Qualificação independe do porte

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GESTÃO
Qualificação
independe do porte
O ambiente ambulatorial está permeado de situações
de risco. A cultura da segurança quer chegar lá
Por Inês Pereira
D
irigida aos pacientes que não precisam estar internados (do latim, ambulatorius significa “que se move
de um lado para outro”), a denominação
ambulatorial era utilizada apenas para a
realização de consultas e procedimentos
simples, com um mínimo de complicações.
Esse tempo passou. Novas técnicas cirúrgicas e anestésicas, tecnologia minimamente
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invasiva e novas medicações garantiram, ao
ambiente ambulatorial, os recursos necessários também para procedimentos de baixa
e média complexidade, como os realizados
por vídeo.
Essa maior abrangência ainda não corresponde a um olhar proporcionalmente
mais atento aos riscos à segurança do paciente ambulatorial. No Brasil, ainda não
existem dados consolidados sobre eventos
adversos em ambulatórios. Pouco ou quase
nada se faz nesse sentido. O foco sempre
esteve em hospitais e as razões são conhecidas: o hospital é fisicamente muito maior,
assim como os desafios que enfrenta em
termos de interdisciplinaridade e complexidade dos casos. Já o ambulatório pressupõe
atendimentos a pacientes menos frágeis dos
pontos de vista físico e emocional. Como
os exames diagnósticos são, em sua maioria, externos, é mais difícil acompanhar o
desfecho de um caso no atendimento ambulatorial. Nessas situações, muitas vezes,
o paciente é o principal responsável por
coordenar seus próprios cuidados. Mesmo
com a ajuda de familiares ou acompanhantes, ele está potencialmente mais exposto
ao abandono do tratamento do que um indivíduo sob a guarda hospitalar.
“O ambulatório dá a continuidade do
tratamento. O paciente vai e vem, está continuamente entrando e saindo. Precisa de cuidado, orientação, acompanhamento. Nesse
movimento, a chance de ocorrerem falhas é
grande”, observa Nancy Yamauchi, educadora e gerente de projetos em São Paulo do
CBA, responsável pela acreditação da JCI.
Outra vulnerabilidade está na própria relação entre médico e paciente, cada vez mais
pressionada por consultas de curta duração.
“Em 2003, o New England Journal of Medicine publicou uma pesquisa realizada em
Boston mostrando que um em cada quatro
pacientes atendidos em ambulatório é vítima
de eventos adversos relacionados à prescrição de medicamentos. Desses eventos, 13%
foram sérios, 28% poderiam ser amenizados
e 11% eram passíveis de prevenção”, conta
Maria Carolina Moreno, diretora de relações
institucionais da Organização Nacional de
Acreditação (ONA).
No seu livro Compreendendo a Segurança do Paciente (Ed. Elsevier), Robert
M. Wachter, professor e presidente adjunto
do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia, destaca que estudos
recentes nos Estados Unidos mostram que
quase 10% dos erros assistenciais ocorrem
nos consultórios, sendo mais comuns em
prescrição de medicamentos e diagnósticos.
Segundo o especialista, uma questão a ser
vista é que os consultórios são menos regulados. Entre quatro paredes, geralmente
estão presentes médico e paciente e, com
isso, possíveis erros são menos vistos. “É
preciso agir ativamente para que o paciente
administre seus medicamentos de maneira
correta, na hora certa e sem interação com
outros remédios. O médico pode, por exemplo, pedir para que o paciente traga seus
medicamentos a cada consulta e diga como
os utiliza. Dessa forma, é possível verificar se o uso está correto, dentro do que foi
prescrito”, sugere Maria Carolina, da ONA.
Em alguns casos, ela reforça que é preciso
orientar não só os pacientes, mas também
seus acompanhantes. Para identificar quais
são as medidas mais adequadas, porém, é
preciso conhecer bem o público atendido,
saber quais suas dificuldades e limitações.
Quanto aos exames complementares, é preciso que haja agilidade nas respostas a casos
urgentes, e que os médicos acionem seus
pacientes, com toda a cautela, em casos que
são comprovadamente graves.
Menor. Mais simples
De acordo com Wachter, ambulatórios
têm algumas facilidades que devem ser exploradas. Exemplos: uma enfermeira atendendo três médicos consegue mais facilmente implantar procedimentos-padrão no
acompanhamento dos resultados de exames
laboratoriais; a implantação de um microssistema de gestão livrará o espaço de papel
e da provável desorganização da informação;
e é mais fácil engajar os pacientes para cuidar da própria segurança, pois estão menos
comprometidos por doenças graves.
É pensando em usar dessas “facilidades”
para se destacar em termos assistenciais e
competitivos que a expectativa é a de que
cresça, no país, a adesão de serviços especializados e ambulatorais às metodologias
de acreditação.
