PRINCIPAIS PROBLEMAS GERADOS DURANTE A TERAPIA DE HEMODIÁLISE ASSOCIADOS À QUALIDADE DA ÁGUA Geiza Pereira de Jesus* Aline A. Almeida** Resumo A insuficiência renal crônica constitui importante problema de saúde pública. Com o aumento do número de pacientes em tratamento dialítico e de sua sobrevida, acumularam‑se evidências que permitiram correlacionar os contaminantes da água com efeitos adversos ao procedimento. Partindo‑se do pressuposto de que a qualidade da água utilizada em hemodiálise pode definir algumas causas de morbimortalidades em pacientes renais crônicos que se submetem ao trata‑ mento dialítico, o presente trabalho tem como objetivo geral compilar dados sobre os eventos e instituições de pesquisa a respeito de incidentes por contaminantes orgânicos e inorgânicos em águas utilizadas nas clínicas de hemodiálise, avaliando de acordo com as normas estabelecidas no tratamento da água e considerando a qualidade e a prevenção de risco ao paciente. A metod‑ ologia do presente estudo consiste na revisão literária, com levantamento de dados da literatura científica publicada no Brasil, em português, no período de 2004 a 2014, consultando periódicos na base de dados LILACS e Scielo. A literatura demonstra ainda grande carência de estudos rela‑ tivos à exposição a esses elementos por populações em tratamento de diálise. O monitoramento e a manutenção dos equipamentos de purificação da água são cruciais para a qualidade microbiana e química da água produzida. Garantir e manter a qualidade da água utilizada nos procedimen‑ tos de hemodiálise reduz a morbimortalidade e hospitalizações e, consequentemente, melhora a qualidade de vida do paciente renal crônico. Palavras-chave Insuficiência Renal Crônica. Hemodiálise. Qualidade da Água em Hemodiálise. Contaminantes. Complicações. 1. Introdução A água é um recurso estratégico para a humani‑ dade, pois mantém a vida em todo o planeta, sus‑ tentando a biodiversidade, além de possuir imen‑ surável importância ecológica, econômica e social (TUNDISI; TUNDISI, 2006). É essencial aos seres * Bacharela em Enfermagem. Especialista em Enfermagem em Nefrologia pela Atualiza Cursos. E-mail: [email protected] ** Bacharela em Enfermagem.Especialista em Enfermagem em Nefrologia pela Atualiza Cursos. E-mail: [email protected] Rev. Eletrôn. Atualiza Saúde | Salvador, v. 3, n. 3, p. 41-52, jan./jun. 2016 | 41 JESUS, G.P.; ALMEIDA, A.A. | Principais problemas gerados durante a terapia de hemodiálise associados à qualidade da água vivos, pois é a principal responsável pelas reações metabólicas dos organismos, desempenhando o papel mais importante em quase todas as funções do corpo humano (SILVA et al., 2009). dialítico e de sua sobrevida, acumularam‑se evi‑ dências que permitiram correlacionar os contami‑ nantes da água com efeitos adversos ao procedi‑ mento (SILVA et al., 1996). A contaminação da água por substâncias químicas tóxicas é uma ameaça à qualidade da vida humana e, de modo especial, para aquelas pessoas que sofrem de insuficiência renal (SANTOS; GONÇALVES; JA‑ COB, 2008), a qual consiste em “perda progressiva e irreversível da função dos rins” (BUZZO et al., 2010). A relevância deste tema está pautada na carência de registros literários sobre incidentes nos procedi‑ mentos dialíticos relacionados com a contaminação da água. A motivação mútua partiu da experiência como profissionais de saúde, da afinidade com o tema, da incitação durante o rastreamento biblio‑ gráfico do registro de um caso verídico ocorrido no Brasil e do interesse de explorar essa temática, de forma multidisciplinar, referente à atuação em unidades de hemodiálise. Pretende‑se conhecer so‑ bre esses eventos adversos para poder identificar os riscos e as situações que propiciam sua ocorrência, com a intenção de buscar alternativas para minimi‑ zar as falhas, adotar métodos de análise de risco e, assim, garantir a qualidade dos serviços. A qualidade da água utilizada para tratamento he‑ modialítico tem importância vital, uma vez que compõe 95% de toda solução que faz a limpeza do sangue (SILVA; TEIXEIRA, 2011). Consiste num processo que promove a retirada de substâncias tóxicas, a restauração dos eletrólitos, do balanço ácido/base e a remoção do excesso de água e sais minerais do organismo, através da passagem do sangue por um filtro. Em geral, a