O Cara, o Arquétipo do Salvador

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)
DISCIPLINA: PSIQUE E CULTURA - FUNDAMENTOS JUNGUIANOS PARA A
COMPREENSÃO PSICOLÓGICA DOS FENÔMENOS CULTURAIS
SEMINÁRIO
“O Cara”: O Arquétipo do Salvador e a Política
Brasileira.
FÁBIO PIPELMO CAVALE
JULIETA M. H. HADDAD
LUNA P. GIMENEZ
MICHEL FILLUS
Orientador: Dr. Durval Luiz de Faria
SÃO PAULO
2016
INTRODUÇÃO
Estamos vivenciando atualmente no Brasil um momento de grandes
manifestações, questionamentos e fatos políticos que têm exacerbado os contrastes
ideológicos. Faz-se pertinente uma análise psicológica, visto o forte aspecto
mobilizador deste tema aos indivíduos enquanto sociedade. Além disso, é deveras
importante que o conhecimento psicológico promova a reflexão e postura de
comprometimento com o indivíduo e com a sociedade que a profissão permite.
Momentos sociais e políticos delicados não são novidade, nem em história
recente, quanto em história antiga. É certo que os historiadores diriam que devemos
aprender com a história. Entretanto, sabemos que avançar enquanto conduta
reflexiva que leve a uma expansão de consciência é, certamente, algo muito mais
penoso. É uma função de Logos e Eros.
O fato histórico de grande impacto, talvez um dos mais horrendos, foi o que o
nazismo causou: o holocausto. De modo automático, a "religião nazista" era uma
contaminação psicológica difundida no povo alemão, com uma polarização que
excetuou a diferença, os que deveriam ser eliminados. Durante a segunda guerra
mundial, a figura de Hitler apareceu na Alemanha como a imagem de um líder que
poderia salvar a nação, e guiar o povo germânico a um grau supremo da evolução
humana. De acordo com Jung (2001 [1988] p. 13 par. 371), antes da Primeira
Guerra Mundial, a possível guerra na Alemanha era considerada como uma fábula,
onde os europeus nunca poderiam imaginar a dimensão absurda do que ocorreu em
um mundo que julgavam tão organizado racionalmente. Entretanto, mesmo frente à
valorizada capacidade racional, viu-se retrocessos políticos, governos totalitaristas,
e perseguições violentas aos judeus e outros grupos sociais.
Toda a cultura de massa tem o poder de eliminar a individualidade. Jung
esclareceu o perigoso jogo em que a massa passa a dominar as ações individuais.
Observa-se que um aspecto negativo da massa é quando o povo se sente como
maioria e, com isso, com a falsa capacidade de julgamento. Torna-se, desse modo,
comum a convicção de que os “outros” é quem são os culpados, não admitindo
qualquer responsabilidade pessoal ou culpa por atos cometidos em momentos de
“enfurecimento”. Os ideais justificariam as atrocidades.
Jung (2001 [1988] p. 20, par. 388) associa os aspectos expressivos do deus
Wotan da mitologia nórdica com um ¨furor teutonicus”, que exprime um povo, uma
massa, que se encontra num estado de enfurecimento. Este aspecto de Wotan
torna possível o fato de alguém ser manifestamente “possuído” por Wotan, ou por
um conteúdo inconsciente, e possuir de tal maneira todo o povo a ponto de fazer
tudo girar e resvalar fatalmente no perigo deste enfurecimento.
Portanto, dois fenômenos são observáveis em situações limiares: a
possessão e a projeção. Estar possuído é deixar-se conduzir por um conteúdo que
eu atuo de modo inconsciente. Já na projeção, o conteúdo que não reconheço em
mim sofre um processo de estampagem, figurando no outro como realidade
exagerada. "Quando eu projeto meus valores morais em outra pessoa, a minha
responsabilidade é projetada nele" (JUNG, 1984, p.171). Jung explícita, no
seminário sobre a análise dos sonhos, aspectos preocupantes quando se fala de
projeção e de responsabilização:
“Um pai positivo ou complexo materno pode ser tão prejudicial
quanto um negativo. Isso amarra a pessoa. O inconsciente pouco
se importa com amor ou ódio. Você fica amarrado por um ou por
outro. Se é amor ou ódio só importa para o consciente, para o ego.
