O racha dos heterodoxos - Instituto de Economia

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O racha dos heterodoxos
21 de novembro de 2013
Fernando Dantas
O aparente fracasso da chamada “nova matriz econômica” experimentada no
início do governo da presidente Dilma Rousseff está levando a um racha entre os
economistas normalmente classificados de desenvolvimentistas e heterodoxos,
historicamente mais próximos ao PT. A mudança na política econômica tinha a
intenção de acelerar a economia, mas o resultado até agora foi queda do
crescimento do PIB e alta a inflação.
Entre os heterodoxos, há, em primeiro lugar, o grupo daqueles que minimizam a
importância da mudança tentada na política econômica, ou que até, de forma
muito discreta, fazem algumas críticas. A outra corrente também é crítica, mas na
direção contrária: para estes, a nova matriz econômica foi uma tentativa
canhestra que deu errado por não ter ido muito mais longe na busca de seus
objetivos.
De forma simplificada, pode-se dizer que o núcleo da nova matriz foi a tentativa
de levar o Brasil a um novo equilíbrio macroeconômico (em relação ao que
prevalecia desde pelo menos o plano Real), com um câmbio bem mais
desvalorizado e um taxa de juros bem mais baixa. Além disso, houve um aumento
do papel do Estado na economia e do protecionismo, incluindo aí as políticas de
conteúdo local.
Economistas como Nelson Barbosa, ex-secretário executivo do ministério da
Fazenda no governo Dilma, não negam que aconteceram mudanças na política
econômica, mas dizem que elas têm mais a ver com diferentes formas de gerir um
mesmo arcabouço do que com guinadas mais radicais.
Assim, quando houve forte tendência à apreciação do câmbio, o governo tentou
atuar para dar mais equilíbrio ao mercado – assim como hoje, quando a
tendência é a desvalorização, existe uma atuação em sentido contrário.
Movimentos, para Barbosa, compatíveis com o câmbio flutuante, assim como a
decisão de acumular maciçamente reservas internacionais (ele frisa que essas
diferenças de gestão de um mesmo arcabouço podem levar a resultados
extremamente diferentes, mas que, ainda assim, não configuram rupturas
radicais de modelo).
Já na questão da redução do juro real, o marasmo econômico (e a consequente
queda das taxas) no mundo rico, combinado com a desaceleração no Brasil, abriu
espaço para acelerar o movimento que já vinha ocorrendo.
Em recente entrevista ao blog de José Dirceu, Barbosa fez observações críticas ao
que seria a visão “industrialista” de política econômica, que ele definiu como
sendo a corrente que quer “câmbio lá em cima (desvalorizado), juros lá embaixo e
salário também lá embaixo”.
O economista apontou que uma grande desvalorização do real requer políticas
monetária e fiscal apertadas para conter o repasse inflacionário, e que significa
também salários menores e aumento do desemprego.
José Luiz Oreiro, economista da Universidade de Brasília (UnB) e professor da
Associação Keynesiana Brasileira (AKB), reagiu em seu blog à entrevista de
Barbosa. Oreiro é hoje um expoente da corrente desenvolvimentista no Brasil, e
um crítico contumaz das políticas econômicas liberais.
É bom ressalvar que, em meio às críticas à declaração de Barbosa sobre o
“industrialismo”, o professor da UnB fez fortes elogios ao ex-secretário executivo
da Fazenda, que considera “o melhor quadro técnico do PT”.
Para Oreiro, é “um conto de carochinha” a ideia de que o Brasil possa crescer
num ritmo satisfatório sem um setor industrial dinâmico, já que a baixa
qualidade do capital humano é incompatível com uma economia moderna de
serviços. “Ou crescemos com base na indústria ou voltaremos ao passado inglório
de país primário-exportador”, ele escreve.
Assim, o economista da UnB tem uma leitura muito mais dramática da
estagnação da indústria nos últimos anos, que ele atribui “à combinação perversa
de apreciação da taxa real de câmbio e crescimento dos salários acima da
produtividade do trabalho”.
Oreiro afirma que a desindustrialização “é, sim, o resultado de uma política
macroeconômica equivocada que gerou um aumento irreal e não sustentado do
salário real no Brasil”. A prova disso, para ele, é o déficit em conta corrente de
“quase 4% do PIB”, que mostra que o País “vive acima de suas possibilidades”.
Oreiro prevê que o próximo governo terá de fazer um forte ajuste do câmbio para
reequilibrar as contas externas, e que “negar isso antes das eleições é prática
comum no Brasil, vide FHC em 1998”.
Curiosamente, até aqui, o diagnóstico do presidente da AKB aproxima-se do
formulado por economistas liberais.
A história muda na prescrição do remédio. Oreiro defende um período de
transição entre a taxa de câmbio apreciada e a taxa de câmbio competitiva, em
que haja uma flexibilização temporária do regime de metas de inflação. A razão é
evitar um quadro muito recessivo pela intensidade do aperto monetário que seria
necessário para conter os preços nos parâmetros do atual regime de metas, dada
as pressões inflacionárias da desvalorização pretendida.
O economista da UnB afirma também que a queda do salário real inicial com a
sua estratégia não é catastrófica. Segundo seus estudos, com Nelson Marconi
(FGV-SP), uma desvalorização real de 30% do câmbio acarretaria uma redução
real dos salários de no máximo 6,5%.
Oreiro diz ainda que é preciso eliminar a dívida pública indexada à Selic e reduzir
gradativamente a indexação da economia brasileira para se obter uma redução
permanente das taxas de juros. Na política fiscal, ele defende uma mudança do
gasto público, com forte aumento dos investimentos e redução do consumo do
governo e do custeio. Aqui, o economista contorna o tema das enormes
transferências de renda através do Estado brasileiro, o que levanta dúvidas sobre
a viabilidade política da sua proposta.
Debate político é simplista
De qualquer forma, a visão do economista da UnB é de uma política econômica
heterodoxa não populista, em que haja um “crescimento sustentado e robusto do
salário real a médio e longo prazo, o que só é possível com a re-industrialização
da economia brasileira”. É uma clara crítica à política de crescimento da renda e
do consumo no curto prazo patrocinada pelo PT nos últimos dez anos.
É muito pouco provável, contudo, que posições como a de Oreiro ganhem força e
prevaleçam na formulação de política econômica no Brasil nos próximos anos,
mesmo que a esquerda, isto é, o PT, se mantenha no poder.
O economista pode ter achado a dose de heterodoxia do início do governo Dilma
insuficiente e mal administrada, já que se manteve o “populismo salarial” da era
Lula. Mas o que parece ser a leitura mais geral, e que inclusive repercute nos
primeiros ensaios da campanha eleitoral, é que Dilma resolveu brincar com a
heterodoxia e queimou as mãos.
A deterioração econômico-política na Argentina e na Venezuela, que fizeram
desvios da ortodoxia muito mais profundos que o brasileiro, também contribui
para queimar o filme do desenvolvimentismo. Seria extremamente injusto dizer
que as opções de Oreiro são cópias do bolivarianismo e do kirchnerismo, mas, no
calor do debate político, é difícil fugir das histórias simplistas. No atual racha
entre os heterodoxos, é nítida a desvantagem da corrente que busca mudanças
mais profundas da economia brasileira.
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