kátia aparecida da silva nunes miranda adolescentes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM ESTUDOS DE LINGUAGEM – MESTRADO
KÁTIA APARECIDA DA SILVA NUNES MIRANDA
ADOLESCENTES E JOVENS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE
SOCIAL: UM ESTUDO CRÍTICO DAS REPRESENTAÇÕES DE
ATORES SOCIAIS
Cuiabá – MT
2014
ii
KÁTIA APARECIDA DA SILVA NUNES MIRANDA
ADOLESCENTES E JOVENS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE
SOCIAL: ESTUDO CRÍTICO DAS REPRESENTAÇÕES DE ATORES
SOCIAIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Estudos de Linguagem do Instituto
de Linguagens da Universidade Federal de Mato
Grosso, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de
Concentração: Estudos Linguísticos.
Orientadora: Profa. Dra. Solange Maria de Barros
Cuiabá 2014
iii
iv
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação aos adolescentes
que, por algum tempo, partilharam comigo sua
história de vida, associada a sonhos, alegrias e
decepções...
Angústias e fragilidades...
Vocês foram minha fonte de inspiração,
maior entre as maiores.
v
AGRADECIMENTOS
Acima de tudo agradeço a Deus por ter-me concebido o dom da vida, pela força
durante o meu caminhar e que me abriu as portas para realizar meus sonhos.
Agradeço aos meus pais Odenir e Maria Joana pelo apoio, carinho e ajuda para
chegar até aqui.
Agradeço ao meu esposo Wilson pela paciência, pela cumplicidade e pelo apoio de
sempre, mesmo nos momentos mais difíceis da árdua caminhada no curso do
mestrado.
À minha única tia, Carmen, que pelo seu amor incondicional sempre me
acompanhou em todos os momentos importantes da vida.
Aos meus filhos Diego, Camila e Gabriel pela oportunidade de experimentar
a mais pura forma de amor.
E ao meu neto Davi por existir, por estar ao meu lado, por iluminar todos os meus
dias, por mais cinzentos que eles estejam.
À minha orientadora Profa. Dra. Solange Maria de Barros, que sempre foi para mim
mais que uma professora, uma grande amiga, acompanhando-me na minha
caminhada com toda disposição sem se abster em nenhum momento de me acolher,
ajudar, apoiar e por compartilhar generosamente seus conhecimentos e por ter me
ensinado a acreditar que a emancipação e a transformação social são possíveis.
Às professoras que de forma tão solícita e prestativa aceitaram fazer parte da minha
banca examinadora: Profa. Dra. Viviane Cristina Vieira Sebba Ramalho, Profa. Dra.
Maria Inês Pagliarini Cox e Profa. Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson.
À minha amiga Francismeire Pedrosa pelo incentivo e apoio aos estudos, por
compartilhar vitórias alcançadas, momentos de angústia e por ter dividido comigo
sua vasta experiência como professora e gestora da rede pública de educação.
Onde quer que esteja, sou-lhe eternamente grata.
Aos colegas de trabalho Maria Aparecida Mello, Maria Aparecida Borges de Barros,
Sonizete Miranda, Luzia Abich, professores, técnicos, apoio escolar, coordenadores
e diretor da Escola da Escola Estadual Meninos do Futuro, que são, assim como eu,
socioeducadores, e enfrentam comigo a batalha diária de atender estes
adolescentes em condições, por vezes, adversas, e que o fazem dedicada e
vi
amorosamente, sempre acreditando na capacidade desses seres humanos de
mudança de trajetória de vida.
Aos professores e colegas do curso de mestrado que me ajudaram no processo de
construção de conhecimento.
Por fim, gostaria de agradecer ao Instituto de Linguagens, em especial ao Programa
de Pós-graduação em Estudos de Linguagem – Mestrado/MeEL que me acolheu e
possibilitou a construção deste trabalho.
Obrigada!
vii
RESUMO
Esta pesquisa se propõe a investigar as representações de atores sociais,
adolescentes e jovens da Escola Estadual Meninos do Futuro, localizada no Centro
Socioeducativo de Cuiabá (Complexo Pomeri), vinculado à Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos do Estado de Mato Grosso (SEJUDH). Os alunos estão sob
guarda judicial e em situação de vulnerabilidade social. Cumprem medidas
socioeducativas de privação de liberdade, conforme prevê o Estatuto da Criança e
Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990. Adolescentes e jovens
privados de liberdade são, em geral, atores sociais encaminhados aos centros
socioeducativos desprovidos de cidadania, do acesso aos direitos sociais e às
necessidades básicas. Conhecer esses adolescentes e jovens é o primeiro passo
para a construção de uma relação de confiança, fundamental para o diálogo que
deverá ser estabelecido com esta pesquisadora.
Trata-se de um estudo
fundamentado na Teoria das Representações de Atores Sociais (VAN LEEUWEN,
1997). A expressão “atores sociais” é utilizada por Van Leeuwen (1997) para
representar pessoas/indivíduos sob a ótica do discurso. Segundo o autor, os textos
(discurso) são produzidos num sistema de contexto e cultura predefinidos e variam
de acordo com o objetivo de quem fala ou escreve, pois as escolhas linguísticas
constroem representações sociais. Fundamente-se também na teoria do Realismo
Crítico (BHASKAR, 1998) e da Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 2001).
Para o Realismo Crítico, a realidade social é compreendida como articulações das
estruturas sociais e do agir humano; as estruturas são históricas e ao mesmo tempo
independentes e conectadas, por ser uma totalidade complexa de relações sujeita a
mudanças tanto em seus componentes estruturais (Real, Realizado e Empírico)
quanto nas inter-relações com os diferentes estratos (biológico, físico, social,
semióticos etc.), influenciando-se mutuamente. Fairclough (2001) considera o uso da
linguagem uma forma de prática social e não uma atividade puramente individual ou
situacional. Objetiva também compreender o cotidiano em que vivem esses jovens e
adolescentes, sob o ponto de vista histórico, político, social e ideológico. A pesquisa
tem como objetivos específicos: (1) Identificar e analisar as representações dos
alunos acerca da escola, dos professores e da aprendizagem, aqui, nas produções
escritas e nas entrevistas; (2) Analisar as categorias relevância da escola,
aproximação com os professores e aprendizagem significativa materializados nas
produções escritas e entrevistas dos alunos; (3) Identificar e analisar se há, ou não,
(in)congruências nos textos escritos e orais dos alunos. O método analítico do
discurso visa propor mudanças nas relações sociais de poder e opressão, presentes
na estrutura social. A metodologia de pesquisa é qualitativa, de cunho etnográfico.
Os resultados das análises esclarecem, por meio das produções escritas e
entrevistas, a relevância da escola na vida de cada um, a aproximação com os
professores por meio de suas práticas e a aprendizagem significativa. Conhecer
esse contexto social é fundamental para saber se é um local de humanização,
emancipação ou opressão, podendo proporcionar ou não condições de (ex)inclusão
social.
Palavras-chave: representações de atores sociais; escola pública;
adolescentes e jovens.
viii
ABSTRACT
This research aims to investigate the role of social actors, youth in the Boys
State School of the Future, located in Cuiabá Socio Center (Complex Pomeri), linked
to the Department of Justice and Human Rights of the State of Mato Grosso
(SEJUDH). Students are under judicial custody and social vulnerability. Meet
educational measures of deprivation of liberty, as required by the Child and
Adolescent (ECA), Law No. 8069 of June 13, 1990. Teenagers and young people
deprived of freedom are generally social actors referred to the deprived socioeducational centers citizenship, access to social rights and basic needs. Knowing
these adolescents and young people is the first step to building a relationship of trust,
essential for the dialogue to be established with this researcher. It is a based on the
theory of representations of social actors (van Leeuwen, 1997) study. The term
"social actors" is used by van Leeuwen (1997) to represent persons / individuals from
the perspective of discourse. According to the author, the texts (discourse) are
produced in a predefined context and culture system and vary according to the
purpose of those who speak or write, because the linguistic choices construct social
representations. Also is based on the theory of Critical Realism (Bhaskar 1998) and
Critical Discourse Analysis (Fairclough, 2001). For Critical Realism, social reality is
understood as articulations of social structures and human action; structures are
historical and at the same time independent and connected, being a complex totality
of relationships subject to changes both in its structural components (Real, Directed
and empirical) and the inter-relationships with the different strata (biological, physical,
social, semiotic etc.) influencing each other. Fairclough (2001) considers the use of
language a form of social practice rather than a purely individual or situational
activity. It also aims to understand the everyday living in these youngsters and
adolescents, from the point of historical, political, social and ideological views. The
research has the following objectives: (1) Identify and analyze the representations of
students about the school, teachers and learning here in written productions and
interviews; (2) Analyse the category relevance of school approach with teachers and
materialized meaningful learning in written productions and interviews of students; (3)
Identify and analyze if there is or not (in) consistencies in written and oral texts of
students. The analytical method of discourse aims to propose changes in the social
relations of power and oppression in the social structure. The research methodology
is qualitative, ethnographic. The results of the analysis clarify, by means of written
productions and interviews, the importance of the school in the life of each, the
approach with teachers through their practices and meaningful learning. Knowing
that social context is critical to know if it is a place of humanization, liberation or
oppression, or not being able to provide conditions (ex) social inclusion.