O ódio pode ser uma força tão passional como o amor. (...) É como
se eu estivesse atribuindo certas qualidades minhas a outra
pessoa, como se pertencessem a outra pessoa e não a mim. Por
que fazemos isso? Existe algum ganho? - Alguma perda? Sra.
Sigg: Quando boas qualidades são projetadas, elas não têm que
ser vividas. Dr. Jung: Sim, então você tem a vantagem de ser
capaz de viver a vida provisória. (...) Então, se você pode projetar
suas qualidades no pai, você se liberta da responsabilidade delas,
e você pode levar uma vida provisória.
Você pode viver
despreocupado, porque você deu para o pai todas as qualidades
pelas quais você era responsável. (...) Projeção é uma força
formidável. Você é movido por ela e você não sabe por quê. O
impacto das projeções chega a você como uma bola de bilhar. Por
meio da projeção, coisas terríveis podem ser trazidas à tona”
(JUNG, 2014, p.169).
Nesta consideração percebemos o perigo de estar mobilizado por emoções
fortes que não encontram um meio de elaboração. Desse modo, uma figura que
tenha atributos salvíficos poderá me redimir do doloroso processo de individuação.
Outro perigo é que somente o ego poderá identificar se o conteúdo tem uma ou
outra qualidade. Isso não significa apenas conhecimento técnico em psicologia,
mas o trabalho egóico de lidar com as polaridades de Eros e Logos. A respeito
disto, Von Franz adverte que:
Na análise, quando as pessoas têm algum conhecimento de
psicologia — o que não se pode evitar, pois isto seria outro
perigo — o ego começa a fazer mau uso do conhecimento
psicológico e a entrar de novo no conflito da sombra, de modo
que na vez seguinte as coisas tornam-se muito mais difíceis
(VON FRANZ, 1985, p. 81).
O mau uso que Von Franz nos adverte pode ser estendido para inúmeras
análises em quaisquer áreas do conhecimento que não levam em consideração
aspectos éticos. Discursos fundamentalistas não são rasos em racionalidade. São
exímios pensadores que obscurecem em seus fundamentos os conflitos reais.
Afinal, de acordo com Jung:
"forças psíquicas” nada tem a ver com a consciência, está
bem mais relacionada com a psique inconsciente e é por isso que
tudo o que sobrevém inesperadamente ao homem dessa região
obscura é sempre considerado ou como algo que vem de fora,
sendo então real, ou como alucinação, ou seja, não verdadeiro. o
que a humanidade ainda não se dê conta é de que alguma coisa
pode ser verdadeira mesmo não tendo vindo de fora (JUNG, 2001
[1988], p. 20. par. 387).
As chamadas possessões ou projeções podem exercer mais influência
quando um poderoso mito está presente, como fonte de energia para tal
empreendimento. Nas palavras de Campbell "as imagens do mito são o reflexo
das potencialidades espirituais de cada um de nós. Ao contemplá-las, evocamos
os seus poderes em nossas próprias vidas" (CAMPBELL, 1990, P.228).
É presente em nossa cultura judaico Cristã a ideia do salvador. Para
Campbell (1990, p. 22) “no século VI, quando os judeus estavam na Babilônia, foi
introduzida a noção de um Salvador do mundo, e a divindade bíblica migrou para
uma nova dimensão". Portanto, o ideal judaico, incorporado no cristianismo, afetou o
modo pelo qual as imagens de centralidade ou de redenção assumem um caráter
divino e salvífico. A respeito, Von Franz explicita que:
Se vivêssemos o ideal cristão conscientemente, isto
significaria ser morto ou morrer como mártir, como pregava a
Igreja primitiva. (...) muita gente acha isso loucura, alegando
que quem assume essa posição tem complexo de salvador, e
assim tiram o corpo fora e dizem que enquanto o problema do
mal não estiver perto demais, os outros que o resolvam. Um
jovem idealista decidiu ir às ilhas onde os americanos iam
fazer experiências com a bomba atômica, com o objetivo de
impedi-los. A maioria das pessoas diria que ele não passava
de um louco, idealista demais, mas na verdade ele estava
tentando viver a imitatio Christi — e aí percebemos o conflito:
ou vivemos sob a pressão de uma obrigação ética que leva a
um beco sem saída ou, se não quisermos ser extremistas,
regredimos a um jogo duplo” (VON FRANZ, 1985 p. 76).
