, aborda-se os princípios do contrato na relação dentista paciente, as suas características, conceito, e a utilização do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) por cirurgiões dentistas em atividades clínicas. A responsabilidade civil na ótica do CDC é tratada na sequência, no terceiro capitulo, permeando a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais com a inversão do ônus da prova. Em seguida foram apresentadas a conclusão e as referências. Espera-se que os resultados do presente estudo contribuam com o conhecimento dessa temática, tanto para os operadores do direito como para os dentistas, que, porventura, se depararem com algum conflito no campo profissional dentista-paciente. 12 1 ODONTOLOGIA O primeiro capitulo pretende abordar o histórico da odontologia, sua base legal presente na Lei nº 5.081,de 24 de agosto de 1966, que tem como fundamento jurídico de validade o art 5º inc XIII da CRFB/88 e tratamento odontológico em sua discussão acerca da responsabilidade civil do dentista na obrigação de meio ou de resultado. 1.1 Histórico A Odontologia possui suas peculiaridades no tocante ao seu desenvolvimento, sendo de grande importância a explicação desses pontos a fim de possibilitar a compreensão do atual posicionamento da profissão, bem como o entendimento e elucidação de seus problemas. De acordo com Cunha (1952p.167): a trajetória da Odontologia fez-se como um grande rio:nasceu na Mesopotâmia, ganhou o velho Egito e correu até o Mediterrâneo, atravessou-o chegando à Grécia, inflectiu-se depois até Roma d onde seguiu para a Península Ibérica, chegou à França, Alemanha e Inglaterra e transpôs o Oceano Atlântico, espraiando-se pela América, sendo que nesse longo curso de alguns milênios, foi recebendo, em seu demorado percurso, afluentes importantes, lançando braços nas mais variadas direções, até chegar ao colosso admirável da atualidade. A Odontologia, denominada em seus primórdios como Arte Dentária, nasceu na Pré-História, porém seus registros mais antigos datam de 3500 a.C., na Mesopotâmia, onde é possível encontrar, nas inscrições da época, uma menção do que seria o verme responsável pela destruição da estrutura dentária, o gusano. No Brasil a Odontologia, como as demais ciências da área da saúde, percorreu várias etapas no decorrer de sua trajetória, passando pelo Précientificismo, nos séculos XVI e XVII, até o surgimento de escolas especializadas na prática odontológica, iniciando, assim, a fase Científica. A evolução da formação dos profissionais e da própria profissão no Brasil, assim como o início do ensino regulamentado da Odontologia no país, foi mais lenta, vez que as Faculdades de 13 Odontologia no Brasil foram regulamentadas depois das Faculdades de Odontologia em outros países da Europa, porque o Brasil era um país novo. Portanto, apesar da fiscalização vigente em cada época, no Brasil, o exercício da Odontologia, ficou por muito tempo nas mãos de escravos, negros e mulatos sem estudos e sem técnicas. O ano de 1884 marcou a criação oficial do Curso de Odontologia nas Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro através do Decreto nº 9.311, promulgado por sua Majestade, o Imperador D. Pedro II, em 25 de outubro. Pela sua importância, o dia 25 de outubro, ficou sendo o "Dia do Cirurgião-Dentista Brasileiro". Essa vitória contou com a importante colaboração do então diretor da Faculdade de Medicina do Rio Vicente Cândido Figueira de Sabóia e do professor preparador Thomas Gomes dos Santos Filho, os quais criaram um texto dentro dos Estatutos das Faculdades de Medicina do Império, o que ficou conhecido como a "Reforma Sabóia”. A partir daí, foi dado grande impulso ao desenvolvimento da Odontologia moderna, com o aprimoramento do ensino e da tecnologia. Em 1951 surgiu, finalmente, a primeira regulamentação do exercício profissional da Odontologia através da Lei nº 1.314, de 24 de agosto. “Art. 1º. O exercício da profissão de odontologista no território nacional só será permitido aos que se acharem habilitados por título obtido em Escola de Odontologia, oficialmente ou legalmente reconhecida, devidamente registrado na Diretoria do Ensino Superior e anotado, sucessivamente, no Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e na repartição sanitária estadual competente ”. Finalizando, como a Lei nº 1.314/51 não permitia ao cirurgião-dentista realizar hipnose, houve um movimento para sua mudança, fato esse que ocorreu em 1966, mais precisamente em 25 de agosto daquele ano, com a promulgação da Lei nº 5.081, que está em vigor até os dias atuais, regulamentando o exercício da odontologia no território brasileiro. Passou, então, a Odontologia a ser, definitivamente, uma profissão, isto é, uma atividade especializada, de caráter permanente, em que se desdobra o trabalho total realizado em uma sociedade. A partir de então se observou um rápido crescimento da profissão, exemplificado pela abertura de inúmeros cursos de graduação e pós graduação, bem como um grande salto científico e tecnológico. 14 1.2 Base legal O exercício da Odontologia é regulado pela Lei nº 5.081, de 24 de agosto de 1966, que tem como fundamento jurídico de validade o art 5º inc XIII da CRFB/88 é livre o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Diferente de outros países, no Brasil a odontologia tem autonomia própria, não sendo concebida como uma parte da Medicina. A Odontologia é uma profissão regular, com fácil entendimento de sua responsabilização. Quando se entende qual a obrigação do profissional, é mais fácil compreender quando e por que ele será responsabilizado. A resolução CFO-22/2001, em seu capitulo I, art.1º define o que é uma especialidade odontológica. Art. 1º. A especialidade é uma área específica do conhecimento, exercida por profissional qualificado a executar procedimentos de maior complexidade, na busca de eficácia e da eficiência de suas ações. O art. 4º, do mesmo dispositivo, elenca as especialidades odontológicas passíveis de registro no órgão de classe, pois foram autorizadas pelo Conselho Federal de Odontologia: Cirurgia e Traumologia Buco-Maxilo-Facial; Disfunção Têmporo-Mandibular e Dor-Orofacial; Radiologia Odontológica Dentística; Endodontia; Estomatologia; e Imaginologia Dento-Maxilo-Facial; Implantodontia; Odontologia Legal; Odontologia do Trabalho; Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais; Odontologeriatria; Odontopediatria; Ortodontia; Ortopedia Funcional dos Maxilares; Patologia Bucal; Periodontia; Prótese Buco-Maxilo- Facial; Prótese Dentária; Saúde Coletiva. A relação profissional - paciente envolve, fundamentalmente, três aspectos significativos: a conduta clínica, os aspectos éticos e os parâmetros legais. Esses três instrumentos auxiliam no estabelecimento de uma relação baseada em direitos e deveres, para que os objetivos do tratamento odontológico sejam atingidos e preservados. 