O símbolo: chave do diálogo entre culturas Ênio José da Costa Brito índios bororos - http://www.seduc.mt.gov.br/download_file.php?id=428 RESENHA Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião PUC-SP e do Centro Universitário Assunção - UnIFAI 14 moitará I - O simbolismo nas culturas indígenas brasileiras1, organizado por Carlos Byington, reune textos do primeiro Moitará, promovido pela Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, em Itatiaia, no ano de 1978. Moitará, nome escolhido para a reunião anual da Sociedade, designa o encontro para trocas entre as tribos do Alto-Xingu. Organizado em onze capítulos, o livro propõe colocar-nos em contato com símbolos e ritos da cultura indígena à luz da Psicologia Analítica. O título do primeiro texto, O enfoque arquetípico da crise simbólica no Ocidente e a necessidade de símbolos de outras cul- turas, já anuncia a tese defendida por Carlos Byington, que entende ser a crise “não simplesmente decadência, mas sim parte da transformação de nossa fase de dominância arquetípica patriarcal” e sugere que o recurso a “símbolos de outras culturas”, dá-nos parâmetros para avaliar as transformações que ocorrem vertiginosamente na nossa (BYINTON, 2006, p.23) Elege a noção arquétipo para mostrar as entranhas da “crise no Ocidente” e desenvolve um minucioso diagnóstico da mesma. Entre os tópicos desenvolvidos temos: a apresentação de dados para uma compreensão aprofundada de símbolo, psiquê, arquétipo e mito; o exame cuidadoso da fase matriar- www.fatea.br/angulo Eduardo Soligo Ponso, em Considerações sobre algumas inscrições rupestres brasileiras, amplia o conceito de arquétipo para poder compreender, numa perspectiva analítica, a onipresença da imagem da espiral, presente em todas as dimensões do micro e do macrocosmo, mas, especialmente, nas inscrições rupestres brasileiras. Com o objetivo de estudar a trajetória sociocultural e demográfica dos índios Panará, do tronco lingüístico jê, entre 1973-1993, os médicos Roberto Geraldo Barussi, Heloisa Pagliaro e Rebeca de Souza e Santos desenvolvem uma minuciosa pesquisa, relatada no texto, intitulado, Os índios Panará: a busca de sobrevivência. Figuras e tabelas visibilizam os resultados obtidos: elevado índice de crescimento, estabilização dos níveis de natalidade e de- ângulo 114, jul./set., 2008, clínio da mortalidade. Para os pesquisadores, “esse processo se origina de reações do grupo às ameaças a suas existência e de melhoria das condições de saúde”.(BARUSSI et alii, apud BYINTON, 2006, p.134) Até que ponto a realidade psicológica do índio Kamayurá é influenciada pelo mundo mítico? O processo de aculturação está desestruturando sua cosmovisão? Em Universo mítico e realidades psicológicas considerações sobre sonhos Kamayurá, Carlos Roberto Martins Lacz procura responder a estas questões, analisando 160 sonhos colhidos entre os Kamayurá. Os sonhos agrupados por faixas etárias: crianças, adolescentes e adultos, em geral, são curtos, sem deformações oníricas, expressam o que se passa no dia-a-dia e reafirmam a forte presença das estruturas míticas na vida indígena. A fotografa e ativista de causas indígenas, Cláudia Andujar, relata o seu trabalho, com fotografia e desenhos, junto aos índios em Convivência com os Yanomami. Grafismo dos Yanomami. Esta experiência revelou a ela a riqueza cosmológica e mitológica dos Yanomami, fonte da resistência desse grupo. RESENHA cal e patriarcal da Consciência Ocidental; a descrição do Arquétipo de Alteridade; os mitos e sonhos como manifestações simbólicas prospectivas do Arquétipo Central- tese sutilmente ilustrada com o “mito cristão”- e o ponto de inflexão do patriarcalismo, após as duas guerras do século xx. 15 Vivências entre os Bororo, de Sylvia Caiuby Novaes, se propõe a explicitar algumas diferenças entre o mundo bororo e o nosso. Começa por enumerar as diferenças presentes na compreensão da noção do tempo, na organização social, na ausência da noção de poder, no controle demográfico e no consumo de bens. RESENHA A descrição minuciosa do funeral bororo, portador de uma extraordinária força simbólica que leva o indivíduo a voltar-se para dentro de si, finaliza o texto. Pode-se comparar o xamã e o terapeuta? Walter Boechat responde positivamente, em Transferência, tradições e xamanismo . Para ele, “o xamã tem características culturais bem delimitadas, antropologicamente definidas, que podemos definir como arquetípicas” (BOECHAT apud BYINGTON, 2006, p.198). O autor encontra, no pensamento de Lévi¬Strauss, as bases teóricas para estabelecer correlações simbólicas entre o xamanismo e a psicoterapia. Coordenado por Glauco Ulson, o Painel sobre o xamanismo, com a participação de Cláudio Villas Boas, Darcy Ribeiro, Carlos Byington e Walter Boechat entre outros, ofereceu dados, para refinar a visão dessa figura fascinante que é o xamã, ao cruzar experiências vividas e considerações psicológicas. No texto, Símbolo, ritual e desenvolvimento da personalidade - Os símbolos da morte e sua elaboração no funeral Bororo e na psicologia, Byington faz eco à temática da “decadência do Ocidente”, tratada por ele na abertura do livro. Colhe uma nervura dessa crise, a dificuldade do Ocidente de perceber o fenômeno da morte, “como símbolo estruturante da Consciência”, contrasta-a com a elaboração da vivência da morte nos rituais funerários dos Bororo. “A cultura Bororo lida com os símbolos da morte de uma forma ritualística, que permite manter o conteúdo simbólico da perda na continuidade e, com isso preservar a integridade do Self Individual e Coletivo”. (BYINGTON, 2006, p. 244) Para o autor, na dissociação cultural, tão presente em nossa civilização encontra-se a raiz do problema. A cura passa pela supe- 16 ração da dicotomia ciência-religião e seus equivalentes: objetivo-subjetivo e racionalirracional, que impedem que se reconheçam os símbolos de morte, como fundamentais para a transformação do ser. O texto Astronomia de Uaupés de Rangel Nunes apresenta-nos muito brevemente a astronomia e a cosmologia dos índios de Uaupés. Eles têm um modo muito próprio de repartir o céu, dividir e agrupar as estrelas e distinguir as constelações, às quais atribuem nome de bichos. Fechando a “mandala textual”, Darcy Ribeiro, com criatividade, humor e irreverência que lhe era habitual, apresenta o romance de sua autoria, Maíra. O brilhante desvelamento da carpintaria do texto pelo seu autor propiciou uma leitura psicológica, não menos inspirada, por Byington. Muitos são os méritos do livro, a começar pela intuição axial - o símbolo como chave para o dialogo cultural - que explicita a necessidade de resgatarmos nossas matrizes culturais e de nos relacionarmos, emocionalmente, com elas. O contato com o mundo simbólico indígena requer o reconhecimento da “alteridade” e convida-nos a repensar na preservação da integridade do nosso Self Individual e Coletivo. Gradualmente, no decorrer da leitura, nos damos conta das potencialidades dialogais da Psicologia Analítica, potencial idades operacionalizadas ao propiciarem aos participantes do primeiro Moitará, e aos leitores, a oportunidade de entrarem em contato com a lógica sutil presente no mundo indígenas e nos seus fazeres. referência BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho (Org.). Moitará 1- O simbolismo nas culturas indígenas brasileiras. São Paulo: Paulus, 2006. www.fatea.br/angulo