Keywords: representations of social actors; public schools; adolescents and youth.
ix
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Sistema de Garantias de Direitos
Ilustração 2 – Articulação e integração do SGD
Ilustração 3 – Organograma do Sistema Socioeducativo
x
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Linguagem como momento da vida social
Quadro 2 - Categorias sociossemânticas de representação de atores sociais
Quadro 3 - Atores Sociais
Quadro 4 - Categorias de exclusão e inclusão
Quadro 5 - Atores sociais incluídos
Quadro 6 - Formas de representação
xi
LISTA DE SIGLAS
ABMP – Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e
Juventude CDC – Convenção Sobre os Direitos da Criança
CEDECA – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
CEFAPRO – Centro de Formação e Atualização de Professores
CF – Constituição Federal
CISC – Centro Integrado de Segurança e Cidadania
CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CP – Código Penal
CPA – Centro Político Administrativo
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
DEA – Delegacia de Especializada do Adolescente
DEDICA – Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EMPAER – Empresa Matogrossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural
FEBEMAT – Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor
FEBEM – Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor
FEEM – Fundação Estadual de Educação ao Menor
FONSCRIAD – Fórum Nacional de Organizações Governamentais de Atendimento à
Criança e ao Adolescente
FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
GPO – Gestão de Planejamento e Orçamento
LA – Liberdade Assistida
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
OEA – Organização dos Estados Americanos
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
PDE – Plano de Desenvolvimento da Escola
PIA – Plano Individual de Atendimento
PPP – Projeto Político-Pedagógico
PROSOL – Fundação de Promoção Social
xii
PSC – Prestação de Serviço à Comunidade
SEDUC/MT – Secretaria de Estado de Educação do Estado de Mato Grosso
SDH – Secretaria de Justiça e Direitos Humanos
SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
SPDCA – Subsecretaria Especial de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNCF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
xiii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1
REALISMO CRÍTICO, ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E REPRESENTAÇÃO DE
ATORES SOCIAIS .................................................................................................... 20
1.1 Realismo Crítico: paradigma da inter-relação entre sociedade e indivíduo. .... 20
1.2 Emancipação e Transformação social ............................................................ 26
1.3 Análise Crítica do Discurso: abordagem transdisciplinar para estudos críticos
da linguagem como prática social .......................................................................... 34
1.3.1 O discurso como prática social .................................................................. 39
1.3.1.1 Hegemonia e poder ................................................................................ 41
1.3.1.2 Ideologia ................................................................................................. 43
1.3.1.3 Identidades ............................................................................................. 45
1.3.1.4 Significados de discurso ......................................................................... 48
1.3.2 Gêneros Discursivos .................................................................................. 49
1.3.3 Intertextualidade e Interdiscursividade ...................................................... 50
1.4 A Teoria das Representações de Atores Sociais ............................................ 52
CAPÍTULO 2
CONTEXTUALIZAÇÃOÃO
SÓCIO-HISTÓRICA
e
CULTURAL
DO
CENTRO
SOCIOEDUCATIVO DE CUIABÁ – POMERI............................................................ 58
2.1 O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)............................................. 59
2.2 O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) ...................... 65
2.3 O Centro Socioeducativo de Cuiabá/MT— POMERI ....................................... 70
2.4 O Cenário atual do POMERI ............................................................................ 79
CAPÍTULO 3
CAMINHOS METODOLÓGICOS .............................................................................. 81
3.1 Abordagem de pesquisa ................................................................................. 81
xiv
3.2 O contexto sócio-histórico e pedagógico da Escola Estadual “ Meninos do
Futuro” ................................................................................................................... 83
3.3 Caminhos percorridos na pesquisa .................................................................. 94
3.4 Atores sociais ................................................................................................... 96
3.5 Procedimentos para geração de dados ........................................................ 101
3.6 Procedimentos para análise de dados .......................................................... 102
3.7 O Corpus ........................................................................................................ 104
3.8 Aspectos éticos ............................................................................................. 105
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DOS DADOS EMPÍRICOS DE CUNHO ETNOGRÁFICO ...................... 106
4.1 Produções escritas e entrevistas ................................................................... 106
4.1.1 Relevância da escola ............................................................................... 110
4.1.2 Aproximação com os professores ............................................................ 117
4.1.3 Aprendizagem significativa ...................................................................... 124
4.1.4 Sistematização Construída sob a luz do Arcabouço Teórico-Metodológico
da Teoria da Representação dos Atores Sociais .............................................. 130
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 134
ANEXOS...................................................................................................................150
15
INTRODUÇÃO
Se podes olhar, vê. E se podes ver, repara.
José Saramago
Este estudo tem por finalidade compreender as representações de
adolescentes e jovens da Escola Meninos do Futuro e de que maneira essas
representações estão materializadas nos textos orais e escritos. Esses alunos estão
sob guarda judicial e em situação de vulnerabilidade social. Cumprem medidas
socioeducativas de privação de liberdade, conforme prevê o Estatuto da Criança e
Adolescente (ECA), Lei n.8.069, de 13 de junho de 1990, pertencente à Secretaria
de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Mato Grosso (SEJUDH). No mais das
vezes são jovens encaminhados aos centros socioeducativos desprovidos de sua
cidadania, privados do acesso aos direitos culturais, sociais e das necessidades
básicas. São sujeitos estigmatizados, moradores de bairros periféricos, desprezados
em sua diversidade. Mais que isso: são rotulados como inferiores pelos discursos
que percorrem camadas sociais dominantes.
A história de vida de cada um é marcada por exclusão e marginalização.
Eles subsistem numa sociedade letrada, todavia estão excluídos, de forma explícita
ou implícita, do sistema educacional e, consequentemente, delongam o processo de
escolarização devido ao acúmulo de repetência, abandono e evasão na vida escolar.
Essas interrupções são emanadas pelo ingresso precoce no mercado, seja lícito,
seja ilícito – de trabalho e/ou envolvimento com atividades criminosas, pelo simples
fato de estas venderem ilusão e ascensão social. De acordo com Arroyo (2007), são
sujeitos reais, vidas concretas, que vão se distanciando da possibilidade de um novo
tempo, um tempo futuro com alternativas mais promissoras.
O interesse pelo tema desta pesquisa se relaciona com minhas vivências
profissionais na Secretaria de Estado de Educação do Estado de Mato Grosso
(SEDUC), na qualidade de assessora técnico-pedagógica responsável pela
Educação no Sistema Socioeducativo. Mas a partir de minha participação no Grupo
de Trabalho Interinstitucional (GTI), atinente à Educação, Justiça, Saúde e
Segurança Pública – o objetivo de estruturar e concretizar uma prática
sociopedagógica nas unidades socioeducativas de Mato Grosso –; é que me veio o
desejo de investigar a significação do processo educacional para os adolescentes e
16
jovens alunos de uma escola no interior de uma instituição. Refiro-me a Escola
Estadual Meninos do Futuro. Conhecer esse contexto social é de fundamental
importância para saber se, de fato, traduz um local de humanização, emancipação
ou opressão, podendo proporcionar, ou não, condições de (ex)inclusão social.
Ao longo de meu trabalho, utilizo a nomenclatura “adolescentes e jovens
privados de liberdade” e “medida socioeducativa de privação de liberdade” por
considerá-las mais adequadas e éticas. Em minha opinião, a terminologia “internos”
e “medida socioeducativa de internação” remete à idéia de reproduzir as mazelas
dos manicômios judiciários instalados no sistema penitenciário.
Assim, conhecer esses adolescentes e jovens foi o primeiro passo para a
construção de uma relação de confiança, indispensável para o diálogo que se
estabeleceu com esta pesquisadora.
