Mês Setembro 2007 - Biblioteca

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LIVRO DO MÊS MAIO – 2010
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NOTA INTRODUTÓRIA DA OBRA*
mendicante e a uma vida sem horizontes” (p. 95). Não é, porém, dessa vida
que se ocupa o livro de Filipe Verde. No capítulo “História e Fontes”, o autor
explica a peculiaridade do trabalho, que apenas incluiu uma visita curta aos
Por que escrevem os antropólogos tão bons livros?
territórios Bororo (as últimas preciosas páginas do capítulo mostram como se
A pergunta, claríssima para quem lê regularmente livros de antropologia,
converteu na “experiência inesquecível” referida nos agradecimentos), durante
é quase absurda para leitores portugueses. Um deplorável defeito da
a qual percebeu definitivamente que o que o levava ali “não era uma
cultura nacional, espelhado fielmente no mercado dos livros, é o
curiosidade de etnógrafo mas de historiador” (p. 91). O interesse histórico foi o
considerável alheamento do saber e dos debates antropológicos que
que o antropólogo criou pela “liberdade individual e paz social” dos Bororo, pela
estão no cerne da experiência moderna do mundo. Basta lembrar que
“singularidade das suas ideias morais”, o fascínio “com o pensamento moral e
nunca se traduziu em Portugal um dos grandes livros do século XX, “Os
com as práticas pedagógicas Bororo” (p. 95) — tudo nascido da leitura dos
Argonautas do Pacífico Ocidental”, de Malinowski, editado em 1922 (em
abundantes textos que etnógrafos e missionários dedicaram à cultura Bororo.
inglês!); ou que está por traduzir o excepcional “A África Fantasma”
É esse o tema, na esteira de Lévi-Strauss e de peritos menos conhecidos na
(1934), de Michel Leiris, ou até, se o tamanho for desculpa, os seus
sociedade Bororo (sonhemos com o dia em que alguém edite uma tradução de
breves e exemplares “Cinco Estudos de Etnologia”.
“Vital Souls”, de J. C. Crocker...), do capítulo-chave desta obra, o terceiro,
O livro de Filipe Verde que a Angelus Novus agora editou, “O Homem
“Naturalismo Ético”. Num ataque sem atenuantes aos métodos interpretativos
Livre: Mito, Moral e Carácter numa Sociedade Ameríndia”, vai decerto
da antropologia clássica, com o autor de “Tristes Trópicos” a aguentar os
ficar como obra maior da antropologia portuguesa — e arrisca-se a
golpes mais duros da crítica, Verde propõe uma releitura do mais famoso mito
passar despercebido fora do meio. Nasceu como tese académica
Bororo, com cuja transcrição abre o capítulo. Trata-se de uma história de
(orientada por Robert Rowland) mas é agora, como o autor quis, um livro
incesto, espécie de Édipo tropical, interessante “na sua literalidade”, pelo modo
que “não tem por leitores ideais antropólogos mas os que, movidos por
como nela “se expressa a violação do interdito sexual e a extrema violência
uma curiosidade humanística eclética, lêem romances, biografias e livros
intrafamiliar que lhe é subsequente” (p. 109). Com apoio teórico de Gadamer, a
sobre, por exemplo, a Igreja medieval, os Quakers, a Revolução
releitura faz do mito via de acesso à cosmologia Bororo, centrada na oposição
Bolchevique ou o Hinduísmo” (p. 12).
entre dois tipos de espíritos, os “aroe” e os “bope”, e na noção de “raka”, força
A sociedade ameríndia em causa é a dos Bororo, habitantes do sudeste
natural que conduz os homens (e os “bope”) à execução dos seus objectivos
do estado brasileiro do Mato Grosso, junto à fronteira com o estado de
biológicos e sexuais.
