SISTEMA DE EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA A DISTÂNCIA PROURGEN PROGRAMA DE ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA DE URGÊNCIA ORGANIZADO PELA SOCIEDADE BRASILEIRA DE CLÍNICA MÉDICA Diretor científico Antonio Carlos Lopes Diretores acadêmicos Hélio Penna Guimarães Renato Delascio Lopes Artmed/Panamericana Editora Ltda. PROURGEN | PORTO ALEGRE | CICLO 1 | MÓDULO 4 | 2008 Os autores têm realizado todos os esforços para localizar e indicar os detentores dos direitos de autor das fontes do material utilizado. No entanto, se alguma omissão ocorreu, terão a maior satisfação de na primeira oportunidade reparar as falhas ocorridas. A medicina é uma ciência em permanente atualização científica. À medida que as novas pesquisas e a experiência clínica ampliam nosso conhecimento, modificações são necessárias nas modalidades terapêuticas e nos tratamentos farmacológicos. Os autores desta obra verificaram toda a informação com fontes confiáveis para assegurar-se de que esta é completa e de acordo com os padrões aceitos no momento da publicação. No entanto, em vista da possibilidade de um erro humano ou de mudanças nas ciências médicas, nem os autores, nem a editora ou qualquer outra pessoa envolvida na preparação da publicação deste trabalho garantem que a totalidade da informação aqui contida seja exata ou completa e não se responsabilizam por erros ou omissões ou por resultados obtidos do uso da informação. Aconselha-se aos leitores confirmá-la com outras fontes. Por exemplo, e em particular, recomenda-se aos leitores revisar o prospecto de cada fármaco que planejam administrar para certificar-se de que a informação contida neste livro seja correta e não tenha produzido mudanças nas doses sugeridas ou nas contraindicações da sua administração. Esta recomendação tem especial importância em relação a fármacos novos ou de pouco uso. Estimado leitor É proibida a duplicação ou reprodução deste Programa de Atualização em Medicina de Urgência, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na web e outros), sem permissão expressa da Editora. Os inscritos aprovados na Avaliação de Ciclo do Programa de Atualização em Medicina de Urgência receberão certificado de 80h/aula, outorgado pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica e pelo Sistema de Educação Médica Continuada a Distância (SEMCAD) da Artmed/Panamericana Editora, e créditos a serem contabilizados pela Comissão Nacional de Acreditação (CNA), para obtenção da recertificação (Certificado de Avaliação Profissional). Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rua Botucatu, 572. Conjunto 112 04023-061 - São Paulo, SP Tel (11) 5572-4285. 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Coordenador do grupo de Trombose Venosa Profunda e do setor de Ecografia Vascular INTRODUÇÃO A trombose venosa profunda (TVP) aguda caracteriza-se pela formação de coágulos no interior das veias profundas, mais freqüentemente localizada nos membros inferiores. É uma patologia de grande importância devido a suas complicações, apresentando alta incidência, principalmente entre os pacientes hospitalizados e, freqüentemente, é subdiagnosticada.1 A TVP apresenta como complicação aguda a embolia pulmonar (EP), com taxas de morbimortalidade nãodesprezíveis. Como complicação crônica, manifesta-se a síndrome pós-trombótica, com elevada morbidade por incapacitação funcional dos membros inferiores, mais precisamente pelo aparecimento de úlceras varicosas nos estágios mais avançados da doença, acarretando grandes problemas socioeconômicos,2 sendo umas das causas mais importantes de afastamento do trabalho em vários países.3 A trombose venosa profunda e a embolia pulmonar são um conjunto de doenças (entidade terapêutica) denominada tromboembolismo venoso (TEV). A profilaxia da TVP é muito importante, pois se trata da causa evitável mais comum de morte hospitalar.4 A introdução precoce do tratamento minimiza complicações e reduz as taxas de mortalidade. PROURGEN SEMCAD 75 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 76 OBJETIVOS Ao final deste capítulo, espera-se que o leitor: ■ ■ ■ compreenda a epidemiologia, a fisiopatologia e a etiopatogenia da trombose venosa profunda; saiba reconhecer os fatores de risco e os sinais e sintomas da TVP aguda; conheça as condutas clínicas, os métodos diagnósticos, a profilaxia e o tratamento indicados à abordagem da TVP aguda dos membros inferiores. ESQUEMA CONCEITUAL Epidemologia Fisiopatologia Estase venosa Rotura muscular Lesão tecidual Rotura de cisto de Baker Hipercoagulabilidade Erisipela Etiopatogenia Compressão extrínseca Quadro clínico Exames laboratoriais dosagem do dímero d Diagnóstico Avaliação clínica Diagnóstico diferencial Métodos diagnósticos Exames de imagem Flebografia Mapeamento dúplex Pletismografia Tomografia computadorizada Profilaxia Profilaxia nos pacientes clínicos Ressonância nuclear magnética Profilaxia na gestação e puerpério Estratégias diagnósticas combinadas Tratamento Tratamento clínico Interrupção da veia cava inferior Tratamento fibrinolítico sistêmico Fibrinólise local por cateter Conclusão Caso Clínico EPIDEMIOLOGIA De maneira geral, as estimativas de incidência e prevalência da TVP aguda na maioria dos serviços é difícil pela sua evolução clinicamente silenciosa nos doentes hospitalizados, bem como pelos sinais e sintomas inespecíficos da doença.5 A maioria dos estudos sobre a incidência da doença derivam principalmente de dados colhidos nos pacientes sintomáticos e, por isso, as taxas são subestimadas.6 A incidência da TVP aumenta com a idade, apresentando baixas taxas na infância (0,005%/ano) e taxas significativamente mais altas nos pacientes octagenários (0,5%/ano).7 Quanto ao sexo, a incidência global da TVP é aproximadamente igual.8 Se considerarmos os grupos por faixa etária, nas mulheres em idade fértil ela é bem maior do que nos homens, fato relacionado à gestação e ao uso de anticoncepcionais orais. Em contraste, ocorre com uma freqüência muito menor nas mulheres idosas.9 A maior determinante da incidência de TVP é a etnia. Povos asiáticos e hispânicos têm um risco de desenvolvimento da doença de 2,3 a 4 vezes menor do que brancos e afroamericanos.10 Essa diferença não pode ser explicada pela presença do fator V de Leiden, pois essa condição genética encontra-se presente em 2% dos hispânicos e 1% dos afroamericanos.11 O TEV está associado a altas taxas de recidiva. Prandoni e colaboradores12 relataram uma taxa de recidiva de 17% de TEV durante 2 anos de seguimento após o primeiro episódio de TVP, 24% após 5 anos e 30% após 8 anos. A embolia pulmonar é uma causa comum de mortalidade: em um grande estudo analisando a relação de TVP e EP fatal, quando a EP foi atribuída como causa principal de morte, evidenciou-se que o quadro pregresso de TVP não foi clinicamente identificado.13 Um grande registro internacional, realizado em 52 centros de referência, revelou uma taxa de mortalidade de 17,4% em 3 meses em pacientes com EP.14 Em nosso meio, a embolia pulmonar também parece ser comum: De Castro-Silva,15 em 1997, calculou cerca de 28.000 internações por ano no SUS, em conseqüência de TEV, com uma taxa de óbito de 15,1% (4.247 pacientes). FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia da trombose venosa profunda consiste em compreender quais mecanismos dão origem à formação de trombos no interior dos vasos sangüíneos. O risco individual de TEV varia como resultado de uma interação complexa entre fatores congênitos (por exemplo, trombofilia) e fatores de risco adquiridos (por exemplo, câncer). Há 2 séculos atrás, Virchow resumiu a fisiopatologia do TEV em sua famosa tríade: estase venosa, lesão endotelial e hipercoagulabilidade.16 Cada um desses fatores será detalhado a seguir, para uma melhor compreensão do mecanismo da origem da TVP. PROURGEN SEMCAD 77 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 78 ESTASE VENOSA A estase predispõe à trombose venosa reduzindo o clearance dos fatores de coagulação ativados, uma mistura de fatores da coagulação ativados com fatores de inibição. Qualquer que seja a etiologia, a maioria dos trombos venosos origina-se nas zonas de fluxo reduzido, seja nas veias do plexo sural17 nas panturrilhas ou nos seios valvulares18 (Figura1). ↓ ↓ ↓ Figura 1 – Imagem em ultra-som modo B: formação do trombo na cúspide valvar (setas). Fonte: Arquivo de imagens dos autores. Existe uma relação direta entre estase e TVP dos membros inferiores, demonstrada em estudos clínicos e anátomo-patológicos. Foi encontrada também queda da velocidade de fluxo em indivíduos em decúbito dorsal, demonstrada pela diminuição da depuração de contraste radiológico e substâncias marcadas com isótopos radioativos, que aparecia principalmente nas regiões das válvulas venosas e dilatações venosas das veias da panturrilha.19 Sevitt,19 com base no estudo da localização inicial dos trombos encontrados em veias durante necropsias, propôs a seguinte hipótese para a trombogênese nos pacientes acamados, cirúrgicos etc, que parece válida até os dias de hoje (Figura 1): a diminuição do fluxo no interior das veias levaria a uma perda do fluxo laminar, criando redemoinhos nos seios valvares e em dilatações venosas da panturrilha. Esses redemoinhos levariam ao acúmulo de hemácias, plaquetas e leucócitos, que numa fase inicial poderia ser desfeito pelo aumento do fluxo venoso. Se isso não ocorresse, a estabilidade desses depósitos seria garantida pela formação de uma rede de fibrina que prenderia esses elementos. A fibrina, por sua vez, se formaria pela ação de trombina, também formada localmente. Essa trombina promoveria nova agregação plaquetária que levaria à formação de mais trombina pela presença de fator plaquetário III, que facilita a interação e ativação dos fatores de coagulação, com formação progressiva de trombo local e oclusão venosa. LESÃO TECIDUAL O dano à parede do vaso provavelmente é menos importante na origem da TVP em comparação com a trombose arterial, mas tem uma importância fundamental no trauma vascular, o qual é muito freqüente, por exemplo, na cirurgia de grande porte (quadril, fêmur). O trauma venoso é seguido de dano endotelial, causando exposição do sangue ao fator tecidual, o que, por sua vez, pode ativar a cascata de coagulação. HIPERCOAGULABILIDADE O estado de hipercoagulabilidade pode estar presente em muitas situações, como aumento dos níveis de protrombina no pós-operatório ou diminuição da atividade de anticoagulantes intrínsecos em trombofilias congênitas. Assim como a combinação de lesão endotelial e estase pode não ser suficiente para o desenvolvimento da TVP, um estado hipercoagulável isoladamente não desencadeia a doença. Os fatores ativados da circulação são eliminados rapidamente da circulação; porém, quando esses fatores ficam represados em uma zona de estase, a cascata da coagulação é ativada e seu mecanismo permite rapidamente uma atividade coagulante amplificada, resultando na formação do trombo. O TEV, portanto, é uma doença multicausal, na qual existe uma coincidência de fatores agindo ao mesmo tempo para o desenvolvimento do trombo venoso.20 1. Destaque as principais informações sobre a incidência e prevalência da TVP: ................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 2. Que mecanismos podem originar a formação de trombos no interior dos vasos sangüíneos? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. ETIOPATOGENIA IDADE A incidência de TEV aumenta progressivamente com a idade. Uma hipótese levantada para explicar isso é a de que a diminuição da resistência da parede venosa, com a idade, poderia propiciar a dilatação venosa e, conseqüentemente, a diminuição da velocidade do fluxo sangüíneo, facilitando o desenvolvimento dos trombos. Também foi encontrada uma diminuição da atividade fibrinolítica em indivíduos com mais de 65 anos,21 fato que pode estar associado à origem da TVP no estudo de Men Born em 1913: 855 homens foram seguidos prospectivamente dos 50 até 80 anos; a probabilidade do desenvolvimento do primeiro evento tromboembólico foi de 0,5% aos 50 anos, 2,0% aos 60 anos, 8,5% aos 75 anos e 10,7% aos 80 anos.22 OBESIDADE Tem sido demonstrado que a obesidade é um fator de risco independente para a TVP e EP. Distúrbios no fluxo sangüíneo, níveis diminuídos de atividade fibrinolítica, níveis aumentados de fatores de coagulação parecem ser os mecanismos de predisposição de desenvolvimento da doença nessa população. PROURGEN SEMCAD 79 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 80 Em um estudo chamado Nurses’Health Study, desenhado para identificar fatores de risco para EP em uma coorte de enfermeiras inicialmente saudáveis, um índice de massa corpórea (IMC) > 25,0 foi associado a um risco relativo de 1,7 para EP (95% IC, 1,1 a 2,7) e um IMC > 29,0 associado a um risco relativo de 3,2 para EP (95% IC, 1,7 a 6,O).23 Em outro estudo tipo caso-controle de 454 pacientes consecutivos com TEV da Noruega, a obesidade (IMC > ou = 30) aumentou em duas vezes o risco de trombose (95% IC, 1, a 3,4).24 Esses dados sugerem que o risco de TVP é maior em indivíduos obesos do que na população geral. TROMBOFILIA As trombofilias incluem: ■ ■ ■ as trombofilias hereditárias associadas com níveis reduzidos de proteínas anticoagulantes (antitrombina, proteína C e proteína S); as trombofilias associadas com níveis aumentados ou função aumentada dos fatores de coagulação (resistência a proteína C-ativada, mutações genéticas do fator V e aumento das concentrações dos fatores VIII, IX e XI); as trombofilias adquiridas como a hiper-homocisteinemia (a qual também pode ser congênita) e a síndrome do anticorpo antifosfolípede. A deficiência de antitrombina é rara, ocorrendo aproximadamente em 0,2% da população geral e em 0,5 a 0,75% dos pacientes com TEV.25,26 A deficiência de protrombina causa um estado hipercoagulável importante: estima-se que 60% dos pacientes com deficiência de antitrombina desenvolverão um episódio de TEV até os 60 anos.27 A deficiência de proteína C ocorre em aproximadamente 0,2% da população geral. Entre pacientes com TEV, a deficiência de proteína C ocorre em 2,5 a 6,0%.28 A incidência da proteína S na população é desconhecida. Estima-se que um terço dos pacientes com essa deficiência terão um episódio de TEV até os 60 anos.29 As trombofilias associadas com um aumento da atividade da coagulação incluem a resistência à proteína C-ativada (RPCA) e mutação do fator V de Leiden, mutação do gene G20210A e aumento das concentrações de fator VIII, IX e IX. A mutação do fator V de Leiden é a mutação mais comum e de longe a causa mais freqüente de resistência à proteína C-ativada. Está presente em 5% da população do norte da Europa e em 20% dos pacientes com primeiro episódio de TEV.30 A RPCA é decorrente, em 95% dos casos, de uma mutação no fator V da coagulação. Essa descoberta é recente, e foi descrita pela primeira vez em 1994, sendo atualmente conhecida como fator V de Leiden (FVL). O fator V mutante é resistente à neutralização mediada pela proteína C-ativada, o que resulta no fenótipo de RPCA. O FVL é, portanto, associado à suscetibilidade de ocorrência de TVP e EP, por produzir um estado hipercoagulável. Nos indivíduos heterozigotos, aumenta o risco para TEV em 3-8 vezes e, quando presente em homozigoze, esse risco é de 50-100 vezes maior. A mutação do gene G20210A é encontrada em 2% da população geral e em 5-10% dos pacientes com TEV. Embora exista uma relação freqüente com eventos trombóticos, o risco relativo é pequeno (RR = 2).31 Uma associação com níveis aumentados de fatores VIII, IX e XI tem sido associada ao aumento do risco de TEV, porém os mecanismos e a repercussão clínica ainda não foram esclarecidos.29 Níveis elevados de homocisteína (congênita ou adquirida) estão associados com risco aumentado para TEV (5% da população geral e 10% dos indivíduos com TEV). A hiper-homocisteinemia congênita é mais comumente causada por uma mutação da cistationa β-sintetase e metileno tetra-hidrifolato redutase, que participam do metabolismo intracelular da homocisteína. A maior parte dessas mutações são raras e só apresentam importância clínica em homozigose (deficits neurológicos variados, retardo psicomotor, convulsões, doença arterial prematura e TEV). Formas adquiridas de hiper-homocisteinemia são causadas por deficiências dietéticas de ácido fólico, vitamina B12 ou vitamina B6; a afirmação de que a redução dos níveis plasmáticos de homocisteína pode diminuir o risco de trombose ainda não encontra embasamento na literatura. A síndrome do anticorpo antifosfolípede (SAAF) é uma síndrome adquirida, caracterizando-se por uma condição pró-trombótica potencialmente grave, a qual cursa com a ocorrência de trombose venosa e arterial (70% no território venoso e 30% no território arterial), abortamentos freqüentes e plaquetopenia, associados ao diagnóstico laboratorial de anticorpos antifosfolípedes.32 Trombocitopenia ocorre em 20 a 45% dos pacientes e sua ocorrência é supostamente mediada por mecanismos imunológicos. A SAAF é uma das trombofilias mais freqüentemente identificadas, pois é comum, ocorre em pacientes jovens e a investigação diagnóstica é bastante freqüente, principalmente pela história de abortamentos freqüentes. TEV PRÉVIO A história de TEV é um fator de risco independente importante para TEV. Pacientes com dois ou mais episódios de TVP têm um risco alto adicional de recorrência se não tratados adequadamente.33 Pacientes com história prévia de TVP submetidos à cirurgia têm risco de recorrência 3 a 4 vezes maior em relação ao grupo sem TVP prévia.34 Se a história prévia inclui EP, o risco de recorrência é de 100%.35 CÂNCER O mecanismo exato pelo qual o câncer causa TVP não está claro. Fatores contribuintes são: hipercoagulabilidade, compressão externa de massas tumorais ou invasão direta de veias profundas por células tumorais. Cerca de 19-30% dos pacientes com TVP têm neoplasias malignas diagnosticadas, e 15% das neoplasias malignas são complicadas por TEV.8 O carcinoma pulmonar é o mais prevalente e, atualmente, o mais comumente associado a TVP, em 25% dos casos. Mais da metade dos tumores associados à TVP encontram-se no sistema genito-urinário e intestinal. Alguns estudos demonstraram riscos significativamente maiores de neoplasia maligna nos pacientes com TVP idiopática, em uma taxa de 7,6% de neoplasias malignas diagnosticadas durante o acompanhamento.36 A quimioterapia para tratamento do câncer também é um fator de risco importante. A incidência de TEV durante o tratamento quimioterápico é de 11% em séries recentemente publicadas.37 CIRUGIA O risco de TVP associado a diferentes procedimentos cirúrgicos já está bem estabelecido (Quadro 1). O risco de desenvolvimento da doença está relacionado à idade do paciente, a fatores de risco trombótico coexistentes, ao tipo de procedimento, à gravidade do trauma cirúrgico, à duração do procedimento e ao período de imobilização pós-operatória. PROURGEN SEMCAD 81 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 82 O tipo de procedimento cirúrgico é particularmente importante. O risco de TVP sem profilaxia é de cerca 15-40% nos pacientes submetidos à cirurgia geral, 15-40% em neurocirurgia eletiva, 40-60% dos pacientes submetidos a cirurgia de quadril e 40 a 80% no politrauma, entre outros dados.38 Os pacientes podem ser classificados em faixas de risco tromboembólico baixo, moderado ou alto (Quadro 2). Quadro 1 RISCO ABSOLUTO DE TVP EM PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS* Grupo de pacientes (%) Cirurgia geral 15 – 40 Neurocirurgia 15 – 40 Cirurgia de quadril 40 – 60 Politrauma 40 – 80 Cirurgia ginecológica de grande porte 15 – 40 Cirurgia urológica de grande porte 15 – 40 *Taxas baseadas em testes diagnósticos para TVP em pacientes sem profilaxia. Fonte: Geerts e coloboradores (2004).38 Quadro 2 RISCO DE TVP PÓS-OPERATÓRIA Grupo Características Risco baixo Idade < 40 anos, nenhum outro fator de risco, cirurgia abdominal/torácica sem complicações. Idade > 40 anos, nenhum outro fator de risco, cirurgia abdominal/torácica eletiva de pequeno porte (menos de 30 min). Risco moderado Idade > 40 anos, cirurgia abdominal/torácica (mais de 30 min). Risco elevado História de tromboembolismo recente. Procedimento abdominal ou pélvico para neoplasia maligna. Procedimento ortopédico complexo no membro inferior. Fonte: Geerts e coloboradores (2004).38 GRAVIDEZ E PUERPÉRIO A incidência exata dos episódios de TEV associados à gestação ainda é desconhecida, mas existem evidências de que o risco está aumentado em comparação a pacientes não-gestantes.39 O risco de TVP permanece durante todo o período gestacional, mas parece ser mais freqüente no primeiro trimestre e no período periparto, sendo o risco de embolia pulmonar maior nas últimas semanas de gestação e no puerpério.40 Os principais fatores de risco são história prévia de TVP, trombofilia, obesidade, imobilização prolongada no leito, pré-eclâmpsia e idade materna avançada.41 CONTRACEPTIVOS ORAIS E TERAPIA DE REPOSIÇÃO HORMONAL O uso de anticoncepcionais orais (ACO) aumenta o risco de TEV. A terceira geração de ACO, que contém menos progesterona, aumenta o risco de TEV mais do que a segunda geração. O risco de TEV em mulheres tomando a segunda geração de ACO é 2 a 4 vezes maior e em mulheres tomando a terceira geração é de 3 a 8 vezes maior, comparado com a população de mulheres que não faz uso da droga.42 A terapia de reposição hormonal também aumenta o risco de TEV. Em uma metanálise de 12 estudos, o risco relativo de TEV foi de 2,1 entre usuários e maior (3,5) durante o primeiro ano de uso.43 DOENÇAS ASSOCIADAS O risco de TEV em pacientes clínicos é mais difícil de ser estimado, pois existe menor quantidade de estudos nos pacientes não-cirúrgicos. Apesar disso, estudos de autópsia evidenciam que 70-80% das mortes por EP ocorrem em pacientes clínicos. Doenças associadas com risco aumentado para TEV incluem acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência respiratória aguda, sepse, doença inflamatória reumática e câncer.38 História prévia de TEV e imobilização prolongada são fatores contribuintes importantes. 3. Enumere os fatores de risco para a TVP, indicando dentre eles quais são os de maior e menor risco: .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 4. Tratando-se especificamente da TVP pós-operatória, caracterize os pacientes de baixo risco, risco moderado e risco elevado, respectivamente: .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. PROURGEN SEMCAD 83 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 84 QUADRO CLÍNICO O quadro clínico de TVP depende da extensão da trombose e do segmento venoso acometido (topografia). A TVP pode ser também assintomática, e sua primeira manifestação pode ser a embolia pulmonar, algumas vezes fatal. As principais manifestações clínicas44 estão listadas no Quadro 3. O diagnóstico de TVP é mais provável quando os fatores de risco estão presentes em associação com o quadro clínico. Quadro 3 PRINCIPAIS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA TVP * Sinal ou sintoma Dor Freqüência 86,7 % Edema Empastamento da musculatura 86,7 % 86,7 % Dor à palpação muscular Dor no trajeto venoso 69,7 % 63,3 % Sinal de Homans Dilatação das veias superficiais 61,7 % 48,6 % Cianose/palidez 17,5 % * Na presença de fatores de risco. Fonte: Lastoria e colaboradores (1985).44 A dor, o sintoma mais freqüente da TVP, é causada principalmente pela distensão venosa e pelo processo inflamatório vascular e perivascular, bem como pelo edema, que ocasiona compressão das terminações nervosas. A dor pode ser constante ou surgir quando o paciente se movimenta. O edema surge em decorrência do aumento da pressão hidrostática capilar; sua apresentação geralmente é unilateral, sendo mais comum no membro inferior esquerdo. A dor à palpação muscular tem a mesma origem da dor espontânea, e deve ser pesquisada com a palpação firme porém delicada da musculatura da panturrilha, pois principalmente nos casos de TVP ilíaco-femoral costuma ser de maior intensidade. A dor no trajeto venoso geralmente é referida na palpação dos trajetos venosos profundos (face medial da coxa e perna), e pode também ser referida em trajetos venosos superficiais quando existe associação com tromboflebite de veias superficiais, que geralmente são varicosas. O sinal de Homans é o mais famoso dentre os achados propedêuticos e consiste na dorsoflexão passiva do pé com o paciente deitado e com o membro estendido: com a palma de uma das mãos o examinador pressiona a planta do pé, de maneira a fleti-lo, e com a outra mão mantém a perna em posição, observando se o paciente refere dor. Não é um sinal patognomônico de TVP e pode ser observado em outras situações, como nos casos de ruptura muscular. A dilatação das veias superficiais é uma resposta fisiológica para que ocorra a drenagem venosa do membro, já que a circulação venosa profunda encontra-se obstruída agudamente, lembrando que cerca de 90-95% do volume de sangue venoso é drenado pelo sistema venoso profundo do membro. A cianose ocorre por aumento da quantidade de sangue venoso no membro e o ingurgitamento capilar por dificuldade de drenagem. A palidez ocorre nos casos mais graves nos quais existe o vasoespasmo arterial originado pelo processo inflamatório. Esses dois sinais clínicos (cianose e palidez) são pouco freqüentes, porém existem dois quadros clínicos em que eles estão presentes, os quais representam os extremos da repercussão circulatória para o membro, que merecem ser mencionados a parte: flegmasia alba dolens e a flegmasia cerúlea dolens. A flegmasia alba dolens (inflamação branca dolorosa) é encontrada nos quadros de TVP fêmoro-ilíaca. Caracteriza-se por dor e edema intensos de todo o membro, e freqüentemente palidez pela presença de vasoespasmo arterial, o que pode diminuir os pulsos distais. A flegmasia cerúlea dolens (inflamação azulada dolorosa) tem origem na obstrução total ou quase total da circulação venosa profunda principal e das vias colaterais de drenagem dos membros, nos casos de TVP fêmoro-ilíaca. Em quase metade dos casos apresenta-se como evolução da flegmasia alba. Ocorre rapidamente a formação de edema intenso do membro, tornando-se cianótico, frio e tenso, e a dor é excruciante. A taxa de amputação pode chegar a 55% dos casos segundo Brockman e Vasko.45 5. Faça um esquema que sintetize os possíveis sinais e sintomas (quadro clínico) da TVP: 6. Como é possível observar o sinal de Homans na abordagem de pacientes com suspeita de TVP? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 7. No contexto da TVP, como se manifesta a flegmasia alba dolens e a flegmasia cerúlea dolens, respectivamente? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. PROURGEN SEMCAD 85 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 86 DIAGNÓSTICO AVALIAÇÃO CLÍNICA Anamnese O aspecto mais importante na anamnese inicial é indagar sobre as circunstâncias nas quais desenvolveram-se os sintomas: se surgiram espontaneamente ou se houve algum fator desencadeante, como trauma, puerpério, pós-operatório, fraturas, pois o conhecimento dessa situação ajuda no raciocínio clínico. A dor e o edema são, respectivamente, o sinal e o sintoma mais freqüentes, como já exposto anteriormente. Quanto aos antecedentes pessoais, deve-se interrogar sobre outras doenças recentes ou passadas, com ênfase na trombose venosa prévia e/ou embolia pulmonar (importantes fatores de risco que elevam significativamente o risco de desenvolver novo quadro), história de trombofilia familiar e antecedentes familiares de TVP, tromboflebites anteriores, uso de anticoncepcionais orais e reposição hormonal, neoplasias e antecedentes cardiovasculares. Exame físico A freqüência e os achados do exame físico já foram elucidados anteriormente. Vale ressaltar os sinais que devem ser pesquisados: ■ ■ ■ ■ ■ ■ presença de edema, particularmente o edema unilateral de um membro é o sinal que geralmente chama a atenção para a suspeição da doença; presença de empastamento muscular; cianose/palidez; dor à palpação muscular (com a pesquisa para o sinal de Homans); dor à palpação dos trajetos venosos; dilatação venosa superficial. Probabilidade clínica pré-teste A combinação dos achados clínicos com os dados conhecidos sobre a incidência e fatores de risco pode melhorar a chance em predizer o diagnóstico da TVP. Wells e colaboradores46 propuseram um modelo clínico para predição da TVP, constituído de 9 características clínicas que se mostraram independentemente preditivas de TVP. A cada uma delas foi dado um valor unitário positivo e, se houvesse diagnóstico alternativo para TVP, um valor negativo (-2). A soma das características resulta em um escore, que os classifica como sendo de baixo, moderado ou alto risco para TVP. A praticidade do modelo de Wells e colaboradores46 foi testada em 593 pacientes, utilizando a ultra-sonografia em modo B (Quadro 4). Em um contexto clínico, a incidência de portadores de TVP entre os pacientes com probabilidade pré-teste baixa foi de apenas 3%; nos pacientes com probabilidade pré-teste moderada foi de 17% e nos pacientes com probabilidade pré-teste alta foi de 75%. Quadro 4 PROBABILIDADE CLÍNICA PRÉ-TESTE NA TVP Característica clínica Escore Sensibilidade trajeto venoso profundo Edema de toda a perna 1 1 Difer. > 03cm circunferência da panturrilha Edema depressível 1 1 Veias superficiais colaterais Câncer ativo 1 1 Imobilização prolongada ou paralisia Cirurgia recente/quadro clínico grave 1 1 Provável diagnóstico alternativo -2 < 0 = Baixa probabilidade; 1-2 = Moderada probabilidade; >3 = Alta probabilidade Fonte: Wells e colaboradores (1997).46 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Rotura muscular A rotura expontânea de músculos da panturrilha, durante a marcha ou após esforço físico, caracterizase por dor de início súbito que piora ao deambular ou ao exercício. Muitas vezes o paciente refere uma sensação de “pedrada” na panturrilha, daí a denominação de “síndrome da pedrada”. Há aumento de volume da perna e tensão dos músculos da panturrilha por hematoma e edema muscular. Todo o cuidado deve ser tomado com esse diagnóstico, pois a administração de anticoagulantes pode aumentar o hematoma e causar síndrome compartimental. Rotura de cisto de Baker A rotura de cisto de Baker (Figura 2) trata-se de uma rotura de cisto sinovial da articulação do joelho na fossa poplítea, podendo simular quadro de TVP. Quando o cisto rompe, há intenso processo inflamatório local, com aumento de volume da perna, edema e dor intensa. PROURGEN SEMCAD 87 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 88 ↓ Figura 2 – Imagem dúplex, cisto de Baker roto (seta = extravasamento) na fossa poplítea, feixe poplíteo normal. Fonte: Arquivo de imagens dos autores. Erisipela Por ser um processo infeccioso extenso da pele e tecido celular subcutâneo, na erisipela ocorrem edema e dor no membro. As principais diferenças em relação à TVP são: febre, hiperemia, linfangite, presença de adenopatia inguinal e ausência de empastamento muscular. Compressão extrínseca A compressão extrínseca de veias do sistema venoso profundo por massas como tumores, hematomas ou abscessos pode cursar com edema de origem compressiva, por dificuldade da drenagem venosa do membro. MÉTODOS DIAGNÓSTICOS Exames laboratoriais - dosagem do dímero d O dímero d é um marcador da ativação da fibrinólise secundária à formação de fibrina, resultante da ação da plasmina sobre o trombo já formado. Trata-se de exame de alta sensibilidade e baixa especificidade, sendo possível realizar sua dosagem quantitativa no plasma (ELISA). Níveis normais excluem com segurança o diagnóstico de TVP, mas níveis aumentados estão presentes em várias situações clínicas, como estados pós-operatórios, traumatismos recentes, infecções, neoplasias e coagulação intravascular disseminada. Exames de imagem A TVP é uma doença cujo diagnóstico é urgente e deve ser realizado da maneira mais objetiva possível, pois é potencialmente letal. Complicações tromboembólicas podem ocorrer em 50% dos casos em um período de 3 meses se não for instituída a terapêutica anticoagulante. Existe uma forte tendência à recorrência e sua complicação tardia, a síndrome pós-flebítica, representa morbidade elevada. O diagnóstico baseado somente nos achados clínicos possui baixa sensibilidade e especificidade, sendo confirmado em média apenas 1 em cada 4 casos em que existe a suspeita clínica; portanto, os exames diagnósticos devem ser acessíveis, objetivos (realizados no menor tempo possível), preferencialmente não-invasivos e com bom custo benefício. O exame que melhor preenche esses critérios e atualmente de escolha para o diagnóstico da TVP é o mapeamento dúplex ou eco-Doppler colorido, o qual veio substituir a flebografia. Flebografia A flebografia ascendente ainda é o exame de referência (padrão-ouro) para o diagnóstico de TVP, entretanto, é exame invasivo e caro, com limitações ao seu uso, como história de alergia a contraste iodado, gravidez e insuficiência renal crônica. O método consiste na injeção de contraste através de veia dorsal do pé e realização de radiogramas enquanto o contraste progride cranialmente no sistema venoso profundo. Um trombo é diagnosticado quando existe falha de enchimento intraluminal de um segmento venoso (Figura 3). Mesmo sendo o padrão ouro, 7% das flebografias são inadequadas para o diagnóstico da doença. Figura 3 - Flebografia: presença de extensa trombose poplíteo-femoral. Notar a intensa falha de enchimento de contraste devido ao preenchimento da luz venosa pelo trombo. Fonte: Arquivo de imagens dos autores. Mapeamento dúplex Atualmente, o mapeamento dúplex substitui a flebografia (padrão-ouro) no diagnóstico da trombose venosa profunda, e possui sensibilidade de 94% quando comparado com ela.47 Atualmente é o exame mais solicitado para a confirmação da doença. PROURGEN SEMCAD 89 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 90 O mapeamento dúplex é um exame não-invasivo, de alta acurácia diagnóstica, o qual inclui a avaliação da compressibilidade venosa ao modo B (brilho) com o vaso na secção transversa aplicando leve pressão ao transdutor (Figura 4), preenchimento da luz dos vasos através da análise de fluxo ao color-Doppler e avaliação das características do fluxo através da análise espectral. Entre esses parâmetros, a incompressibilidade venosa é o critério mais objetivo e amplamente utilizado para confirmar o diagnóstico de TVP48 (Figura 5). A B Figura 4 – Ultra-sonografia normal do feixe femoral em secção transversa - modo B: A) Artéria e veia femoral; B) Compressão, a veia femoral colaba-se completamente. FX = Feixe. FE DIR = Fêmur direito. Fonte: Arquivo de imagens dos autores. A B Figura 5 – Ultra-sonografia do feixe femoral em secção transversa - modo B: A) Artéria e veia femoral, presença de trombo venoso hipoecóico; B) Compressão, colapso incompleto da parede venosa devido à presença do trombo. MID = Membro inferior direito; TR = Trombo; VFC = Veia femoral comum; AFC = Artéria femoral comum. Fonte: Arquivo de imagens dos autores. Kearon e colaboradores49 realizaram uma metanálise com ênfase na acurácia do método de compressão pelo ultra-som. Essa metanálise estimou uma sensibilidade de 89%, especificidade de 94% e valor preditivo positivo de 94% para TVP proximal e distal. Quando apenas a TVP proximal foi considerada, a sensibilidade foi de 97%, especificidade de 98% e valor preditivo positivo de 97%. Quando apenas a TVP distal foi considerada, a sensibilidade foi de 73%. Os resultados dessa metanálise confirmaram que o método de compressão é altamente sensível e específico para o diagnóstico de TVP proximal em pacientes sintomáticos (veia poplítea, veias femorais e ilíacas), e a sensibilidade é menor na TVP distal (veias da panturrilha, tibiais e fibulares). O eco-Doppler colorido e o uso do método tríplex (a adição da análise da curva espectral em tempo real) aumentam a sensibilidade e especificidade para esse segmento. Ainda existem controvérsias quanto à premissa de que a trombose isolada (sem propagação proximal) das veias da panturrilha seja irrelevante. Embora seu potencial embólico possa ser menor do que o da TVP proximal, a EP concomitante foi demonstrada em 11-33% dos pacientes com trombose isolada das panturrilhas.50 Um outro fato importante é que o risco de desenvolver a síndrome pós-trombótica nesse grupo de pacientes não é inexpressivo, sendo a prevalência do refluxo valvar de 24% em um ano. Portanto, muitos pesquisadores defendem atualmente um protocolo ultra-sonográfico completo, com pesquisa dos segmentos venosos a partir da veia cava inferior até as veias da panturrilha. Esse protocolo foi comparado com o exame ultrasonográfico apenas compressivo das veias proximais. Em um desses estudos, 27% de todos os resultados anormais referiam-se às veias da panturrilha.51 O exame limitado não conseguiu detectar 7,3% das tromboses proximais e 27% de tromboses nas veias da panturrilha. É interessante salientar que nesse estudo a técnica de exame completo prolongou o tempo de exame em apenas 5 minutos por membro. Em 3% dos indivíduos, o mapeamento dúplex não é possível tecnicamente, e outros exames diagnósticos são necessários. Pletismografia A oclusão venosa profunda na perna e coxa diminui a complacência e aumenta a resistência ao fluxo. A pletismografia por qualquer uma das modalidades (impedância, a ar ou de mercúrio) baseia-se na determinação das variações de volume do membro. Aplica-se um manguito proximal na coxa até uma pressão de 50mmHg, para que ocorra o bloqueio do retorno venoso. No paciente normal, o volume aumenta após o bloqueio de 2 a 3%; nos pacientes com TVP esse aumento é menor. É possível obter o gráfico do tempo de recuperação do volume do membro após a remoção do manguito; esse tempo é maior nos pacientes com TVP. Entretanto, existem duas limitações maiores: a pletismografia não consegue identificar pacientes com TVP não-oclusiva e falha na detecção de TVP distal. Sua sensibilidade inclusive é insatisfatória na TVP proximal.52 Alguns estudos apontam para a possibilidade do método ser utilizado conjuntamente com outras modalidades diagnósticas, mas não como teste único.53 Tomografia computadorizada A tomografia computadorizada (TC) é utilizada para o diagnóstico de embolia pulmonar. Estudos recentes demonstram que esse método pode ser utilizado para o diagnóstico de TVP no território abdominal (Figura 6) para pesquisa da veia cava, veias ilíacas e veias pélvicas, onde o mapeamento dúplex encontra dificuldade técnica.54 Também pode ser empregada no segmento poplíteo-femoral.55 A sensibilidade e especificidade da TC para o território abdominal é de 94 e 100%, respectivamente. As desvantagens do método são a utilização de contraste iodado (com risco de insuficiência renal aguda e reações alérgicas), alto custo e exposição à radiação. PROURGEN SEMCAD 91 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 92 Figura 6 – Tomografia computadorizada abdominal com contraste: presença de trombo parcialmente oclusivo na veia cava inferior (seta). Fonte: Arquivo de imagens dos autores. Ressonância nuclear magnética Assim como na TC, a ressonância nuclear magnética (RNM) também é um método utilizado para a pesquisa de TVP abdominal. Possui acurácia satisfatória para o diagnóstico da extensão da trombose para as veias ilíacas e veia cava, e é o exame de escolha para a TVP de veias pélvicas.56 Também representa uma alternativa à flebografia nos pacientes que apresentam contra-indicação ao contraste iodado, e pode ser feita com a injeção de gadolíneo (contraste paramagnético). A desvantagem da ressonância nuclear magnética consiste no longo tempo de exame (são necessários 45 minutos para aquisição das imagens), e a movimentação do paciente durante o exame pode gerar artefatos. Além disso, segmentos venosos com baixo fluxo podem ser interpretados como trombos. Estratégias diagnósticas combinadas Recentemente, a combinação de exames complementares (ultra-sonografia venosa) com a estratificação do risco clínico aliada ao dímero d foi avaliada na tentativa de reduzir sem riscos a necessidade de exames de ultra-som desnecessários, priorizando a realização do exame para os pacientes com maior probabilidade para TVP, reduzindo assim o tempo de permanência hospitalar e os custos. É possível criar algoritmos nos quais os pacientes com baixa probabilidade possam ser avaliados somente pelo resultado do dímero d (algoritmo 1 – Figura 7). Essa estratégia baseia-se na observação de que o valor preditivo negativo dos ensaios do dímero d é de quase 100% nos pacientes ambulatoriais com probabilidade pré-teste baixa.58 Se considerarmos que 23-50% dos pacientes ambulatoriais podem ser incluídos nesse grupo, podemos com essa abordagem reduzir sensivelmente a utilização de recursos. Suspeita de TVP aguda Determinar a probabilidade pré-teste Negativo Baixa Moderada Dímero d Dímero d Positivo Negativo Alta Positivo Eco-Doppler Exclui TVP Eco-Doppler Exclui TVP Eco-Doppler Figura 7 – Algoritmo diagnóstico de TVP. Fonte: Meissner (2003).59 Entre os pacientes conduzidos de acordo com esse algoritmo, a incidência de tromboembolia durante 3 meses de acompanhamento é menor do que a incidência de 1,3% depois da flebografia negativa60 e equivalente ao índice de 0,6-0,7% depois dos exames ultra-sonográficos negativos.61 Os pacientes com probabilidade pré-teste baixa e resultado negativo no ensaio do dímero d provavelmente não necessitam de qualquer exame diagnóstico adicional. O eco-Doppler é necessário nos pacientes com probabilidade préteste alta, independente do resultado do dímero d. 8. Quais as condutas estão indicadas à anamnese e ao exame físico de investigação de TVP? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. PROURGEN SEMCAD 93 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 94 9. Que parâmetros regem o modelo de probabilidade clínica de pré-teste na TVP? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 10. Que aspectos devem ser considerados no diagnóstico diferencial da TVP? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 11. Complete o quadro a seguir especificando os seguintes métodos diagnósticos para TVP: Método diagnóstico Indicações e limitações Parâmetros diagnósticos Dosagem de dímero d Mapeamento dúplex Flebografia ascendente Pletismografia Tomografia computadorizada Ressonância nuclear magnética 12. Que estratégias podem ser combinadas para contribuir com o diagnóstico de TVP? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. PROFILAXIA Os locais de origem da TVP distal mais comuns são as veias profundas musculares da panturrilha. Menos freqüentemente, origina-se nas veias profundas proximais. A TVP distal está associada a um risco baixo de embolia pulmonar clinicamente significativa,62 porém, sem tratamento, cerca de 20% dos trombos venosos distais progridem para o sistema venoso proximal, com risco de EP grave e fatal. A TVP proximal não-tratada está associada a um risco de embolia pulmonar fatal de 10% e um risco de 50% de trombose venosa recidivante.63 Existem duas abordagens para profilaxia do TEV: profilaxia primária feita através de métodos físicos e fármacos eficazes para prevenir a TVP; profilaxia secundária depende do diagnóstico e tratamento precoces da TVP já instituída. ■ ■ A necessidade de profilaxia já está bem estabelecida para pacientes submetidos a situações de risco (cirurgia, trauma, puerpério, etc.) e que apresentam fatores de risco para TVP como trombofilias, neoplasia, idade avançada, história prévia de TVP, etc. Os pacientes nessas condições foram classificados em categorias de risco, com base em estudos que utilizaram métodos sensíveis de diagnóstico. A profilaxia primária recomendada depende do grupo de risco do paciente e, nos casos cirúrgicos, do tipo de procedimento realizado (Quadros 5 e 6). Nesse capítulo, a revisão da literatura referente à profilaxia da TVP fundamenta-se nas recomendações definidas por Guyatt e colaboradores64 e Geerts e cols.65 Os diferentes métodos existentes serão apresentados a seguir. Quadro 5 ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO TROMBOEMBÓLICO EM PACIENTES CIRÚRGICOS SEM PROFILAXIA EP (%) Fatal < 0,01 Distal Baixo risco ■ Cirurgia não complicada em pacientes < 40 anos, sem fatores de risco adicionais. 2 TVP (%) Proximal 0,4 Risco moderado Qualquer cirurgia, pacientes 40-60 anos. Cirurgia de grande porte < 40 anos sem fatores de risco. ■ Cirurgia de pequeno porte em pacientes com 1 ou mais fatores de risco adicionais. 10 – 20 2–4 1–2 0,1 – 0,4 Alto risco Cirurgia de grande porte, > 60 anos. Cirurgia de grande porte, 40-60 anos com 1 ou + fatores de risco. 20 – 40 4–8 2–4 0,4 – 1,0 Muito alto risco Cirurgia em pacientes com múltiplos fatores de risco (> 40 anos, câncer, TEV prévio, hipercoagulabilidade). ■ Artroplastia de quadril e joelho. ■ Grandes traumas. ■ Lesão aguda da medula espinhal. 40 – 80 10 – 20 4 – 10 0,2 – 5 Clínica 0,2 ■ ■ ■ ■ ■ Fonte: Geerts e colaboradores (2001).65 PROURGEN SEMCAD 95 96 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA Quadro 6 PROFILAXIA NOS PACIENTES CIRÚRGICOS Baixo risco ■ ■ Sem recomendações específicas. Mobilização precoce e “agressiva”. Risco moderado ■ ■ ■ ■ HNF – 5.000 UI 12/12 h. HBPM (< 3.400 UI dose diária). Meias de compressão graduada (MCG). Compressão pneumática intermitente (CPI). Alto risco ■ ■ ■ HNF – 5.000 UI 8/8 h. HBPM (> 3.400 UI dose diária). Compressão pneumática intermitente. Muito alto risco ■ ■ ■ HBPM ( > 3.400 UI dose diária). Anti-vitamina K oral (AVK); fondaparinux. Compressão pneumática intermitente/MCG associadas a HNF ou HBPM na dose para alto risco. Fonte: Geerts e colaboradores (2001).65 MÉTODOS FÍSICOS Os métodos físicos têm como objetivo eliminar a estase, que é um dos fatores principais para o desencadeamento da TVP, conforme já foi citado. São eles: ■ ■ ■ ■ a deambulação precoce; a realização de movimentação ativa e/ou passiva dos membros; o uso de meias elásticas; a compressão pneumática intermitente. A deambulação precoce e a movimentação ativa ou passiva dos membros são métodos inócuos e devem sempre ser realizados nas situações que predisponham à estase sangüínea, como nos períodos pós-operatórios, pós-parto e doenças clínicas associadas. O uso de meias elásticas de compressão graduada, em especial as meias de alta compressão (3040mmHg), tem mostrado-se eficaz em diminuir a incidência de TVP em pacientes no pós-operatório de cirurgia geral, neurocirurgia e cirurgia ortopédica. A compressão pneumática intermitente, que é realizada por botas ou perneiras através de dispositivos automáticos que impelem sua insuflação a intervalos cíclicos, também tem mostrado-se eficaz.66 MÉTODOS FARMACOLÓGICOS Os métodos farmacológicos para profilaxia da TVP têm sido os mais estudados na literatura recente e são utilizados geralmente em associação com os métodos físicos. Os principais fármacos são: ■ ■ ■ ■ ■ a heparina não-fracionada (HNF) em minidoses; a heparina em doses corrigidas; a heparina de baixo peso molecular (HBPM); os anticoagulantes orais (anti-vitamina K ou AVK); mais recentemente, o uso de novos anticoagulantes. Heparina não-fracionada em minidoses A eficácia da heparina não-fracionada em minidoses para a profilaxia da TVP em cirurgia foi comprovada em vários estudos clínicos randomizados. Em geral administrada por via subcutânea em doses baixas, como 5.000 unidades 2 horas antes da cirurgia, e em seguida a cada 12 ou 8 horas no pós-operatório. Os dados conjuntos fornecidos pelas metanálises confirmam que a HNF em doses baixas reduz significativamente a incidência de todas as TVPs, das TVPs proximais e de todas as embolias pulmonares, inclusive os casos fatais.67-69 Nos pacientes clínicos, sua eficácia também é alta. Em pacientes com infarto do miocárdio, o uso das HNFs em minidoses reduziu a incidência de TVP de 24 para 7%, utilizada 2 ou 3 vezes ao dia.70 Em pacientes com AVC isquêmico, vários ensaios mostraram redução da freqüência de TVP de 42% para metade com HNF em minidoses, aparentemente sem complicações hemorrágicas.71 Não há aumento das complicações hemorrágicas maiores com o uso de HNF em minidoses, porém, o número de pequenos hematomas das feridas operatórias aumenta. Vale a pena lembrar que deve ser realizada periodicamente a contagem de plaquetas, pois a plaquetopenia, apesar de ser uma complicação rara, quando ocorre é acompanhada de alta morbidade. Heparina de baixo peso molecular As heparinas de baixo peso molecular (HBPMs) são frações preparadas a partir da heparina não-fracionada por processos químicos ou enzimáticos, com peso molecular médio variando de 2.000 dáltons a 6.000 dáltons. Devido ao tamanho da maioria das suas moléculas, embora tenham ação semelhante à da HNF, acelerando a ação da antitrombina, elas têm menor ação inibitória ao fator IIa (trombina), atuando principalmente sobre o fator Xa. Outra característica importante da HBPM é sua maior biodisponibilidade, sendo quase totalmente absorvida após injeção subcutânea, com uma vida média mais prolongada, o que permite sua utilização com dose única diária, trazendo maior conforto para os pacientes. No Brasil estão liberadas para uso a enoxaparina, a nadroparina e a dalteparina, e possivelmente no futuro outros produtos serão aprovados para o uso. As HBPMs foram avaliadas em pacientes de cirurgia geral com risco moderado, inclusive muitos submetidos a procedimentos cirúrgicos para câncer, em ensaios clínicos randomizados.72 Nos estudos clínicos randomizados que compararam as HBPMs com HNF em minidoses, demonstrou-se que as HBPM administradas 1 ou 2 vezes ao dia foram tão ou mais eficazes na profilaxia da TVP.73 Na maioria dos estudos, os autores mostraram freqüências comparativamente baixas de sangramento, mas sua incidência foi significativamente menor no grupo da HBPM, conforme evidenciado pela redução das incidências de hematoma da ferida, sangramento grave e número de pacientes que precisaram de reintervenção por hemorragias.74 Alguns estudos também demonstraram que as HBPMs são superiores à HNF nos pacientes politraumatizados75 e são igualmente eficazes nos pacientes clínicos.76 Em cirurgia ortopédica e em outros grupos de pacientes de alto e muito alto risco, as HBPMs apresentam melhores resultados, tanto na profilaxia da TVP como na freqüência de complicações hemorrágicas.77 A HBPM e a HNF em minidoses não necessitam de controle laboratorial, pois não alteram ou alteram pouco as provas de coagulação. Apesar desse fato, é aconselhável a contagem de plaquetas antes do início e durante o tratamento, pois existe um pequeno risco de trombocitopenia, que parece ser menor com o uso das HBPMs. PROURGEN SEMCAD 97 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 98 No Quadro 7 estão listadas as doses profiláticas dos diferentes tipos de HBPMs disponíveis em nosso meio. Quadro 7 DOSAGENS PROFILÁTICAS DAS HBPMs (DOSE ÚNICA DIÁRIA) Fármaco Enoxaparina Nome comercial Clexane Dose menor 20mg (2.000 UI anti-Xa) Dose maior 40mg (4.000 UI anti-Xa) Nadroparina Dalteparina Fraxiparina Fragmin 0,3mL (2.850 UI anti-Xa) 2.500 UI anti-Xa 0,6mL (5.700 UI anti-Xa) 5.000 UI anti-Xa Fonte: Maffei e colaboradores (2002). 