15 1.3 Tratamento odontológico Antes de iniciar a discussão acerca da responsabilidade civil do dentista na obrigação de meio ou de resultado, é fundamental entender o tratamento odontológico em si, o processo de diagnóstico e planejamento de um caso, quais as dificuldades a serem enfrentadas pelo profissional e as variáveis biológicas e comportamentais que podem influenciar no sucesso do tratamento. Ao entendermos a dinâmica desse trabalho, em todas as suas fases, de forma simplificada, fica mais fácil analisar de que forma a responsabilidade civil deve ser aplicada ao trabalho destes profissionais. O tratamento odontológico vai atuar nos dentes, nos ossos, na derme e epiderme da face e nos componentes do sistema mastigatório, unidade funcional complexa e refinada responsável pela mastigação, fala e deglutição. Cada dente é altamente especifico de acordo com a sua função. As interações exatas entre a maxila e a mandíbula e a disposição dos dentes dentro dessas estruturas são extremamente importantes e influenciam grandemente a saúde do sistema mastigatório como um todo. Uma pessoa pode ter um sorriso agradável, mas com função prejudicada e vice-versa, mas na maioria das vezes as duas queixas estão presentes, o que pode provocar muitos incômodos no indivíduo, tais como: discriminação por causa da aparência facial, dificuldades de mastigar, deglutir ou falar, distúrbios na articulação temporomandibular, susceptibilidade maior ao trauma, à doença periodontal e à cárie. Após a consulta inicial, ocasião em que o profissional coleta dados do paciente, examina-o, ouve sua queixa e prescreve exames específicos para estudo, ele fará o diagnóstico do caso, que consiste no estudo e interpretação dos dados pessoais, das radiografias e do exame clínico. 16 2 QUESTÕES CONTRATUAIS DA RELAÇÃO DENTISTA PACIENTE O segundo capítulo aborda princípios do contrato na relação dentista paciente, as suas características, conceito, e a utilização do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) por cirurgiões dentistas em atividades clínicas. 2.1 Princípios Os princípios informadores do direito contratual são carregados da mudança de foco experimentada pelo Direito Civil, onde prevalecem os interesses da pessoa humana em lugar dos bens patrimoniais. Para Gagliano (2006, p.27), “Os princípios são ditames superiores, fundantes e informadores das regras do Direito Positivo. Pairam sobre todo o ordenado, dando-lhe significado legitimador e validade jurídica”. Os princípios mais importantes, rotineiramente citados pelos doutrinadores são os: da autonomia da vontade, do consensualismo, da relatividade dos efeitos, da obrigatoriedade, da obrigatoriedade dos contratos e da boa-fé. O princípio da autonomia da vontade descreve a liberdade na contratação e parte da premissa de que a vontade de ambos os contratantes tem o mesmo peso e que a contratação é lícita e legítima pelo fato de respeitar a vontade de cada um. A pessoa humana, enquanto ser dotado de personalidade e como cidadão livre é dado a pactuar nas condições que julgar adequadas, contratando como, com quem e o que desejar. Trata-se da possibilidade de dispor cláusulas, moldar o conteúdo do contrato e criar, inclusive, novas modalidades de contrato, vale dizer, os contratos atípicos. Diniz (2013, p.495) diz que “toda doutrina é unânime em salientar que a declaração de vontade é elemento essencial para o negócio jurídico”. O princípio da autonomia da vontade admite terem os indivíduos, desde que constituídos de capacidade jurídica, o poder de praticar atos e assumir obrigações de acordo com a sua vontade. Esse princípio é baseado na liberdade das partes de contratar, de 17 disciplinar seus interesses, de escolher forma de contratar. A liberdade contratual é prevista no art. 421 do Código do Civil: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Gonçalves (2006, p.22) relata que de acordo com princípio do consensualismo, basta o acordo de vontades para aperfeiçoar o contrato . Confrontando-se ao formalismo e ao simbolismo que vigoravam em tempos primitivos, decorre da moderna concepção de que o contrato resulta de consenso, do acordo de vontades, independente da entrega da coisa. Embora se tenha visto que o contrato nem sempre deve ser cumprido, o princípio da força obrigatória continua válido e daí o acerto em dizer que o contrato vincula as partes. Quer isso dizer que a convenção contratual não poder gerar efeitos jurídicos senão em relação às figuras dos contratantes, descrevendo então o princípio da relatividade dos efeitos do contrato. Diniz (2014, p.125) defende a ideia de que os efeitos do contrato só alcançam as partes que pactuaram, os contratantes que manifestaram sua vontade, não afetando terceiros. Também conhecido como pacta sun servanda, o princípio da obrigatoriedade dos contratos foi relativizado pelo direito moderno quando ordena que a interpretação deve sempre utilizar as regras de equidade, equilíbrio contratual, boa-fé e função social do contrato. Diniz (2014) ressalta que o princípio da obrigatoriedade dos contratos traz à baila a força vinculante dos contratos, garantidora de uma segurança jurídica, de uma certeza de que o homem irá cumprir a sua palavra. O princípio da boa-fé requer que as partes adotem uma conduta correta e leal enquanto perdurar o contrato, desde antes de sua assinatura até o pós-contrato. Conforme Diniz (2013 p.52): Intimamente ligado não só à interpretação do contrato - pois segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes – mas também no interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade, honestidade, honradez, probidade,(integridade de caráter), denoto e confianças reciprocas, isto é, proceder com boa fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, respeitando o outro contratante, não traindo a confiança depositada, procurando cooperar, evitando o enriquecimento indevido, não divulgando informações sigilosas etc. 18 A regra da boa-fé auxilia na solução de uma lide e sempre deve ser levada em consideração pelo juiz, pois é um critério que encontra assento em todo o moderno ordenamento civilista. Em muitos pontos, o novo Código Civil (2009) faz referência explicitamente à boa-fé como um princípio basilar considerado como conduta imprescindível proclamada tanto na doutrina como pela jurisprudência. Art. 422: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Art. 113: Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Art. 187: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. No Código de Defesa do Consumidor, a boa-fé também é tratada como princípio a ser seguido: Art. 4º, III: Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo (...), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Art. 47: As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Art. 51, IV: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que : (...) estabeleçam obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. A boa-fé é subdividida pela doutrina em objetiva e subjetiva. A primeira consiste em uma regra de comportamento ético exigida juridicamente. A segunda é uma situação psicológica, um ânimo do contratante de cometer um ato sem ter consciência do vício que pratica. Entenda-se que a boa-fé aqui tratada será sempre a objetiva. Assevera Gonçalves (2006, p.33): Recomenda o juiz que presuma boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada, por quem a alega. Deve este, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva, que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, 19 com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comuns atendidos as peculiaridades dos usos e costumes do lugar. A boa-fé objetiva impõe a observância de deveres tanto ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo de uma relação obrigacional. Tais deveres subdividem-se em dever jurídico principal, que é a obrigação em si e em deveres jurídicos sucessiveis, tais como: dever de lealdade, dever de confiança, dever de assistência, dever de sigilo, dever de informação, etc. Entende-se que a boa-fé, ao postular um padrão de conduta do contratante, delimita sua esfera de liberdade. E isso para que o contrato seja presidido pelo ideal do equilíbrio e alcance os objetivos almejados por ambas as partes, sem ofensa à ordem pública. Assim, de posse do conhecimento acerca dos princípios que regem qualquer relação contratual, especifica-se o estudo abordando a relação contratual do dentista com o seu paciente. 