A intenção do presente trabalho é analisar excertos das produções
escritas e entrevistas realizadas com os adolescentes e jovens em privação de
liberdade, e egressos do sistema socioeducativo. Trata-se de estudo fundamentado
na Teoria das Representações de Atores Sociais (VAN LEEUWEN, 1997; 2008). A
expressão “atores sociais” é utilizada por Van Leeuwen (1997; 2008) para
representar pessoas/indivíduos, sob a ótica do discurso. Segundo o autor, os textos
(discurso) são produzidos dentro de um sistema de contexto e cultura predefinidos e
variam de acordo com o objetivo de quem fala ou escreve, pois as escolhas
linguísticas constroem representações sociais. Fundamenta-se também na teoria do
Realismo Crítico (BHASKAR, 1998, 2002) na Análise Crítica do Discurso
(FAIRCLOUGH, 1989,2001, 2003). Para o Realismo Crítico, a realidade social é
compreendida como articulações das estruturas sociais e do agir humano. As
estruturas são históricas e, ao mesmo tempo, independentes e conectadas, por
constituírem uma totalidade complexa de relações sujeitas a mudanças tanto em
seus componentes estruturais (Real, Realizado e Empírico), quanto em suas interrelações com os diferentes estratos (biológicos, físicos, social, semióticos, etc.),
influenciando as operações umas das outras. Fairclough (2001; 2003) considera o
uso da linguagem uma forma de prática social, não uma atividade puramente
individual ou situacional.
Optei por um trabalho de caráter qualitativo, de cunho etnográfico, com
prioridade de compreender o cotidiano onde vivem esses adolescentes e jovens, do
ponto de vista histórico, político, social e ideológico. Finalidade é dar a voz a vozes
17
historicamente silenciada, esclarecendo, por meio do relato dos participantes da
pesquisa, a relevância da escola na vida de cada um, a aproximação com os
professores e a aprendizagem significativa.
Diante disso, estas as questões que norteiam o presente estudo, a serem
retomadas no Capítulo 3:
1) Quais são as representações dos alunos acerca da escola, dos
professores e da aprendizagem?
2) De que maneira essas representações estão materializadas nos
textos?
3) Existem ou não (in)congruências presentes nas redações e entrevistas
dos alunos?
Observando essas questões, é possível definir os objetivos que nortearão
todo trabalho.
Objetivo geral
Compreender as representações de adolescentes e jovens da Escola
Estadual Meninos do Futuro, acerca da escola, professores e aprendizagem
dependendo da maneira como essas representações estão materializadas nos
textos escritos e orais.
Objetivos específicos
 Identificar e analisar as representações dos alunos acerca da escola,
dos professores e da aprendizagem, aqui, nas produções escritas e nas entrevistas;
 Analisar as categorias relevância da escola, aproximação com os
professores e aprendizagem significativa materializadas nas produções escritas e
entrevistas dos alunos;
 Identificar e analisar se há, ou não, (in)congruências nos textos escritos
e orais dos alunos.
Para chegar às respostas a essas questões e atingir os objetivos
perseguidos, parto de uma perspectiva teórico-metodológica de caráter crítico,
voltada especialmente para as categorias de representação dos atores sociais
desfilados por Theo van Leeuwen (1997; 2008) e para o discurso, como prática
social, de Norman Fairclough (2001; 2003). Nesse sentido, os dados foram gerados
através de uma produção escrita, redação com a temática “A minha Escola”,
gravação de entrevistas informais e observação participante. Nesse giro, o contexto
se revela fundamental para compreender o cotidiano onde vivem os adolescentes e
18
jovens, envoltos numa situação de vulnerabilidade social.
Esta dissertação está estruturada em quatro capítulos, além desta
apresentação e às considerações finais. O Capítulo 1 se volta à fundamentação
teórica. Inicialmente, entreabro a proposta filosófica do Realismo Crítico (RC) que
emergiu dos escritos do filósofo contemporâneo Roy Bhaskar (1998, 2002). O
Realismo
Crítico
carrega,
em
sua
centralidade,
uma
filosofia
de
caráter emancipatório que tem alicerçada reflexão teórica e metodológica de muitos
pesquisadores das ciências sociais, empenhados em compreender o paradigma da
inter-relação dialética entre sociedade e indivíduo. Em seguida, discorro sobre a
proposta teórica e metodológica que baliza a Análise Crítica do Discurso (ACD),
desenvolvida por Norman Fairclough (1989, 2001, 2003). A ACD se propõe a
estudar a linguagem como prática social e, para tal, leva em conta o papel crucial do
contexto. Arremato o capítulo delineando o arcabouço teórico-metodológico que
baliza o presente estudo, ou seja, a Representação de Atores Sociais, sugerida por
Theo van Leeuwen (1997,2008). Este autor se socorre da expressão “atores sociais”
para representar as pessoas dentro de um discurso. Desigualmente, investiga as
diferentes formas com que os atores sociais podem ser representados em um texto.
Classifica a representação dos atores sociais como um compósito de elementos
linguísticos que se articulam, podendo funcionar para incluir ou excluir indivíduos e
grupos.
No capítulo 2, descortino sumariamente o Estatuto da Criança e
Adolescente (ECA) e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)
que demarcam as perspectivas protetivas e educativas das medidas socioeducativas
retratadas neste estudo. Na sequência, contextualizo a trajetória sócio-histórica e
cultural do Centro Socioeducativo de Cuiabá/MT – o POMERI, e esquadrinho a
política de atendimento socioeducativo e sua gestão. Neste caso, o enfoque se
assenta na concepção institucional da política nacional dos programas de
atendimento socioeducativos para adolescentes e jovens, em cumprimento de
medidas socioeducativas de privação de liberdade. O capítulo se encerra com
reflexões acerca da situação atual do POMERI.
Já no capítulo 3, trato dos procedimentos metodológicos aqui utilizados,
apresento a abordagem da pesquisa, os contextos sócio-histórico e pedagógico da
Escola Estadual Meninos do Futuro. Em complemento os caminhos percorridos na
pesquisa, os atores sociais, os procedimentos para, geração de dados, bem assim
19
aqueles para a análise de dados, o corpus. Findo com os aspectos éticos,
retomando as perguntas de pesquisa e os objetivos propostos.
No capítulo 4, exibo a análise dos dados empíricos de cunho etnográfico,
e alicerçada na análise das produções escritas e entrevistas, perfilo algumas
categorias. O capítulo está dividido em três seções: A relevância da escola, a
aproximação com os professores e a aprendizagem significativa.
Nas considerações finais, teço algumas reflexões sobre o resultado
alcançado e sua pertinência no presente trabalho de dissertação, à luz dos
arcabouços teóricos aqui apontados, tendo como eixo norteador os objetivos
delineados inicialmente. Proponho-me a contribuir com sugestões que visam à
promoção dos direitos humanos dos adolescentes e jovens em cumprimento de
medidas socioeducativas, a começar pela reversão dos estigmas com eles
relacionados em nossa sociedade. Além disso, em consonância com as instâncias
públicas governamentais e com a sociedade civil, trabalhar na construção de um
projeto político-pedagógico que busca respeitar as necessidades educacionais do
adolescente – pessoa em processo de formação que está em momento crítico de
construção de sua identidade –, fortalecendo laços familiares e comunitários numa
perspectiva cidadã e de inclusão social.
20
CAPÍTULO 1
REALISMO CRÍTICO, ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E
REPRESENTAÇÃO DE ATORES SOCIAIS
A ação pesquisadora – também dita investigação – é
caracterizada como o conjunto de atividades intelectuais tendentes à
descoberta de novos conhecimentos” (SAAVEDRA, 2001, p. 61)
Neste capítulo apresento os pressupostos teóricos que balizaram este
estudo. Na primeira seção, discorro acerca do Realismo Crítico, doravante RC, de
Bhaskar (1998), tecendo breves considerações sobre emancipação social.
Na
segunda, passo a aduzir algumas contribuições teóricas da Análise Crítica do
Discurso, doravante ACD, tendo como expoente Norman Fairclough (1989, 2001,
2003). Na última seção, exponho conceitos acerca das Representações de Atores
sociais (VAN LEEUWEN, 1997, 2008), numa perspectiva crítico-discursiva.