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Quase 10% dos erros assistenciais
ocorrem nos consultórios, sendo
mais comuns em prescrição de
medicamentos e diagnósticos
Atualmente, 64 ambulatórios são certificados pela Organização Nacional de
Acreditação (ONA), e 9 pela Joint Commission International (JCI). “No Brasil, as
acreditações de ambulatórios se concentram principalmente nas regiões Sudeste
e Sul. A cultura de segurança na esfera
ambulatorial ainda é muito incipiente e o
número de instituições acreditadas ainda
é muito reduzido. Os ambulatórios mais
avançados nessa questão são os que lidam
com questões muito críticas, como os de
oncologia. Nesses casos, o risco é muito
alto e evidente, então a preocupação com
a segurança do paciente é muito maior”,
explica Maria Carolina.
Recentemente, a Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) determinou,
por meio da resolução normativa (RN)
267/2011, que os planos de saúde usem
a acreditação como um dos critérios de
qualidade na divulgação da rede prestadora
de serviços aos seus usuários. “Independentemente do porte, será preciso que as
empresas de saúde se qualifiquem. Caso
CUIDADOS AMBULATORIAIS
Entre as áreas específicas abordadas pelos padrões de cuidados
ambulatoriais da JCI, estão:
Seis metas internacionais de segurança do paciente;
Acesso e avaliação dos pacientes;
Cuidados ao paciente e continuidade dos cuidados;
Direitos e responsabilidades dos pacientes;
Fluxo de informações e prontuários dos pacientes;
Serviços e contratos para pacientes;
Educação de pacientes e familiares;
Anestesia e cirurgia de pacientes;
Melhoria da qualidade e segurança do paciente;
Controle de infecção e segurança das instalações.
Fonte: http://pt.jointcommissioninternational.org/improve/get-accredited-ambulatory-care/
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contrário, perderão espaço no mercado.
Hoje, é uma demanda do próprio setor de
saúde suplementar”, constata o presidente da Federação dos Hospitais, Clínicas
e Laboratórios do Estado de São Paulo
(FEHOESP) e do Sindicato de Hospitais
de São Paulo (SINDHOSP), Yussif Ali Mere
Júnior. Ele acredita que a mentalidade dos
diretores das empresas de saúde já está
mudando: “Os diretores e executivos sabem que qualidade é uma questão de vida
ou morte para o setor da saúde. É necessária uma mudança cultural que precisa
da participação de todos os colaboradores
das instituições, desde a recepcionista ao
responsável pela higienização, para dar
certo. Para tanto, é necessário acompanhamento e a verificação é importante para
que apareçam os resultados”.
O Total Care, centro médico avançado
do grupo Amil focado no gerenciamento de
doenças crônicas, tem três unidades acreditadas pela JCI e, em 2012, conseguiu o
Certificação de Cuidados Clínicos: Diabetes
Mellitus, Insuficiência Cardíaca, Asma e
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. “Com
a certificação, conseguimos um envolvimento e participação mais expressiva de toda
a equipe assistencial. Também reforçamos
o conceito e a importância do trabalho em
equipe, que reforçou o engajamento e comprometimento de todos”, conta Joaquim
Thomé, diretor de novos mercados. Para
ele, a principal motivação foi aprimorar
os processos, implantando e padronizando protocolos e ampliando os programas
internos de capacitação.
Entidades se mobilizam
Fruto da parceria entre a FEHOESP, seus
sindicatos filiados e a ONA, o Projeto Bússola foi lançado no início do ano e tem o
objetivo de qualificar clínicas médicas por
meio do processo de acreditação. Antes da
visita dos avaliadores da metodologia, a
iniciativa passa por encontros mensais para
capacitação e desenvolvimento, com discussão sobre temas como atenção ao paciente,
política de gestão da qualidade e liderança.
“Qualidade, hoje, não é uma tendência; é
uma necessidade. Sabemos que muitas clínicas desejam a certificação de qualidade,
mas encontram dificuldades para obtê-las,
muitas vezes por questões financeiras. A
iniciativa visa disponibilizar um programa
de acreditação mais acessível, disseminar a
gestão da qualidade e estimular o processo
de qualificação”, explica Yussif Ali Mere
Júnior, da FEHOESP.
De modo geral, embora haja as devidas
adaptações às características e necessidades de clínicas e ambulatórios, a base
da metodologia de acreditação é a mesma
para todos os prestadores de serviço, independente do porte. Dentre os resultados esperados, estão a reorganização dos
processos e atividades, redução de custos,
diminuição de retrabalho, motivação dos
colaboradores, maior envolvimento dos
líderes e uma maior interação entre as
Projeto da FEHOESP,
sindicatos filiados e ONA
para qualificação de
clínicas médicas.
equipes multiprofissionais. “Além disso,
as organizações têm a possibilidade de
desenvolver uma política de segurança
do paciente, estabelecer estratégias, medir
desempenho e identificar oportunidades
de melhoria”, acrescenta.
Para Carolina Moreno, da ONA, o foco
na segurança do paciente ambulatorial permite que as instituições passem a encarar
seus riscos e busquem superá-los. “Geralmente, a análise dos riscos acontece em
consequência da acreditação. Só depois,
durante o processo, elas percebem a relevância do trabalho que estão realizando”.
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