2.2 Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) por cirurgiões dentistas em atividades clinicas YARID, et al (2006), definem o uso do TCLE por cirurgiões dentistas em atividades da seguinte maneira: O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), é direito do paciente e dever do profissional, é um documento utilizado em pesquisas envolvendo seres humanos e em procedimentos assistenciais (diagnósticos e terapêuticos). Por meio dele, o paciente confirma voluntariamente sua disposição a aceitar o tratamento de forma consciente e responsável, conhecendo suas consequências, seus riscos, benefícios e desconfortos envolvidos e, além disso, visa proteger a autonomia dos pacientes. Nele atestam estar cientes de suas condições, como sujeitos de pesquisa. Na área assistencial, o consentimento informado é frequentemente utilizado com a finalidade de registrar adequadamente as informações que o paciente recebeu sobre os procedimentos e as condutas a serem realizados assim como dos benefícios, riscos e desconfortos associados. O TCLE tem fundamental importância na prática odontológica, protegendo os cirurgiões dentistas contra possíveis processos judiciais de pacientes mal intencionados. O documento também protege os pacientes dos cirurgiões dentistas que não fornecem informações de fundamental importância. Na condição de leigos, muitas vezes, eles não são devidamente informados a respeito do tratamento, 20 principalmente em relação às possibilidades de insucesso, mesmo sendo executado de forma correta. É importante ressaltar que o TCLE não deve ser documento padrão, no qual o cirurgião dentista apenas substitui o nome do paciente. Deve ser particularizado, conforme cada caso, e trazer detalhadamente as condições do paciente e a efetiva necessidade de realização do tratamento de acordo com suas condições clínicas. Por isso, é preciso que o termo seja elaborado detalhadamente e o seu conteúdo seja conciso, verdadeiro e de fácil entendimento por parte do paciente, cabendo ao profissional também apresentar um balanço entre os benefícios e riscos e indicar o grau de eficácia. O TCLE deve ser coletado antes da prática de qualquer atividade clínica. Deve ser livre, voluntário, consciente, não comportando vícios e erros; não pode ser obtido mediante prática de coação física, psíquica ou moral por meio de simulação ou práticas enganosas ou quaisquer outras formas de manipulação impeditivas da livre manifestação da vontade pessoal. Deve ser preenchido em duas vias, ambas identificadas com o nome do paciente e do representante legal, se houver, datadas e assinadas, sendo uma retida pelo cirurgião dentista e outra arquivada pelo paciente ou por seu representante legal. O esclarecimento se manifesta em beneficência ao proporcionar o tratamento mais adequado ao paciente, obtendo, em decorrência deste, a sua conivência, o seu aceite sem repressões, de forma natural e livre, ou seja, seu consentimento esclarecido. 2.3 A relação dentista paciente Passada a fase de diagnóstico e plano de tratamento, nasce uma relação de confiança entre o profissional e o paciente e no momento que o paciente permite que o profissional realize o tratamento odontológico, nasce a relação contratual. Para Diniz (2013, p. 32), “o contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de 21 interesses entre as partes”. O contrato é espécie do gênero negócio jurídico e é um dos mais importantes institutos do nosso ordenamento, gozando de autonomia dentro do Direito Civil, o que nos obriga a analisá-lo sistematicamente, embora tenhamos que fazê-lo de forma sucinta. Para um negócio jurídico e, consequentemente, um contrato – gerar efeitos no mundo jurídico é preciso que obedeça aos pressupostos de Existência, Validade e Eficácia. Para um contrato existir, quatro elementos se fazem necessários, quais sejam: um sujeito, a manifestação de vontade desse sujeito, um objeto e uma forma para se exteriorizar. Existente um contrato, este precisa ser válido, o que só acontece quando o sujeito é capaz de manifestar vontade por meio de um contrato, o que deve ocorrer de forma livre. A forma deve ser permitida por lei e o objeto do contrato deve ser licito, possível e determinável. E finalmente, para ser eficaz, nada pode limitar a produção de seus efeitos, como um termo, uma condição ou um encargo em seu bojo. De posse desses conceitos, analisaremos o contrato entre dentista paciente, descortinando a sua natureza jurídica. Os sujeitos dessa relação são o profissional e o paciente, que é representado pelos pais, nos casos de menoridade. A vontade é manifestada quando o paciente (ou seus responsáveis) permite que o dentista execute alguma intervenção dental específica desse profissional, o que sempre ocorre de forma livre, por razões lógicas. Seu objeto é o tratamento odontológico: lícito, possível e determinável. É um contrato de natureza consensual, pois o simples consentimento o aperfeiçoa, sem que precise a entrega de algo imediatamente. Diniz (2014, p.111) afirma que “atualmente não há rigorismo de forma, pois a simples declaração volitiva, tem o condão de estabelecer o liame obrigacional entre os contraentes, efeitos jurídicos independentemente da forma que se revista. ” Não precisa obedecer a nenhuma formalidade, é não-solene, a forma é livre, podendo ser escrito ou verbal. O contrato escrito se utiliza de um instrumento contratual, um documento para expressar suas cláusulas. O dentista, em regra, ao iniciar o tratamento mediante a assinatura de um contrato, onde ele esclarece sobre alguns riscos, explica como transcorrerá o tratamento, condiciona o sucesso à cooperação do paciente, prevê um prazo para o tratamento, as formas de 22 pagamento, dentre outros. Ou seja, ele vai inserir no contrato alguns elementos cuja obrigação pertença ao paciente, chamados de acidentais. Por exemplo, se o profissional prescreve ao paciente o uso de aparelho móvel 8 horas por dia ou uso de elásticos intermaxilares intermitentes, o paciente não poderá responsabilizar o dentista pelo insucesso do tratamento. O mesmo acontece se o paciente não comparecer às consultas agendadas, não mantiver uma boa higiene bucal. São elementos acidentais, condições, que podem ser colocadas no contrato escrito e preservam o profissional em futura ação de responsabilização. Entretanto, a existência de contratos formais ou solenes não é a regra em nosso direito, pois o princípio da liberdade da forma é regulador de todos os negócios jurídicos. Assim, o contrato também pode ser verbal, porque a forma de contrato é, essencialmente, livre. Essa categoria de negócio celebrado de forma verbal, tácita, é chamado ad probationem, onde é preciso a prova do ato jurídico, que pode ser por meio de testemunhas. O Código Civil (2002) no art. 227 Brasil, também traz a mesma limitação diferindo apenas quanto ao valor. Art.227. Salvo nos casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados. Parágrafo Único. Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhal é admissível como subsidiaria ou complementar da prova por escrito. Veja-se, portanto, que apesar de permitido pelo regramento pátrio, o contrato verbal não deve ser a opção de escolha quando o dentista vai firmar um contrato com o paciente. Por ser um tratamento de custo elevado, a prova exclusivamente testemunhal pode ser abolida em sede de ação de responsabilização. Tal limitação prejudica o profissional, que pode ter a inversão do ônus da prova autorizada pelo juiz, não ter como alegar nenhuma excludente de responsabilidade a seu favor e também ao paciente que, sem um contrato escrito, não pode demonstrar os deveres firmados pelo profissional. Por ser contrato que rege a prestação de um serviço efetuado por um profissional liberal, está sob o manto legal das regras do Código Civil, já que não segue leis trabalhistas, nem lei especial. As regras do Código Civil têm caráter residual. Esse manto confere a ele a natureza onerosa, posto que realizado 23 mediante pagamento, retribuição. O art. 594 do Código Civil: lei n°10.406-2002, dispõe que: “Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição. ” O paciente efetua o pagamento ao dentista da forma acordada entre as partes, que conhecem as respectivas obrigações. O valor cobrado dependerá da complexidade do caso, da qualificação do profissional e da qualidade dos materiais utilizados. Não é um contrato aleatório. Trata-se de um contrato bilateral, pois há duas partes contratantes, com prestações simultâneas, direitos e deveres. Há entre as partes uma relação jurídica, que nada mais é do que uma relação social regulada pelo Direito, onde há uma troca de atribuições. É, pois, dizeres de Giostri (2009, p.18) “a relação jurídica entre o dentista e paciente gera um fato social de caráter externo, que se submete à regulamentação quer o Código de Ética, do Código do Consumidor ou da ordem jurídica como um todo” . Seguindo nas características do contrato em estudo, destaca-se a atipicidade, vez que é criado pelas partes, com características próprias, individualizado de acordo com o caso clínico. O Código Civil, no art. 425 aduz que: “É licito às partes estipular contratos atípicos, observada as normas gerais fixadas neste Código”. É também principal por que não depende juridicamente de outro contrato; é de duração, porque se protai no tempo e pode ter um prazo de tratamento alargado ou reduzido a depender da conduta das partes; é intuitu personae, quando o contrato é firmado pessoalmente entre as partes e não com uma pessoa jurídica. Conclui-se então, que o contrato firmado entre dentista e paciente é de natureza consensual, não solene, onerosa, comutativa, bilateral, atípica, principal, de duração, por prazo estipulado e intuitu personae. Dessa relação decorrerá uma responsabilidade contratual. Da relação contratual surge para o dentista uma obrigação de fazer. Se a obrigação for descumprida, o juiz pode, em sede de responsabilização, fixar um prazo para o cumprimento, as perdas e danos, por meio de indenização. As relações são baseadas na confiança e quando ocorre a perda da confiança, é pouco provável que o paciente decida continuar o tratamento, pois ocorrerão as lides que se resolvem com indenização. 24 Configurada a relação jurídica contratual que envolve o dentista e o paciente, segue a análise de um dos temas mais polêmicos em sede de responsabilidade civil: definir a natureza da obrigação do dentista, se de meio ou de resultado. 25 3 DEVER JURÍDICO ORIGINÁRIO E SUCESSIVO NA ODONTOLOGIA Trata-se nesse capítulo da responsabilidade civil na ótica do CDC, permeando a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais com a inversão do ônus da prova. 3.1 Obrigação de meio ou de resultado Firmado o contrato profissional-paciente, o profissional passa a ter uma obrigação de fazer, que pode ser de meio ou de resultado. Para Pinto (2010, p.156), “Obrigação de meio é aquela em que o devedor se compromete a empregar todos os seus esforços e habilidades na busca da prestação convencionada. ” A obrigação de meio acontece quando o profissional não se compromete a um resultado especifico. Ele assume um dever de usar todos os meios e recursos disponíveis para alcançar o melhor resultado. Ou seja, ao exercer a atividade, o contratado não se obriga à ocorrência do resultado, apenas age na intenção de que ele aconteça. Requer que exista prudência, lealdade, diligencia na prestação desse serviço. É o caso, por exemplo, dos médicos que não se obrigam a curar, mas a tratar bem dos enfermos, fazendo uso de seus conhecimentos científicos. Se a obrigação assumida por esses profissionais fosse de resultado, seriam eles responsabilizados civilmente se o paciente viesse a falecer. Pinto (2010, pag.156) destaca que “obrigação de resultado nessa modalidade o devedor se obriga ao bom êxito, ou seja, ele se compromete com o resultado. ” A obrigação de resultado é aquela em que o profissional se compromete com um resultado, independentemente de qualquer intercorrência. Nas obrigações de resultado, o profissional obriga-se a oferecer o resultado esperado, e se isso não ocorrer, ele responde objetivamente. 26 Quando a obrigação é de resultado, o obrigado ou devedor dele se exonera quando o fim prometido é alcançado. Não o sendo, é considerado inadimplente, devendo responder pelos prejuízos decorrentes do insucesso. Exemplo é a obrigação assumida pelo cirurgião-plástico, por realizar trabalho de natureza estética, assumindo o risco do resultado. A lei não traz uma distinção de quais são as obrigações de meio e de resultado. A natureza da obrigação contraída aparecerá ao se avaliar o contrato pactuado, a intenção das partes ao firmá-lo, o tipo de tratamento realizado e os meios disponíveis de efetuá-lo. Deve ser avaliado se o resultado almejado depende apenas do profissional, o que configura a obrigação como de resultado ou se há fatores que podem intervir no resultado, o que atrai a obrigação do profissional para o território dos meios. O código civil de 1916, em seu art. 1545 colocava no mesmo patamar de responsabilização os médicos, dentistas e farmacêuticos. A odontologia era analisada no mesmo plano de responsabilidade das outras da área de saúde, mesmo tendo autonomia como profissão. O