Piomiosite multifocal em atleta: relato de caso 157 RELATO DE CASO Piomiosite multifocal em atleta: relato de caso* Multifocal pyomyositis in an athlete: a case report BENNO EJNISMAN1, JORGE SAYUM FILHO2, CARLOS VICENTE ANDREOLLI3, GUSTAVO CARÁ MONTEIRO3, ALBERTO DE CASTRO POCHINI3, MOISÉS COHEN4 RESUMO Piomiosite é infecção geralmente causada por Staphylococcus aureus e tem etiologia incerta. Os autores descrevem o caso de homem de 42 anos de idade, atleta, praticante de halterofilismo e usuário de esteróide, que desenvolveu piomiosite multifocal. Eles não encontraram caso semelhante na literatura que relate associação entre halterofilismo, uso de esteróide (intramuscular) e piomiosite multifocal. Descritores – Piomiosite/diagnóstico; Traumatismos em atletas; Esteróides/efeitos adversos; Relatos de casos [Tipo de publicação] ABSTRACT Pyomyositis is an infections that is generally caused by Staphylococcus aureus and has an uncertain etiology. The authors describe the case of a 42 year-old man, athlete, * Trabalho realizado no Centro de Traumatologia do Esporte – CETE – Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil. 1. Doutor em Ortopedia, Médico Assistente do Centro de Traumatologia do Esporte – CETE - Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil. 2. Residente do Centro de Traumatologia do Esporte – CETE – Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil. 3. Assistente do Centro de Traumatologia do Esporte – CETE – Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil. 4. Professor Livre-Docente do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil; Chefe do Centro de Traumatologia do Esporte – CETE – São Paulo (SP), Brasil. Endereço para correspondência: Jorge Sayum Filho, Rua França Pinto, 186, ap. 61, Vila Mariana – 04016-001 – São Paulo (SP), Brasil. Tel.: (11) 55791060. E-mail: [email protected] Recebido em 15/5/ 06. Aprovado para publicação em 17/5/ 07. Copyright RBO2007 practicing weightlifting and user of steroids who developed a Multifocal pyomyositis. The authors did not find a similar case in the literature, reporting the association of weightlifting, intramuscular use of steroids, and Multifocal pyomyositis. Keywords – Pyomyositis/diagnosis; Athletic injuries; Steroids/ adverse effects; Case reports [Publication type] INTRODUÇÃO Piomiosite é uma infecção muscular profunda e subaguda, que pode originar abscessos intramusculares únicos ou múltiplos(1). Essa entidade também é chamada de miosite tropical, miosite, miosite piogênica, miosite supurativa, miosite purulenta tropical(1-12). É comum nas regiões tropicais e raras nas regiões temperadas. Está relacionada com infecções sistêmicas, diabetes mellitus, terapia imunossupressora, AIDS e mieloma múltiplo(1-5). Embora qualquer bactéria possa ser causa dessa enfermidade, o Staphylococcus aureus é a mais comum(1,6-7). Apresenta sintomas inespecíficos e assim, geralmente, tem o seu diagnóstico postergado. O atraso do diagnóstico e do tratamento da piomiosite pode levar à “síndrome compartimental”, pioartrite, à osteomielite, à sepse e, ocasionalmente, à morte(1). Injeções intramusculares têm sido, raramente, descritas como causa de piomiosite(2,8). Apresentamos neste artigo o caso de um paciente atleta, usuário de esteróide, que desenvolveu múltiplos abscessos após injeção intramuscular de diclofenaco de sódio. RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 42 anos de idade, branco, médico, natural de São Paulo, procurou o serviço do Centro de Traumatologia do Esporte (CETE) do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo Rev Bras Ortop. 