diálise é realiza‑ da três vezes por semana, em sessões que duram, em média, de três a quatro horas, com o auxílio do dialisador, também conhecido como “rim arti‑ ficial”, dentro de clínicas especializadas nesse tipo de tratamento (LYDIO; GOMES, 2013). O volume de água tratada utilizada em cada sessão de hemodiálise (HD) é de, aproximadamente, 120 litros por paciente, variando entre 18.000 a 36.000 litros por ano (DAUGIRDAS, 2008). Em razão do uso de grandes volumes de água, expondo o pacien‑ te já debilitado a um contato prolongado, ocorre a relevância de uma maior atenção à qualidade da água utilizada na terapia de HD. Logo, uma maior preocupação quanto à qualidade do processo se re‑ fere aos parâmetros físico-químicos e microbioló‑ gicos desse material (LYDIO; GOMES, 2013). Nes‑ se processo, a água deve ser tratada, de modo que apresente um padrão de qualidade de acordo com a Resolução RDC nº 154, de 15 de junho de 2004, da Agência Nacional de Saúde (ANVISA). “Até a década de 70, acreditava‑se que a água potá‑ vel servisse para HD” (LOPES, 2010), porém, com o aumento do número de pacientes em tratamento Partindo‑se do pressuposto de que a qualidade da água utilizada em hemodiálise pode definir algu‑ mas causas de morbimortalidades em pacientes renais crônicos que se submetem ao tratamento dialítico nas clínicas de hemodiálise, o presente trabalho tem como objetivo geral compilar dados sobre os eventos e instituições de pesquisa a res‑ peito de incidentes por contaminantes orgânicos e inorgânicos indesejáveis em águas utilizadas nas clínicas de hemodiálise. Faz‑se isso sob a perspec‑ tiva da saúde dos pacientes renais crônicos, em que se avalia de acordo com as normas estabelecidas no tratamento da água, considerando a qualidade e a prevenção de risco ao paciente. 2. Metodologia A Revisão Literária foi o método de pesquisa adota‑ do que visa buscar, avaliar criticamente e sintetizar as evidências disponíveis sobre o tema pesquisado. Neste estudo, buscou‑se analisar as publicações so‑ bre nefrologia produzidas no Brasil, em língua por‑ tuguesa. Para tanto, foi realizado levantamento dos dados da literatura científica no período de 2004 a Rev. Eletrôn. Atualiza Saúde | Salvador, v. 3, n. 3, p. 41-52, jan./jun. 2016 | 42 JESUS, G.P.; ALMEIDA, A.A. | Principais problemas gerados durante a terapia de hemodiálise associados à qualidade da água 2014, através de documentação indireta, consultan‑ do periódicos na base de dados LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saú‑ de) e SciELO (Scientific Eletronic Library Online), adotando as palavras-chave: Insuficiência Renal Crônica. Hemodiálise. Qualidade da Água em He‑ modiálise. Contaminantes. Complicações. A coleta de dados foi realizada nos períodos de no‑ vembro a dezembro de 2014 e de janeiro a feverei‑ ro de 2015. O critério de elegibilidade dessas bases de dados considerou que as mesmas concentram maior número de publicações na saúde, sendo que algumas são originadas de teses e dissertações. Para análise e síntese do material, observaram‑se os seguintes procedimentos: a | leitura informativa ou exploratória, que con‑ sistiu na leitura do material para saber do que tratavam os artigos; b | leitura seletiva, que se preocupou com a des‑ crição e seleção do material quanto à sua rele‑ vância para o estudo, excluindo‑se os artigos que não eram pertinentes ao tema de interesse; c | leitura crítica ou reflexiva, que buscou as cau‑ sas das complicações do paciente em terapia de hemodiálise relacionadas com a qualidade da água e os métodos a serem adotados para a prevenção de riscos e promoção à saúde. A análise e síntese dos artigos fornecem subsídios para a tomada de decisão no cotidiano de Enferma‑ gem em nefrologia e da saúde pública, bem como para a identificação de lacunas do conhecimento com o intuito de desenvolver futuras pesquisas. 