nosso atual código civil também os coloca em nível de igualdade e trata desse assunto no artigo 951, que faz alusão aos artigos 948, 949, 950. O artigo 951, que se refere a indenizações em casos de lesões, embora não traga expressamente a expressão dentista, entende-se que está referindo-se aos profissionais médicos em geral, por usar o termo “paciente”. Art. 951, CC: O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício da atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. Giostri (2009, p. 212), estudiosa da questão da responsabilidade civil do cirurgião dentista, faz uma importante observação acerca dessa questão: A responsabilidade dos profissionais da odontologia não é apenas um simples decalque a responsabilidade dos profissionais da Medicina, como poderia se pensar à primeira vista. Conquanto lhe sejam aplicáveis os mesmos princípios básicos, bem assim a matéria relativa à doutrina à jurisprudência, todavia, a especificidade de sua área implica, como consequência, uma adaptação daqueles princípios aos casos concretos da seara odontológica. 27 A maioria dos doutrinadores entende que a obrigação dos dentistas é de resultado, diferente da obrigação dos médicos, que é de meio. Isso porque o tratamento dentário em geral é menos complexo e mais previsível, o que não ocorre com as intervenções medicas. Para Gagliano (2006, p.224), a atividade odontológica poderá ser considerada de resultado se tiver somente fins estéticos. Todavia, ele reconhece que determinadas intervenções para o tratamento de patologias bucais devem ser enquadradas como obrigação de meio, por ser impossível em tais casos, por razões óbvias, garantir o restabelecimento completo do paciente. Cavalieri Filho (2007, p.376) entende que em relação aos médicos a obrigação é de meio e quanto aos dentistas, a obrigação é de resultado, porque são tratamentos menos complexos e mais regulares, como a obturação de um dente, o tratamento de canal que permitem que se assegure um resultado especifico. Mas, ele também ressalta que na profissão do dentista é mais frequente a preocupação com a estética, tornando assim uma obrigação clara de resultado, pois a boca é uma das partes do corpo mais visíveis, e qualquer falha nos dentes, influência negativamente a estética de uma pessoa, que passa a não se relacionar da mesma forma com as pessoas, trazendo incômodos permanentes. Silvio Rodrigues (2007, p.275) observa que o problema é identificar quando a preocupação com a estética é predominante, pois em muitos casos, as preocupações com a estética e com a cura se encontram tão entrelaçadas, que só a análise do caso concreto pode dar subsídios para analisar o desempenho do profissional. Vê-se que a doutrina vem adotando a concepção da obrigação de resultado, dando origem muitas vezes a sentenças judiciais. A exceção é quando um profissional da área de saúde resolve mergulhar no mundo jurídico ao estudar a responsabilização. Nesses casos, a obrigação do dentista é defendida como, predominantemente, de meio. A Odontologia evoluiu nos últimos 100 anos nos aspectos científico e tecnológico, expandiram-se as especializações do profissional sendo preciso acompanhar tais avanços, deixando para trás paradigmas antigos de que a obrigação do dentista é sempre de resultado, diferentemente da dos médicos que era e continua sendo de meios na maioria de suas especialidades. 28 Há controvérsias quando se trata de fixar a responsabilidade do dentista, tanto na doutrina como na jurisprudência. Ora, a responsabilidade do dentista é tida como de meio porque o sucesso do tratamento vai depender de vários fatores adversos à sua vontade, em outras opiniões, ela é tida como resultado. Quando a obrigação é considerada de resultado, pouco importa a aferição da culpa para que o profissional seja responsabilizado. É bom ressaltar, todavia, que mesmo já havendo precedente do STJ para o caso de cirurgiões dentistas, há ainda muita discussão sobre a matéria. Ilustram bem a grande controvérsia sobre o tema, se obrigação de meio ou de resultado (responsabilidade objetiva) os seguintes julgados, das variadas Cortes do país, os quais também traduzem os conflitos da técnica jurídica quanto ao tema: RESPONSABILIDADE CIVIL. TRATAMENTO ORTODÔNTICO. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. Condenação do réu a indenizar por não ter, em razão da imperícia, alcançando o resultado esperado do tratamento. Recurso provido em parte. (TJSP – Ap. Cív. 1749814600 – 2ª C. de Direito Privado – Rel (a). Morato de Andrade- j. em 05/03/2007). Nesse julgado o ortodontista é avaliado como tendo uma obrigação de resultado e por isso cabe a ele indenizar o paciente. Essa concepção é a tradicional que vê o dentista como tendo obrigação de resultado e não faz distinção entre especialidades. O TJ/PR-Ap.Cív.0288984-1-16ªC.Cível.Rel.Guilherme Luiz Gomes- Unânime — j.em 08.06.2005 em acórdão já explanado nesse trabalho demonstrou entendimento, afirmando: [...] Mas ainda que não considerássemos a responsabilidade da requerida como objetiva, o que é inadmissível, não podemos olvidar que o contrato de prestação de serviços odontológicos que envolva, exclusivamente, o aspecto e o serviço estético, tal como ocorre in casu, traz entre si uma obrigação de resultado Analisando esse julgado, vê-se uma interpretação parecida com a que é dada aos médicos: quando envolvem procedimentos estéticos a obrigação é de resultado. O grande entrave a que se considere a ortodontia como sendo uma obrigação de resultado é que apesar de ter um cunho estético forte, há também um grande envolvimento funcional que torna os tratamentos muito variáveis, como expostos alhures. 29 O Metropolitana TJ/PRde 10º C.Cível-AC 0423161-4-Foro Curitiba-Rel.Des.Marcos de Luca Central Fanchin da Região Unânime-j.em 23.08.2007 em trecho de acórdão afirma que: “[...] a profissão de dentista é uma atividade de resultado e não de meio, isto porque o caso refere-se a tratamento ortodôntico, que visa inevitavelmente – além de caráter corretivo – a melhora na estética do paciente, justificado, pois, a necessidade de resultado [...]” O mesmo Tribunal, em 2000, havia decidido que a obrigação do dentista era de meio não de resultado. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO. RESPONSABILIDADE CIVIL DE CIRURGIÃO DENTISTA OBRIGAÇÃO DE MEIO. CULPA. FALTA DE PROVA. INEXISTÊNCIA DE VINCULO CAUSAL ENTRE O RESULTADO E A CONDUTA DO AGENTE. PROVA PERICIAL FRÁGIL. [...] o contrato de prestação de serviços odontológicos assemelhase quanto a sua natureza aos serviços médicos, constituindo uma obrigação de meio e não de resultado. Logo, comprovado que as seqüelas suportadas pelo paciente após o tratamento não foram decorrentes de imperícia, negligencia ou imprudência do profissional, afastado esta o dever de indenizar [...] O TJ/RS – Ap.Civ. 70025230327- 6ª C.Cível- Rel.Liege Puricelli Piresj.em 11.12.2008, em 2008, julgou m recurso de apelação e no acórdão expôs seu entendimento sobre a obrigação do ortodontista. . [...] A obrigação do ortodontista se divide em obrigação de meio e obrigação de resultado. Obrigação de meio porque se obriga a prestar o atendimento necessário para estabelecer a integridade física do paciente e obrigação de resultado, porque este é pré-estabelecido antes do tratamento [...] A concepção aqui foi a de que a obrigação é de meio e de resultado, uma nova interpretação que pode prejudicar a análise da culpa. No mesmo tribunal TJ/RS-10ª C.Cível- Ap.Cível.70022958177- Rel.Paulo Roberto Lessa Franz- j. em 28.08.2008, no mesmo ano, em sede de apelação o entendimento foi de que: [...] A obrigação assumida pelo cirurgião-dentista, em regra, é de resultado e sua responsabilidade é subjetiva, com culpa presumida, sendo do profissional o ônus de comprovar que não agiu com culpa [...] 