Percepções do universo masculino das camadas

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GRUPO DE TRABALHO 1
GÊNERO, CORPO, SEXUALIDADE E SAÚDE.
PERCEPÇÕES DO UNIVERSO MASCULINO DAS
CAMADAS MÉDIAS URBANAS DO RIO DE
JANEIRO SOBRE AFETIVIDADE, GÊNERO E
FAMÍLIA: A QUESTÃO DA PARTICIPAÇÃO DA
MULHER NO MERCADO DE TRABALHO.
Victoria Romeo Tomaz
2
PERCEPÇÕES DO UNIVERSO MASCULINO DAS CAMADAS MÉDIAS URBANAS DO
RIO DE JANEIRO SOBRE AFETIVIDADE, GÊNERO E FAMÍLIA: A QUESTÃO DA
PARTICIPAÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO.
Victoria Romeo Tomaz1
Resumo:
Na sociedade contemporânea as questões relacionadas à família tem apontado para uma
reconfiguração da organização familiar e as formas de conjugalidade, modificando as relações
conjugais e flexibilizando as representações de papéis de gênero (THERBORN, 2006 BAUMAN,
2004 GIDDENS, 2003).
O objetivo do trabalho é mostrar como essas mudanças estão sendo vivenciadas através da
percepção do universo masculino de camadas médias do Rio de Janeiro. Quais as representações
masculinas sobre o modelo ideal de união, como (e se) esse modelo tem sido aplicado as suas vidas.
Nesse contexto podemos perceber permanência da dominação masculina? Como a representação do
papel de “homem” influencia e é influenciada na percepção masculina.
A metodologia utilizada aproxima o debate entre as análises quantitativas e as qualitativas
utilizando os dois tipos de análise. Composto por duas diferentes fontes de dados, a pesquisa
quantitativa “Gênero, trabalho e família” realizada em 2003, e uma pesquisa qualitativa com
entrevistas.
Pode ser destacado como conclusão prévia da pesquisa que apesar das mudanças e novas formas de
organização da família, continua sendo identificado um padrão nas relações de gênero, onde o
homem assume posição dominante, realizando atividades de produção, enquanto as mulheres
realizam tarefas domésticas, cuidando da casa e dos filhos, assumindo uma posição menos
valorizada na esfera social ainda que as contribuições de renda dentro do universo doméstico sejam
próximas. Evidencia-se também a instabilidade e a fragilidade sentida pelos entrevistados que
apontam uma maior inconstância e instabilidade das relações atuais quando comparadas às relações
de outras épocas.
A oportunidade mais fácil da troca de companheira ou companheiro, a rapidez dos acontecimentos,
a falta de exigência dos parceiros um para com o outro, tudo isso vai de encontro com os frágeis
relacionamentos da líquida sociedade pós-moderna descritos por Bauman (2004) onde “você pede
menos, aceita menos, e assim a hipoteca a resgatar fica menor e o prazo de resgate, menos
desestimulante”.
1
Victoria R. Tomaz é aluna do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – PPCIS/UERJ.
3
Introdução:
A questão da família e a organização familiar, as novas formas de conjugalidade2 e a
masculinidade vêm sendo estudadas por diversos autores (Göran Therborn, Pierre Bourdieu,
Zygmunt Bauman, François de Singly, Anália Torres, Anthony Giddens).
Nesses estudos pode ser destacada a conclusão de que o processo de individuação do mundo
moderno ou pós-moderno (BAUMAN, 2000), vem reconfigurando a organização familiar e as
formas de conjugalidade, flexibilizando deste modo as representações de papéis de gênero. No
contexto moderno, os conceitos de família e casamento por vezes não se aplicam mais às novas
conjugalidades, onde o modelo nuclear conjugal dominante, dá espaço a diferentes formas de
relação e união entre os sexos, além de proliferarem as relações imediatas, diferentes experiências
de amor marcadas pela instantaneidade, o que contribuiu para o surgimento de novas formas de
interação nas relações de gênero.
Apesar dessas mudanças, novas formas de organização da família no Brasil e em grande
parte do mundo ocidental, usualmente identifica-se um padrão nas relações de gênero, onde o
homem assume posição dominante, realizando atividades de produção, sendo o provedor da família,
enquanto as mulheres realizam tarefas domésticas, cuidando da casa e dos filhos, e ainda que
trabalhe fora e tenha renda individual, acaba assumindo uma posição menos valorizada na esfera
social.
Podemos perceber através das relações familiares e da organização da vida doméstica,
diversas formas de interação e construção da vida social como um todo. A partir das vivências em
família, pode se perceber os conflitos entre tradição e modernidade, os espaços definidos na
socialmente para o homem e para a mulher, o que é ser homem e o que é ser mulher na
contemporaneidade, os valores dessas relações transmitidos para as gerações futuras e o que a
sociedade impõe como valores que dificultam ou facilitam a vida doméstica, havendo assim um
confronto entre individualidade e conjugalidade.
Procurando entender melhor as questões sobre as relações de poder dentro das relações de
gênero, que são afetadas pelas novas formas de organização familiar e pela flexibilização dos
arranjos conjugais, o objetivo da pesquisa onde se insere este presente trabalho é mostrar como
essas questões são vivenciadas, através da percepção do universo masculino nas camadas médias
urbanas do Rio de Janeiro, se há uma redefinição ou continuidade dos papéis sociais da mulher e do
2
Entendendo conjugalidade como identidade conjugal única, quando dois indivíduos de diferentes identidades e
experiências possuem desejo conjunto, estabelecendo um projeto de vida a dois, assim, dois indivíduos com
preocupações e percepções, anseios e vivências diferentes que passam a definir um modelo de casal.
4
homem nas esferas pública e privada, e como o consumo familiar reflete essas representações de
papéis de gênero.