3. Fundamentação Teórica 3.1 Doença renal crônica A Doença Renal Crônica (DRC) é definida pela le‑ são do parênquima renal (com função renal nor‑ mal) e/ou pela diminuição funcional renal presente por um período igual ou superior a três meses, ten‑ do como causas principais a diabetes, a hipertensão arterial, infecções nos rins e inflamações (BASTOS et al., 2010). Independentemente do diagnóstico etiológico da DRC, a presença de dislipidemias, obesidade e tabagismo pode acelerar o curso da doença (ARAÚJO; PEREIRA; ANJOS, 2009). A Insuficiência Renal Crônica (IRC) consiste na perda progressiva e irreversível da função dos rins, sendo um importante problema de saúde pública (BUZZO et al., 2010). “Nas últimas décadas, as DRCs têm representado um importante papel na morbimortalidade da população mundial e, por este motivo, vêm recebendo maior atenção pelos profissionais da saúde” (RAMIREZ, 2009). Isso ocorre devido à mudança do perfil da população mundial, tendo havido deslocamento do eixo das doenças infecciosas para as doenças crônico-dege‑ nerativas (LYDIO; GOMES, 2013). No Brasil, de acordo com o último censo realizado, em 2013, pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), 658 unidades de diálise foram registradas e o número estimado de pacientes no programa de diálise foi de 100.397. Os tratamentos disponíveis para a DRC são: a hemodiálise (HD), o transplante renal e a diálise peritoneal. Esses tratamentos não são curativos, mas substituem parcialmente a função renal, au‑ mentando a sobrevida do paciente (LYDIO; GO‑ MES, 2013). 3.1.1 Tratamento hemodialítico A Hemodiálise é empregada para normalizar o ba‑ lanço eletrolítico e a remoção de substâncias tóxi‑ cas do organismo, com o uso de um dialisador e de solução de diálise (dialisato), composta, principal‑ mente, por água (BUZZO et al., 2010). O fluido de diálise é uma solução não estéril, for‑ mada por uma mistura de água e concentrado po‑ lieletrolítico numa proporção de 34:1 e serve para banhar o dialisador (membrana semipermeável) (FERREIRA, 2009). Esse fluido é utilizado na fil‑ tração sanguínea de produtos metabólicos produ‑ zidos pelo paciente renal crônico. Rev. Eletrôn. Atualiza Saúde | Salvador, v. 3, n. 3, p. 41-52, jan./jun. 2016 | 43 JESUS, G.P.; ALMEIDA, A.A. | Principais problemas gerados durante a terapia de hemodiálise associados à qualidade da água 3.1.2 Qualidade da água em hemodiálise A água utilizada para o preparo da solução diluída pode variar quanto a sua composição e qualidade, dependendo da fonte e do tratamento utilizado pelo serviço de diálise (CARVALHO, 2005). Deve obede‑ cer à Resolução RDC nº 154, de 15 de junho de 2004, da Agência Nacional de Saúde (ANVISA). Tal reso‑ lução estabelece os limites máximos permitidos para contaminantes inorgânicos na água para diálise (ver Tabela 1), devendo ter sua qualidade garantida em to‑ das as etapas do tratamento, da armazenagem e dis‑ tribuição, mediante monitoramento microbiológico e físico-químico. E especifica que as análises men‑ sais e semestrais devem ser realizadas em laborató‑ rios habilitados pela Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde — REBLAS (BRASIL, 2004). Tabela 1. Padrão de qualidade da água tratada utilizada na preparação de solução para diálise, segundo RDC Nº 154, de 15 de junho de 2004 COMPONENTES VALOR MÁXIMO PERMITIDO FREQUÊNCIA DE ANÁLISE Coliforme total Ausência em 100 ml Mensal Contagem de bactérias heterotróficas 200 UFC/ml Mensal Endotoxinas 2 EU/ml Mensal Nitrato 2 mg/l Semestral Alumínio 0,01 mg/L Semestral Cloramina 0,1 mg/L Semestral Cobre 0,1 mg/L Semestral Fluoreto 0,2 mg/L Semestral Sódio 70 mg/L Semestral Cálcio 2 mg/L Semestral Magnésio 4 mg/L Semestral Potássio 8 mg/L Semestral Bário 0,1 mg/L Semestral Zinco 0,1 mg/L Semestral Sulfato 100 mg/L Semestral Arsênico 0,005 mg/L Semestral Chumbo 0,005 mg/L Semestral Prata 0,005 mg/L Semestral Cádmio 0,001 mg/L Semestral Cromo 0,014 mg/L Semestral Selênio 0,09 mg/L Semestral Mercúrio 0,0002 mg/L Semestral Berílio 0,0004 mg/L Semestral Tálio 0,002 mg/L Semestral Antimônio 0,006 mg/L Semestral Fonte: RDC Nº 154/2004. Rev. Eletrôn. Atualiza Saúde | Salvador, v. 3, n. 3, p. 41-52, jan./jun. 2016 | 44 JESUS, G.P.; ALMEIDA, A.A. | Principais problemas gerados durante a terapia de hemodiálise associados à qualidade da água De acordo com a RDC nº 154/2004 (versão 2006), deve ser estabelecido por escrito à rotina de fun‑ cionamento do serviço, com assinatura do respon‑ sável técnico e do enfermeiro responsável, o con‑ trole do funcionamento do sistema de tratamento da água utilizada para diálise referente aos proce‑ dimentos de operações, à manutenção do sistema e de verificação da qualidade da água. Sob o ponto de vista sanitário, a inobservância dos riscos de contaminação, bem como práticas inade‑ quadas nessa água, imprimem graves consequências aos pacientes em HD (VASCONCELOS, 2012). Por essa razão, é muito importante que a pureza da água utilizada para diálise seja conhecida e controlada. 