COMUNICAÇÃO Voz ativa O engajamento do paciente dá os primeiros passos a partir dos esforços das instituições de saúde Por Danylo Martins “O que você pode fazer para se proteger?”. O dia em que o paciente tiver a resposta na ponta da língua, um grande passo terá sido dado em direção à sua própria segurança. Por enquanto, a fase ainda é de conscientizá-lo da importância de seu engajamento em tudo que diz respeito à sua saúde. Ele pode, e deve, perguntar por que a enfermeira não está usando luvas para fazer um procedimento, por exemplo, ou lembrar o horário da medicação. Simples assim. Pelo menos, deveria ser. Mas alguns fatores somam-se à antiga cultura que alça o corpo clínico ao posto de “inquestionável”: falta de conhecimento básico sobre a doença e seus cuidados por parte do paciente, baixa escolaridade, curta duração das consultas médicas, excesso de especialização até o pouco envolvimento dos médicos com seus pacientes. Um cenário que não é privilégio apenas do Brasil. 20 Melh res Práticas Ainda é baixa a educação sobre saúde, de acordo com Robert M. Wachter, chefe da Divisão de Medicina Hospitalar da Universidade da Califórnia, em São Francisco (Estados Unidos). “Estudos vêm mostrando que quase metade dos adultos americanos tem uma educação sobre saúde limitada”, escreve em seu livro Understanding Patient Safety (ArtMed Editora), na tradução para o português, “Compreendendo a segurança do paciente”. A falta de conhecimento das pessoas a respeito de seu problema para tomar decisões apropriadas inclui as habilidades que elas precisam para se comunicar com os profissionais: “Ler informações médicas, tomar decisões sobre tratamentos, executar tratamentos prescritos e decidir quando e como procurar ajuda”, detalha o autor. Apesar do quadro que ainda revela um paciente pouco atuante, o prognóstico é otimista. Um movimento por parte das instituições para reverter o quadro vem sendo sentido. Entre as estratégias utilizadas, Wachter, da Universidade da California, destaca treinamento da equipe de saúde para levar informação ao paciente e envolvê-lo, por exemplo, fazendo-o repetir para o profissional o que entendeu a respeito de sua doença e do tratamento proposto. “Uma alternativa é o Ask Me 3, em que o paciente é solicitado a fazer três perguntas: ‘Qual é o meu problema principal?’, ‘O que preciso fazer?’ e ‘Por que é importante que eu faça isso?’”, sugere. A experiência do Speak Up Com o objetivo de encorajar os pacientes a questionar tudo o que for importante para o seu problema de saúde, em 2002, a Joint Commission International (JCI) lançou, em parceria com o Centers for Medicare & Medicaid Services, o programa Speak Up, campanha nacional para estimular os pacientes a assumirem um papel mais ativo na prevenção de erros relacionados à assistência médica. O programa é composto de brochuras (cadernos informativos eletrô- nicos), cartazes e vídeos elucidativos que informam sobre diferentes temas, como tomar a medicação da maneira correta, além de dados a respeito de diabetes e depressão, entre outras doenças cada vez mais frequentes no mundo inteiro. O próprio termo “Speak Up”, criado para o programa, é uma sigla, com um significado especifico para cada letra [veja em detalhes no quadro ao final da reportagem]. Um exemplo é a letra “P”, que recomenda aos usuários a participação em todas as decisões acerca de seu tratamento. “Você é o centro da equipe de saúde”, descreve a JCI em sua explicação sobre o programa. Outra orientação é para que o paciente aprenda detalhes importantes dos testes médicos aos quais está sendo submetido. E, em caso de dúvidas, a melhor solução é sempre perguntar. De acordo com o programa, isso possibilita não só a participação de fato no tratamento, mas também maior segurança ao paciente. O IQG encaminha aos hospitais, para distribuição aos pacientes, 13 perguntas que devem ser feitas ao médico na consulta. Leia no site: wwwrevistamelhores praticas.com.br Prática bem-sucedida Pensando em assegurar mais autonomia a seus pacientes, em 2011, o Total Care São Paulo – unidade da Rede Amil especializada em cuidados a portadores de doenças crônicas – implantou o Programa Pergunte, inspirado no Speak Up, da JCI. Na mesma linha, o Hospital Total Core e o Hospital Paulistano, também da Rede, decidiram colocar em prática o Programa. A intenção é fazer com o que o paciente participe ativamente do tratamento. “Você vai comprar um carro e pergunta tudo. No caso de exames, operações, isso não é frequente. A ideia é que o usuário interaja mais, o que garante, inclusive, Falta de conhecimento sobre a doença, curta duração das consultas e baixo envolvimento dos médicos ainda são problemas frequentes Melh res Práticas 21 COMUNICAÇÃO maior segurança para ele. Afinal, um dos grandes problemas mundiais ainda é a infecção hospitalar”, explica o médico Valter Furlan, diretor técnico do Total Core e da Total Care. O estímulo começa com uma atitude simples: fazer com que o usuário pergunte se o profissional lavou as mãos. Até chegar a questões mais complexas e detalhadas, para as quais os funcionários foram preparados para responder. Baseado no programa criado pela Joint Commission International (JCI), as unidades da Rede Amil desenvolveram brochuras informativas e o folder Pergunte. “Cada vez que o paciente é internado, ele recebe o folder com esse estímulo para perguntar o que for importante”, conta Furlan. “O que está acontecendo é uma mudança de paradigma. Não dá mais para a saúde de uma pessoa ficar nas mãos de um profissional. Costumo dizer que sempre houve aquela história de ‘quem manda no avião é o piloto’ e isso provocou muitos acidentes. A Nasa desenvolveu um treinamento que permite a todos os integrantes da tripulação a dar opinião. Na Medicina, precisa ser assim”, enfatiza. Atualmente, o programa está dando bons frutos nas unidades, mas no começo houve certo receio por parte dos profissionais, como médicos e enfermeiros. “Conversamos muito com eles, mostrando a experiência da JCI”, conta Furlan. Foi desenvolvida uma campanha no caso do Total Care São Paulo, com divulgação em todas as áreas da unidade de modo a explicar a importância da participação dos pacientes. “Hoje, isso transcorre sem problemas. Foi montado, por exemplo, um time para situações mais complexas Programa da JCI estimula pacientes a terem um papel mais ativo na prevenção de erros relacionados à assistência médica 22 Melh res Práticas no Hospital Total Core. São discutidos casos e, a partir das trocas, chegamos a algumas conclusões, que são apresentadas ao paciente. Ele pode decidir qual opção é melhor para seu caso”, complementa. S peak: fale se você tem dúvidas ou preocupações. E, se não entender, pergunte novamente. É seu corpo e você tem o direito de saber. P ay attention: preste atenção ao cuidado que você está recebendo. Sempre certifiquese de que você está recebendo o tratamento e os medicamentos corretos pelo profissional de saúde adequado. Não presuma nada. E ducate yourself: eduque-se sobre o seu diagnóstico. Aprenda sobre os testes aos quais você está sendo submetido e o seu plano de tratamento. A K sk: peça a um membro confiável da família ou amigo para ser seu defensor. now: saiba quais medicamentos você está recebendo e por quê. Erros de prescrição de medicamentos são os erros mais comuns na assistência à saúde. U se: utilize um hospital, uma clínica, um centro cirúrgico ou outro tipo de instituição de saúde que se submeta a um rigoroso sistema de avaliação considerando-se padrões de qualidade e segurança, como os definidos pela Joint Commission International (JCI). P articipate: participe de todas as decisões sobre seu tratamento. Você é o centro da equipe de saúde.