Discutir essa flexibilização dos arranjos conjugais a partir da visão do homem, inova, ao
apresentar a visão do universo masculino, usualmente entendida e julgada como imutável, ajuda a
esclarecer questões sobre as relações humanas na atualidade. Qual a importância do indivíduo frente
ao casal, qual a interferência do trabalho feminino, como o dinheiro recebido pelo homem e pela
mulher é utilizado como mecanismo de individualização, autonomia da mulher e poder masculino.
Conjugalidades, família, e masculinidade na sociedade contemporânea:
A partir do contato com pesquisas que vem sendo realizadas por diferentes autores acerca
dos temas concernentes à família, casamento, relações conjugais e questões derivadas destes temas
foi possível conhecer diferentes vertentes da produção do pensamento no que diz respeito as
relações afetivas na atualidade e conjugá-las aos dados das pesquisas quantitativa e qualitativa com
a finalidade de compor um trabalho analítico e objetivo sobre a percepção do universo masculino
relativo a essas relações e suas conseqüências para a família no Brasil.
Apesar de diversas bibliografias apresentarem mudanças no que diz respeito às formas de
organização familiar através dos tempos e até mesmo novidades nas relações de poder dentro das
relações de gênero, com destaque para a perda de poder do homem frente à mulher, ainda se
percebe que o padrão tradicional nuclear3 se mantêm, mesmo havendo mudanças, estas não alteram
profundamente o padrão da família brasileira (THERBORN, 2006), entretanto apresentam
alterações de grande importância tais como: aumento de famílias monoparentais e de casais
compostos do mesmo sexo, declínio da referência de poder do patriarcado, redução de tamanho da
família e a tendência cada vez maior da composição de relações orientadas por escolhas afetivas
(BAUMAN, 2004).
Therborn argumenta que as mudanças ocorridas não foram lineares em todos os sistemas
mundiais estudados por ele, e que apesar de significativas, a maior parte não trouxe transformações
para o sistema familiar, salvo exceções como a diminuição do poder e da legitimidade do
patriarcado, de Singly concorda com esse argumento apontando que, ainda que no Ocidente haja
uma tendência homogeneizadora – o que podemos presenciar através dos valores individualistas e
3
Talcott Parsons elabora na década de 1950 um modelo baseado em papéis sexuais. O papel é um modelo pré-
definido que permite ao indivíduo reagir desempenhando funções institucionalizadas, e antecipadas pelo seu meio
social. A integração da personalidade no sistema social é realizada pela família que opera e interage mediada pelos
papéis.
5
nos efeitos da redução da fertilidade e da natalidade - não se deve desconsiderar as diferenças
existentes e as reinvenções possíveis dessas diferenças e das relações de gênero.
Mesmo considerando mudanças no que diz respeito as relações nas relações sociais, para
Bauman, as relações de poder continuam presentes, bem como a dependência do individuo em
relação a sociedade, mesmo com a influência exercida pela modernidade sobre os relacionamentos
interpessoais. De Singly caminha na mesma direção ao colocar a família entre o indivíduo e o
Estado, destacando que a família contemporânea possui grande dependência em relação ao Estado,
ao passo que se torna cada vez mais independente dos grupos de parentesco.
Bauman tal qual Bourdieu sugere que as interações afetivas e sexuais estão pautadas em
questões de ordem social e cultural. São assim socialmente produzidas, até mesmo a desigualdade
hierárquica de gênero. Em relação a essa desigualdade, Bourdieu discorre sobre a dominação
masculina, que estabelece a definição de dois territórios opostos e separados por fronteiras sociais e
culturais que acabam por criar modelos de papéis feminino e masculino. Esses modelos tem como
base a dicotomia dos papéis sexuais familiares, associados à valores e normas e as diferentes
funções desempenhadas e atribuídas ao homem e a mulher. Historicamente o valor associado ao
papel do homem é maior do que o da mulher, cabendo ao homem o trabalho remunerado fora do
ambiente doméstico e a provisão da família, associado assim a esfera pública, e a mulher os
cuidados com a casa, com o marido e com os filhos, atividades voltadas para o espaço privado. Essa
desigual divisão de funções e atribuições acaba por legitimar a dominação masculina
(BOURDIEU,1998). Uma vez que o homem, marido e pai, sendo o provedor da casa garante o
papel de “chefe de família” e geralmente as decisões acerca da organização e do funcionamento da
casa acaba por ficar por conta dele.
Nesse sentido, de Singly parece concordar com a posição de Bourdieu e aponta diferentes
graus da dependência feminina, mas também aponta diferentes faces dessa dominação, ressaltando
algumas mudanças, como o declínio da autoridade do marido.
Na questão relativa a autonomia do indivíduo e a centralidade das relações pautadas na
afetividade, Therborn alega que os indivíduos tem conseguido conciliar a busca de autonomia
individual com uma concreta dependência familiar, desta forma, a revolução sexual não teria
diminuído a ânsia por laços emocionais profundos, exclusivos e duradouros. François de Singly
corrobora a afirmação através de sua divisão das famílias modernas 1 e 2, que assinalam a
construção de uma lógica de grupo, centrada no amor e na afeição e ao afirmar que sentimentos e
satisfações deverão agora ser considerados como motivadores principais da união conjugal, ao invés
de bens e tratos entre famílias. A teoria de Bauman, que considera o amor como algo sem historia
própria, necessitando assim de indivíduos e sociedades que vivenciem o sentimento, vai de encontro
a essa idéia. Porém, ao investigar a flexibilização das relações humanas e ao avaliar essa
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flexibilização, aponta que ela têm contribuído para gerar níveis cada vez mais intoleráveis de
insegurança, constatando que a atual líquida sociedade pós-moderna se caracteriza por uma intensa
fragilidade dos laços humanos.
Esses estudos apresentam algumas limitações, cada um inserido em sua especificidade,
objetivo e questões a serem discutidas, abordam diferentes ângulos dos grandes temas a serem
pesquisados neste trabalho: A percepção masculina sobre a família e os arranjos afetivos conjugais
do Brasil contemporâneo, as relações afetivas e de poder entre gêneros, que orientarão as escolhas
para a composição dessas famílias na atualidade.