Goiás. Estão reduzidos a menos de mil pessoas, talvez um décimo da
Esta figura do desejo e do seu efeito anárquico deixa ler no mito a ideia de que
população de há um século atrás: “São uma população assalariada ou
o mundo humano está “minado por todos os lados pela desordem do desejo e
completamente desocupada, onde grassa o alcoolismo a níveis
do conflito” (p. 142), e de que uma “inteligência moral está presente afinal como
alarmantes e que (…) perdeu o orgulho, que deu lugar a uma relação
uma inteligência da natureza” (p. 146). Eis o naturalismo ético que Verde
*Índice disponível em: http://biblioteca.iscte.pt/pdfs/indiceslivros/01000063939.pdf
valoriza, não como curiosidade local, mas, ao contrário, enquanto
NOTA BIOGRÁFICA DO AUTOR
“reflexão que ultrapassa a limitação do seu horizonte cultural”. A
ultrapassagem explica o último capítulo, “Moral e Responsabilidade”, que
é sobretudo uma oportunidade para regressar a Freud, ao Freud da fase
pós-“Totem e Tabu”. A aproximação entre Freud e a visão Bororo do
mundo humano é o passo mais arriscado do livro, mas o mais revelador
da sua ambição bem superior às rotinas da antropologia actual.
Seria um passo impossível sem a admiração que Filipe Verde tem pela
tradição intelectual da “disciplina” em que trabalha. Sê-lo-ia também sem
a sua alta consciência da “componente literária que é indissociável do
trabalho de descrição etnográfica” (p. 85). Porque ela afecta, no cerne,
Filipe Verde nasceu em 1961, fez a sua formação em Antropologia no ISCTE.
uma ideia da antropologia que não aceita menos do que chegar “a tudo o
É Professor no Departamento de Antropologia do ISCTE-IUL e investigador do
que é o mundo verdadeiramente humano e se expressa e encontra
CRIA-CEAS. A sua pesquisa mais recente centrou-se num contexto clássico da
enquanto vida” (p. 58-9). Para que o leitor entenda o que isso implica,
etnografia ameríndia, os Bororo (Brasil), e na teoria e epistemologia da
basta que comece o livro pelo princípio, pelo seu primeiro e
Antropologia.
desbragadamente literário capítulo, esquecendo, ao ler tão belas e
inteligentes páginas, a deficiente revisão de texto que levemente as
prejudica. Esse capítulo chama-se só “Os Bororo” e o seu nome não
O OUTRO LADO…
podia ser outro.
Música preferida?
Gustavo Rubim, Público, 2009/09/11
Clássica, Rock (Talking Heads), ou então coisas desvairadas (John Zorn).
Autor preferido?
NOTA BIBLIOGRÁFICA DO AUTOR*
I. Berlin, M. Weber, H-G. Gadamer, J. G. Merquior, S. Freud, J. Gray.
Na literatura Tolstoi, Melville, Céline.
LIVROS
Autoria:
VERDE, Filipe - Explicação e Hermenêutica. Coimbra: Angelus Novus, 2009.
Livro de referência?
VERDE, Filipe - O Homem Livre: Mito, Moral e Carácter numa Sociedade
Truth and Method, Mal-Estar na Civilização, Guerra e Paz, Moby Dick,
Ameríndia. Coimbra: Angelus Novus, 2008.
Viagem ao Fim da Noite.
PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
Pintor?
Caspar David Friedrich.
VERDE, Filipe - Tambores de mortos? Sobre um estudo etnográfico da
democracia em Ilhéus, a antropologia feita em casa e a falácia do apelo à
crença. Anuário Antropológico. (Maio 2010 - no prelo).
VERDE, Filipe - O código Lévi-Strauss, ou o mundo como correlato objectivo.
Antropologia Portuguesa. (2009).
Clube?
Benfica, claro.
VERDE, Filipe - Os nativos para si, para nós e em si - Roberto Cardoso de
Oliveira e o projecto de uma antropologia hermenêutica. Anuário Antropológico.
(2008). Volume de Homenagem a Roberto Cardoso de Oliveira.
*O levantamento bibliográfico apresentado foi seleccionado pelo autor.
NOTA: Esta iniciativa só se tornou possível com a total colaboração do Doutor
Filipe Verde, pela mesma a DSBD apresenta o seu agradecimento.
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