Os modelos que podem condensar ideais são, portanto, uma valiosa saída
para o mal em termos de projeção e não responsabilização. A partir dessas ideias o
presente trabalho apresenta considerações a respeito de como a temática tem sido
evidenciada nos dias atuais.
OBJETIVO GERAL
Compreender aspectos da polarização ideológica no Brasil sob a perspectiva da
Psicologia Analítica expressos em uma rede social.
Objetivos específicos:
Selecionar conteúdos na rede social que expressam aspectos mobilizadores e de
caráter afetivo.
Discorrer sobre o fenômeno projetivo de cunho salvífico atribuído à figuras públicas
do cenário político brasileiro.
MÉTODO:
O presente artigo objetiva uma análise a partir do material veiculado em
redes sociais de cunho político e ideológico cuja amostra foi definida por
conveniência. Os estudantes selecionaram textos contidos em redes sociais levando
em consideração dois aspectos: popularidade da postagem e conteúdo afetivo
expresso.
Como fonte de dados, elencou-se a rede social de maior uso e impacto na
sociedade brasileira: Facebook. Justifica-se a escolha, visto o aspecto mobilizador
e, ao mesmo tempo, anônimo, de quem professa as ideias e não estabelece um
compromisso ético com a informação veiculada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A análise que propomos é permeada por pessoas públicas cujos perfis são
descritos em redes sociais e aos quais são atribuídos significados e/ou poderes.
Preocupamo-nos em localizar imagens que definem o aspecto salvífico ao qual nos
referimos anteriormente e que mobiliza inúmeras expressões de ódio ou de amor
entre os que se manifestam.
A busca por um salvador não é algo novo na sociedade brasileira. Pelo
menos ao longo da história do Brasil, tivemos diversas figuras políticas e adjacentes
que entraram em cena como possíveis salvadores da pátria, como por exemplo, o
ex presidente Getúlio Vargas (1951-1954) que era conhecido como o “pai dos
pobres”, uma direta alusão ao livro de Jó (29-16); os militares que em 1964
efetuaram um golpe militar com a justificativa de “salvar” o Brasil de uma ameaça
comunista; o ex presidente Luís Inácio Lula da Silva que tem grande força e
influência política, também com a mensagem de salvar os pobres de uma política
que beneficiaria somente a classe média alta; o juiz Sérgio Moro, pelas
investigações intituladas “Lava Jato” e “Zelotes” sobre a corrupção de políticos,
empreiteiras, sonegação fiscal e previdenciária; e o deputado Jair Messias
Bolsonaro do Partido Social Cristão.
Todos esses nomes citados, conquistaram grande apoio popular com a
mesma imagem projetada pelas diferentes parcelas da sociedade brasileira: os
Salvadores que tirariam o Brasil da pobreza, da corrupção, ou que trariam os
valores esperados para essas diferentes parcelas.