A grande quantidade de estudos contemporâneos relacionados a esses temas ressalta a
necessidade de se continuar a pesquisá-lo. Torna-se assim, de suma importância pesquisar as
percepções e representações de gênero dentro do universo familiar para através deste, expor, como
vêm sendo estabelecidas as relações de poder e gênero, os conflitos entre tradição e modernidade,
os espaços definidos na sociedade para o homem e para a mulher, o que é ser homem e o que é ser
mulher na sociedade contemporânea.
Metodologia:
A confluência entre as análises que focam a diversidade e as mudanças da estrutura e as
análises que enfatizam o lugar de valor que a família ocupa numa dada sociedade ou grupo social,
requer uma maior proximidade e debate entre as análises quantitativas e as qualitativas.
Utilizando os dois tipos de análise, no sentido de buscar resultados mais abrangentes e
significativos esse trabalho se constitui por duas diferentes fontes de dados, a primeira fonte é a
pesquisa quantitativa “Gênero, trabalho e família” realizada em 2003, de coordenação das
professoras Clara Araújo (UERJ) e Celi Scalon (UFRJ), que teve como base institucional o
Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ) e o
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Para realização dessa pesquisa foi
utilizado um Survey aplicado em 195 municípios de 24 Estados brasileiros a uma amostra de 2 mil
indivíduos o que coloca a pesquisa como representativa da sociedade brasileira.
Do total dos indivíduos do sexo masculino entrevistados, trabalharemos aqui com grupos
divididos por escolaridade, estado civil e presença ou não filhos, além de levar em conta a idade, o
que vai nos situar melhor acerca da situação de vida, ou seja, o estágio de vida no qual o indivíduo
se encontra.
Os resultados foram analisados a partir do tratamento dessas variáveis e das respostas dadas
a questões de opinião da pesquisa, com frases de afirmações que os pesquisados responderam se
concordavam ou discordavam. Os homens foram divididos pelas seguintes faixas etárias: 343
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indivíduos têm idade entre 18 e 29 anos, 231 entre 30 e 39 anos, 173 entre 40 e 49 anos e 237
indivíduos têm 50 anos ou mais. Para a construção das faixas etárias levou-se em consideração o
momento de vida desses indivíduos, o início da idade adulta, o estabelecimento desta nova fase, a
faixa da maturidade e a terceira idade. A idéia é comparar as diferentes faixas etárias e buscar
estimar quanto a variável idade influencia nas percepções dos indivíduos.
A variável escolaridade foi analisada através de anos de acesso e freqüência ao estudo,
assim sendo, 285 entrevistados estão na faixa de “sem instrução a 3 anos”, 313 indivíduos
declararam ter de 4 a 7 anos de estudo, 149 de 8 a 10 anos, 189 de 11 a 14 e finalmente 48 homens
que disseram ter 15 anos ou mais de estudo.
Para efeito de análise, os homens foram agrupados nessas cinco faixas de instrução na
tentativa de sintetizar as informações em relação a escolaridade, mas também não deixando de levar
em consideração essa variável que é significante para a análise, uma vez que podemos constatar se
há diferença de opinião entre homens com distintos graus de instrução.
Essas três variáveis serviram para construir análises divididas em três diferentes blocos de
temas, sendo eles: (i) percepção do homem acerca da mulher na sociedade e da participação da
mulher no mercado de trabalho; (ii) opinião masculina acerca da infidelidade, divórcio e suas
conseqüências, onde através das respostas podemos aferir as percepções sobre a dominação
masculina, (iii) a questão da felicidade individual relacionada à vida conjugal, este último com
objetivo de aferir se a atual situação vivenciada é a situação desejada, buscando saber o que pensam
os homens sobre se o fato de estar solteiro é questão de opção ou não.
Por questão de espaço, me aterei neste artigo apenas ao primeiro bloco que será apresentado
e discutido a seguir.
Para a parte qualitativa, com o objetivo de contemplar a diversidade existente entre o
universo masculino da cidade do Rio de Janeiro, foram entrevistados dez homens com perfis
distintos. Como instrumento de coleta de dados tem-se entrevistas e depoimentos espontâneos a
partir de questões abertas aplicadas aos interlocutores.
Percepção masculina acerca da mulher na sociedade e da participação da mulher no mercado
de trabalho
Com a finalidade de analisar a representação do papel da mulher e em especial a presença da
mulher no mercado de trabalho, optou-se por analisar as respostas (concorda ou discorda) dos
indivíduos às seguintes afirmativas da pesquisa “Gênero, trabalho e família”: Homem deve ganhar
dinheiro e mulher cuidar da casa; Crianças sofrem mais quando a mãe trabalha; Vida familiar fica
prejudicada se a mulher trabalha tempo integral; Maioria das mulheres querem ter lar e filhos;
8
Dona de Casa: tão gratificante quanto trabalhar fora; Atividade profissional: importante para se
sentir feliz.
As afirmativas dizem respeito à questão do papel da mulher na vida privada e na vida
pública, além de dar margem a comparação entre os papéis feminino e masculino através da ultima
pergunta onde os indivíduos responderam sobre a importância da atividade profissional na vida do
(qualquer) indivíduo.
No que diz respeito à questão da mulher no mercado de trabalho, podemos constatar que
apesar da maioria declarar que a atividade profissional é importante para a felicidade do indivíduo,
95,7% dos homens que são pais e declararam viver com companheira, por exemplo, responderam
que concordam que a atividade profissional seja um fator importante para a felicidade individual,
88,3% dos homens de mesmo grupo consideram que a criança sofre quando a mãe trabalha fora.