78 Anticoagulantes orais (antagonistas da vitamina K – AVK) Os anticoagulantes orais (derivados da cumarina), quando utilizados para a profilaxia da TVP e EP, podem ser administrados no período pré-operatório, durante a cirurgia ou no período pós-operatório imediato. Quando iniciada durante ou após a cirurgia, a profilaxia com os AVKs pode não evitar que se formem trombos pequenos, pois seu efeito antitrombótico não se inicia antes do 3o ou 4o dia. Entretanto, conseguese uma inibição da propagação desses trombos, evitando os fenômenos tromboembólicos. Turpie e colaboradores publicaram os resultados obtidos com uma abordagem na qual a varfarina era iniciada em 7-10 dias antes da cirurgia para prolongar o tempo de protrombina (TP) em 1,5-3s e, em seguida, com um esquema menos intensivo na noite anterior à cirugia: os resultados foram semelhantes aos conseguidos com um esquema no qual a varfarina era iniciada na noite anterior ao procedimento.79 Vários trabalhos demonstraram que os AVKs reduzem a incidência de TVP e EP nos pacientes com infarto agudo do miocárdio. Devido a essas drogas também terem indicação na redução da trombose mural e embolia arterial sistêmica, seu uso tem sido recomendado de forma liberal.80 A profilaxia da TVP com AVK também está indicada no tratamento de tromboses venosas do membro superior secundárias à permanência dos cateteres venosos, para administração de drogas em pacientes com câncer. Doses de 1mg por dia diminuem significativamente a incidência de TVP nesse grupo de pacientes, sem aumentar o risco de sangramento.81 Novos anticoagulantes Os fármacos rotineiramente utilizados para a profilaxia e tratamento da TVP, as heparinas e os anticoagulantes orais, possuem limitações ao seu uso em termos de incidência de sangramentos, controle laboratorial e custos. Considerando essas limitações, existe uma busca contínua por parte dos pesquisadores de novos anticoagulantes que possuam melhor perfil. Dentre as novas drogas em pesquisa, apenas o fondaparinux (inibidor do fator X) foi aprovado pelo FDA para uso clínico, e existem outras drogas já em fase adiantada de estudos como a hirudina recombinante e as heparinas que estão sendo testadas em sua apresentação oral. O fondaparinux é um inibidor altamente seletivo do fator X com grande afinidade pela antitrombina. Quando combinado com a antitrombina, ele provoca uma alteração de conformação que reduz expressivamente a taxa de inibição do fator Xa. Em seguida, quando a antitrombina liga-se ao fator X ativado, o fondaparinux é liberado e assim perpetua o processo. A inibição do fator Xa resulta na formação de menos trombina, mas ao contrário dos outros antitrombóticos, o fondaparinux não inibe outros fatores da coagulação, nem altera a função ou agregação plaquetária. Possui meia-vida longa (17h), possibilitando a administração de dose única diária. É uma molécula sintética, portanto, não depende de fontes animais como a heparina e não apresenta reações como a formação de anticorpos. Uma desvantagem significativa do fondaparinux está no fato de que não há nenhum fármaco conhecido que possa bloquear seu efeito, portanto, preconiza-se cautela em pacientes com função renal diminuída em que pode existir um efeito acumulativo do fármaco. O fondaparinux foi comparado com uma HBPM (enoxaparina) em um estudo de mais de 7.000 pacientes submetidos a procedimentos ortopédicos em 4 experiências clínicas da fase 3. A análise conjunta desses estudos revelou redução significativa dos índices de TVP totais e proximais com o fondaparinux, mas nenhuma diferença na incidência de eventos sintomáticos. A incidência dos sangramentos significativos foi maior no grupo tratado com fondaparinux.82 A hirudina recombinante (desirudin) também foi bem estudada, tendo apresentado eficácia maior do que a HNF e enoxaparina em estudos controlados com grande número de pacientes submetidos à cirurgia de quadril.83 A HNF de absorção oral, em um estudo da fase 2, produziu efeito antitrombótico significativo quando comparada com a HBPM subcutânea.84 Essa tecnologia também está disponível para a administração da HBPM por via oral, em preparação líquida ou em pó. A principal importância dessa inovação tecnológica é que pode haver utilidade das heparinas orais no uso extra-hospitalar para profilaxia e tratamento da TVP. PROFILAXIA NOS PACIENTES CLÍNICOS Para orientar a profilaxia nos pacientes clínicos, utiliza-se a grade de evidências definida por Guyatt e colaboradores,64 resumida a seguir. Os pacientes devem ser classificados como de baixo, moderado ou alto risco para TEV, de acordo com a sua condição clínica subjacente e fatores de risco associados. Em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva ou doença respiratória severa, ou limitados ao leito e com um ou mais fatores de risco, incluindo câncer ativo, TEV prévio, sepse, doença neurológica aguda, recomenda-se a profilaxia com HBPM ou HNF; nesse grupo de pacientes, quando há contraindicação para anticoagulação, recomenda-se o uso de métodos físicos (meias de compressão graduada ou CPI). Recomenda-se a profilaxia para todos os pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI). Para pacientes com alto risco de sangramento, recomenda-se o uso de métodos físicos até que o risco de sangramento diminua. Para pacientes com risco moderado para TEV (por exemplo, pacientes cirúrgicos em pós-operatório) recomenda-se tanto a HNF como a HBPM. Para pacientes com alto risco para TEV (por exemplo, politraumatizados ou pós-operatório de cirurgia ortopédica), recomeda-se a HBPM. Os pacientes com câncer que serão submetidos a procedimentos cirúrgicos devem receber sua profilaxia de acordo com a estratificação de risco cirúrgico para TVP. Pacientes internados por intercorrências clínicas também devem ser estratificados de acordo com sua doença de base como já referido. É contra-indicada a profilaxia a longo prazo somente com o objetivo de prevenção de TVP nesse grupo de pacientes, pois existe alto índice de complicações, especialmente quanto à utilização de HBPM e AVK. PROURGEN SEMCAD 99 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 100 Início e manutenção da profilaxia Conceitualmente, a profilaxia para TVP para os pacientes cirúrgicos deve ser iniciada antes do ato cirúrgico. Porém, por receio de complicações do tipo sangramento, tornou-se hábito iniciar a profilaxia com anticoagulantes 12 a 24 horas após a cirurgia, principalmente nas cirurgias ortopédicas, sendo esse esquema terapêutico padronizado em ensaios clínicos e aprovado pelo FDA.85 Em neurocirurgia, vários ensaios estudaram a ação conjunta de heparina, HBPM e meias elásticas, iniciando-se o anticoagulante 18 a 24 horas após a cirurgia e obtendo-se cerca de 30% de diminuição de risco de TVP e 40% de EP em relação à meia elástica colocada antes da cirurgia. Mesmo assim houve aumento da freqüência de sangramento, ocorrendo um episódio de sangramento maior para cada 13 eventos tromboembólicos prevenidos.86 A administração de anticoagulantes deve ser cautelosa quanto ao uso da anestesia raquídea ou peridural: deve ser observado um intervalo maior entre a injeção inicial da droga e a anestesia bem como na manutenção da profilaxia entre a injeção e o momento da retirada do cateter de peridural.87 A profilaxia estendida após a alta hospitalar (profilaxia extra-hospitalar ampliada) tem sido motivo de pesquisa. Existem evidências sólidas de que nos pacientes submetidos à cirurgia ortopédica de grande porte, a profilaxia estendida é benéfica. Em estudo epidemiológico, White e colaboradores88 demonstraram que o tempo médio de permanência hospitalar depois da artroplastia de quadril foi de 6,9 dias, e que o período de risco para desenvolver TEV é muito maior, sendo 76% dos casos de TEV diagnosticados após a alta hospitalar. O intervalo médio de complicações tromboembólicas foi de 17 dias depois do procedimento. Na artroplastia do joelho, esse intervalo médio foi de 7 dias, parecendo não existir justificativa para profilaxia estendida para esses pacientes. Sob o ponto de vista populacional, a profilaxia ampliada, no estudo de White e colaboradores, impediu 41 casos de TVP proximal para cada 1.000 pacientes submetidos à artroplastia de quadril, nos quais a taxa de mortalidade é de 8% por EP fatal, o que permite evitar 3,5 óbitos a cada 1.000 pacientes. Embora a taxa de mortalidade de 0,35% pareça baixa, é importante salientar que essas mortes podem ser evitadas. Portanto, de acordo com esse estudo, para cada 500.000 artroplastias de quadril, a profilaxia ampliada poderia salvar 1.750 vidas. Nos pacientes submetidos à cirurgia para câncer, a profilaxia por 25-31 dias com HBPM foi superior à profilaxia por 6-10 dias. Apesar desses dados, o tempo de extensão da profilaxia não foi ainda estabelecido.89 Colocação de filtro de veia cava Ainda não existem trabalhos controlados que provem a eficiência do uso dos filtros de veia cava de maneira profilática, pois seu uso rotineiro está sujeito a complicações como trombose e migração. A indicação ainda é restrita aos casos de TVP instalada ou nos casos de risco muito alto de TEV nos pacientes que apresentam contra-indicação à anticoagulação ou nos casos de pacientes com reserva pulmonar restrita com alto risco para TEV que não suportariam um episódio de EP. PROFILAXIA NA GESTAÇÃO E PUERPÉRIO Epidemiologia do TEV durante a gestação A incidência exata da TVP na gestação não é conhecida, mas existe uma impressão clínica de que ela seja maior do que a observada em mulheres não-grávidas da mesma faixa etária.39 Não há evidências de maior prevalência em nenhum trimestre da gestação, porém há uma predisposição marcadamente maior para a ocorrência de TVP no membro inferior esquerdo (aproximadamente 90%), possivelmente por exacerbação do efeito de compressão fisiológica da veia ilíaca comum esquerda pela artéria ilíaca comum direita pelo aumento de volume uterino. O risco de TEV persiste no período pós-parto e é maior nos partos tipo cesariana (particularmente a cesariana de urgência) do que nos partos normais.90 A HNF e a HBPM são os fármacos de escolha para a profilaxia durante a gravidez, pois não atravessam a barreira placentária. Para melhor orientação da profilaxia da TVP na gestação, dividi-se as pacientes em dois grupos: gestantes com história prévia de TEV sem relação com a gestação e gestantes com trombofilia e/ou TEV associadas à gestação. Gestantes com história prévia de TEV sem relação com a gestação Em gestantes com um episódio prévio isolado de TEV com fator de risco reversível (por exemplo, fratura ou cirurgia), recomenda-se a vigilância intensiva com dúplex-scan se houver sintomas, bem como o uso de anticoagulantes no pós-parto. Se o evento prévio de TEV foi relacionado ao uso de estrógenos ou se existem fatores de risco adicionais (como obesidade), sugere-se a profilaxia anticoagulante com HNF na dose terapêutica durante a gestação. Em pacientes com único episódio idiopático prévio, sugere-se terapia anticoagulante com minidose ou doses moderadas de HNF, ou vigilância com dúplex-scan associada a anti-coagulação pós-parto. Em pacientes com múltiplos episódios de TEV idiopática ou associada a trombofilia ou história familiar de TEV, sugere-se profilaxia com dose terapêutica de HNF ou HBPM associada a uso de anticoagulantes a longo prazo no pós-parto. Gestantes com trombofilia e/ou TEV associadas à gestação Gestantes portadoras do fator V de Leiden (homozigóticas ou heterozigóticas), sem história prévia de TEV, devem ser submetidas à profilaxia com dose de tratamento de HNF ou HBPM. Em todas as outras formas de trombofilia sem história prévia de TEV, sugere-se a vigilância intensiva com dúplex-scan ou dose profilática de HBPM ou minidose de HNF associadas ao uso de anticoagulantes no pós-parto. Nos casos de história prévia de TEV associada à gestação, sugere-se profilaxia com doses terapêuticas de HNF ou HBPM. O uso de meias elásticas de compressão graduada está indicado em todas as gestantes com histórico de TEV. PROURGEN SEMCAD 101 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 102 Os vários esquemas de uso de HNF ou HBPM estão resumidos a seguir. HNF: Minidose – 5.000 U SC 12/12 h. Dose terapêutica – ajuste da posologia diária corrigida pelo TTPA, em doses terapêuticas, SC, de 12/12 horas. HBPM: Dose profilática - < 3.400 UI anti-Xa. Dose terapêutica - > 3.400 UI anti-Xa. Terapia anticoagulante pós-parto – uso de varfarina por 4 a 6 semanas com INR alvo de 2,0 a 3,0, associado ao uso inicial de HNF ou HBPM até alcançarmos o RNI terapêutico (a varfarina não contra-indica a amamentação por não passar para o leite materno). TRATAMENTO TRATAMENTO CLÍNICO O tratamento clínico para TVP inclui a terapêutica com HNF, HBPM e o uso de anticoagulantes orais (em nosso meio a droga mais freqüentemente utilizada é a varfarina). Os objetivos do tratamento da TVP são evitar mortes por EP, recidivas e síndrome pós-trombótica e suas seqüelas (insuficiência venosa crônica). Antes de iniciar a terapêutica para TVP, é muito importante verificar se existem contra-indicações ao uso da terapia anticoagulante, como hemorragia ativa, presença de distúrbios da coagulação, plaquetopenia, história de cirurgia de grande porte recente e histórico de úlcera gastrintestinal hemorrágica. Tratamento com HNF A resposta anticoagulante à dose de heparina varia bastante em cada paciente. Essa variação implica a necessidade de monitoração do efeito anticoagulante, que pode ser feita pelo tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) ou obtenção dos níveis sangüíneos de heparina, sendo o primeiro método o de escolha em nosso meio. O tratamento clássico com HNF consiste na combinação da administração da droga EV por um período aproximado de 5 dias, com o uso concomitante de ACO (varfarina), o que abrevia o tempo de internação. A heparina é mantida até que o RNI esteja na faixa terapêutica (2-3) por 2 dias consecutivos e, conseqüentemente, é interrompida mantendo-se apenas o anticoagulante oral. O nível terapêutico crítico da heparina (refletido pelo TTPa) é 1,5-2,3 vezes maior do que a média do valor de controle, ou o limite superior da variação normal do TTPa. Esse nível corresponde à concentração sangüínea de heparina entre 0,2-0,4U/mL. Como dose inicial (de ataque), preconiza-se 5.000 UI ou 80 UI EV em bolus e após sua monitoração através do TTPA91 colhido 6 horas depois, conforme indicado no Quadro 8. A média da dose para adultos é de 18-25UI/kg/dia, administrada em bomba de infusão contínua na dose de 10.000 a 15.000 UI em 250 a 500mL de soro glicosado a 5% ou SF a 0,9% a cada 8 horas, dependendo do ajuste. Quadro 8 AJUSTE DA TERAPÊUTICA COM HNF EV Dosagem de heparina EV com base no peso corporal TTPA (seg) Dose inicial 80 UI/kg em bolus e depois 18-25 UI/kg/h Modif. dose UI/kg/h Ação adicional Próxima TTPA, h <35 (1,2 x nl) 35 a 45 (1,2 a 1,5 x nl) +4 +2 Repetir bolus 80U/kg Repetir bolus 40 U/kg 6 6 46 a 70 ( 1,5 a 2,3 x nl) 71 a 90 ( 2,3 a 3,0 x nl) 0 -2 --- 6 6 -3 Suspender infusão1 h 6 >90 (>3 x média nl) Fonte: Raschke e colaboradores (1993). 