2007;42(5):157-60 158 Ejnisman B, Sayum Filho J, Andreolli CV, Monteiro GC, Pochini AC, Cohen M (DOT-UNIFESP), com queixa de dor no ombro direito havia 10 dias. A dor apareceu após realizar treino de sobrecarga durante a prática de halterofilismo, ocasião em que levantou 150kg no supino. Por causa da dor utilizou uma injeção intramuscular de diclofenaco de sódio, por conta própria. Após três dias o paciente notou aumento de volume na região lateral do ombro direito e aumento da dor. Nessa data procurou um serviço de ortopedia, onde foi realizado ultra-som e diagnosticada coleção na região subdeltóidea, sendo receitada cefalexina por via oral e crioterapia local. Após sete dias do início dos sintomas, o paciente apresentou hematúria e febre. Procurou, então, outro serviço de ortopedia, onde foi prescrita ciprofloxacina por via oral. Após ser submetido a novo ultra-som e à ressonância magnética, detectou-se a presença de abscesso. Após 10 dias o paciente procurou o CETE-UNIFESP. Ao exame físico apresentava: sinais flogísticos em ombro direito, dor à palpação e sinais de flutuação em tumoração no ombro que media aproximadamente 4cm x 3cm, leucocitose de 20.000 e transaminase glutâmico-pirúvica de 1.500. O paciente referiu que praticava halterofilismo havia mais ou menos 20 anos, era usuário de esteróide anabolizante e Figura 1 – Aspecto inicial do ombro direito do paciente que apresentava sinais flogísticos e de flutuação Figura 3 – Detalhe da limpeza cirúrgica e drenagem do ombro direito do paciente no intra-operatório Figura 2 – Detalhe do glúteo direito já previamente drenado Rev Bras Ortop. 2007;42(5):157-60 Figura 4 – Paciente retornou à sua atividade esportiva Piomiosite multifocal em atleta: relato de caso utilizava freqüentemente antiinflamatório não hormonal intramuscular. Com a história e o exame físico, foi diagnosticada piomiosite e realizada, no centro cirúrgico, drenagem do abscesso e limpeza cirúrgica da cavidade resultante. O paciente foi medicado com oxacilina 1g intravenoso de seis em seis horas (após orientação do infectologista). Foi colhida cultura da secreção, que foi positiva para Staphylococcus aureus. Após um dia de cirurgia, o paciente voltou a apresentar dor, mas dessa vez no ombro esquerdo. Foi realizada punção guiada por ultra-som. No dia seguinte ao da punção, o paciente apresentou dor bilateral nos glúteos, que também foram drenados. Nesse momento, o paciente estava em mau estado geral. Foi avaliado pela clínica e cardiologia, que realizaram ecocardiograma, em que foi diagnosticada endocardite bacteriana. Também foram feitas pesquisas sorológicas para afecções que pudessem diminuir a imunidade, mas todas foram negativas. A antibioticoterapia intravenosa foi mantida por 14 dias, quando o paciente recebeu alta hospitalar. Após 21 dias de pós-operatório, o paciente estava assintomático, sem queixas álgicas e com arco de movimento normal, tanto de membros superiores como de inferiores. Com 40 dias de pós-operatório, o paciente estava praticando halterofilismo. DISCUSSÃO A piomiosite foi descrita pela primeira vez em 1885 e considerada uma condição clínica freqüente em países tropicais(1,9). Essa enfermidade tem acometido pacientes de todas as idades, mas é mais comum na primeira e segunda décadas de vida. O sexo masculino é o mais acometido(1,9). Pode acometer qualquer grupo muscular. Geralmente, acomete apenas um músculo, mas 11 a 43% dos pacientes podem apresentar focos disseminados em vários músculos. O principal músculo acometido é o quadríceps, seguido pelo músculo glúteo e iliopsoas(1,7,9-10). A etiologia da piomiosite primária permanece incerta(1,11). Acredita-se que a infecção ocorra como complicação de bacteremia porque na maioria dos casos esta se desenvolve sem uma “porta de entrada” ou trauma penetrante(1). Entretanto, alguns autores sugerem que a bacteremia sozinha não seja suficiente para causar abscessos e que uma concomitante anormalidade muscular tem que ocorrer para que