No caso dos que disseram estar solteiros e não possuem filhos, o percentual de concordância
nesta questão “Crianças sofrem mais quando a mãe trabalha” foi de 83,9%, enquanto o percentual
dos que vivem conjugalmente, mas tem filhos foi de 79,3% o que explicita que a condição de ser
pai exerce influência, na opinião sobre o “papel de mulher e mãe” das companheiras.
Em relação a escolaridade, o percentual não varia muito até a faixa dos que tem entre 8 a 10
anos de instrução (variando de 87,7% a 86,6%), mas a partir da faixa seguinte (11 a 14 anos de
instrução – 79,9%) a principalmente na última faixa, de 15 anos ou mais de estudo (75%), a
concordância dos homens é menor, o que demonstra uma relação entre a escolaridade e a opinião
sobre o trabalho feminino. Indivíduos com maior número de anos de estudo conseguem aceitar mais
a mulher, mãe e profissional, porém, conforme podemos perceber no quadro comparativo 1, todos
os percentuais de concordância em todos os níveis de escolaridade, situação conjugal e presença de
filhos em relação a essa questão são altos.
Essa constatação pode ser feita também quando analisamos a concordância da afirmativa
“Vida familiar é prejudicada se a mulher trabalha tempo integral”, mais uma vez destaca-se que a
presença de filhos é decisiva na opinião dos homens, sendo fator determinante para que os
companheiros acreditem que suas companheiras devam se dedicar mais a casa e a família, em
detrimento de uma atividade profissional.
Os que possuem filhos concordam mais com a afirmação do que os que não possuem,
independente da situação conjugal na qual se encontram, isto é, mesmo os pais solteiros ou
separados, concordaram mais (70,5%) do que os indivíduos na mesma situação conjugal, porém
sem filhos (65,9%). Em relação a escolaridade desses indivíduos, há um decrescimento linear das
porcentagens de concordância de opinião desde os “sem instrução a 3 anos de estudo” (73,3%) até
os que possuem de 11 a 14 anos de instrução (61,4%). Vale ressaltar que 62,5% dos entrevistados
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com 15 anos ou mais de estudo, 1,1% a mais do que a faixa anterior afirmou concordar que é
prejudicial a vida familiar o fato da mulher trabalhar tempo integral.
Em relação a afirmativa de que a vida familiar fica prejudicada se a mulher trabalha tempo
integral, podemos aferir através dessas informações, uma tendência dos homens a acreditar que as
mulheres devam ficar em casa ao menos parte do dia se dedicando a cuidar da casa e dos filhos,
quando os têm. Mesmo valorizando a atividade profissional de forma geral tanto para homens,
quanto para mulheres, eles enxergam que a mulher tem mais obrigações para com a família do que
os homens, fazendo com que a cobrança em relação ao tempo de trabalho feminino seja maior do
que o masculino. Como se a família fosse ser menos prejudicada com o homem trabalhando
integralmente, enquanto a companheira pode negociar mais facilmente sua “felicidade profissional”
em benefício da vida familiar.
O decréscimo na porcentagem de concordância a partir das faixas de escolaridade também
pode ser verificado na afirmativa “Homem deve ganhar dinheiro e mulher deve cuidar da casa”,
variando de 71,6% dos “sem instrução a 3 anos” até 16,7% dos que possuem 15 anos ou mais de
instrução.
Neste caso, evidencia-se que perguntas mais diretas a cerca da mulher no mercado de
trabalho são respondidas demonstrando mais tolerância em relação à situação, principalmente
quando comparadas a outra afirmativa “Dona de casa é tão gratificante quanto trabalhar fora”
onde 69,8% dos “sem instrução a 3 anos”, 57,7% dos que possuem 8 a 10 anos de estudo e 43,8%,
quase a metade, dos que estudaram por 15 anos ou mais afirmam concordar com a frase.
O alto percentual dos homens em relação a escolaridade nesta afirmativa também se verifica
quando analisamos a situação conjugal e a presença de filhos. Em todas as situações, o grau de
concordância é de mais de 50%, o que sugere que mesmo que os homens digam acreditar que a
mulher não deva se dedicar a apenas cuidar da casa deixando para o homem a obrigação de ganhar
dinheiro, grande parte destes mesmos entrevistados concorda que a função de dona-de-casa é
gratifica tanto como exercer uma atividade profissional fora do ambiente doméstico.
A maioria dos homens independente de escolaridade e situação conjugal também apresenta
elevados índices de concordância em relação a afirmativa “Maioria das mulheres quer ter lar e
filhos”, ocorre novamente o decréscimo de porcentagens de concordância variando a cada faixa de
escolaridade, desde 74% dos “sem instrução a 3 anos” até 50% dos que possuem 15 anos ou mais
de estudo.
Quando analisamos em relação a situação conjugal e a presença de filhos, percebe-se que os
que vivem com companheira possuindo ou não filhos tendem a concordar mais com a afirmativa
(70,6% e 70,7%), enquanto os que declararam não viver conjugalmente apresentam percentuais
menores (67,4% dos que são pais e 62,3% dos que não possuem filhos).
10
Quando consideramos as faixas etárias, para todas as questões relativas a representação do
papel da mulher na sociedade, os homens mais velhos (de 50 anos ou mais) tendem a uma posição
mais tradicional, apesar de também considerarem a “atividade profissional importante para um
indivíduo ser feliz” (95,8%), também acreditam que “Dona de Casa: Tão gratificante quanto
trabalhar fora” (71,7%) e que a “vida familiar fica prejudicada se a mulher trabalha fora em tempo
integral” (75,9%). Já os mais novos, com idade entre 18 e 29 anos, concordaram menos com as
afirmativas, em relação a questão do trabalho da mulher em tempo integral prejudicar a família,
63,6% concordaram, bem como 55,1% na questão da gratificação por ser dona de casa. Desta forma
evidencia-se uma tendência de que os jovens aceitarem melhor (ou estarem mais acostumados
também) o fato das mulheres exercerem atividade fora do ambiente doméstico, isto é, de forma
geral a representação dos papéis de gênero vêm sendo modificadas, mas como podemos constatar a
partir do quadro comparativo a seguir, o tradicionalismo ainda é muito expressivo.