91 A heparina não-fracionada pode ser utilizada por via subcutânea, desde que em doses terapêuticas controladas pelo TTPa. Tendo em vista uma certa lentidão no início da ação da heparina por essa via, é necessário iniciar o tratamento com um bolus de 5.000UI por via endovenosa. A principal vantagem desse método é que os pacientes podem ser tratados domiciliarmente, proporcionando maior conforto e reduzindo custos de internação. As doses iniciais são monitoradas a cada 6 horas conforme referido anteriormente, porém, após 24 a 48 horas de tratamento o paciente pode receber alta, com acompanhamento diário pelo TTPa. Apesar de parecer muito vantajoso, esse método só pode ser indicado em casos selecionados, pois os pacientes devem ter boa compreensão dos riscos quanto à perda do seguimento. Tratamento com HBPM O uso das HBPMs para o tratamento do TEV tem aumentado nos últimos anos. Em vários estudos comparativos com a HNF, as HBPM mostraram resultados iguais ou superiores quanto à incidência de retrombose, de hemorragia e mortalidade.92, 93 A partir desses estudos, as doses preconizadas para o tratamento são maiores do que as utilizadas para profilaxia, ajustadas de acordo com o peso dos pacientes, podendo ser administradas 1 ou 2 vezes ao dia. Existem outras vantagens do tratamento com HBPM, como maior biodisponibilidade e não haver necessidade de controle laboratorial, o que levou alguns autores a defini-la como droga de escolha para o tratamento do TEV. Existe uma tendência mundial de tratar a TVP domiciliarmente. Em alguns países como Suécia e Canadá, o uso das HBPMs tem aumentado devido a essa indicação. PROURGEN SEMCAD 103 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 104 As HBPMs disponíveis em nosso meio e suas respectivas doses estão listadas no Quadro 9. Quadro 9 DOSAGENS TERAPÊUTICAS DAS HBPMs (DOSE DIÁRIA) Fármaco Enoxaparina Nome comercial Clexane Duas vezes ao dia 100 UI anti-Xa/kg (1mg/kg) Dose única diária 200 ou 150 UI anti-Xa/kg (2mg/kg ou 1,5mg/kg)* Nadroparina Fraxiparina 85,5 UI anti-Xa/kg (225 UIC/kg) 171 UI anti-Xa/kg (450 UIC/kg) Dalteparina Fragmin 100 UI anti-Xa/kg 200 UI anti-Xa/kg * Dose não estudada em pacientes com câncer. UIC = U anti-XaIC= UI anti-Xa Instituto Choay. UIAXa = Unidades Internacionais anti-Xa fator de conversão = 0,38. Fonte: Maffei e colaboradores (2002). 78 Duração da heparinização Vários trabalhos controlados têm proposto a manutenção da heparina no tratamento da TVP aguda por 5 a 7 dias, o que diminui o índice de complicações em relação a sua manutenção por maior período e também reduz custos hospitalares. Em nosso serviço temos utilizado a mesma conduta proposta por Maffei e colaboradores,78 iniciando o anticoagulante oral simultaneamente com a heparina, conforme exposto no Quadro 10. Quadro 10 TRATAMENTO ANTICOAGULANTE PARA TVP HNF/HBPM AVK 1 1 2 2 3 *3 Dias 4 *4 (Dose mg) (Dose mg) 10 5 10 5 5 5 5 5 5 *5 *6 *7 5 *Dosagem de RNI - a partir do 3º dia; se valor entre 2-3 por 48 horas, suspender heparina. Fonte: Maffei e colaboradores (2002).78 As heparinas apresentam como principais complicações o risco de sangramento, a trombocitopenia, a osteoporose (quando utilizadas por longo período) e a alergia. Antagonistas da vitamina K (AVK) Existem dois grupos químicos diferentes de anticoagulantes orais – os derivados cumarínicos 4-hidroxi (varfarina sódica) e os derivados indano-1,3-diona (femprocumona). Em nosso meio o anticoagulante preferido é a varfarina, por apresentar uma menor taxa de efeitos colaterais não-hemorrágicos. A varfarina possui alta hidrossolubilidade, grande biodisponibilidade, com pico de absorção em torno de 90 minutos, e meia-vida que varia de 36 a 42h. Liga-se amplamente às proteínas (principalmente à albumina) e apenas o composto livre tem atividade biológica. Qualquer fármaco que também se ligue à albumina pode deslocar a varfarina de seus sítios de ligação protéica e aumentar a fração biologicamente ativa. O efeito anticoagulante da varfarina é mediado pela inibição da y-carboxilação dependente de vitamina K dos fatores de coagulação II, VII, IX e X. Além disso, inibe a y-carboxilação dependente de vitamina K das proteínas C e S. Por essa razão, os antagonistas da vitamina K como a varfarina geram um efeito potencialmente trombogênico, em virtude da redução de síntese dos inibidores naturais da coagulação (proteína C e S), o que enfatiza a necessidade de se manter o uso de heparina nos primeiros dias de tratamento juntamente com as AVKs, garantindo a proteção ao paciente, inclusive no que diz respeito ao risco de retrombose. Por isso, a heparina deve ser suspensa somente após 4 a 5 dias, com o RNI na faixa terapêutica por 2 dias consecutivos. A anticoagulação com varfarina atinge o seu efeito máximo em 36-72h. Durante os primeiros dias do tratamento com varfarina, o tempo da protrombina (TP) reflete principalmente a depressão do fator VII, que tem meia vida de 5-7 horas. Os níveis de equilíbrio dos fatores II, IX e X não são atingidos antes de aproximadamente 1 semana, e doses iniciais pequenas (por exemplo, 5mg) são preferidas para o início do tratamento.94 A biodisponibilidade da vitamina K pode ser influenciada por alterações dietéticas ou pela administração concomitante de outros fármacos (por exemplo, antibióticos), que interferem na síntese dessa vitamina no trato gastrintestinal. O uso concomitante de AAS é particularmente problemático, pois interfere na função plaquetária, desloca a varfarina dos seus sítios de ligação protéica e pode causar erosões gástricas, provocando sangramentos. Por essas razões, é muito importante monitorar cuidadosamente os pacientes quanto à introdução de novos fármacos ou alterações dietéticas, realizando o controle laboratorial a curtos intervalos quando ocorrerem alterações do RNI. Controle laboratorial e faixa terapêutica O exame laboratorial mais comum para avaliar os efeitos da varfarina é o TP, o qual é sensível às alterações dos fatores II, VII e X, mas não é sensível à atividade reduzida do fator IX. Para facilitar a padronização do TP e o monitoramento do uso de AVK, a Organização Mundial da Saúde desenvolveu uma tromboplastina de referência internacional a partir do tecido cerebral humano e recomendou que o valor do TP fosse expresso na forma de relação normatizada internacional ou RNI, que é o valor do TP obtido pela testagem de determinada amostra com a tromboplastina de referência. A dose inicial da varfarina pode ser de 5 ou 10mg (Quadro 10), por 2 ou 3 dias, monitorando-se o RNI diariamente. O ajuste da dose é realizado de acordo com o RNI, suspendendo a heparina quando se atinge o nível terapêutico (RNI 2-3) por 2 dias consecutivos, o que geralmente ocorre em torno do 5o ao 7o dia de tratamento. Após atingirmos a faixa terapêutica, podemos monitorar os pacientes a cada 1 a 3 semanas, durante todo o período de tratamento com AVK e, nas consultas de retorno, devemos sempre indagar sobre alterações dietéticas e introdução de novos fármacos ao paciente. PROURGEN SEMCAD 105 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 106 Quanto à duração do tratamento com AVK, indicamos a manutenção da terapia: ■ ■ ■ por 3 a 6 meses nos casos de TVP com fator de risco reversível (por exemplo, fraturas), por 6 a 12 meses nos casos de TVP idiopática, e como terapia contínua nos casos de trombofilia e eventos recorrentes de TVP. Nos pacientes com câncer, optamos pela manutenção da terapia anticoagulante até que o paciente seja considerado curado. Os principais efeitos colaterais dos anticoagulantes orais são a hemorragia, a púrpura vascular, a hepatite, a leucopenia, a dermatite, e o risco de malformações fetais (seu uso é contra-indicado na gravidez).57 Abordagem do paciente com aumento do RNI A abordagem do paciente com aumento dos níveis de RNI depende do grau da elevação, da presença ou ausência de hemorragia e das condições clínicas. As opções disponíveis são a interrupção temporária do tratamento anticoagulante, a infusão de vitamina K e a administração de hemocomponentes, conforme apresentado no Quadro 11. Quadro 11 CONDUTAS NAS ALTERAÇÕES DO RNI EM PACIENTES COM TVP Níveis de RNI <5 Sem sangramento significativo. Condutas ■ ■ ■ >5e<9 Sem sangramento significativo. ■ >9 Sem sangramento significativo. ■ ■ ■ Sangramento grave com qualquer nível de RNI. ■ ■ Omitir ou diminuir dose. Monitorar e manter redução da dose. Se apenas levemente acima – nada a fazer. Omitir uma ou duas doses subseqüentes. Monitorar e manter redução da dose. Suspender AVK. Vit. K VO (5-10mg) – Redução da dosagem de vitamina K (24-48h). Monitorar e manter redução da dose. Supender AVK. Vit. K EV (10mg pode ser repetido 12/12 h). Complementar com plasma fresco ou concentrado de protrombina. Fonte: Maffei e colaboradores (2002). 78 Quando o sangramento ocorre nos pacientes tratados com anticoagulantes orais, é importante localizar a origem da hemorragia. O sangramento do trato gastrintestinal alto é comum nesses pacientes bem como devido ao uso de outros medicamentos que podem interferir no nível do RNI. Tratamento da TVP durante a gravidez O uso de AVK durante a gravidez, como já exposto, está contra-indicado pelo risco de malformações fetais e sangramentos placentários. A tendência atual é a de realizar o tratamento da TVP durante a gestação somente com a heparina, que apresenta taxas de complicação menores. Para o tratamento a longo prazo utiliza-se a heparina subcutânea, com doses corrigidas pelo TTPA nos quadros de TVP proximal e em minidoses se a TVP for distal. Inicialmente, o controle é diário, mas ao se estabilizarem os níveis de TTPa, o controle pode ser feito em até uma semana. Rotineiramente, utiliza-se a HNF, porém existem evidências de que a HBPM pode ser usada com segurança durante a gestação.95 Há evidências também de que essas heparinas não cruzam a barreira placentária.96 Existe boa biodisponibilidade, não é necessário controle laboratorial e as taxas de trombocitopenia e osteoporose são menores, além de poderem ser administradas 1 vez ao dia. Todavia, as HBPMs são drogas novas que necessitam maiores estudos para a validação do seu emprego durante a gestação e, na maioria dos países, ainda não estão aprovadas para essa finalidade. Quanto ao trabalho de parto, a heparina deve ser suspensa 24 horas antes do parto, se a indução for eletiva, ou logo que se inicie o trabalho de parto. O TTPa deve ser medido antes e se estiver em níveis altos, a heparina deve ser revertida com protamina. O tratamento deve ser retomado assim que o sangramento pós-parto diminuir e mantido por 6 semanas a 3 meses, podendo-se optar ainda pelo uso de anticoagulantes orais da mesma maneira como no tratamento da TVP clássica (os AVKs não passam para o leite materno). Interrupção da veia cava inferior Os primeiros procedimentos para interrupção da veia cava inferior foram realizados na década de 1940 por Homans,97 porém a alta mortalidade (12 a 14%) e a incidência de EP recorrente (4 a 10%) tornaram a sua indicação extremamente seletiva, como nos casos de prevenção de embolia séptica e quando não havia a possibilidade de execução de outros métodos. Com esse alto índice de complicações, houve a necessidade do desenvolvimento de procedimentos menos invasivos, como a inserção dos filtros intraluminares por cateter. O primeiro filtro utilizado foi o “guarda-chuva” de Mobin-Uddin, o qual demonstrou-se eficiente com baixos índices de mortalidade (0,3%) e baixos índices de EP recorrente (0,5%), porém associado à alta taxa de migração e oclusão da veia cava inferior (60 a 70% dos casos), o que levou ao seu abandono. Existem atualmente vários tipos de filtros, como o de aço inoxidável de Greenfield, o filtro de titânio de Greenfield, o filtro de nitnol de Simon e o filtro Vena-Tech. Os dados disponíveis na literatura até o momento indicam que o filtro de Greenfield teve os melhores resultados, o que sugere que este filtro deve ser usado