3.1.3 Contaminantes da água em hemodiálise Todas as substâncias de pequeno peso molecular presentes na água têm acesso direto à corrente san‑ guínea do paciente, levando ao aparecimento de efei‑ tos adversos, muitas vezes, letais (RAMIREZ, 2009). E, segundo Coelho, Fernandes e Holanda (2009): Pacientes com IRC, submetidos à (HD), são particularmente vulneráveis a contaminantes na água utilizada para preparação do dialisato ou no reprocessamento dos capilares [...] tais contami‑ nantes, incluem: alumínio, cálcio, cloro, clorami‑ nas, cobre, fluoretos, magnésio, nitratos, sódio, sulfato e zinco, além de bactérias e endotoxinas. Em 1989, o Food Drug Administration (FDA) revisou e publicou um manual de tratamento em água de diálise, relacionando os sintomas com as possíveis causas de contaminação da água, os quais foram: anemia, por alumínio, cloramina, cobre e zinco; doença óssea, por alumínio e flúor; hemó‑ lise, por cobre, nitratos, cloraminas; hipertensão, por cálcio e sódio; hipotensão, por bactéria, endo‑ toxina e nitratos; acidose metabólica, por baixo pH e sulfatos; degeneração neurológica, por alumínio; náusea e vômito, por bactéria, cálcio, cobre, en‑ dotoxina, baixo pH, magnésio, nitratos, sulfatos e zinco; morte, por alumínio, flúor, endotoxina, bac‑ téria e cloramina (SIMÕES; PIRES, 2004). 3.1.3.1 Contaminantes químicos A presença de contaminantes químicos pode le‑ var a anemias, osteopatias, hipertensão, hipoten‑ são, acidose e distúrbios neurológicos (LYDIO; GOMES, 2013). Arsênio, cádmio e chumbo estão entre os princi‑ pais contaminantes a serem controlados, por serem extremamente tóxicos (SANTOS; GONÇALVES; JACOB, 2009), fazendo parte do programa de con‑ trole da qualidade da água para diálise, realizado pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/FIOCRUZ), a fim de monitorar e garantir a segurança desse tratamento. A exposição ao arsênio tem sido associada à hi‑ pertensão, podendo causar danos severos nos sis‑ temas renal, hematopoiético e hepático (SILVA; MOREIRA, 2009). O cádmio é um elemento extremamente tóxico, sen‑ do os principais sinais e sintomas de intoxicação o dano renal com proteinúria, alterações na memó‑ ria, alterações cognitivas, velocidade psicomotora e doença óssea (osteomalácia) (MOSSINI et al., 2014). A intoxicação aguda por chumbo em pacientes em tratamento de HD pode ocasionar anemia hi‑ pocrômica, dor abdominal e anorexia, desordens neuromusculares e encefalopatia, podendo evoluir até o coma e a morte (SILVA; MOREIRA, 2009). O zinco em excesso na água para HD pode levar ao aparecimento de anemia hemolítica, além de náu‑ seas e vômitos. O acúmulo crônico está relaciona‑ do a casos de encefalopatia (PEGORARO, 2005). Dos contaminantes metálicos presentes com maior frequência na água, o alumínio é o que cau‑ sa maior problema aos pacientes com IRC, poden‑ do estar relacionado à encefalopatia, a uma forma específica de osteomalácia e de anemia microcíti‑ ca (CARVALHO, 2005). A concentração elevada de sódio na água para HD pode causar hipertensão, convulsão, vômito, taquicardia e dificuldades para respirar (PEGO‑ RARO, 2005). Rev. Eletrôn. Atualiza Saúde | Salvador, v. 3, n. 3, p. 41-52, jan./jun. 2016 | 45 JESUS, G.P.; ALMEIDA, A.A. | Principais problemas gerados durante a terapia de hemodiálise associados à qualidade da água O excesso de cobre ataca o fígado e o cérebro, pro‑ vocando hepatite e sintomas neurológicos e psi‑ quiátricos (VASCONCELOS, 2012). A grande lipossolubilidade do mercúrio leva ao acúmulo no sistema nervoso central, causando tremores, paralisias e manifestações psiquiátricas (PEGORARO, 2005). A presença de grandes quantidades de cálcio e magnésio na água não tratada produz a “síndrome da água dura”, que se caracteriza pelo aparecimen‑ to de náuseas, vômitos, letargia, fraqueza muscular e hipertensão arterial (PEGORARO, 2005). Os efeitos da presença de cloro podem provocar hemólise, dor abdominal, dor torácica, lombar, diarreia, calor, coagulação no capilar (VASCON‑ CELOS, 2012). “Caso a hemólise não seja reconhe‑ cida precocemente, desenvolve‑se a hipercalemia severa que pode levar à morte” (COELHO; FER‑ NANDES; HOLANDA, 2009). Estanho, arsênio e estrôncio podem estar presentes na água de abastecimento e causar complicações nos pacientes em hemodiálise por acúmulo teci‑ dual (PEGORARO, 2005). 