Iniciemos com um exemplo:
Na postagem acima, retirada numa "Fanpage" do Juiz Sérgio Moro, que conta
com quase um milhão de seguidores, é possível notar como uma grande parcela da
sociedade enxerga o Juiz como um herói. A esse respeito, DOWING (1993) afirma
que um pensamento secreto de alguém que irá nos salvar pode ser denominado de
complexo de salvador. Alguém que de certo modo dará o "Voto de Minerva”, e que
estaria acima do bem e do mal. Jung (1998 p. 784) é enfático quando destaca que
"através desta projeção, o portador da projeção torna-se numinoso e provido de
forças míticas. Graças a sua numinosidade ele tem um efeito altamente sugestivo e
transforma-se no mito do salvador cujos traços básicos se repetem. ”
A imagem mobilizadora de um salvador, pode ter efeitos significativos na
psique da sociedade na qual é venerada. No momento político no Brasil, é uma via
de mão dupla; por um lado pode trazer uma força motivadora, que atravessa
dificuldades, rumo a reconstrução de um país possivelmente polarizado e, por outro,
muito observável em políticas populistas, a sociedade se abstêm de suas
responsabilidades, projetando-as para o ícone do salvador, podendo assim, cair em
um profundo engano projetivo, idealizador, na qual a figura que recebe essa
projeção pode manipular e enganar seus seguidores.
A postagem acima mostra como a projeção de uma polaridade da imagem
arquetípica do salvador pode revigorar a esperança por dias melhores de um povo
que sofreu durante muitos anos com a cultura da impunidade impetrada na política
brasileira. Jung (1988 p. 784) afirma que:
Podemos constatar milhares de vezes que a tensão entre os
opostos, tanto na natureza, como também na alma, representa
um potencial que, em qualquer momento, pode expressar-se
através de uma manifestação energética. Entre o em cima e o
embaixo, cai uma pedra, ou uma cachoeira, e entre o quente e
o frio, acontece uma troca turbulenta. Entre opostos psíquicos,
forma-se um “símbolo unificante”, por enquanto, inconsciente.
Este processo se dá no inconsciente dos homens
contemporâneos.
Entre
os
opostos,
formam-se,
espontaneamente, um símbolo de unidade e totalidade, não
importando se ele chega ao consciente ou não. Agora, seja
homem, objeto ou ideia, então, o conteúdo inconsciente pode
projetar-se sobre este acontecimento.
Ainda para Jung, enquanto a vida do indivíduo é regulada pela sociedade à
semelhança de um canal, sobretudo no âmbito do Estado, a vida dos povos se
mostra como um curso de uma torrente do qual nenhum cidadão é senhor, a não
ser aquele Um que representa a todos. Este Um carrega as características da
manifestação do arquétipo do Salvador, que é condutor do povo e escolhido por ele.
Outro exemplo foi retirado da página do Facebook do ex-presidente Luís
Inácio Lula da Silva. Sua imagem foi construída ao longo de anos, como uma figura
guerreira, que lutou contra a ditadura, o herói dos trabalhadores por sua luta
sindical. Sua força política é imensa, mesmo com seu nome envolvido em supostos
escândalos de corrupção:
Mas isso não impede que sua popularidade ainda seja alta; muito pelo
contrário, muitos o veem como um homem digno e honesto, que salvou o Brasil da
pobreza, e ainda o veem como um salvador que retornará em 2018 para salvar seu
rebanho contra um mal projetado. Neste caso, em específico, o sofrimento, a vítima
de expiação adquire um poder de eliminar seus malfeitos. Desse modo, há uma
sensação de quem sofre pelo povo tem seus pecados perdoados e, por isso, não
deixa de ser o condensador de expectativas ilusórias ou não. Essa situação é
observada, historicamente, por Eliade:
"Todos os heróis repetiam o gesto arquetípico, todas as
guerras ensaiavam a luta entre o bem e o mal, cada nova
injustiça social era identificada com os sofrimentos do
Salvador (ou, por exemplo, no mundo pré-cristão, com a
paixão de um mensageiro divino ou deus da vegetação), cada
novo massacre repetia o glorioso fim dos mártires". (1992, p.
146).
Um ponto interessante que pode ser observado, mais uma vez, é a
delegação da responsabilidade à uma única pessoa. Por mais que não temos o
contato direto com a parte íntima do político, ainda sim, com a projeção daquele que
é o salvador, é colocado qualidades intrínsecas, como se aquele que projeta,
tivesse um profundo conhecimento sobre a pessoa, que na verdade não
conhecemos, ou pelo menos, aquilo que a persona da figura pública nos coloca.