1.1 Realismo Crítico: paradigma da inter-relação entre sociedade e indivíduo.
O Realismo Crítico, brevemente apresentado aqui, é importante
arcabouço teórico para esta pesquisa, por tratar-se de movimento filosófico,
especialmente da filosofia da ciência, originalmente britânico. Se bem assim, tem se
propagado em alguns países, inclusive no Brasil, por meio de círculos de
seguidores. Iniciou-se na Inglaterra, em 1975. Fundador da escola filosófica do
“Realismo Crítico” foi grande teórico Roy Bhaskar. A expressão Realismo Crítico foi
criada pelos seguidores de Bhaskar1, misturando seu naturalismo transcendental
com o naturalismo crítico. Esta a obra fundadora de Roy Bhaskar: Uma teoria
realista da ciência. A discussão se faz em torno da ciência natural ressaltando que
essa corrente de pensamento tem ocorrido principalmente no campo da ciência
social, a partir da década de 80. Uma vez que, em 1979, o autor direciona suas
teses para além do campo da ciência natural, empreende uma crítica ontológica às
ciências humanas contemporâneas por meio do livro A possibilidade do naturalismo
(BHASKAR, 1979). Esses dois livros alicerçam suas concepções. Posteriormente
1
Conferir Ramalho (2006): Diálogos teórico-metodológicos: análise de discurso crítica e realismo
crítico.
21
outras obras foram publicadas, ganhando evidência a obra Dialética: pulso da
liberdade (BHASKAR, 1993).
Bhaskar (1989:190) a tal respeito, ilumina-nos com esta explicação:
Chamei minha filosofia geral da ciência de “realismo transcendental”,
minha filosofia específica das ciências humanas de “naturalismo crítico”.
Aos poucos, as pessoas começaram a misturar os dois e a referir-se ao
híbrido como “realismo crítico”. Ocorreu-me que havia boas razões para não
me objetar ao hibridismo. Para começar, Kant havia chamado seu idealismo
transcendental de “filosofia crítica”. O realismo transcendental tinha o
mesmo direito ao título de realismo crítico.
O realismo crítico ofereceu uma alternativa às filosofias da ciência apenas
conformada com a apreensão do mundo empírico e confrontou, pondo-me na
contracorrente dos modos de pensamento científico hegemônico, ao mesmo tempo
as correntes de pensamentos positivistas e pós-modernistas, respectivamente, em
declínio e ascensão no período. O próprio nome do movimento ainda causa
polêmica, pois é a junção dos termos “crítico” e “transcendental” do idealismo
kantiano com o termo “realista”, sentido este empregado de forma materialista.
O movimento do realismo crítico entrou em convergência polêmica com o
marxismo, ao pretender proporcionar uma filosofia da ciência que servisse também
às demandas da crítica social no atual estágio do capitalismo.
Segundo Bhaskar (1989), a concepção da realidade é compreendida
como complexa, estruturada e estratificada, de tal modo que aquilo que se
apresenta à observação em determinado nível é concebido por poderes
característicos às interações dos elementos implícitos. Ademais, expõe um conceito
de realidade que integra, o universo natural que existe, independentemente do
homem, um universo social, a depender da atividade social humana, individual ou
coletiva. Compreende a ciência como atividade social, referentemente autônima,
cuja capacidade para apreender a realidade profundamente resulta da própria
capacidade e habilidade do homem em controlar as condições em certos fenômenos
que ocorrem em seu cotidiano.
Essa concepção de mundo, aos olhos do Realismo Crítico, é um sistema
aberto, em contínua mudança, formado por diferentes domínios da realidade,
conforme Papa (2008; 2009), especificamente: Real, Realizado e Empírico2.
Igualmente por diferentes estratos. Os estratos – físico, biológico, social, semiótico,
2
Neste trabalho, optei pela tradução apresentada por Barros (2008; 2009) para esses três domínios.
22
etc. – possuem estruturas distintas e mecanismos gerativos que se situam no
domínio do potencial, ou seja, do que pode, ou não, ser ativado. Quando são
ativados simultaneamente, causam efeitos imprevisíveis nos demais domínios.
Bhaskar (1989) lança mão dos termos Real, Actual e Empirical para aludir
à ontologia estratificada do Realismo Crítico. O domínio do Real se define como
categoria ontológica: são as estruturas, os mecanismos, os eventos, os processos e
as experiências do mundo (natural e social). Neste domínio, estruturas que geram
variados estratos – biológico, físico, químico, social, semiótico, e outros – atuam
concomitantemente com seus poderes causais, repercutindo nos outros domínios,
relacionados com eventos e experiências vividas (RESENDE & RAMALHO, 2011, p.
32-33). O domínio do Realizado é definido como categoria ontológica, é o domínio
dos eventos que percorrem ou não nossas experiências vividas, é possível localizálo nas estruturas e poderes (forma abstrata) e nos eventos experienciados (formaconcreta).
Bhaskar e Lawson (1998, p. 5) ressaltam:
[...] realidade é constituída não apenas de experiências e do curso de
eventos realizados, mas também de estruturas, poderes, mecanismos e
tendências – de aspectos da realidade que geram e facilitam eventos
realizados que nós podemos (ou não) experienciar.
O “empírico” se particulariza como categoria epistemológica. Não é
equivalente ao potencial, nem ao realizado. É o domínio das experiências, das
observações, referindo-se ao que de fato observamos em relação aos efeitos das
estruturas, das capacidades e das realizações.
Resende & Ramalho (2011, p. 34) aclara:
O empírico, por sua vez, é o domínio das experiências efetivas, a
parte do potencial e do realizado que é experienciada por atores sociais
específicos. Neste caso, o exemplo seriam os textos (orais, escritos, visuais,
multimodais) com que de fato tivemos contato em nossa vida.
Estudos realizados pelas pesquisadoras brasileiras Papa (2008), Barros
(2012), Ramalho (2008 ) e Resende (2008) têm se alicerçado nessa concepção de
mundo: presume-se que só podemos estudar o “real” passando pelo universo das
experiências que tivemos em nossa vida.
Segundo Papa (2008), o RC preceitua a compreensão da intensidade dos
níveis da realidade, onde se “ocultam” os determinantes causais, nos quais se
23
inserem seus agentes causais e seus poderes. Assim, essa compreensão é
norteada por várias características relevantes que dizem respeito aos fenômenos
das práticas da estratégia, corroborando práticas antecedentes (o “quê” da prática),
como perspectiva (o “como” da prática) e como filosofia (o "porquê" da prática)
O Realismo Crítico entende que a vida social não é um sistema fechado.
Diversamente disso, encerra um sistema aberto, no qual qualquer evento é
governado por mecanismos ou poderes emergentes que operam simultaneamente.
Num sistema aberto, por exemplo, não é possível identificar determinadas
sequências de eventos, caso contrário a atividade experimental não faria sentido
(PAPA, 2009, p. 145). Bhaskar afirma que atividade experimental é a base de
sustentação, que define as ciências (naturais). De modo geral, um experimento deve
possibilitar diagnosticar leis ou mecanismos causais a partir do afastamento de
determinado evento (a causa) de outros eventos que possam encontrar-se também
no controle de um dado evento (o efeito).
Portanto, geralmente um experimento é aplicado sob a esfera de
isolamento do mundo, isto é, em sistemas fechados. Já no mundo real, enquanto
sistema aberto, normalmente não podemos identificar determinados fluxos de
eventos. Caso isso ocorresse, a atividade experimental não faria sentido. O cerne do
argumento de Bhaskar advoga a ideia de que é preciso compreender camadas mais
profundas da realidade, nas quais se “escondem” os determinantes causais,
incluindo os agentes causais e seus poderes (PAPA, 2009, p. 146).
A conjuntura da realidade independe das observações e descrições que
alcançamos a respeito dela. Não quer dizer, todavia, que possamos compreender a
realidade independentemente de tais observações e descrições. Há não ocorrência
da distinção entre uma realidade objetiva e as formas como a representamos e/ou a
descrevemos, o nosso conhecimento não seria controlado pelo mundo “real”.
Antagonicamente, a construção de nosso conhecimento sócio-histórico e cultural
mutável edificaria a realidade, ou melhor, a forma como adquirimos o conhecimento
é que caracteriza o que subsiste. Para Bhaskar (1978, p. 36) essa inabilidade de
discernir entre uma realidade objetiva e os diversos modos de como a
representamos ou descrevemos é cognominada “falácia epistêmica”. A falácia
epistêmica se apoia em admitir que nossas práticas sociais decorrentes têm
inferências ontológicas, ou seja, delimitam aquilo que existe.
Esse ponto é crucial para o enfoque teórico-metodológico do RC, pois as
24
observações são sempre sobredeterminadas pela teoria, e as teorias são sempre
subdeterminadas pelas observações (VANDENBERGHE, 1996, p.7). Porém, se
ansiamos impedir a “falácia epistêmica” de Bhaskar (1978: 36-38), que consiste na
redução de questões ontológicas a questões epistemológicas, temos de distinguir
categoricamente o que Bhaskar chama de dimensões intransitiva e transitiva do
conhecimento. O processo do conhecimento independe dos sujeitos, é produto
social convencionado mediante produções sociais anteriores. São coisas e
estruturas, mecanismos e processos, eventos e possibilidades reais do mundo, e
ocorrem a despeito de nossas atividades.