como padrão de comparação em novos estudos (Figura 8). PROURGEN SEMCAD 107 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 108 Figura 8 – Filtro de Greenfield posicionado abaixo das veias renais; cavografia de controle após o procedimento com injeção de contraste iodado. Fonte: Arquivo de imagens dos autores. As principais indicações são pacientes que apresentam contra-indicação ao tratamento anticoagulante, EP recidivante em vigência de anticoagulação adequada e inserção profilática em pacientes de alto risco para TEV com baixa reserva pulmonar. A inserção dos filtros de veia cava é feita através de punção venosa jugular (mais freqüentemente) ou através da veia femoral, com anestesia local, guiada por radioscopia e com a realização de uma “cavografia” de controle para avaliação de perviedade, extensão da trombose para VCI, presença de tortuosidades e alterações anatômicas. O procedimento é realizado através da passagem de fio-guia e liberação do dispositivo na maioria das vezes abaixo das veias renais. Apesar do baixo índice de complicações, são relatadas na literatura formação e propagação do trombo no filtro com EP, inclinação do filtro em relação ao eixo longitudinal da VCI, levando a menor eficiência na captação de êmbolos e risco de perfuração quando o ângulo ultrapassa 30°,98 perfuração venosa, migração do filtro e trombose da VCI. TRATAMENTO FIBRINOLÍTICO SISTÊMICO O tratamento fibrinolítico sistêmico (ou fibrinólise) consiste na infusão de substâncias ativadoras do sistema fibrinolítico, resultando em maior formação de plasmina, que age dissolvendo a rede de fibrina, a qual dá estrutura ao trombo, promovendo sua lise. Existem três substâncias que foram aprovadas na maioria dos países para essa finalidade: ■ ■ ■ a urokinase (UK); a estreptoquinase (EK); o ativador tissular do plasminogênio (t-PA). A UK está contida na urina humana, é presente em todo o endotélio e age transformando diretamente o plasminogênio em sua forma enzimática ativa, a plasmina. Por ser produzida a partir da cultura de células renais humanas, seu uso tem sido abandonado devido ao risco de transmissão de doenças como a hepatite e o HIV. A SK tem origem bacteriana e forma um complexo ativador com o plasminogênio, o qual acelera a sua conversão em plasmina. A análise dos trabalhos realizados, comparando a terapêutica com SK e UK em relação ao tratamento com heparina, mostra um risco de sangramento 2 vezes maior, sendo sua indicação restrita a casos selecionados. Os melhores resultados tardios em relação à perviedade e desenvolvimento de insuficiência venosa crônica (IVC) estão no grupo de pacientes em que se consegue lise completa do trombo, encontrando maior probabilidade dessa lise nos casos de trombos recentes (até 96 horas de história), não-oclusivos e no segmento fêmoro-ilíaco.99, 100 O t-PA é produzido pelo endotélio dos vasos, age na destruição da fibrina e tem uma grande afinidade pelo plasminogênio na presença de fibrina formada. É produzido atualmente por engenharia genética (rt-PA ou tPA recombinante), e atualmente seu uso tem sido proposto para o tratamento da TVP pela técnica de fibrinólise seletiva por cateter, como será exposto adiante. FIBRINÓLISE LOCAL POR CATETER Através dessa técnica, a infusão do fibrinolítico é feita no interior do trombo através de um cateter multiperfurado, o que seria aparentemente uma alternativa melhor para o tratamento das tromboses proximais. Um trabalho analisando 312 infusões de UK, sendo 60 através de punção de veia podálica (técnica locoregional) e 252 por cateter multiperfurado colocado dentro do trombo, em 63 hospitais americanos entre 1995 e 1996, para pacientes portadores de TVP fêmoro-ilíaca e poplíteo-femoral, mostrou como resultados totais 31% de pacientes com lise total dos trombos e 69% com lise parcial, sendo de 11% a incidência de complicações hemorrágicas maiores. Quando subdivididos em grupos, os melhores resultados foram observados em pacientes com menos de 10 dias de evolução, sem antecedentes anteriores de trombose, com cateterismo venoso realizado pela veia poplítea e infusão do fibrinolítico através de cateter multiperfurado, dos quais 65% apresentaram lise total dos trombos com patência de 96% após 1 ano. Nos casos tratados com infusão podálica, 80% não tiveram qualquer lise.101 Em 2007, Casella e colaboradores102 publicaram um estudo no qual foram avaliadas a eficácia da infusão seletiva de rt-PA em baixas doses no tratamento da TVP fêmoro-ilíaca e a prevenção da síndrome póstrombótica. Nesse estudo, foram acompanhados 18 pacientes (de 260 avaliados) sem evidência prévia de insuficiência venosa, submetidos à infusão seletiva de rt-PA na dose de 1mg/h nos segmentos venosos trombóticos. Os resultados mostraram fibrinólise efetiva em 14 pacientes, observando correlação entre o grau de melhora clínica e a redução percentual do volume trombótico (P < 0,1). Os pacientes foram seguidos por um período de 131 semanas (média 85,2). Não houve episódios graves de sangramento. Quatro pacientes apresentaram retrombose precoce (1 a 8 semanas). A incidência de sinais e sintomas clínicos de IVC e os achados ecográficos de refluxo valvar foram significativamente menores nos pacientes em que a terapia fibrinolítica foi efetiva e a perviedade mantida ao longo do período de seguimento, em comparação com os casos de falha aguda ou de retrombose precoce (P < 0,1). Os autores concluíram que a terapia fibrinolítica com o rt-PA em baixas doses mostrou-se eficaz e segura e que a evolução clínica e ecográfica tardia foi superior nos pacientes em que a terapia lítica foi efetiva. PROURGEN SEMCAD 109 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 110 Aparentemente, quando indicada em casos selecionados, os resultados tem sido animadores. Trata-se de uma técnica recente, porém a possibilidade de recanalização precoce dos seguimentos venosos ocluídos sem dúvida abre horizontes promissores no tratamento de uma doença tão freqüente e grave como a TVP, inclusive com a possibilidade de redução dos índices de complicações a longo prazo como a IVC e recorrência de TVP. 13. Complete o quadro a seguir caracterizando a estratificação de risco tromboembólico em pacientes cirúrgicos sem profilaxia para TVP e a respectiva profilaxia indicada. Estratificação de risco Características Profilaxia Pacientes de baixo risco Pacientes de risco moderado Pacientes de alto risco Pacientes com muito alto risco 14. Qual a profilaxia para os pacientes clínicos com TVP? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 15. Quais as principais orientações para a abordagem terapêutica da TVP na gestação e puerpério? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 16. Quais são as indicações e contra-indicações para o uso de terapia anticoagulante em pacientes com TVP? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 17. Como devem ser abordados os pacientes com aumento dos níveis de RNI? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 18. Na abordagem de pacientes com TVP, como deve ser feita a interrupção da veia cava inferior no contexto da TVP, e a que casos esse procedimento está indicado? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 19. Quais as indicações para o tratamento fibrinolítico sistêmico de pacientes com TVP? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. 20. Por que a fibrinólise local por cateter pode ser uma alternativa promissora para o tratamento da TVP? .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................. CONCLUSÃO Conforme exposto, a TVP é uma doença grave, potencialmente fatal e muito freqüente. O uso dos métodos profiláticos deve ser enfatizado, de acordo com as indicações. O conhecimento sobre os fatores de risco, a suspeita clínica e a investigação diagnóstica imediata nos casos sintomáticos são os alicerces para a condução correta dos pacientes. As opções terapêuticas ao alcance do profissional médico encontram-se em constante evolução, exigindo sua atualização. O seguimento sistemático dos pacientes é muito importante para a identificação de complicações, bem como no diagnóstico das recidivas. PROURGEN SEMCAD 111 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 112 CASO CLÍNICO Trombose venosa profunda durante a gestação associada à trombofilia Serviço de Cirurgia Vascular do HSPE – SP Paciente do sexo feminino, 29 anos, natural e procedente de São Paulo – SP. Procurou atendimento com queixa de inchaço da perna direita, que começou 2 dias antes, quando teve início o quadro de edema progressivo do membro inferior direito. O edema iniciou espontaneamente, primeiramente acometendo o tornozelo e a panturrilha e estendendo-se para a coxa, acompanhado de dor moderada que não cedeu com o uso de analgésicos. A paciente encontrava-se na 38ª semana de gestação, sem intercorrências clínicas ou complicações durante o período gestacional. Antecedentes pessoais Paciente com histórico de 2 abortamentos espontâneos (aos 23 e aos 27 anos), que ocorreram no primeiro trimestre da gestação. Negou doenças associadas. Nunca fez uso de anticoncepcionais orais. Exame físico A paciente apresentava-se contactuante, corada, hidratada, acianótica, anictérica e afebril. O exame neurológico e exame físico dos pulmões e coração foram normais. O exame obstétrico demonstrava feto em situação longitudinal, apresentação cefálica e boa vitalidade fetal. Não havia sinais e sintomas de trabalho de parto. O membro inferior direito estava edemaciado em coxa e perna, com aumento importante do volume em relação ao membro contralateral (a circunferência da panturrilha tinha diâmetro maior do que 3cm em relação ao membro esquerdo), e dor à palpação de todo o membro no trajeto venoso profundo (face medial de coxa e perna). A perfusão dos membros inferiores encontrava-se normal, com pulsos palpáveis e simétricos em ambos os membros. O sinal de Homans foi positivo. Exames complementares (dados positivos) Hemograma de entrada revelava plaquetopenia (contagem = 90.000/mL; nl 150.000- 400.000/ mL). Dímero d: 2,5ng/mL (nl até 0,3ng/mL). O eco-Doppler venoso do membro inferior direito (Figura 9) demonstrava trombo heterogêneo, acometendo as veias femorais (femoral comum, profunda e superficial), estando a veia ilíaca externa sem trombos. Esse segmento encontravase incompressível pela manobra de compressão do transdutor ao modo B. Circulação venosa distal compressível com fluxo presente, porém sem fasicidade. A pesquisa de trombose venosa profunda no membro contralateral foi negativa. O laudo do exame foi de TVP subaguda proximal. PROURGEN SEMCAD 113 Figura 9 – Eco-Doppler da bifurcação femoral em modo tríplex: na parte superior da foto, a veia femoral comum encontra-se ocluída por trombo heterogêneo (seta vermelha), enquanto a veia ilíaca externa distalmente encontra-se pérvia (seta verde), onde há registro de fluxo na análise espectral (parte inferior da foto). VFCD = Veia femoral comum direita. Fonte: Arquivo de imagens dos autores. Evolução clínica A paciente foi internada e foram instituídas medidas de repouso em decúbito lateral esquerdo e tratamento anticoagulante com heparina não-fracionada endovenosamente, na dose de 18U/kg/ dia, administrada em bomba de infusão contínua, e realizados os controles para adequação da dose. Houve rápida melhora dos sinais e sintomas no membro acometido. Decidiu-se, juntamente com o serviço de Ginecologia e Obstetrícia, manter a paciente internada até o parto, visto a idade gestacional já estar adiantada. Durante a internação, foram solicitados exames para a pesquisa de trombofilia, e teve-se como resultado positivo a identificação do anticorpo antifosfolípede. A paciente entrou em trabalho de parto espontaneamente no 10o dia de internação, nesse momento foi suspensa a heparina. O trabalho de parto durou 12 horas e foi realizada analgesia epidural, com desfecho para parto normal, e nascimento de uma criança do sexo feminino pesando 3.700kg, saudável. No segundo dia pós-parto, a heparina foi reintroduzida, juntamente com o anticoagulante oral (varfarina), realizando-se controles diários de Tap, Ttpa e RNI, alcançando o valor terapêutico do RNI (entre 2 e 3) no 5o dia de tratamento, e obtendo-se valor semelhante no 6o dia. A heparina foi suspensa e a paciente teve alta. Por se tratar de um caso de TVP com o diagnóstico concomitante de anticorpo-antifosfolípede, optou-se pelo tratamento anticoagulante contínuo (pelo resto da vida). Em um ano de seguimento, não houve recidivas quanto à trombose venosa profunda. TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 114 Baseado no caso descrito, responda às questões a seguir. 21. Na anamnese, qual fato levanta suspeita diagnóstica de trombofilia? A) B) C) D) Paciente jovem com possível TVP associada. Paciente jovem com história de abortamentos freqüentes. Gestação associada a possível TVP. Edema unilateral de membro inferior e doloroso. 