3.1.3.2 Contaminantes microbiológicos Os contaminantes microbiológicos mais frequen‑ tes são bactérias gram-negativas e seus produtos de degradação, tais como endotoxinas e peptidio‑ glicanos (BUGNO et al., 2007). Estes, quando pre‑ sentes no fluido de diálise, podem causar, segundo Câmara Neto (2011), complicações intradialíticas agudas (reações pi‑ rogênicas, instabilidade cardiovascular, dor de cabeça, náuseas e cólicas) e manter um estado de microinflamação crônica, que pode estar en‑ volvido na patogênese de uma série de compli‑ cações crônicas típicas do estado urêmico, como a amiloidose, a ateroesclerose e a desnutrição. As cianobactérias liberam toxinas que são potentes e letais. Entre essas toxinas, a microcistina-LR (MC‑ -LR) é hepatotóxica; a anatoxina-a, anatoxina-a(s), saxitoxina e neosaxitoxina são neurotóxicas (VAS‑ CONCELOS, 2012). As hepatotoxinas apresentam, entre os efeitos de intoxicação, fraqueza, anorexia, inchaço das mem‑ branas mucosas e vômito, levando à morte em poucas horas ou em poucos dias após a exposição inicial à toxina (CARMICHAEL, 1994 apud SAN‑ CHES et al., 2012). A literatura reporta a ocorrência de um acidente em Caruaru, Pernambuco, onde faleceram 65 pacientes que faziam hemodiálise, devido à presença de mi‑ crocistina-LR na água (SANCHES et al., 2012). O controle dessas bactérias somente começou a ser feito pela legislação nacional, com a Portaria n° 1469, do Ministério da Saúde, de 29/12/2000 (BRASIL, 2000). Ela estabeleceu os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, tornando obrigatório, pela Portaria n° 518/MS (Brasil, 2004), o monitoramen‑ to de cianobactérias e cianotoxinas nas estações de abastecimento público. Determinou também o va‑ lor máximo de microcistinas permitido na água em 1 μg L-1, “porém, para águas de abastecimento de hospitais que realizam hemodiálise, esse valor tem que ser igual a zero” (SANCHES et al., 2012). A formação de biofilmes, que facilitam a persistên‑ cia microbiana nos diferentes pontos do sistema e protegem o microrganismo da desinfecção, au‑ menta o risco de contaminação e eleva os níveis de endotoxinas na água (VARO et al., 2007). “A bacteremia pode ocorrer se houver defeitos na integridade da membrana do dialisador, se o nível de contaminação microbiana da água for elevado ou se houver contaminação durante o processo de reuso dos dialisadores” (BUGNO et al., 2007). Os fungos, durante a última década, surgiram como principal causa de infecções adquiridas em ambien‑ te hospitalar (SIMÕES; PIRES, 2004). “A incidência de infecções fúngicas, especialmente em hemo‑ dialisados, vem aumentando gradativamente, sen‑ Rev. Eletrôn. Atualiza Saúde | Salvador, v. 3, n. 3, p. 41-52, jan./jun. 2016 | 46 JESUS, G.P.; ALMEIDA, A.A. | Principais problemas gerados durante a terapia de hemodiálise associados à qualidade da água do que, em geral, a colonização precede a doença” (VARO et al., 2007). 3.1.4 Tratamento da água em hemodiálise No pré-tratamento, são utilizados filtros de areia, carvão ativado e abrandadores (para remoção de cálcio, magnésio, ferro e manganês), retendo grande parte de impurezas orgânicas e químicas. Como pós-tratamento, são recomendados filtros com porosidade igual ou menor que 0,2 micras, que retêm bactérias e endotoxinas. Como pro‑ cesso final, a água sofre ação da luz ultravio‑ leta com esterilização (LEME; SILVA, 2003). Os métodos de tratamento preferenciais são a deio‑ nização e a osmose reversa (PEGORARO, 2005). Os deionizadores são constituídos por resinas ca‑ pazes de eliminar praticamente todos os sais mi‑ nerais, além de matérias orgânicas e partículas co‑ loidais. A osmose reversa oferece maior segurança em razão da sua capacidade de retenção de metais pesados e orgânicos dissolvidos na água (SILVA et al., 1996; COIMBRA et al., 2007). Todos os componentes do sistema de tratamento de água podem ser multiplicadores de bactérias e fontes de contaminação por endotoxinas, portanto, devem ser substituídos ou desinfetados conforme rotina preestabelecida (COIMBRA et al., 2007). A estratégia para controle da contaminação do sis‑ tema de hemodiálise deve