A dimensão transitiva se especifica como objeto, é a causa material ou o
conhecimento anterior empregado para gerar novo conhecimento. Nela o objeto é a
real estrutura ou mecanismo existente que age na produção do conhecimento,
realizada pelos sujeitos. Já a dimensão intransitiva é representada pelos os objetos
reais: as estruturas, os mecanismos, os processos, os eventos e as possibilidades
que o mundo oferece. São independentes das atividades do universo científico. Por
conseguinte, as leis causais operariam mesmo que não existisse pessoa alguma
para tomar conhecimento.
É com base nessa concepção que não se pode pensar na esfera de
objetos intransitivos sem a ciência. Contudo, é impossível pensar em ciência sem
objetos transitivos, visto que o conhecimento científico é estabelecido pelos
precedentes pré-científicos ou científicos. Sendo assim, dependem da prática
científica e de sua submissão as mudanças do que diz respeito à produção social.
Nessa perspectiva, porém, Bhaskar enfatiza: “Eles incluem fatos e teorias
estabelecidos anteriormente, paradigmas e modelos, métodos e técnicas de
inquérito disponíveis para um cientista” (BHASKAR, 2000, p. 8).
Nessa marcha, retomando a questão ontológica, Bhaskar (1998) elaborou
o modelo transformacional da atividade social. O intuito desse modelo é a superação
dos limites apresentados pelas teorias sociais constituídas pelo voluntarismo
weberiano (individualismo metodológico), cujas estruturas sociais são produtos
imediatos
da
ação
humana,
e
do
estruturalismo
durkheimiano
(holismo
metodológico), em que a ação humana é totalmente deliberada pela caracterização
estrutural. Por um lado, a ação humana está desprendida de qualquer controle
estrutural, contraparte, é imposto um controle absoluto da caracterização estrutural.
O modelo transformacional pressupõe que, dialeticamente, as sociedades
25
e as pessoas não se relacionam, são entes extremamente diferentes. Neste âmbito,
ele distingue que as sociedades são independentes do conhecimento que as
pessoas exercem sobre elas, todavia não são independentes das relações entre as
pessoas. Isto é, há uma diferença ontológica entre sociedades e pessoas, mesmo
que elas sejam irredutíveis e inseparáveis.
Nesse sentido, o modelo transformacional, proposto por Roy Bhaskar,
parte da compreensão de que a sociedade preexiste ao indivíduo. Segundo o autor,
é possível concordar com Durkheim que a “sociedade está para os indivíduos (...)
como algo que eles nunca fazem, mas que existe apenas em virtude de sua
atividade” (BHASKAR, 2000 p. 8). Portanto, deve-se ter clareza de que o social não
pode ser substanciado ao indivíduo, visto que a sociedade é essencial para qualquer
ação natural ou intencional que a pessoa utiliza para solucionar os problemas e/ou
construir conhecimentos, pois as formas sociais presumem previamente a ação
humana.
Bhaskar (2000, p.10) expende seu entendimento a tal respeito:
as pessoas não criam a sociedade. Pois a sociedade sempre
preexiste às pessoas e é uma condição necessária para sua atividade. Ao
contrário, a sociedade deve ser encarada como um conjunto de estruturas,
práticas e convenções que os indivíduos reproduzem ou transformam, mas
que não existiria a menos que eles assim o fizessem. A sociedade não
existe independentemente da atividade humana (o erro da reificação). Mas
não é o produto da atividade humana (erro do voluntarismo). (...) É
importante salientar que a reprodução e/ou transformação da sociedade,
embora na maioria dos casos seja inconscientemente alcançada, é ainda
assim, não obstante, uma realização, uma realização competente de
sujeitos ativos, e não uma consequência mecânica de condições
antecedentes.
Para o autor, o foco dessa relação encontra em seu bojo algumas
possibilidades emergentes dos sistemas sociais, após ter instituído essa
caracterização ontológica de sociedade e atores sociais.
O Realismo Crítico compreende que as práticas sociais agasalham
incumbência: o fornecimento de produtos sociais e as condições de sua produção.
Tendo isso em vista, parece claro que, se os produtos sociais são estruturas sociais,
logo são possíveis e suscetíveis alvos de transformação. A respeito dessa
perspectiva, Bhaskar (2001, p. 12) explica:
A sociedade é concebida, dessa forma, como “um conjunto articulado
de tais estruturas generativas relativamente independentes e duradouras,
ou seja, como uma totalidade complexa sujeita à mudança tanto em seus
componentes quanto em suas inter-relações.”
26
A sugestão de Bhaskar (1998) é que se considere o caráter dual tanto da
práxis quanto da estrutura. Os sujeitos, afirma Bhaskar, nunca fazem as estruturas
sociais. A ação humana, no entanto, possui o potencial seja de reproduzir seja de
produzir tais estruturas sociais — dualidade da práxis. Quanto às estruturas sociais,
estas são, ao mesmo tempo, condição e resultado do agir humano intencional —
dualidade da estrutura. Dessa maneira, a ação humana não se desenrola num
vácuo estrutural, e as estruturas não configuram um sistema imutável de posições
que os sujeitos simplesmente reproduzem.
Como vimos, o Realismo Crítico busca transcender as perspectivas das
correntes dominantes do pensamento científico e entreabre um novo paradigma da
análise crítica da realidade. Os pressupostos do Realismo Crítico, apresentam a
concepção de transcendência e emancipação como elementos essenciais na
construção dos conhecimentos articulados acerca da vida social, principalmente no
que concerne às estruturas micro e macrossociais.
A
seguir,
desfilo
algumas
reflexões
teórico-metodológicas
sobre
emancipação e transformação social, cujo paradigma é romper com os preconceitos,
desigualdades, injustiças, opressão e miséria presentes na sociedade e propor
soluções práticas para sua superação.
1.2 Emancipação e Transformação social
Para entender o processo da emancipação e transformação social,
buscou-se conceituar os dois processos e fundamentá-los nos pressupostos teóricos
da abordagem da ciência social crítica, pautando-se nas concepções do Realismo
Crítico, de Roy Bhaskar (1989, 1998). Ressaltam-se, por igual, as contribuições dos
pensadores da Teoria Crítica, em especial Adorno (1995,2000) e Freire (1980,
1991). Por fim, respaldou-se no clássico teórico da sociologia Karl Marx (2001, 2003,
2005), para melhor compreensão da dinâmica da sociedade.
O conceito de emancipação enfaixa, em sua essência, o caráter
interdisciplinar. Então, é importante construir de forma holística esse conceito. É
imperativo frisar que há vários autores e conceitos quando o tema é emancipação.
Relevante é analisar, à luz da etimologia o sentido de emancipação. O
verbo emancipar é originário do termo latino emancipare, de significado para fora.
27
Ao prefixo se acorrenta o substantivo e de mancipium, sinônimo de escravo,
prisioneiro, indivíduo dependente. Emancipar remete à liberdade concedida,
adquirida ou conquistada (CATTANI et al., 2009, p.175). Juridicamente ele condiz ao
direito romano, concebendo ações de libertação legal, alforria ou suspensão da
tutela e da autoridade de um sobre outrem.
Digamos mais. Parafraseando o dicionário escolar latino-português, de
Ernesto Faria, o termo emancipar, se assenta em mancipium, de sua vez
depreendido do substantivo manus (mão), associado ao verbo capere (tomar).
Carrega, portanto, esta compreensão: mancipium é a ação de tomar na mão, isto é,
pegar a coisa, fazendo com que desta nos tornaremos proprietários. Daí a relação
do termo coisa com o próprio escravo, identificado que foi, sempre, como coisa,
como objeto. Torna-se independente, isto é responsável por seus atos. Sob qualquer
pretexto, imprescindível e banir a escravidão — esse refino social de sujeição do
homem e utilização de sua força, explorada pra fins econômicos, como propriedade
privada. Afinal, a escravidão traduz uma nódoa, um grilhão que acorrenta os pés de
alguém ao atraso. Em pensar que o analfabetismo é forma moderna do mesmo
grilhão que prende uma nação à estrangulação, impedindo que esta alce seu grande
voo da liberdade, da construção de uma sociedade mais fraterna, mais solidária e
mais justa para todos.