O quadro a seguir apresenta uma comparação da concordância de diferentes variáveis
pesquisadas acerca da percepção do homem no que diz respeito a mulher na sociedade e a
participação da mulher no mercado de trabalho.
QUADRO 1
Concordância (em %) das afirmativas relacionadas à mulher na sociedade e participação da mulher no mercado de
trabalho:
Homem
Crianças
Maioria
Dona de
ganhar
sofrem
Vida familiar
Atividade
das
Casa: Tão
dinheiro
mais
prejudicada:
profissional:
ESCOLARIDADE
mulheres
gratificante
e mulher
quando
Mulher trabalha
Importante para
quer ter lar
quanto
cuidar da
mãe
tempo integral
se sentir feliz
e filhos
trabalhar fora
casa.
trabalha
Sem instrução a 3anos
71,6%
87,7%
73,3%
74,0%
69,8%
91,9%
4 a 7 anos de instrução 61,0%
89,5%
71,9%
72,2%
62,3%
94,2%
8 a 10 anos de
42,3%
86,6%
67,8%
69,1%
57,7%
93,3%
instrução
11 a 14 anos de
instrução
15 anos ou mais
SITUAÇÃO
Vive e tem filhos
Vive e não tem filhos
Não vive e tem filhos
Não vive e não tem
filhos
IDADE
18 - 29
30 - 39
22,8%
79,9%
61,4%
54,5%
51,3%
96,8%
16,7%
Homem
ganhar
dinheiro
e mulher
cuidar da
casa.
43,7%
29,2%
38,6%
75,0%
Crianças
sofrem
mais
quando
mãe
trabalha
88,3%
79,3%
82,9%
62,5%
50,0%
43,8%
100,0%
31,8%
83,9%
Homem
ganhar
dinheiro
e mulher
cuidar da
casa.
42,6%
48,9%
Crianças
sofrem
mais
quando
mãe
trabalha
83,7%
88,3%
Maioria
Dona de
Vida familiar
Atividade
das
Casa: Tão
prejudicada:
profissional:
mulheres
gratificante
Mulher trabalha
Importante para
quer ter lar
quanto
tempo integral
se sentir feliz
e filhos
trabalhar fora
70,8%
67,2%
70,5%
70,6%
70,7%
67,4%
65,9%
58,6%
55,8%
95,7%
87,9%
93,0%
65,9%
62,3%
53,5%
93,4%
Maioria
Dona de
Vida familiar
Atividade
das
Casa: Tão
prejudicada:
profissional:
mulheres
gratificante
Mulher trabalha
Importante para
quer ter lar
quanto
tempo integral
se sentir feliz
e filhos
trabalhar fora
63,6%
68,8%
60,6%
68,8%
55,1%
56,7%
93,9%
92,6%
11
40 - 49
53,2%
85,0%
50 ou +
66,7%
87,8%
Fonte: Pesquisa “Gênero, trabalho e família” (2003)
71,7%
75,9%
66,5%
78,1%
62,4%
71,7%
94,8%
95,8%
Percepção do homem acerca da mulher na sociedade e da participação da mulher no mercado
de trabalho: Análise das entrevistas
Com a finalidade de encontrar respostas, novas hipóteses ou ainda continuidade de
padrões das questões da pesquisa quantitativa analisada, foi realizada uma pesquisa qualitativa
através de entrevistas com dez homens de diferentes famílias de camadas médias urbanas do Rio de
Janeiro, a totalidade dos indivíduos possui renda individual igual ou superior a R$2.000,00, têm
nível educacional superior cursando ou completo, são moradores das regiões do grande Méier,
grande Tijuca, Barra da Tijuca, e bairros da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, todos os
entrevistados se auto-classificaram como elementos da classe média.
O fato do conjunto dos entrevistados possuir renda individual elevada quando comparados
a média dos moradores da cidade, deu-se aleatoriamente, porém, é necessário ressaltar esta
ocorrência, uma vez que, dito isso estaremos trabalhando com um grupo específico da sociedade,
classes médias urbanas.
Em relação à escolaridade, optou-se por centralizar as entrevistas em indivíduos com nível
superior. Desta forma, pode se realizar uma análise comparativa entre indivíduos com alta
escolaridade, focando assim a percepção da masculinidade através de indivíduos de classe sócioeconômica e grau de instrução semelhantes.
As entrevistas foram realizadas entre os meses de Julho e Agosto de 2007.
Os informantes foram divididos em dois grupos através do fato de declararem viver ou não
conjugalmente com companheira. O grupo A é composto de cinco indivíduos que declararam não
viver atualmente com companheira, sendo: Um indivíduo de 35 anos sem filhos, um indivíduo de
53 anos sem filhos, um indivíduo de 26 anos que possui uma filha, um individuo de 52 anos que já
foi casado e atualmente não vive com companheira e não tem filhos, um indivíduo de 54 anos que
já foi casado e atualmente não vive com companheira e possui um filho.
E grupo B é composto por cinco homens que declararam viver conjugalmente com
companheira atualmente, sendo: Um indivíduo de 25 anos, um de 28 anos e um de 43 anos, todos
sem filhos, um indivíduo de 38 anos que possui duas filhas e um indivíduo de 47 anos que possui
um filho.
Pesquisar indivíduos de diferentes faixas etárias pode apontar através de uma perspectiva
histórica e comparativa, quais as diferenças entre as diferentes gerações, como diferentes homens
com idades entre 25 e 54 anos percebem e sentem as mudanças surgidas com o passar do tempo,
12
como eram e como são as visões masculinas em relação aos conceitos de casamento e família, e os
diferentes papéis desempenhados por homens e mulheres na sociedade.