incluir a desinfecção dos tanques, tubulações e máquinas realizada a um só tempo para que se considere a limpeza eficaz (SIL‑ VA et al., 1996; VASCONCELOS, 2012). Os métodos utilizados para a desinfecção podem ser físicos, como a radiação ultravioleta e o aque‑ cimento da água até > 80ºC ou químicos, como o ozônio, hipocloritos, formaldeído e ácido paracéti‑ co (LYDIO; GOMES, 2013). “A contagem Padrão de Bactérias é muito impor‑ tante durante o processo de tratamento da água, visto que permite avaliar a eficiência das várias eta‑ pas de tratamento” (VASCONCELOS, 2012). A água, depois de purificada, é armazenada em re‑ servatórios e distribuída para as máquinas através de tubulações. A projeção dessas deve ser realiza‑ da, de forma a evitar zonas mortas e volumes de água que não circulem (LYDIO; GOMES, 2013). 3.1.5 Importância do monitoramento da água de hemodiálise Programas de monitoramento são importantes ins‑ trumentos de ação sanitária para garantir a imple‑ mentação de rotinas de manutenção nos sistemas de tratamento e distribuição da água para diálise, visando à prevenção dos riscos a que se expõem os pacientes renais crônicos (VASCONCELOS, 2012). A continuidade do monitoramento da água se des‑ taca por ser uma medida de controle importante, uma vez que somente tecnologia e análises labo‑ ratoriais da água não garantem qualidade para he‑ modiálise (RAMIREZ, 2009). A legislação brasileira estabelece que as clínicas de diálise devam realizar, como uma das formas de monitoramento da água, avaliações periódicas da sua qualidade, com coletas em pontos específicos do sistema de distribuição: no ponto contíguo à máquina e na sala de reuso (BUZZO et al., 2010). 4. Resultados e Discussão O tratamento dialítico modificou o prognóstico dos pacientes com IRC, mas também é responsável por complicações, cuja intensidade e frequência são cada vez mais relatadas (BUGNO et al., 2007). Dentre as patologias ou danos aos sistemas fisiológicos rela‑ cionados à exposição aos contaminantes da água, as mais frequentemente encontradas foram: danos no sistema cardíaco e vascular, neoplasias malignas, da‑ nos ao sistema renal e patologias do sistema nervoso. A maioria das doenças infecciosas e das compli‑ cações tóxicas relacionadas à hemodialisadores é atribuída a germes presentes na água, causando septicemias e endotoxemias que podem provocar reações pirogênicas (VASCONCELOS, 2012). Rev. Eletrôn. Atualiza Saúde | Salvador, v. 3, n. 3, p. 41-52, jan./jun. 2016 | 47 JESUS, G.P.; ALMEIDA, A.A. | Principais problemas gerados durante a terapia de hemodiálise associados à qualidade da água As doenças relacionadas a aflorações de ciano‑ bactérias preocupam muitas entidades ligadas à saúde pública, principalmente depois da tragédia ocorrida em Caruaru, Pernambuco, em 1996, visto que a microcistina-LR na água pode ocasionar a intoxicação e morte de pessoas. Portanto, a análise microbiológica e de endotoxina é necessária para garantir a ausência de risco biológico. Vários estudos mostram relação direta entre o nú‑ mero de reações pirogênicas em centros de hemo‑ diálise e o nível de bactérias encontrado na água e nas soluções de diálise. Muitos surtos associados à diálise demonstram o potencial de morbidade e mortalidade relaciona‑ do às infecções em pacientes dialíticos, sendo que muitos desses surtos poderiam ter sido evitados pelo uso de adequado tratamento de água, eficien‑ te desinfecção do sistema de tratamento e de má‑ quinas de diálise, pela adesão a rígidos protocolos de reprocessamento de dialisadores e por rigoroso monitoramento da qualidade da água tratada. Na literatura, encontram‑se diversos relatos de surtos associados à qualidade da água tratada para diálise, entretanto, como somente ocorrências catas‑ tróficas tendem a ser publicadas, não se tem ideia real da frequência de efeitos adversos do tratamento dialítico relacionados à qualidade da água tratada. A literatura demonstra, ainda, uma grande carên‑ cia de estudos relativos à exposição crônica a agen‑ tes tóxicos inorgânicos, por populações em trata‑ mento de diálise (SILVA; MOREIRA, 2009). O monitoramento precário, muitas vezes em decor‑ rência da falta de infraestrutura e de recursos finan‑ ceiros para sua correta realização, apesar dos dita‑ mes e parâmetros estabelecidos por lei, certamente impossibilita