Nesse andar, aflora o termo emancipar: põe fora a tutela, liberta do jugo
de alguém, livra-se do pátrio poder. Enfim, Para que haja uma sociedade
emancipada, é preciso que os indivíduos participem de forma coletiva e solidária, por
isso, é que as varias maneiras de participação têm que ser estimuladas no âmago
da comunidade, a fim de formar cidadãos críticos e emancipados.
De consequência, “a ideia de Emancipação, como parece inevitável com
conceitos deste tipo, é ela própria ainda demasiado abstrata, além de encontrar-se
relacionada a uma dialética” (ADORNO, 1995, p.143). A construção do conceito de
emancipação está alicerçada aos pressupostos da vida em sociedade. Nesse norte
é impossível emancipar-se na solidão. Então, conceitos como emancipação e
emancipação social, por vezes, são colocados como sinônimos. Segundo Cattani
(2006, p. 44), “a realização e o discurso da autonomia no seu sentido coletivo [são]
também identificados sob o conceito de Emancipação Social”.
Nesse sentido, “a emancipação só acontece de fato quando o cidadão
exerce seus direitos políticos, que têm por essência de conteúdo a participação na
28
vida da comunidade” (MARX, 2005, p. 22)
Enfim, o conceito de emancipação é prognosticado historicamente pela
razão crítica, não devendo ser recortado de forma temporal. Ela encarta um conceito
atemporal. Assim, “o indivíduo só se emancipa quando se liberta do imediatismo de
relações que, de maneira alguma, são naturais, mas constituem meramente
resíduos de um desenvolvimento histórico” (ADORNO, 1995, p. 76).
Este empoderamento está diretamente relacionado com a condição de
autonomia, emancipação e cidadania. Pressupõe, no entanto, a transformação
social. Se nos reportarmos aos desígnios da transformação social sem o
acompanhamento da transformação individual, teremos no máximo uma mudança
estrutural completamente limitada, impossibilitada de produzir uma sociedade justa,
solidária e pacífica se os sujeitos da mudança não estão engajados em desenvolver
a autoemancipação.
No que se refere à noção de emancipação na qualidade de
autoemancipação, Papa (2009, p. 144) ressalta:
Se a emancipação significa libertação, a autoemancipação pressupõe
então a transformação do próprio indivíduo, do ‘eu’ individualista, unificado,
centrado na própria pessoa, para um eu exterior voltado para solidariedade
e fraternidade. A autoemancipação da qual fala Bhaskar, deve,
necessariamente, passar pela transformação dos próprios agentes ou
participantes. Se olharmos a realidade social, não vemos nada mais do que
(re)ações, com seus efeitos e causas.
Dessa forma, a transformação individual é mantida por ideias e ação
solidárias, democráticas, éticas, empoderando o companheirismo em uma
comunidade. Destarte, o engajamento que um grupo ou uma comunidade social têm
com o processo da transformação social poderá servir como pilar de sustentação
para a transformação individual de seus membros, com vista a promover a mudança
da sociedade em si.
Do mesmo modo, para alcançar a transformação social, é primordial
idealizar a sociedade desejada, ter consciência do compromisso com os princípios
sobre os quais norteará seus fundamentos, desenvolvendo capacidades para
efetivar esses ideais.
Nota-se que o conceito de transformação social depende do referencial
teórico que o analisa. Para Marx (2001), o processo de transformação social, está
absolutamente entrelaçando com as contradições e lutas de classes que se avultam
29
na base material da sociedade. Weber contradiz a teoria marxista, ao reforçar a ideia
de que a transformação social é um processo que perpassa pelas lutas simbólicas
travadas entre diversos agentes sociais. Já Durkheim se fundamenta na divisão do
trabalho para esclarecer a evolução da sociedade.
A seguir, serão apresentados alguns pressupostos teóricos que reforçam
os conceitos de emancipação e transformação social.
Em termos ontológicos, portanto, o duplo complexo – emancipação e
transformação social – tem sua gênese no pensamento filosófico de Roy Bhaskar
(1998, p.462), cuja proposta é destinada à ciência social crítica e suas
consequências da práxis social. Conforme afirma Bhaskar, os mecanismos que
produzem os problemas podem ser retirados. Para esse autor, a emancipação
passa impreterivelmente pela autoemancipação, não consistindo meramente na
transformação da consciência. Efetiva-se na prática, ou seja, buscando uma
transformação social interna e microssocial para um contexto macrossocial Barros
(2011, p.13).
Barros (2010, p.71) ressalta:
Bhaskar (1998: 462), ao construir seu pensamento filosófico sobre
emancipação e transformação social, apresenta uma proposta para a
ciência social crítica, pois, segundo ele, os mecanismos geradores dos
problemas podem ser removidos. Para esse autor, a emancipação não pode
ser alcançada apenas pela mudança da consciência; ao contrário, ela deve
ocorrer na prática, ou seja, deve passar pela transformação dos próprios
agentes ou participantes.
Segundo Bhaskar (1998, p.462):
Meu ponto de vista é que aquele tipo especial e qualitativo de
libertação que é a emancipação e que consiste na transformação, na
autoemancipação dos agentes envolvidos, partindo de uma fonte de
determinação indesejada e desnecessária para uma desejada e necessária,
é, ao mesmo tempo, pressagiado causalmente e acarretado logicamente
por uma teoria explanatória, mas só pode ser efetivada na prática.
O autor pressupõe, que, se a emancipação significa libertação, a
autoemancipação pressupõe então a transformação do próprio indivíduo, do ‘eu’
individualista, unificado, centrado na própria pessoa, para um eu exterior, revoltado
para a solidariedade e fraternidade (BHASKAR, 1998, apud BARROS, 2009, p.144).
Bhaskar
(1989),
em
sua
visão
a
respeito
da
emancipação
e
transformação social, preconiza que é preciso que os agentes/participantes reflitam
sobre suas práticas sociais e que haja engajamento dentro do contexto em que está
30
inserido. Assim, o autor propõe o paradigma da transformação social, como a mola
propulsora do inconformismo contra os preconceitos, desigualdades, injustiças,
miséria e opressão social e pela possibilidade de mudança dessa triste realidade.
Seguindo
esses
passos,
Barros
e
Mattos
asseveram:
“Nossa
compreensão é que a Emancipação e a Transformação Social nascem de um desejo
de viver em um mundo com menos miséria, desigualdade, preconceito e opressão.
Esse desejo deve nascer das pessoas que se propõem a trilhar esse caminho”.
(BARROS e MATTOS, 2011, p.133)
Nesse sentido, alinhando-se com a concepção de Bhaskar, as autoras
sugerem o engajamento em ações práticas para que, de fato, haja transformação
social, indicar possibilidades de aplicação dessa transformação.
Para Theodor Adorno (1995), a emancipação só é possível por meio de
uma educação empenhada no processo formativo da consciência crítica, ainda que
o fetichismo da mercadoria cultural3, ideologicamente, repasse valores de consumos
cristalizados pela indústria de consumo4, levando as pessoas a não refletirem sobre
seus atos.
Na estrutura de Adorno, a educação não se restringe apenas em repassar
conteúdo e nem apenas em desenvolver habilidades nos sujeitos envolvidos, devese lançar fora a pratica da reprodução de conteúdo, é necessário fomentar a
reflexão crítica sobre a realidade, passando para a condição de sujeitos do processo
de transformação social. Ensinar o sujeito a pensar seu contexto, sua vida, pensar
essas contradições e pensar formas de ações que se posicionam contra a
disseminação da semicultura5 na sociedade da contradição (LUSTOZA, PIRES e
MARQUES, 2012, p.6)
Perante essa posição, Adorno evidencia a visão de Kant, onde a
emancipação se reporta ao homem autônomo, emancipado, isto é, para a "exigência
de que os homens tenham que se libertar de sua autoinculpável menoridade6"
3
A produção cultural, particularmente, tem como objetivo construir os modelos de reprodução do
capitalismo e dar atributos humanos nas mercadorias para reforçar o consumo.
4 Conceito criado pelos filósofos e sociólogos Theodoro Adorno e Max Horkheimer, com a finalidade
de designar a situação da arte na sociedade capitalista. É um instrumento de manipulação das
consciências, usada pelo sistema para se conservar, se manter ou submeter os indivíduos
(OLIVEIRA, 2010 p.39)
5
Está presente somente na sociedade industrializada, evidente nos produtos culturais
estandardizados pela técnica, mais precisamente a Industria Cultural. (IOP, 2009, p.21)
6 Um estado do ser humano de dependência e conformismo, ou seja, é a incapacidade de fazer uso
de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo.