22. Baseado no exame físico com suspeita de TVP, quanto aos critérios de Wells: A) B) C) D) trata-se de um quadro clínico de baixa probabilidade para TVP. trata-se de um quadro clínico de moderada probabilidade para TVP. trata-se de um quadro clínico de alta probabilidade para TVP. os critérios de Wells não podem ser aplicados para esse caso. 23. Com relação à gestação da paciente: A) não há risco aumentado para TVP nas pacientes gestantes. B) a incidência de TVP durante a gestação ainda não está bem definida, porém já está provado que ela é mais freqüente em gestantes do que em pacientes não gestantes da mesma faixa etária, ou seja, constitui-se em fator de risco. C) a TVP não ocorre no terceiro trimestre da gestação. D) só devemos considerar a gestação como fator de risco para TVP se existir correlação com trombofilia. 24. Em relação ao dímero d: A) é um ótimo exame para confirmar o diagnóstico de TVP. B) não deve ser utilizado para pesquisa de TVP em gestantes. C) é um exame de alta sensibilidade e baixa especificidade, sendo útil para a exclusão da TVP quando em níveis normais. D) o dímero d só tem valor diagnóstico na TVP confirmada pelo eco-Doppler. 25. A plaquetopenia encontrada no hemograma: A) não deve ser levada em conta nesse caso. B) seu achado pode estar relacionado a mecanismos imunológicos concomitantes a ativação do anticorpo antifosfolípede. C) só pode ser valorizada se estiver em níveis abaixo de 30.000/mL. D) está raramente relacionada a quadros de síndrome de anticorpo antifosfolípede. Respostas no final do capítulo 26. O sinal de Homans no exame físico do paciente com TVP: A) é patognomônico para TVP. B) trata-se da dorsoflexão dolorosa do ante-pé com o paciente em decúbito dorsal, referindo dor na panturrilha. C) não é achado patognomônico de TVP, estando presente em outras situações clínicas. D) alternativas B e C estão corretas. 27. O eco-Doppler venoso: A) é um exame de imagem não-invasivo, de alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de TVP. B) por ser exame invasivo, seu uso não deve ser indicado a pacientes gestantes. C) é um método de avaliação que ainda deve ser melhor estudado. D) sua aplicação é restrita a casos de trombose venosa distal. 28. O achado mais sensível de TVP na avaliação diagnóstica com eco-Doppler é: A) B) C) D) ausência de fluxo venoso. presença de oclusão parcial do segmento venoso. incompressibilidade venosa ao modo B. não é possível a avaliação da doença com o método. 29. Quanto ao tratamento anticoagulante para TVP durante a gestação: A) B) C) D) é rotineiramente realizado com antiagregantes plaquetários. está contra-indicado com qualquer fármaco. deve ser realizado somente no terceiro trimestre da gestação. o fármaco de escolha é a heparina, a qual pode ser administrada na forma subcutânea ou endovenosa. 30. Em relação à amamentação e ao uso de anticoagulantes orais (antivitamina K): A) devemos fazer a reposição de vitamina K para o lactente, para evitar hemorragias. B) somente com controle adequado do RNI materno é possível estabelecer um critério para liberar a amamentação. C) a amamentação está contra-indicada durante o uso de anticoagulantes orais. D) os anticoagulantes orais não passam para o leite materno, portanto a amamentação é liberada nas pacientes que fazem uso dessa medicação. Respostas no final do capítulo PROURGEN SEMCAD 115 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 116 RESPOSTAS ÀS ATIVIDADES E COMENTÁRIOS Atividade 21 Resposta: B Comentário: Em pacientes jovens, com história de abortamentos freqüentes, deve-se sempre realizar a pesquisa de trombofilia, particularmente a identificação do anticorpo antifosfolípede, muito freqüente em pacientes jovens, com história de abortamentos freqüentes e quadro de TVP. Atividade 22 Resposta: C Comentário: Wells e colaboradores,46 em 1997, definiram um escore de pontuação para estabelecer, apenas baseado no quadro clínico do paciente com suspeita de TVP (sinais e sintomas), a probabilidade clínica pré-teste para a doença. O teste em questão foi o ultra-som em modo B. A cada uma das características do quadro clínico foi dado um valor unitário positivo e, se houvesse diagnóstico alternativo para TVP, um valor negativo (-2). A soma das características resulta em um escore, que os classifica como sendo de baixo, moderado ou alto risco para TVP, ver Quadro 4 apresentado anteriormente. O caso apresentado mostra uma paciente com 3 pontos nessa escala (edema de todo o membro, diferença maior do que 3cm da panturrilha direita em relação à esquerda e dor à palpação do trajeto venoso profundo). Atividade 23 Resposta: B Comentário: A incidência exata dos episódios de tromboembolia venosa (TEV) associados à gestação ainda é desconhecida, mas existem evidências de que o risco está aumentado em comparação a pacientes não-gestantes.39 Os principais fatores de risco são história prévia de TVP, trombofilia, obesidade, imobilização prolongada no leito, pré-eclâmpsia e idade materna avançada.41 Atividade 24 Resposta: C Comentário: O dímero d é um marcador da ativação da fibrinólise secundária à formação de fibrina, resultante da ação da plasmina sobre o trombo já formado. Trata-se de exame de alta sensibilidade e baixa especificidade, sendo possível realizar sua dosagem quantitativa no plasma (ELISA). Níveis normais excluem com segurança o diagnóstico de TVP, mas níveis aumentados estão presentes em várias situações clínicas, como estados pós-operatórios, traumatismos recentes, infecções, neoplasias e coagulação intravascular disseminada. Atividade 25 Resposta: B Comentário: A síndrome do anticorpo antifosfolípede está freqüentemente associada a plaquetopenia,32 a qual acomete 20 a 45% dos pacientes, e sua ocorrência é supostamente mediada por mecanismos imunológicos. Atividade 26 Resposta: D Comentário: O sinal de Homans é o mais famoso dentre os achados propedêuticos da TVP, e consiste na dorsoflexão passiva do pé com o paciente deitado e com o membro estendido: com a palma de uma das mãos o examinador pressiona a planta do pé, de maneira a fleti-lo, e com a outra mão mantém a perna em posição, observando se o paciente refere dor. Não é um sinal patognomônico de TVP, e pode ser observado em outras situações, como nos casos de ruptura muscular. Atividade 27 Resposta: A Comentário: O diagnóstico da TVP baseado somente nos achados clínicos possui baixa sensibilidade e especificidade, sendo confirmado em média apenas 1 em cada 4 casos nos quais existe a suspeita clínica; portanto, os exames diagnósticos devem ser acessíveis, objetivos (realizados no menor tempo possível), preferencialmente não-invasivos e com bom custo benefício. O exame que melhor preenche esses critérios e atualmente considera-se como de escolha para o diagnóstico da TVP é o mapeamento dúplex ou ecoDoppler colorido, o qual veio substituir a flebografia que é um exame invasivo (usa contraste iodado e é realizado por punção venosa) e de alto custo. Na TVP proximal (como no caso descrito), a sensibilidade e a especificidade do método são de 97 e 98%, respectivamente.49 Atividade 28 Resposta: C Comentário: O eco-Doppler é o exame mais solicitado atualmente para pesquisa de TVP. Trata-se de exame não-invasivo, de alta acurácia diagnóstica, o qual inclui a avaliação da compressibilidade venosa ao modo B (brilho), com o vaso na secção transversa aplicando leve pressão ao transdutor, preenchimento da luz dos vasos através da análise de fluxo ao color-Doppler e avaliação das características do fluxo através da análise espectral. Entre esses parâmetros, a incompressibilidade venosa é o critério mais objetivo e amplamente utilizado para confirmar o diagnóstico de TVP.48 Atividade 29 Resposta: D Comentário: O uso de antivitamina K (varfarina) durante a gravidez está contra-indicado pelo risco de malformações fetais e sangramentos placentários. A tendência atual é a de realizar o tratamento da TVP durante a gestação somente com a heparina, apresentando taxas de complicação menores. Para o tratamento a longo prazo utiliza-se a heparina subcutânea, com doses corrigidas pelo TTPA nos quadros de TVP proximal e em minidoses se a TVP for distal. Inicialmente, o controle é diário, mas ao estabilizar os níveis de TTPa, o controle pode ser feito em até uma semana. No caso descrito a terapêutica foi instituída com heparina endovenosa, a qual apresenta resultados semelhantes aos da heparina subcutânea. Atividade 30 Resposta: D Comentário: Os anticoagulantes orais não passam para o leite materno, como acreditava-se no passado. Portanto, podemos liberar a amamentação nesses casos. O controle do RNI que deve ser feito em intervalos regulares como na TVP clássica (aproximadamente 1 vez a cada 3 semanas), tem importância no controle da recidiva da doença e vigilância das complicações hemorrágicas, e não apresenta nenhuma relação com a liberação da amamentação. PROURGEN SEMCAD 117 TROMBOSE VENOSA PROFUNDA 118 REFERÊNCIAS 1 Kakkar VV. Venous thrombosis today. Haemostasis. 1994 Mar-Apr;24(2):86-104. 2 Silva Mde C. Chronic venous insufficiency of the lower limbs and its socio-economic significance. 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Sociedade Brasileira de Clínica Médica Diretoria Presidente Antonio Carlos Lopes Vice-Presidente Cesar Alfredo Pusch Kubiak 1º Secretário Sérgio Hernani Struhr Domingues 1º Tesoureiro Abrão José Cury Jr. Diretores Assuntos Internacionais - Waldemar Mazar Jr. Relações Públicas - Flávio José Mombru Job Marketing e Publicidade - Luiz José de Souza Coordenadores das Comissões Científica - Celmo Celeno Porto Ética Médica - Ernani Geraldo Rolim Defesa Profissional e Honorários Médicos - Mário da Costa Cardoso Filho Título de Especialista - Maria Elena Guariento Combate ao Tabagismo - Flavio Emir Adura Comissão de Recertificação - José Luiz Bonamigo Filho Presidentes dos Capítulos Biologia Molecular - José Eduardo Krieger Informática Médica - Daniel Sigulen Medicina de Urgência - Sérgio Timerman Reanimação Cardio-Pulmonar-Cerebral - Edison Ferreira de Paiva Residentes e Pós-Graduandos - Renato Delascio Lopes Investigação Clínica - Sérgio Paulo Bydlowski Epidemiologia Clínica - Álvaro Avezum Assistência Domiciliar - Wilson Jacob Filho Bioética - José Ricardo de Oliveira Cuidados Paliativos - Marco Túllio de Assis Figueiredo Medicina de Família e Comunidade Maria Elena Guariento Sócio Aspirante - Thiago Marques Fidalgo Presidentes das Regionais Acre: Thor Oliveira Dantas Alagoas: Diógenes de Mendonça Bernardes Amazonas: Miguel Ângelo Peixoto de Lima Bahia: Almério de Souza Machado Espírito Santo: Eurico Aguiar Schmidt Goiás: Celmo Celeno Porto Mato Grosso do Sul: Justiniano Barbosa Vavas Minas Gerais: Oswaldo Fortini Levindo Coelho Pará: Maria de Fátima Guimarães Couceiro Paraná: Cesar Alfredo Pusch Kubiak Piauí: Álvaro Regino Chaves Melo Rio de Janeiro: Luiz José de Souza Rio Grande do Sul: Flavio José Mombrú Job Santa Catarina: Carlos Roberto Seara Filho São Paulo: Abrão José Cury Jr. Sergipe: José Aragão Figueiredo Sociedade Brasileira de Clínica Médica Rua Botucatu, 572. 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Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Fellow do American College of Physicians. Diretores acadêmicos: Hélio Penna Guimarães Médico Assistente da Disciplina de Clínica Médica – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM). Coordenador do Núcleo de Estudos em Emergências Clínicas da Disciplina de Clínica Médica – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM). Especialista em Clínica Médica com certificação de área de Atuação em Medicina de Urgência pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM) e Associação Médica Brasileira (AMB). Especialista em Terapia Intensiva pela Associação Brasileira de Medicina Intensiva (AMIB) e Associação Médica Brasileira (AMB). Médico da Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Coordenador do Centro de Treinamento em Emergência do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Renato Delascio Lopes Médico Assistente da Disciplina de Clínica Médica – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM). Coordenador do Núcleo de Estudos em Emergências Clínicas da Disciplina de Clínica Médica – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM). Especialista em Clínica Médica com certificação de área de Atuação em Medicina de Urgência pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM) e Associação Médica Brasileira (AMB). Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo – (UNIFESP-EPM). Fellow da Duke University – EUA. P964 Programa de Atualização em Medicina de Urgência (PROURGEN) / organizado pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica; diretor científico: Antonio Carlos Lopes; diretores acadêmicos: Hélio Penna Guimarães, Renato Delascio Lopes. – Porto Alegre: Artmed/Panamericana Editora, 2007. 160p. ; 25cm. + cartela – (Sistema de Educação Médica Continuada a Distância – SEMCAD). ISSN: 1982-047X 1. Medicina de urgência – Educação a Distância. I. Sociedade Brasileira de Clínica Médica. II. Lopes, Antonio Carlos. III. Guimarães, Hélio Penna. IV. Lopes, Renato Delascio. CDU 616-083.98 Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023