O trabalho de campo foi desenvolvido em locais previamente agendados com os
entrevistados, havendo preferência pela casa dos mesmos, uma vez que no ambiente doméstico,
além do entrevistado ficar mais a vontade para falar, pode haver uma maior percepção do núcleo
familiar do pesquisado por parte do pesquisador, objetivando remontar as experiências afetivas
desses indivíduos e recolher dados acerca da sua percepção da masculinidade e das diferenças entre
contextos temporais distintos.
Buscando no presente trabalho refletir sobre a masculinidade enquanto construção de
gênero, aproximando-se assim da idéia de contexto de produção de masculinidades, considerando as
matrizes culturais e históricas dos sujeitos, foi possível verificar entre os sujeitos, a permanência de
alguns dos elementos que configuram a masculinidade hegemônica, incorporando e legitimando o
patriarcado, e garantindo a posição dominante dos homens no contexto da família. Percebe-se
também que a hegemonia se mantém uma vez que há uma percepção acerca da vivência em
sociedade que ainda inferioriza a mulher, colocando-a como “de menor valor” segundo os padrões
culturais e institucionais como a família, a escola, o estado, entre outros (BOURDIEU,1998).
Considerando a cultura como um sistema de símbolos e significados partilhados entre os
atores, membros do sistema cultural que define a vida, não através de sua materialidade, mas de
acordo com um sistema simbólico (LARAIA, 1986). Desta forma, o modo de ver o mundo, as
críticas de ordem moral, bem como os julgamentos de valor e os diferentes comportamentos sociais
são produtos de herança cultural.
Essa concepção do homem enquanto resultado do meio cultural no qual vive é significante
para a discussão que se segue, uma vez que em nosso comportamento estão inscritos os
conhecimentos, experiências e outros elementos “culturalmente” herdados pelo homem.
Gênero e sexo, por exemplo, constituem duas esferas distintas das experiências humanas.
O sexo pode ser definido pelas características físicas do aparelho reprodutor, enquanto o gênero
envolve uma série de outros significados culturais atribuídos a essas diferenças biológicas.
Significados que ao longo do tempo variam em uma cultura, entre uma cultura e outra, e até mesmo,
ao longo da vida de um indivíduo.
Por conta desse dinamismo, ao gênero são atribuídas características distintas de papéis
sociais, que resultam em comportamentos específicos do gênero masculino e feminino.
Nas questões relativas à representação da masculinidade, isto é, naquelas cujo foco era a
opinião dos entrevistados, estes responderam com calma e tranqüilidade, contando histórias e dando
alguns exemplos. Apenas um entrevistado se restringiu a responder exatamente aquilo que foi
perguntado.
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A idéia dessas questões era apreender opiniões e sentimentos dos sujeitos acerca do que é
ser homem e de como o homem deve agir captando, no ideário dos entrevistados, a sua
representação.
No que diz respeito a questão de quem é a mulher para o homem contemporâneo,
podemos sugerir uma padronização das respostas no que diz respeito à opinião dos interlocutores
sobre a questão da mulher, esposa e mãe, exercer atividade fora do ambiente doméstico. Os homens
que são filhos de mães donas de casa, isto é, mães que durante a criação dos filhos não trabalharam
fora de casa, tendem a preferir que suas esposas também não trabalhem, ou trabalhem apenas meio
período, enquanto os homens cujas mães exerciam alguma atividade remunerada fora do ambiente
doméstico, dizem acreditar ser melhor para a mulher e para a família que ela trabalhe fora.
Alguns dos entrevistados incorporaram o princípio de igualdade entre homens e mulheres
(Durkheim em TORRES, 2001), assim, para eles, tanto das tarefas domésticas quanto da criação
dos filhos o homem deve participar, dividindo-as com as mulheres, ainda que, para alguns, haja
funções próprias do homem e outras próprias das mulheres, como por exemplo a aparente conclusão
através da análise das respostas, de que a responsabilidade para com os filhos é entendida pelos
homens como tarefa primordialmente da mãe, alguns apontam que isso ocorre pela ligação entre
mãe e filho.
“Acho que pode prejudicar a criança, a casa também ficaria mais bem cuidada
com a presença da esposa durante o dia. A criança precisa mais da mãe por perto,
os filhos na verdade são da mãe. A ligação é muito maior. Minha mãe me criou
com dedicação exclusiva e acho que isso foi muito bom. Mas acho que para a
realização da mulher, pode-se passar por cima disso”. Bancário, 53 anos, solteiro
sem filhos.
Outros afirmam que a mãe se preocupa mais com a prole do que o pai. Essa situação pode
ser geradora de conflitos para a vida conjugal, e provoca até mesmo a opção por não ter filhos:
“Hoje em dia, na minha casa não fica, pois ainda não temos filhos, com filho tudo se complica
mais, mas por hora não pensamos em ter filhos, então ela trabalha sem preocupações”.
Estudante de Engenharia Civil, 25 anos, casado sem filhos.
Um entrevistado apresenta postura mais radical em relação à mulher, esposa e mãe,
trabalhar fora de casa e diz que o fato de sua mãe não ter trabalhado fora foi bom para a criação
dele, por isso ele gostaria de proporcionar a mesma situação ao filho, aponta também que a mulher
deve ter como objetivo principal o cuidado com a casa e os filhos, deixando assim a vida
profissional como tarefa secundária na vida das mulheres.
“Atrapalha sim, é um objetivo (o trabalho) além do relacionamento e isso faz com
que a mulher deixe de lado coisas importantes para a casa, principalmente quando
há filhos. Minha mãe não trabalhava e eu preferia que meus filhos fossem criados
da mesma forma”.
Advogado, 28 anos, casado sem filhos.