31
(ADORNO, 1995, p. 141). De conseguinte, a educação engajada em um processo
que forneça uma ideia de ser social, e da ação consciente à transformação social,
estaria contribuindo para um processo de formação e emancipação.
Adorno (2000), em sua obra Educação e emancipação, aborda a questão
dessa mesma emancipação no processo educacional, atribuindo à educação o
dever de impedir o que ele chama de “barbárie”, buscando a emancipação dos
sujeitos.
Não outra a preocupação de Adorno (2000):
[...] reside na sociedade e em sua relação com a escola [...] Enquanto
a sociedade gerar a barbárie a partir de si mesma, a escola tem apenas
condições mínimas de resistir a isto. Mas se a barbárie, a terrível sombra
sobre a nossa existência, é justamente o contrário da formação cultural,
então a desbarbarização das pessoas individualmente é muito importante. A
desbarbarização da humanidade é o pressuposto imediato da
sobrevivência. Este deve ser o objetivo da escola, por mais restritos que
sejam seu alcance e suas possibilidades (ADORNO, 2000, p. 116-117).
Conforme esse autor, a educação deve contemplar a formação da
consciência crítica à autonomia e à emancipação dos sujeitos. Destarte, é
imprescindível que se conduza à elucidação das incongruências e às contradições
sociais. Adorno (2000) propagou a ideia da educação política, como eixo do projeto
emancipatório. Contudo, pressupõe que esta mesma educação conceba uma atitude
de resistência à barbárie, ou melhor, à relevância da educação nos processos de
emancipação e desbarbarização.
Assim, Viana (2009) ressalta que, “a emancipação, na perspectiva de
Adorno, não se refere apenas ao indivíduo como entidade isolada, mas
fundamentalmente como um ser social”. Ela é crucial para a democracia e se
incorpora ao desejo individual, semelhantemente ao que se dá com instituições
representativas. E preciso, porém desviar-se de um desfecho irracional, para isso é
importante que cada individuo desfrute de seu próprio saber, ou seja, de sua
capacidade de intervir e refletir criticamente o contexto social em que se insere.
O
ideário
norteador
de
Paulo
Freire
(1991)
se
destaca
pelo
reconhecimento de que pensar em emancipação é procurar o oposto: a opressão. O
estado de opressão, salientado em suas obras, traz o recorte relacionado com a
classe social. Se bem assim, esta classe é composta de sujeitos sedentos de
liberdade, autonomia e emancipação, susceptíveis do grande triunfo, pela práxis
32
revolucionária que os concebe.
No entanto, Freire (1980) enfatiza que os oprimidos estão condicionados
aos ideais humanos dos opressores, assim a práxis da libertação é uma das
dinâmicas para esta superação. Outro aspecto da teoria freiriana é compreensão de
que a inversão de papéis com os opressores – autoritarismo e o individualismo –
pode ser superado:
somente os oprimidos podem libertar os seus opressores, libertandose a si mesmos. (...) É, pois, essencial que os oprimidos levem a termo um
combate que resolva a contradição em que estão presos, e a contradição
não será resolvida senão pela aparição de um “homem novo” e nem o
opressor nem o oprimido, mas um homem em fase de libertação (FREIRE,
1980, p. 59).
No entanto, as lutas pela emancipação humana apresentam em seu
contexto sócio-histórico, lutas ininterruptas, em que a busca pela superação da
relação contraditória entre oprimido/opressor se constitui “homens novos”, em
relações de liberdade, autonomia e emancipação, por meio de uma educação
humanizante, que melhor corresponda à sua formação ética e capacidade
ontológica, ou seja, a de compartilhar e intervir no mundo que o cerca. Conforme
Freire, um processo que faz parte da própria humanização do ser humano, da sua
vocação para “ser mais”.
Nesse sentido, é importante resgatar a perspectiva da práxis humana,
dado que o processo de emancipação concebe ao oprimido o sentido de reconstruir
sua humanização de não transformar-se opressores, mas reconstrutores da
humanização de ambos. “E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos
oprimidos – libertar-se a si e aos opressores.” (FREIRE, 1991, p. 30): “A libertação,
por isto, é um parto [...] O homem que nasce deste parto é um homem novo que só
é viável na e pela superação da contradição opressor-oprimido, que é a libertação
de todos” (FREIRE, 1991, p.35).
A teoria freiriana compreende que o estado de emancipação contempla a
plenitude dos sujeitos em uma sociedade efetivamente transformada, resistindo e
superando contextos de opressão. Portanto, a emancipação se denomina como uma
categoria universal, cuja realização plena perpassa pela autonomia, liberdade e
igualdade entre os sujeitos, pois é o que define uma sociedade emancipada para
Freire.
33
A perspectiva da emancipação social está no cerne de toda produção de
Marx: é a força motriz pelo qual sucederia a possibilidade de ruptura e superação do
modelo social do capital e a supressão da dualidade do homem na sociedade por
meio da contingência da instauração de um novo modelo social. Ou melhor, a
emancipação social só será consolidada se homem individual for superado e,
coletivamente, estabelecer-se como ser genérico. Então, é fundamental haja uma
nova consciência política e social, assim, requisitaria uma formação integral do
homem e de suas capacidades – por meio da Educação e do Trabalho. Nesse
sentido, almeja-se despertar, no homem, a consciência de seu papel na sociedade
burguesa/capitalista, instituindo em seu âmago a mudança social.
Para Marx, a emancipação social só é possível em um novo ordenamento
social. Vejamos
Somente quando o homem individual real recupera em si o cidadão
abstrato e se converte, como homem individual, em ser genérico, em seu
trabalho individual em suas relações individuais somente reconhecido e
organizado suas “forces propes” como forças sociais e quando, portanto, já
não separa de si a força social sob forma de força política, somente então
se processa a emancipação humana (MARX, 2003, p. 42, grifos do autor).
Neste contexto, o autor pontua que a emancipação social só poderá ser
realizada com a superação do sistema do capital, e esse objetivo não se alcança na
individualidade, uma vez que caracteriza processo coletivo e social.
No entendimento de Marx (2001), trata-se de uma concepção que preza
por uma relação dialética entre infraestrutura e superestrutura, entre a essência do
ser e a consciência. Afinal, uma conexão onde o homem é considerado sujeito ativo
do processo, um sujeito que, dentro de certos contextos, influi na transformação
social. Outrossim, para o pensamento marxista, a transformação social ocorre em
determinada consciência, resultado das contradições que se exteriorizam na base
material da sociedade, que acabam levando os sujeitos a ações que conservam ou
modificam a realidade social.
Por fim, emancipação é fruto da consciência crítica daquele que busca a
transformação social, almejando o benefício coletivo, em função de uma participação
ativa, revelada em ações organizadas e eficazes.
A seguir, abordarei os conceitos sobre a Análise Crítica do Discurso,
doravante ACD.
34
1.3 Análise Crítica do Discurso: abordagem transdisciplinar para estudos
críticos da linguagem como prática social
Na década de 1980, emerge na Inglaterra uma abordagem elaborada por
Norman Fairclough da Universidade de Lancaster, denominada Critical Discourse
Analysis. A expressão foi traduzida no Brasil como Análise Crítica do Discurso e
Análise de Discurso Crítica. No início da década de 90, outros trabalhos foram
publicados. O de Van Dijk, na revista Discourse and Society, revela-se precursor.
Em 1992, foi lançado o livro Discourse and Social Change de Norman Fairclough,
desenvolvendo tópicos poucos fundamentados em sua publicação anterior,
Language and Power, expondo pela primeira vez sua teoria-crítica para análise do
discurso. A Análise Crítica do Discurso vem sendo desenvolvida e disseminada, no
Brasil, em programas de pós-graduação na área das ciências sociais, principalmente
da linguagem, em várias universidades brasileiras.
Fairclough (2003) assegura:
a ACD é a análise das relações dialéticas entre a semiose (incluindo
a linguagem)e outros elementos das práticas sociais. Sua preocupação
particular está nas trocas fundamentais que têm lugar na vida social
contemporânea, e no modo em que figura a semiose nos processos de
troca.
A ACD é indispensável para a compreensão do que vêm a ser os estudos
críticos da linguagem. Fazer análise de discurso é descrever, interpretar e explicar
como a vida social se realiza por meio da manifestação linguística, uma vez que o
discurso consiste numa prática social interconectada com outras, igualmente
importantes, que funcionam como partes constituintes da sociedade (FAIRCLOUGH,
2003).