Na situação política atual emergiu a necessidade de reerguer o país nos
parâmetros daqueles que não se sentem representados pelo governo atual, tanto no
âmbito econômico quanto no âmbito de políticas públicas. Nestes cenários, alguns
partidos políticos e, principalmente, figuras políticas passam a aproveitar a ideia de
reerguer o país. Trazem uma mensagem de esperança que influencia no imaginário
coletivo como a figura de um Salvador.
Maués (2007) relembra o drama do regime nazista, relembrando o modo pelo
qual o elemento impuro a ser eliminado foi a solução encontrada para libertar a
Alemanha da sua obscura alienação.
“Durante o regime nazista, a imagem do grande inimigo foi
atribuída aos judeus. Primeiramente, temos uma Alemanha
arrasada pela guerra, uma nação sem esperança, a não ser, é
claro, no âmbito do imaginário coletivo exatamente quanto a
ideia do herói. Então, o partido nazista explora a ideia da
necessidade de reerguer o país, fazer a nação alemã se
reconstruir, e assume esse papel de salvador, na figura de
Adolf Hitler” (MAUÉS, 2007, p. 6).
Abaixo, uma nova postagem:
Neste trecho observamos uma tentativa de defesa da Assessoria de
Comunicação do Deputado Jean Wyllis, acusado de ter ‘cuspido’ na cara de outro
parlamentar, o deputado Jair Bolsonaro. A defesa aproveita todo o momento para
acusar o outro lado de ditador, fraude, criminoso, desonesto e alimenta uma disputa
pela posição excludente de ser o bom. Não é o objetivo deste trabalho dizer quem
está certo ou quem está errado e sim deflagrar como a política brasileira se utiliza
da projeção para atingir seus interesses. Downing (1993) afirma que salvar a vítima
que reside em nosso interior de seus sofrimentos e tormentos é uma necessidade
psicológica. Assim, podemos perceber um perigo importante, que o mesmo autor
salienta: "isso significa o sacrifício do papel do "salvador", uma rendição consciente
e voluntária da nossa fantasia de total independência e autossuficiência."
(DOWNING, 1993, p. 149). Assim, tornamos dependentes de alguém que possa
nos salvar.
Mas é muito grande a tentação de salvar e curar a vítima, e
talvez em nenhum outro lugar seja mais agudo que entre os
psicólogos e psicoterapeutas que trabalham com vítimas e
supõe-se deveriam fazer justamente isso” (DOWNING, 1993,
p. 149).
A identificação com o eleito, a boa pessoa e com a vítima da crueldade é o
que aparece no recorte seguinte, quando o deputado é divulgado como vítima de
desrespeito, a vítima que se sacrifica para defender um lado. Assim, ele é colocado
na posição de um justiceiro, um salvador capaz de uma conduta imprópria por já
estar suportando bastante a estupidez do deputado Bolsonaro. Segue a postagem:
A divisão em certo e errado, sempre atribui a si o bom e ao outro o mau.
Essa dicotomia irreal só pode ser alimentada pela projeção do inaceitável. O pior é
quando essa construção de persona tem como interesse sensibilizar, emocionar e
conquistar o desejo das pessoas por um salvador que resolva o problema delas.
Como se esse salvador pudesse resolver a ameaça da dúvida, os libertar de ter de
pensar, de tentar conhecer melhor o que os assusta.
Nos parâmetros do equilíbrio psíquico, em busca da homeostase de seus
conteúdos opostos e complementares, no momento em que se tem um salvador, faz
necessário (ou emerge) a figura de um vilão, que pode recair tanto em uma outra
pessoa, quanto à um partido político ou em um grupo.