uma regulação efetiva da qualidade da água utilizada no tratamento de HD, que é um pon‑ to fundamental para o aumento da expectativa e da qualidade de vida dos pacientes renais crônicos. Casos de intoxicação aguda são rapidamente detec‑ tados e, normalmente, o nexo causal é facilmente definido. Contudo, os casos de exposição crônica de pacientes submetidos à HD a esses elementos ainda são alvo de grande discussão e, muitas vezes, é extre‑ mamente difícil estabelecer a ligação com o quadro patológico (SILVA; MOREIRA, 2009). Existem poucos relatos na literatura com respeito à ocorrência de fungos em águas tratadas e amostras de dialisado, bem como os fatores associados e o impacto dessas infecções em pacientes sobreviven‑ tes (VARO et al., 2007). “No Brasil, assim como na legislação internacional, a análise bacteriológica de rotina da água usada nos procedimentos de HD não inclui a pesquisa e/ou identificação de fungos” (VARO et al., 2007). Ressalta‑se que essa resolução, assim como as ante‑ riores, não incluiu nos parâmetros microbiológicos as pesquisas de leveduras e P. aeruginosa, “lembrando que o gênero bacteriano mais frequentemente isola‑ do em águas tratadas para diálise tem sido Pseudomonas” (SIMÕES; PIRES, 2004; PERES et al., 2011). A importância da P. aeruginosa como patógeno hospitalar está associada à resistência aos antibióti‑ cos, à susceptibilidade diminuída aos antissépticos desinfetantes e à forte capacidade de formação de biofilme (FERREIRA; LALA, 2010). Isso mostra a importância de um controle maior quanto à pre‑ sença dessa espécie na água utilizada em HD. Analisando‑se a legislação vigente no Brasil, per‑ cebe‑se uma falha quanto a esse quesito, pois a análise de P. aeruginosa não é exigida por lei. No entanto, em alguns países, como Austrália, Alema‑ nha e Itália, existe a obrigatoriedade dessa análise, sendo que o valor permitido deve ser inferior a 1 UFC/50mL, 1 UFC/100mL e 1 UFC/250mL, res‑ pectivamente (LYDIO; GOMES, 2013). Tudo isso confirma a importância de padronizações mais exigentes para a água utilizada em HD. Diante das evidências, verificam‑se os riscos a que o usuário final, geralmente um paciente debilita‑ do, está exposto durante as sessões de hemodiáli‑ se. Fica também evidente aos responsáveis de cada Rev. Eletrôn. Atualiza Saúde | Salvador, v. 3, n. 3, p. 41-52, jan./jun. 2016 | 48 JESUS, G.P.; ALMEIDA, A.A. | Principais problemas gerados durante a terapia de hemodiálise associados à qualidade da água setor a importância da sua atuação eficaz nesse processo, para que os pacientes, no momento da diálise, possam estar confiantes no tratamento, certos de que estão sendo atendidos por profissio‑ nais habilitados e com suporte de matérias-primas e, principalmente, água de qualidade, conforme es‑ tabelecido pelas legislações. 5. Conclusão Na área hospitalar, é essencial que a água esteja totalmente livre de contaminação. No processo de HD, é de extrema importância a vigilância à quali‑ dade da água destinada aos pacientes, uma vez que é o maior insumo utilizado. Garantir e manter a qualidade da água usada nos procedimentos de hemodiálise reduz a morbidade e hospitalizações e, consequentemente, melhora a qualidade de vida do paciente renal crônico. Sendo a qualidade da água uma das principais fon‑ tes de risco em diálise, a prevenção pode ser efetiva se houver um sistema de vigilância que envolva co‑ leta sistemática de informações, análise e interpre‑ tações de dados, de forma organizada e periódica. O tratamento e a qualidade da água são de respon‑ sabilidade direta dos gestores dos Serviços de Diá‑ lise, que devem garantir segurança aos pacientes dialíticos, mediante manutenção adequada e con‑ trole constante do sistema de distribuição e trata‑ mento da água para diálise. Ressalta‑se a necessidade de uma regulamentação que oriente os padrões de qualidade para a água fornecida para HD intra-hospitalar, visando à maior segurança dos pacientes atendidos. Verifica‑se a importância das ações de vigilância sanitária para garantir a adequação e manutenção dos sistemas de tratamento e distribuição que per‑ mitam obter água com a qualidade requerida para o tratamento dialítico. Salienta‑se o alerta para a necessidade de padroni‑ zação das recomendações oficiais para a qualida‑ de tanto dos fluidos quanto da água utilizada em