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Há um desacordo de opiniões no que diz respeito à pergunta 6.2 do roteiro da pesquisa Se você tivesse condições financeiras para sustentar todos os gastos da família, você iria propor a
sua esposa que ela deixasse o trabalho? – Alguns entrevistados se colocam totalmente contra a
proposta, julgando importante que a mulher exerça atividade fora de casa, afirmaram que para eles
hoje em dia, não existe mais a concepção do homem como o único provedor da casa. Sendo isso
coisa do passado, homens e mulheres gozam do mesmo status e tem responsabilidades divididas,
para estes se a mulher quer ter os mesmos direitos que os homens deve também ter os mesmos
deveres com respeito ao provimento. Assim, evidencia-se não apenas novos olhares como também
múltiplos significados para o ingresso de recurso proveniente do trabalho da mulher.
“Não, nunca iria propor isso a uma companheira minha. Acho importante que
toda pessoa tenha uma ocupação, e se a mulher trabalha a renda do casal
aumenta, a mulher que trabalha fora pode e deve ajudar nas despesas da casa. Se
o que o homem recebe dá para as despesas simples, o que a mulher ganha pode
entrar como um adicional para viagens, melhorias no dia-a-dia da casa”.
Engenheiro, 52 anos, separado sem filhos.
Porém, determinados informantes apresentam em uma postura mais tradicionalista e
patriarcalista (BOURDIEU, 1998):
“Claro que iria propor. Como propus e isso já foi feito, ela (a esposa) hoje em dia
não trabalha mais tempo integral e a gente está bem mais feliz assim. Contribuo
com a maior parte dos gastos, mas ela ajuda de vez em quando também, com
coisas menores”.
Advogado, 28 anos, casado sem filhos.
Acerca da divisão das tarefas domésticas, a maior parte dos entrevistados afirma dividir
com suas companheiras as tarefas, porém, colocam algumas tarefas como sendo características do
homem como, pagamento de contas, cuidar do carro, realizar pequenos consertos em casa e resolver
os problemas financeiros da família, enquanto colocaram como tarefas mais propícias as mulheres
funções como fazer compras no mercado, fazer a comida, cuidar da roupa e cuidar da arrumação da
casa.
Ao atribuírem à representação da masculinidade o papel dominante do homem,
designando a eles tarefas de maior status, como o pagamento de contas ou o conserto de carro,
colocando assim o homem como aquele que é mais influente na casa, aquele que tem
responsabilidades frente à família, que tem frieza e racionalidade, os interlocutores subliminarmente
atribuem o oposto à mulher. Desta forma, a mulher é dominada pelo homem, tem atitudes
irresponsáveis, fica como mais emotiva e menos racional, o que reforça a teoria de Bourdieu em “A
dominação masculina”.
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Ao ser perguntado sobre a divisão das tarefas domésticas, um entrevistado se colocou de
forma contraditória, mesmo dizendo que dividem bem as tarefas, apresenta diversos fatores que
acabam deixando a maior parte das tarefas para a companheira. Ao ouvi-lo pareceu, e depois ele
mesmo reconheceu, que pensar sobre essa questão é uma novidade para ele.
“Dividimos bem as tarefas, mas como eu chego mais tarde em casa ela acaba
ficando com uma parte maior. Tem coisas que não sei fazer e ela acaba fazendo
também... Classificaria como 30% eu e 70% ela. Bem, então ela faz bem mais que
eu, né? (risos)”.
Estudante de Engenharia Civil, 25 anos, casado, sem filhos.
Um panorama dos resultados encontrados
A partir do tratamento dos dados da pesquisa quantitativa “Gênero, trabalho e família”,
associado à análise das entrevistas de homens de diferentes perfis, pertencentes as camadas médias
urbanas da cidade do Rio de Janeiro, contemplando parte das diferentes vertentes de representação
da masculinidade na cidade, pode-se alinhar às propostas de Durkheim na França no final do século
XIX, onde o autor trabalha a questão da passagem do modelo patriarcal de família, “que impõe aos
descendentes o casamento adequado à continuidade de determinada lógica familiar e coletiva”
para o modelo de família conjugal moderna, onde encontramos a idéia de que é o casamento através
da afetividade que funda a família.
Após a ruptura teórica e epistemológica a partir dos anos 1970, apontada por Torres (2001),
a sociologia modifica a forma de entender e estudar a mulher, fazendo com que essa, passe a não
mais ser entendida como resultado direto de sua biologia. A partir dessa perspectiva, vários
sociólogos vêm revelar, por um lado, os modos de articulação entre família e casamento, e por
outro, as determinações sociais, o gênero, as identidades, os modos de dominação masculina e a
mudança.
Cada vez mais ganha importância o estudo das relações amorosas e afetivas para a
composição e estruturação do casamento e sua interferência nas relações de gênero de forma geral,
mas apesar do crescimento do número de estudos e pesquisas sobre as novas formas de casamento e
conjugalidades, percebe-se que faltam pesquisas para esclarecer algumas das práticas recorrentes na
sociedade, principalmente no que é dito, mas não feito.
Analisando comparativamente as observações das pesquisas quantitativa e qualitativa,
podemos apontar que evidencia-se a instabilidade e a fragilidade sentida pelos entrevistados, tanto
os que declararam viver conjugalmente com companheira, quanto os solteiros ou separados, em
ambas as pesquisas, apontam uma maior inconstância e instabilidade das relações atuais quando
comparadas às relações de outras épocas.
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A indagação referente à qualidade das relações atuais em comparação as de outrora, suscitou
respostas inconclusivas. Apesar de todos os entrevistados da pesquisa qualitativa terem respondido
rapidamente a pergunta, a mesma característica apontada por alguns como positiva, foi apontada
por outros como negativa, até mesmo como fator mais negativo das relações contemporâneas: A
instabilidade.
A partir desta constatação, pode-se supor que o divórcio ser a solução do casal para
problemas no relacionamento para a maioria do total dos homens pesquisados, é um fator que
corrobora para essa menor estabilidade dos relacionamentos. Nas palavras de um dos entrevistados:
“é tudo muito fácil, muita gente bonita e livre no mercado, a concorrência é grande e a fragilidade
disso tudo também”.