30 Frequentemente, um ortodontista é requisitado para emitir uma segunda opinião sobre um caso. Esta requisição pode ser sobre um tratamento em andamento ou ainda sobre o resultado final. Cabe ao ortodontista requisitado o ônus de comprovar que o cirurgião-dentista envolvido na lide, pelo seu proceder ou pela técnica empregada, deu azo aos danos sofridos. Ausente, pois, esta prova não há como se responsabilizar o profissional, se este conseguir demonstrar que agiu de acordo com os procedimentos técnicos recomendados para o caso. Não se demonstrado que um dano ocorrido tenha decorrido da falta de diligência no trato com o paciente, não há porque se responsabilizar o profissional pela lesão sofrida. 3.2 A responsabilidade civil na ótica do Código de Defesa do Consumidor: aplicabilidade do CDC O Código de Defesa do Consumidor, instituído pela lei nº 8.078, em 11 de setembro de 1990, tem por base uma garantia constitucional expressa no artigo 5º, inciso XXXII da Lei Maior, que aduz que “O Estado promoverá na forma da lei, a defesa do Consumidor”. A partir daí, criou-se um conjunto de normas especificas aptas a dar equilíbrio e segurança às relações consumeristas. Ada Pelegrini Grinover (2001, p.6) afirma que tal legislação especifica surgiu em nossa sociedade por que: O homem do século XX fez surgir uma nova forma de associativismo: a sociedade de consumo, caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como pelas dificuldades de acesso à justiça. As relações de consumo, frutos desse novo modelo de sociedade permeiam as nossas vidas a todo instante, e o CDC veio para regular as relações jurídicas geradas, fazendo com que o consumidor tenha maior poder de negociação frente às desigualdades costumeiramente encontradas em uma sociedade de massa. A relação dentista-paciente não ficou de fora do âmbito dessa legislação e todas as decisões referentes a situações que os envolvem fundamentam-se em seus artigos. Uma vez consolidada no meio social, é importante identificar inicialmente quem são os protagonistas de uma relação de consumo para que seja possível 31 identificar a atuação do dentista em sua relação profissional. O art. 2º e 3º do referido código traz à baila o fornecedor e consumidor como polos ativo e passivo, respectivamente, dessa relação. O Código define consumidor em seu art. 2º, como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. E em seu art. 3º conceitua com fornecedor “toda pessoa física e jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira (...) que desenvolvem atividades de produção, montagem (...), ou prestação de serviços”. A inserção de serviços no mercado de consumo por parte dos fornecedores faz surdir uma relação de responsabilidade que se manifestará em decorrência contratual) do ou inadimplemento da violação da dos obrigação direitos contratual tutelados pela (responsabilidade ordem jurídica (responsabilidade extracontratual). O surgimento da responsabilidade por parte do fornecedor inverte os polos da relação e o transforma agora em polo passivo. Zelmo Denari (2001, apud GRINOVER, p. 154) firma que: Os consumidores é que figuram o polo ativo da relação de responsabilidade, com vistas à reparação dos vícios de qualidade ou de quantidade dos produtos ou serviços, bem como dos danos decorrentes dos acidentes de consumo. Jurandir Sebastião apud Giostri (2009, p120), afirma que: A doutrina denomina essa conduta processual, em área de saúde, de princípio da carga probatória dinâmica, porque, na medida em que o réu leva para o processo os elementos da prova em seu favor, transfere-se ao autor, na dinâmica dialética do processo, o ônus de fazer prova em contrário, para sustento do pedido inicial. Pela mesma regra, em caso de atendimento ao mesmo paciente, sucessivamente por médicos ou por odontólogos diferentes, a cada um destes cabe o dever de demonstrar como agiu profissionalmente. Amparado dos conceitos, fica fácil visualizar o dentista como polo ativo da relação de consumo, como um fornecedor de serviços, na medida em que presta um serviço odontológico a um consumidor, que o utiliza como destinatário final. O CDC define serviço como toda a atividade remunerada, ainda que esporádica ou eventual. Ao mesmo tempo, ele se tornara o polo passivo de uma relação de responsabilização, em decorrência de um dano no decorrer de um tratamento mal conduzido, por exemplo. 32 Fica claro que tal lei ampara qualquer litígio decorrente dessa relação, pois existe uma relação de consumo, quer o dentista atue como pessoa física ou jurídica. E se o consumidor sentir-se lesado em algum momento do tratamento pode utilizar todos os mecanismos disponibilizados pelo Código de Defesa do Consumidor, buscando sempre que lhe for de direito, até mesmo uma reparação pelos prejuízos provenientes dessa relação de consumo. 3.2.1 A inversão do ônus da prova Nas relações de consumo, a produção de provas é muito importante, pois é por meio delas que o magistrado poderá decidir acerca da reparação. Se não forem produzidas provas eficientes, nada poderá ser feito. Certos da dificuldade para provar fatos contra um profissional liberal que detém conhecimentos técnicos inacessíveis a um leigo, e que para tê-los, precisaria de perícias específicas a serem feitas por outro colega de profissão, o CDC elevou a inversão do ônus da prova a direito básico do consumidor, como uma forma de pôr em equilíbrio as partes no conflito. A inversão do ônus da prova consiste na facilitação da defesa do consumidor, já que, após a queixa do paciente-consumidor, cabe ao profissional demonstrar inverdade nas alegações do paciente. O profissional precisa provar que houve algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo que impediu que o tratamento fosse concluído a contento, eximindo-se de culpa, e consequentemente, de responsabilização, pois a culpa é elemento fundamental para configurar a responsabilização do profissional liberal. Por exemplo, no caso em que há perda de raízes dentárias e problemas periodontais, decorrentes supostamente da utilização de aparelho. A prova pericial nesse caso não consegue ser conclusiva acerca da responsabilidade do ortodontista, uma vez que para se provar as possíveis causas de reabsorções ósseas e radiculares sofridas pelo paciente, seriam necessárias as radiografias anteriores ao início do tratamento. Se o dentista não toma esta precaução de 33 guardar todo o material antes e pós-tratamento, não é possível provar sua inocência, resta presumir verdadeiras