HD, objetivando a harmonização e uma referência mundial de qualidade, de modo a favorecer o au‑ mento da sobrevida dos pacientes. Também seria importante a criação de padrões regionais quan‑ to à água utilizada para hemodiálise, visto que cada região possui particularidades em relação à característica e origem da água. Além disso, seria relevante também a criação de POPs (Programas Orientados Padrão) para os profissionais, de forma a otimizar o processo de controle da qualidade da água destinada aos pacientes em hemodiálise. Diante do que foi exposto neste trabalho, percebe‑se que existe a necessidade da realização de mais pes‑ quisas sobre as complicações que ocorrem durante a hemodiálise, visto que os pacientes que aderem ao tratamento hemodialítico já têm o histórico de saúde muito debilitado e, quando acometidos por alguma intercorrência durante a terapia, seu estado de saúde pode se agravar ainda mais. Constata‑se que as características e a origem da água utilizada em hemodiálise são de fundamental importância para a determinação da profilaxia de algumas patologias já bem definidas e outras ainda em fase de investigação, secundárias a essa orien‑ tação terapêutica. As limitações deste estudo foram o viés de sele‑ ção, na medida em que houve utilização restrita dos descritores, não contemplando palavras como “qualidade da água em hemodiálise” e “complica‑ ções”, sendo consultadas apenas duas bases de da‑ dos, complementando‑se com teses e dissertações. Em relação às dificuldades encontradas, destaca‑se a pequena quantidade de artigos originais que tra‑ tem da temática, tanto para compor a amostra da pesquisa quanto para discussão dos achados. Diante do exposto, considera‑se premente que sejam realizados mais estudos com delineamento metodo‑ lógico diferente, a fim de que seja permitida a produ‑ ção de evidências científicas mais fortes. Além disso, esses estudos devem ser realizados em diversos con‑ textos de atuação do profissional de Enfermagem. Rev. Eletrôn. Atualiza Saúde | Salvador, v. 3, n. 3, p. 41-52, jan./jun. 2016 | 49 JESUS, G.P.; ALMEIDA, A.A. | Principais problemas gerados durante a terapia de hemodiálise associados à qualidade da água MAIN PROBLEMS GENERATED DURING THERAPY HEMODIALYSIS ASSOCIATED WITH WATER QUALITY Abstract Chronic renal failure is a major public health problem. With the increasing number of patients on dialysis and survival, accumulated evidences that allowed correlate water contaminants with ad‑ verse effects to the procedure. Starting from the assumption that the quality of water used in hemo‑ dialysis can set some causes of morbimortalidades in CKD patients who undergo dialysis treatment, this study has the general objective to compile data on the events and research institutions about in‑ cidents by organic and inorganic contaminants in water used in hemodialysis clinics, evaluating ac‑ cording to the standards of water treatment, considering the quality and the prevention of risk to the patient. The methodology of this study is the literature review of the scientific literature with data collection published in Portuguese in Brazil from 2004 to 2014, consulting journals in LILACS and SciELO database. The literature demonstrates a great lack of studies on exposure to these elements for people on dialysis treatment. The monitoring and maintenance of water purification equipment is vital for microbial and chemical quality of the water produced. To ensure and maintain the quality of water used in hemodialysis procedures to reduce the mortality and hospitalizations and conse‑ quently improves the quality of life of chronic renal patients. Keywords Chronic Renal Failure. Hemodialysis. Water Quality in Hemodialysis. Contaminants. Complications. Referências ANVISA — AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada nº 154, de 2010. Estabelece o Regulamento Técnico para o funcio‑ namento dos Serviços de Diálise. Disponível em: <http:// www.vigilanciasanitaria.sc.gov.br/index.php/download/ category/210hemodialis e>. Acesso em: 10 jan. 2015. ARAÚJO, Elizete Sampaio; PEREIRA, Luciane Lúcio; ANJOS, Márcio Fabri dos. Autonomia do paciente com doença renal crônica em tratamento hemodialítico: a aceitação como fator decisório. Acta paul. Enferm, São Paulo , v. 22, 2009. 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