A oportunidade mais fácil da troca de companheira ou companheiro, a rapidez dos
acontecimentos, a pouca cobrança dentro da relação conjugal, a falta de exigência dos parceiros um
para com o outro, tudo isso vai de encontro com os frágeis relacionamentos da líquida sociedade
pós-moderna descritos por Bauman (2004) onde “você pede menos, aceita menos, e assim a
hipoteca a resgatar fica menor e o prazo de resgate, menos desistimulante”.
Na opinião dos interlocutores de ambas as pesquisas, referente à visão que eles possuem do
fato de sua companheira possuir uma atividade fora de casa, destacou-se a tendência para o fato de
que a presença da mulher no mercado de trabalho ainda encontra resistência por parte dos seus
companheiros e dos homens de forma geral, nesse sentido, fica evidenciado que na percepção
masculina ainda cabe a mulher a responsabilidade pelo cuidado com a casa e com os filhos, ainda
que ela exerça alguma atividade fora de casa.
Apesar da grande maioria dos homens analisados da pesquisa quantitativa, declarar que a
atividade profissional é importante para a felicidade do indivíduo, mais da metade afirmou
concordar com a afirmativa de que a vida familiar fica prejudicada se a mulher trabalha tempo
integral. Desta forma, podemos aferir que ainda que a atividade profissional seja altamente
valorizada por esses indivíduos, interferindo diretamente na felicidade pessoal de cada um, eles
avaliam que a mulher, quando esposa e/ou mãe, deva até mesmo desistir de uma atividade
profissional, abdicando assim de sua felicidade individual, pela vida familiar, isto é, em prol do
marido e dos filhos, como pudemos constatar com as respostas dos entrevistados na pesquisa
qualitativa à questão “Se você tivesse condições financeiras para sustentar todos os gastos da
família, você iria propor a sua esposa que ela deixasse o trabalho?”.
Podemos perceber uma diferença entre os pesquisados de “Gênero, trabalho e família”
selecionados onde a maioria concorda que crianças sofrem quando as mães trabalham fora e os
entrevistados na pesquisa qualitativa, que de forma geral disseram que a criança não chega a sofrer.
Alguns afirmaram que as crianças até entenderiam, porém quase todos apontaram uma certa
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carência afetiva da criança, justificada pelo fato de que na opinião destes homens o filho é mais
ligado afetivamente a mãe do que ao pai.
Em alguns casos, podemos analisar que essa dimensão encontra-se em processo de
modificação, direcionando-se para um maior nível de igualdade de gênero, como nos casos das
respostas de alguns entrevistados referentes ao trabalho feminino, porém ao analisar esses dados,
percebemos que os papéis sociais tradicionais representativos de homem e mulher: Homem como
provedor da casa e mulher como responsável pelas atividades domésticas e pelo trato com os filhos,
ainda predomina mesmo na percepção de homens mais jovens e até mesmo dos solteiros.
O estudo da dimensão da percepção da masculinidade acerca da questão da mulher no
mercado de trabalho nos permitiu verificar que os homens de forma geral, independente da faixa
etária ou estado civil, pensam de forma muito parecida, uma vez que temos como observações
relevantes a padronização das respostas, com poucos desvios de opinião acerca do tema.
O relato dos entrevistados em 2007, aliado aos dados de respostas do Survey aplicado em
2003 demonstra crescente aceitação por parte dos homens do processo de um casal viver junto,
dividindo a casa e as despesas, porém sem estar ou casado oficialmente.
Ao propor este campo de investigação, foi buscada a reflexão sobre a masculinidade como
uma construção de gênero. Diversos estudos permitem afirmar que a masculinidade é construída
socialmente e como tal é histórica, mutável e relacional.
O que se verificou neste estudo, através do tradicionalismo presente nas respostas às
questões, foi a permanência de alguns dos elementos que configuram a hegemonia da
masculinidade entre os sujeitos, garantindo assim a posição dominante dos homens na sociedade, no
mundo do trabalho e especialmente no interior da família.
Devemos ressaltar que a hegemonia se estabelece e permanece apenas se existir
correspondência entre os padrões culturais e o poder econômico e institucional, no caso a família, a
escola, a mídia, entre outros. Além disso, há uma interconexão entre essas diferentes instituições,
uma influenciando a outra, penetrando e deixando raízes que acabam por (ou tentam) modificar as
estruturas umas das outras.
Conforme nos aponta François de Singly (2000), é percebido que a família da atualidade
sofre influência do Estado, através de políticas públicas aplicadas à população; Essas políticas agem
muitas vezes, como uma forma de promover a igualdade de gênero, porém ocorre que muitos dos
fatores externos á família quando penetram na arena das mediações familiares, não o fazem de
maneira homogênea no conjunto da sociedade. Dependendo assim de valores determinados por suas
condições de ordem financeira, intelectual e até mesmo geográfica. Sendo dessa forma necessário o
estudo mais particular de diferentes situações.
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Finalmente é importante ressaltar que a questão das relações conjugais, familiares e de
gênero, tem continuamente atraído a atenção de pesquisadores, acadêmicos e de grande parte da
sociedade, o que parece estar intimamente relacionado ao crescente aumento da fragilidade e
descartabilidade dos laços afetivos, particular da sociedade de consumo, da insegurança e da
instantaneidade dos relacionamentos humanos como um todo, variáveis estas relacionadas à
convivência, a satisfação e a sociabilidade dos indivíduos na contemporaneidade, que afeta não só o
indivíduo em sua privacidade, como também a sociedade de forma geral, torna-se assim de suma
importância a continuidade dos estudos sobre gênero, conjugalidade e família para que se possa
entender mais e melhor a sociedade na qual vivemos.
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TORRES, Anália Cardoso. Sociologia do Casamento. Oeiras, Celta Editora, 2001.
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