as alegações da paciente. Tal inversão está autorizada no inciso VIII, do artigo 6º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que a inclui entre os direitos básicos do consumidor, senão vejamos: Art. 6º.: são direitos básicos do consumidor: VIII. a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, ao seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Entretanto, tal inversão não corre de forma automática, vai depender do julgo do magistrado ao avaliar a circunstância concreta, reconhecer que há hipossuficiência do paciente em relação ao profissional para conseguir provas a seu favor e que suas alegações são verossímeis. Os dois pressupostos precisam estar presentes. A vulnerabilidade do consumidor é consagrada pelo disposto no inciso 1 do artigo 4º, CDC, sendo o “paciente tecnicamente hipossuficiente em relação ao dentista, por não ter condições técnico-científicas para bem apurar e diagnosticar possíveis erros da profissão”. Nessa oportunidade, o dentista deverá comprovar que utilizou todas as regras técnicas, fez o planejamento básico adequado, que a paciente não foi assídua ou não seguiu as regras de higienização, que pudesse levar ao insucesso do tratamento. Conclui-se que a inversão do ônus probatório não dispensa o consumidor (no caso o paciente) da indicação, objetiva e plausível, dos pressupostos da responsabilidade civil aptos a embasar indenização por danos morais e materiais decorrentes de tratamento odontológico realizado por profissional liberal. 3.3 A responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais O código de defesa do consumidor trouxe uma nova área de responsabilidade ao direito brasileiro: a responsabilidade nas relações de consumo. Após a edição 34 dessa lei, a interpretação de um contrato pode ser feita sob dois focos, quais sejam: a responsabilidade tradicional, amparada pelos artigos do código civil (art. 948 a 951 do CC e 186), em que uma pessoa é responsabilizada na medida de sua culpa e pela ótica consumerista, e com base em artigos do CDC, que trouxe a público o importante conceito de parte vulnerável ou vulnerabilidade no contrato. O artigo 14, CDC, traz a tese da responsabilidade objetiva claramente consagrada em seu bojo: O fornecedor de serviços responde, independente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Nesse universo das relações de consumo, adotou-se como regra geral a tese de que o fornecedor responde objetivamente por todos os danos, quer seja por produtos ou serviços, infligidos a um consumidor. É a chamada responsabilidade objetiva ou responsabilidade pelo risco. Não foi fácil e nem rápida, essa introdução da responsabilidade objetiva em um campo totalmente fundado da culpa há muitos séculos. Para se configurar a responsabilidade objetiva temos que encontrar os elementos: conduta ilícita, dano e nexo causal. Só não é necessário estar presente o elemento culpa. Ela pode ou não estar presente, mas é irrelevante para que o fornecedor seja compelido a indenizar o consumidor. Georges Ripert, citado por Cavaliere (2007.pag.128), afirmava que “o Direito Moderno já não iria visar ao autor do ato, porém à vítima”. E foi exatamente o que aconteceu. Como nada é absoluto, existem algumas situações em que o fornecedor se exime do dever de indenizar, quais sejam: provando a ocorrência do caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. A exceção no quesito da responsabilidade civil do CDC ocorre quando se refere à responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, enquadrados pelo CDC como fornecedores, no Art. 2º. Eles receberam tratamento especial, no art.14, §4º, já que, na contramão da evolução da responsabilização sem culpa, eles permaneceram sendo abrangidos pela responsabilidade subjetiva, aquela em que é preciso que se prove a culpa ou dolo do profissional para que ele seja obrigado a reparar o dano. 35 Lei n. 8.078/90, Art.14. o fornecedor de serviços responde, independente da existência da culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 4. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa. (Grifo nosso) Para Ferreira (1975, p.1142), entende-se por profissão liberal: “profissão caracterizada pela inexistência de qualquer vinculação hierárquica e pelo exercício predominantemente técnico e intelectual de conhecimento”. O profissional utiliza de seu conhecimento técnico para desenvolver sua atividade laboral. Ribar (2003, p.64) diferencia o profissional liberal do profissional autônomo e explica que a aquele que presta serviço por conta própria, sem chefe ou livre de subordinação, é um profissional autônomo; aquele que exerce atividade autônoma. Possui qualificação de nível superior e laboram nessa atividade para qual foi qualificado é um profissional liberal. Profissional liberal seria, então uma espécie de profissional autônomo. Para dirimir qualquer dúvida, Ribar (2003.pag.65), elenca as características que diferenciam o profissional liberal das demais categorias: ter formação de nível superior em um trabalho eminentemente intelectual. Seu trabalho ser exercido sem subordinação, de forma individualizada dentro da área técnica na qual ele é formado e que a escolha do profissional por parte do consumidor aconteça pela confiança pessoal e pela qualidade do seu trabalho, de forma personalizada. Nunes (2004, p.328) questiona o porquê de tal privilegio concedido aos profissionais liberais, contemporânea, que em não detrimento receberam de outras atividades tratamento especial, da sociedade tais como: microempresários e artesãos, cuja responsabilidade independe da aferição da culpa. Ele questiona a teleologia específica do art 14, §4º para esclarecer aspectos particulares que envolvem o profissional liberal. Essa discussão ganha corpo neste trabalho, pois o dentista encontra-se entre os clássicos exemplos de profissional liberal e será responsabilizado como tal. 36 O dentista é aquele profissional que tem autonomia em seu atendimento, que realiza procedimentos pessoalmente, cria suas regras e repassa aos pacientes, formula o seu contrato, traça sua rotina, toma suas decisões com independência, sem subordinação, baseado em seus conhecimentos prévios e no que é permitido pela legislação de sua categoria profissional. O principal fator diferenciador apontado por ele é o fato da relação entre o profissional liberal, no qual se insere o dentista quando não atua em empresas, e seu paciente, ser uma relação de natureza intuito personae, onde a confiança é a base subjetiva que o atrai, inspira e sustenta. Zelmo Denari também “explica a diversidade do tratamento em razão da natureza intuito personae dos serviços prestados por profissionais liberais”. A crítica que existe a esse argumento é que na sociedade massificada atual, nem sempre o profissional liberal desenvolve atividades com essa natureza. Nunes (2004.pag.239) conclui a partir da abrangência do art.14, §4º do CDC “”que a responsabilidade do profissional liberal será feita independente do serviço ser prestado com a característica intuitu personae ou não, que independe da atividade exercida ser de ou fim. Que independe do profissional agrupar-se ou não em sociedade profissional””. A jurisprudência dos tribunais tem entendido dessa forma, de acordo com os acórdãos a seguir: A apelação civil. Ação de indenização. Responsabilidade civil. Cirurgião dentista. Culpa não demonstrada. Recurso provido. 