o abscesso se desenvolva(12). Para alguns autores, o trauma determinando mudanças nas estruturas musculares facilitaria o desencadeamento de miosite(9). Essa teoria poderia explicar o aparecimento da piomio- 159 site após choques elétricos, crises epiléticas ou até mesmo práticas esportivas de alta performance. Algumas condições como diabetes mellitus, má nutrição, HIV, tumores malignos, doenças hepáticas e o uso de drogas intravenosas podem propiciar o aparecimento dessa doença, pois enfraquecem o sistema imunológico(1). Tipicamente, essa doença apresenta curso clínico subagudo, quando os pacientes geralmente procuram o médico após cinco ou seis dias(1). A piomiosite possui três diferentes estágios, os quais representam progressão gradual da inflamação difusa para a formação do abscesso até a septicemia. Esses estágios são: estágio I: caracterizado pelo aparecimento de dor muscular, hiperemia, edema, calor, rubor, febre baixa e indisposição; estágio II: tem como característica a formação de abscesso. É nesse estágio que a maioria dos pacientes procura pela primeira vez o médico; está associado a manifestações locais e sistêmicas da infecção; estágio III: caso a piomiosite não seja tratada adequadamente no 2o estágio, esta pode progredir para o 3o com sinais de toxemia e choque séptico(1). Em relação a exames laboratoriais, é dito na literatura que hemoculturas e culturas de secreção são positivas somente em 16 a 38% e 21 a 41% dos pacientes, respectivamente(1). O ultra-som e a ressonância magnética são os exames de imagem mais utilizados para diagnosticar a piomiosite. O padrão ouro é a ressonância magnética(1,10). Em relação ao tratamento, a escolha depende do estágio e da apresentação clínica. Durante o estágio inicial a doença pode ser tratada com antibioticoterapia isoladamente(1). A presença de abscesso requer drenagem e limpeza cirúrgica antes da antibioticoterapia. Como a maioria dos pacientes é examinada somente após apresentar abscessos, a drenagem seguida de antibioticoterapia intravenosa permanece o tratamento de escolha. O paciente por nós estudado foi acometido pela piomiosite e, apesar de essa enfermidade, de acordo com a literatura, ser de etiologia incerta, neste caso podemos considerá-la como multifatorial(1). A porta de entrada foi a injeção, o trauma resultou dos exercícios intensos e a associação com septicemia determinou o acometimento multifocal. Segundo a literatura, lesões musculares e isquemia podem ocorrer após exercícios rigorosos. Isso com bacteremia transiente determinada pelo Staphylococcus aureus, o que pode resultar em infecção do músculo envolvido(1). Pelo exposto, consideramos que o nosso paciente teve piomiosite de etiologia multifatorial, diagnosticada e tratada conforme recomenda a literatura. Rev Bras Ortop. 2007;42(5):157-60 160 Ejnisman B, Sayum Filho J, Andreolli CV, Monteiro GC, Pochini AC, Cohen M REFERÊNCIAS 1. Bickels J, Ben-Sira L, Kessler A, Wientroub S. Primary pyomyositis. J Bone Joint Surg Am. 2002;84-A(12):2277-86. 2. Rotman-Pikielny P, Levy Y, Eyal A, Shoenfeld Y. Pyomyositis or “injectiositis” – Staphylococcus aureus multiple abscesses following intramuscular injections. Isr Med Assoc J. 2003;5(4):295-6. 3. Chiedozi LC. Pyomyositis. Review of 205 cases in 112 patients. Am J Surg. 1979;137(2):255-9. 4. Tumeh SS, Butler GJ, Maguire JH, Nagel JS. Pyogenic myositis: CT evaluation. J Comput Assist Tomogr. 1988;12(6):1002-5. 5. Christin L, Sarosi GA. Pyomyositis in North America: case reports and review. Clin Infect Dis. 1992;15(4):668-77. 6. McLoughlin MJ. CT and percutaneous fine-needle aspiration biopsy in tropical myositis. AJR Am J Roentgenol. 1980;134(1):167-8. Rev Bras Ortop. 2007;42(5):157-60 7. Corden TE, Morgan ER. 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