Um é o bem-intencionado que defende a família, a supremacia do homem, a
homofobia, o outro é a vítima da incompreensão e da ignorância, o defensor dos
oprimidos e dos mal compreendidos. Pronto! O cenário está armado. Ocorre a
divisão, os lados não se comunicam, rigidamente possuidores da razão absoluta,
com um intuito que não pode ser fundamentado em uma verdade. A única verdade
aqui é a luta pelos próprios interesses e por uma posição privilegiada diante dos
demais. O mais intrigante é que os excelentíssimos deputados nem devem ser
como tentam se mostrar, parecem jogadores de um jogo que envolve muitas vidas
e, muitos sentimentos legítimos, como daqueles que tentam viver sua sexualidade
com liberdade.
Quando o ego máquina e especula com o elemento salvador,
tudo é arruinado. O ego, a personalidade consciente, tem a
tarefa de manter-se sempre dentro de seus próprios limites e
de levar a sério um complexo ético, como se não houvesse
esperança de um terceiro fator — o que significa suportar
cada conflito ético até que a psique autônoma — o criativo —
comece a agir; (VON FRANZ, 1985, p. 81).
Portanto, as análises possíveis com as postagens selecionadas expressam
que o diálogo e o bom senso são um caminho de difícil acesso quando os ânimos
estão aflorados. Assim, identificar-se com forças arquetípicas é ceder ao imperativo
da dominação e da direção alienada dos impulsos básicos, sem compromisso ético.
Eis a preocupação central das reflexões expressas: a identificação com o salvador e
o lastro de estragos que ela pode nos trazer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A falta de maturidade, a submissão das pessoas de uma nação a um ‘pai’, a
um ‘salvador’, potencializa as expressões simbólicas de tais imagens como o
caminho para a felicidade e a realização. Amplia-se o exercício do poder e a
dominação ideológica gera seus frutos. As pessoas que compartilham da ideologia
representada pelo Salvador se oferecem como propaganda do sistema, de uma
forma massificada e pouco responsável pelas consequências violentas resultantes
dos embates entre as ideologias opostas.
Jung Já havia nos alertado sobre a questão do perigo dos “ismos”, que em
um certo momento, uma massa ligada à uma ideologia, possivelmente estaria
fundida; agiriam como se fosse um só organismo e o nível de consciência da
massa, seria igual aquele com menor grau de consciência do grupo. A maioria de
nós já experimentou que nenhuma vivência é tão ruim quando um grupo está no
mesmo barco.
Em um rebanho não há necessidade de dúvida, quanto mais
pessoas reunidas, mais uma verdade consegue imperar como absoluta, maior o
risco de uma catástrofe.
Desta forma, a população brasileira se vê encurralada com as questões
políticas. Sua responsabilidade, que trata de seu compromisso com a maturidade e
autonomia, acaba lhe custando muito caro por colocá-la nas mãos de pessoas
pouco diferenciadas, que vivenciam uma identificação com a imagem do Salvador e
nada mais estão do que operando para seus próprios interesses individuais e
inconscientes de poder.
Afinal, é como se os meios justificassem os fins, é a esperança frente a
descrença. É a ideia da necessidade de alguém, como um salvador de toda uma
nação, que supostamente colocaria ordem àquilo. Muitos não querem saber se suas
escolhas seguem contra nossas convicções, se são desordenadas: querem apenas
ver seus problemas resolvidos e suas ideologias asseguradas como verdade.
REFERÊNCIAS
CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
DOWNING, C. Espelhos do self. Editora Cultrix, 1993.
ELIADE, M. Mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo, 1992.
JUNG, C. G. Aspectos do drama contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 2001 [1988].
JUNG, C. G. Seminário sobre análise dos sonhos. Petrópolis: Vozes, 1984.
JUNG, C. G. Um Mito Moderno Sobre Coisas Vistas no Céu. Petrópolis: Vozes,
1988.
MAUÉS, A. M. 1984: Arquétipos E Exercício Do Poder. In: VI Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Norte. Belém, Pará. 2007.
VON FRANZ, M. L. A Sombra e o mal nos contos de fada. Trad. Jane Maria
Penteado Kujawski. São Paulo: Paulinas, 1985.