1. A responsabilidade civil dentista é subjetiva, dependente de comprovação de culpa, consoante dispõe o art., §4º, do Código de Defesa do Consumidor. (...) (TJPR-Ap. Cív. 0288981-1 Goierê, 16ª C. Civil- Rel. Guilherme Luiz Gomes Unânime- j em 08.06.2005). Tratamento Ortodôntico. CDC. Responsabilidade Civil Subjetiva do profissional responsável. Pressupostos. Negligencia e danos. Não comprovação. NÃO OBSTANTE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR CONSAGRE A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR DE PRODUTOS E SERVIÇOS, A RESPONSABILIDADE DOS 37 PROFISSIONAIS LIBERAIS SUBSISTE ALICERÇADA NA VERIFICAÇÃO DE CONTIDA §4º, NO COMPROVADA A CULPA, DO DA PROFISSIONAL LIBERAL DO NOTADAMENTE ART. PRESENÇA ENSEJADORES CONDUÇÃO CONSOANTE 14 DOS CDC. CONTRATADO NEGLIGÊNCIA NÃO PRESSUPOSTOS RESPONSABILIDADE TRATAMENTO A DO EXCEÇÃO DE CIVIL DO PARA A ORTODONTIA, EM QUE TERIA INCORRIDO E OS DADOS QUE PACIENTE ALEGA TER SUPORTADO, NÃO SE CONFIGURA O DEVER DE INDENIZAR. (TIDF-Ap. Cív. 2004.011.0823863 APC-DF 2ª Turma Cívil-Rel. Carmelita Brasil J.: 17/09/2008). A culpa pode exteriorizar-se de três modalidades: imperícia, negligência e imprudência. A imperícia está caracterizada se o dentista atuar com desconhecimento de normas técnicas básicas, essenciais à sua profissão. É o atuar em uma área que não domina. Esse desconhecimento faz com que ele perca a diligência e previsão. Incorre em imperícia um cirurgião dentista que realiza um tratamento sem a devida especialização e vem a causar danos ao paciente. Mesmo que ele seja um excelente profissional na área de dentística, desconhece a técnica ortodôntica. A imprudência é fazer algo que não devia ter feito, é um agir de forma precipitada, sem cautela, sem medir consequências. É o caso do dentista que extrai o dente diverso do pretendido pelo paciente, por não ter o cuidado necessário. Também quando extrai um dente íntegro, por analisar às pressas a radiografia. Nesses casos, o profissional sabe a técnica dos procedimentos, mas acaba tomando decisões erradas por não analisar com cautela. A negligência manifesta-se como um não fazer algo, se omitindo de ação que deveria ter praticado. É um ato negativo total ou parcialmente. Agindo com imperícia, imprudência ou negligência, de forma que resulte um dano ao paciente, e se este dano estiver ligado por um nexo causal, fica o odontólogo passível de ser responsabilizado por culpa, desde que ela seja provada, já que o art. 14, 4§ diz que a culpa do profissional liberal nunca pode ser presumida. 38 Importante frisar que se o paciente não seguir à risca as recomendações do profissional contratado, não pode pretender que se alcance o sucesso almejado. Há direitos e deveres para ambas as partes. Sob esse aspecto inovou o novo código civil trazendo um novo conceito de culpa, nominada pela doutrina de culpa concorrente, no art. 945: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”. Na culpa concorrente, a responsabilidade do profissional se atenua, pois a vítima também contribuiu com sua própria negligência e imprudência. Mas, é preciso que o profissional consiga provas por meio de prontuários devidamente registrados as falhas que pretende atribuir ao paciente. 39 CONCLUSÃO No decorrer deste trabalho ressaltou-se a importância de uma interpretação mais clara da relação jurídica entre o cirurgião dentista e o paciente. Assim, embora se reconheça a importância das decisões tomadas e que fazem parte da jurisprudência brasileira, sendo aplicadas rotineiramente em favor do paciente, destaca-se a necessidade do estudo da formação do entendimento desses julgados. A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a relação do cirurgião dentista e seu paciente e como objetivos específicos concretizar essa relação jurídica, por meio do estudo de conceitos, de características, princípios e também analisar como a doutrina e a jurisprudência tratam o tema. Acredita-se que os objetivos foram alcançados, uma vez que a relação jurídica dentista paciente, foi analisada por meio de pesquisa bibliográfica que buscou proporcionar maior familiaridade com o tema e esclarecer dúvidas sobre como abordar a problemática, permitindo um entendimento maior sobre o assunto em estudo. Na revisão teórica, constatou-se que a relação jurídica dentista paciente é um tema que vem gradualmente sendo objeto de estudo, por se tratar de um assunto cada vez mais comum nos dias atuais. O estudo da relação jurídica dentista paciente trouxe consigo aspectos relevantes para a compreensão do tema. Assim constatou-se que o paciente, como parte dessa relação jurídica é acolhido pelo Código de Defesa do Consumidor, que impõe ao dentista a categoria de profissional liberal. Diante da importância do tema, fez-se necessário um percurso metodológico, que contou com a realização de uma pesquisa bibliográfica em livros e artigos científicos, desenvolvendo-se um estudo de caráter descritivo. Este trabalho, que visa a analisar a relação jurídica do cirurgião dentista paciente, mostrou que esta relação existe e concretiza-se até de forma tácita, mas sempre fundamentada no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, pois é nesse lastro de fundamentação que as decisões dos tribunais são tomadas. 40 Já os objetivos específicos que pretendiam concretizar essa relação jurídica, por meio da compreensão do estudo de conceitos, de características, princípios e como a doutrina e a jurisprudência trata o tema, constatou-se que o paciente foi acolhido pelo Código de Defesa do Consumidor e sua situação de hipossuficiência estabelecida. Destacou-se também que, embora no passado fosse considerada a atividade odontológica como atividade meio, no momento atual a maioria da doutrina e os julgados consideram a atividade laboral do dentista de fim, onde o resultado final do tratamento deve ser alcançado, conforme pactuado no início do tratamento com o paciente. Verificou-se que embora a relação jurídica seja com obrigação de resultado, a responsabilidade será subjetiva, conforme a regra contida no art.14 §4º do CDC C\C art.951, do cc. Esse entendimento é ratificado pelo STJ em seus julgamentos sobre o tema. Finaliza-se esse trabalho reconhecendo que a relação jurídica dentista paciente é com obrigação de resultado e responsabilidade subjetiva, com culpa presumida. Sendo o paciente a parte hipossuficiente, é rotineiro durante os processos judiciais que o magistrado determine a inversão do ônus da prova. Quando essa situação ocorre em juízo, é dever do cirurgião-dentista provar que o fracasso do tratamento, deveu-se ao caso fortuito, força maior, ou mesmo culpa exclusiva do paciente, para que assim possa se eximir da culpa presumida. . 41 REFERÊNCIAS BRASIL. Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2009. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. CUNHA, E. Salles. 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