Desse modo, ao analisar um discurso é necessário identificar os
mecanismos que montam as formações ideológicas imbricadas na formação. A esse
respeito (FAIRCLOUGH, 2003, apud, SILVA, 2009, p.2) aponta:
a ACD é uma forma de ciência crítica que é conhecida como ciência
social destinada a lançar luz sobre os problemas que as pessoas enfrentam
por efeito das formas particulares da vida social; destinada igualmente a
fornecer recursos, com os quais as pessoas se valem para abordar e
superar esses problemas.
Fairclough (2001; 2003) ainda reconhece que é de responsabilidade do
35
analista crítico do discurso investigar as relações dissonantes de poder investidas na
linguagem, fornecendo ferramentas de compreensão sobre os mecanismos que
podemos usar para investir tais desigualdades.
O autor elaborou um método que compreende a composição do discurso
como, simultaneamente, três dimensões de análise: o texto, a prática discursiva e a
prática social. Tal tríade deve ser entendida como uma realização única no
funcionamento do discurso. Essas três dimensões abrigam o objetivo de estabelecer
uma teoria linguística que forneça dados relevantes para as Ciências Sociais,
analisando o texto não apenas em sua versão estrutural, mas também em sua forma
organizacional, ou seja, de produção e consumo – discursiva –, e em sua função
eminentemente social, isto é, como uma prática comum e concreta à nossa vida
cotidiana. Nesse sentido, a proposta teórico-metodológica da ACD fundamenta-se
numa abordagem científica transdisciplinar para estudos da linguagem como prática
social.
Fairclough (2001) reconheceu o valor primordial da dialética que o
discurso
estabelece
com
a
sociedade,
constituindo,
ao
mesmo
tempo,
representações sociais, identidades, crenças e conhecimento.
Na estrutura textual, é relevante analisar a lexicalização e a significação
do vocabulário, pois sinalizam o imbricamento de sentidos de mundo que se
materializam em tempos e espaços variados para igualmente diversificados grupos e
pessoas.
Essas estruturas também podem ampliar o conhecimento sobre as
relações sociais e as identidades sociais e os sistemas de crenças que estão
implicados nas convenções da discursiva. Há muitos vocabulários em competição,
correspondendo aos diferentes domínios sociais. Por isso, é mais apropriado falar
em ‘lexicalização’ e ‘significação’ do que em ‘vocabulário’, pois esses termos indicam
a constituição de sentidos do mundo que ocorrem diferentemente em tempos e
épocas para diversos grupos de pessoas diferentes”. Também podem ampliar o
conhecimento sobre as relações e identidades sociais, bem assim sobre os sistemas
de crenças que estão implicados nas convenções dos tipos de texto.
Fairclough (1992) estabelece a distinção entre prática discursiva e prática
social. A primeira se manifesta em forma linguística, na forma de ‘textos’, usando
‘texto’ no seu sentido amplo: linguagem falada e escrita. A segunda é uma dimensão
do evento discursivo, da mesma forma que o texto. Em alguns casos, a prática
36
social pode ser inteiramente constituída pela prática discursiva, enquanto, em
outros, pode amalgamarem conjunto de práticas discursivas e não discursivas.
Segundo o autor: “A análise de um discurso particular, como o exemplo de prática
discursiva, focaliza os processos de produção, distribuição e consumo textual”
(FAIRCLOUGH 2001, p.99).
A Teoria Social do Discurso trabalha com um modelo tridimensional do
discurso em que qualquer aspecto textual é elemento significativo na análise do
discurso, ao ampliar o diálogo entre a Análise de Discurso Crítica/ ADC e a
Linguística Sistêmico-funcional/LSF. Fairclough (2003) escolhe tratar de três tipos
principais de significado – Acional, Representacional e Identificacional –, em vez de
falar em macrofunções/LSF. O autor relaciona a multifuncionalidade da linguagem à
tríade que sustenta sua obra: gêneros, discursos e estilos, bem assim aos três
modos principais pelos quais o discurso se apresenta como uma parte da prática
social: modos de agir, modos de representar, modos de ser. Fairclough (2003)
defende que os significados, por ele definidos, estão copresentes nos textos, numa
relação dialética, da mesma forma que as macrofunções, na perspectiva da LSF. Ele
demanda uma correlação entre ação e gêneros, representação e discursos,
identificação e estilos. Assim, Fairclough (2003) alarga o diálogo teórico que fez com
a teoria multifuncional do Halliday e alvitra uma relação entre as metafunções e os
conceitos de discurso, gênero e estilo. Nesse norte, propõe a substituição das
funções apresentadas por Halliday, com três tipos de significados: representacional,
identificacional e acional. Fairclough (2003) conceitua os significados da seguinte
forma:
O significado acional põe em evidência os gêneros textuais ou
discursivos, ancorados nos quais os textos se declaram como modos de interação
em eventos sociais. Cada prática social engendra e utiliza gêneros discursivos
peculiares, que articulam estilos e discursos de maneira referentemente estável em
determinado contexto sócio-histórico e cultural.
O significado representacional de textos é atrelado ao conceito de
discurso como modo de representação de aspectos do mundo. Para o autor,
diferentes discursos representam diferentes perspectivas do mundo, que são
referentes às relações que as pessoas estabelecem com o mundo, com posições, e
às relações que estabelecem com outras pessoas. Sendo assim, os diferentes
discursos não apenas representam o mundo ‘real e concreto’, mas também podem
37
possibilitar mudanças da ‘realidade’.
O significado identificacional traduz o aspecto discursivo de identidades.
O seja, relaciona-se com a identificação de atores sociais em textos e com a forma
como o processo de identificação no discurso envolve seus efeitos constitutivos.
Respectivamente, estes correspondem às funções ideacional, identitária,
e relacional, encadeada à textual. Fairclough justifica a união da relacional com a
textual por compreender que esta última, mais do que sugerir informações e
propósitos, integra uma ação, sobrelevando que a relacional, ou melhor, ambas têm
significado acional no texto.
Conforme Fairclough (2003), a relação entre os significados acional,
representacional e identificacional é dialética. Doutro modo dizendo, os três
aspectos não são isolados entre si, dado que sua distinção é somente uma
imposição metodológica. Nesse sentido, o autor entende que esses três significados
devem ser levados em linha de conta na análise das práticas sociais.
Palmilhando ainda a mesma vereda, neste estudo darei atenção ao
significado representacional, considerando que os discursos incluem representações
de como os eventos são construídos socialmente, portanto os discursos, como modo
de representação, integram pontos essenciais na relação dialética entre linguagem e
outros componentes da vida social.
Fairclough afirma: “Representação é um processo de construção social de
práticas, incluindo a construção reflexiva de si – representações penetram em
processos sociais e práticas e os moldam” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 123).
No interior de qualquer prática social, atores sociais produzem
representações de outras práticas. Em sua trajetória dentro da prática, eles acabam
agregando uma prática para o contexto de outra prática, ou seja, recontextualizam
outras práticas, buscando transformá-las e ressignificá-las.
De acordo com Fairclough (1992), o discurso é concebido como prática
social, de representação e de significação do mundo. Para ACD, o discurso é
compreendido como elemento constituidor do social, à guisa de ação – visto que é
uma dos modos pelos quais as pessoas podem agir, interagir sobre o mundo e
sobre os outros. Todavia é também conceituado como uma forma de representação,
em que valores e identidades são representados de forma particular. Assim, os
discursos são concebidos não apenas como reproduzindo entidades e relações
sociais, mas também como as construindo de diversas maneiras, cada uma das
38
quais
posicionando
os
sujeitos
sociais
também
de
diferentes
maneiras
(Fairclough,1992). Os discursos, como formas de representação, estabelecem
pontos essenciais na relação dialética entre linguagem e vida social.
O significado representacional aborda a representação da realidade nos
textos, estampando três elementos principais nas orações: participantes, processos
e circunstâncias (Halliday, 1978, 1994). Desses elementos experienciais, “os
processos geralmente se realizam sob a forma de verbos, os participantes sob a
forma de sujeitos, objetos diretos e indiretos, e as circunstâncias sob a forma dos
diferentes tipos de elementos adverbiais, como adjuntos adverbiais de tempo ou
lugar” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 135).
Os textos podem ser analisados por uma perspectiva representacional.
No pensar de Fairclough (2003), envolve investigar a representação dos atores
sociais. Esse autor, em consonância com van Leeuwen (1997), difunde algumas
variáveis que equivalem às escolhas disponíveis na representação: Inclusão ou
exclusão — quais atores são incluídos e/ou excluídos; ativo ou passivo: como os
atores sociais são representados – de modo ativo (como ator no processo) ou
passivo (como afetado ou beneficiário); pronome ou nome: se os atores sociais são
realizados como um pronome ou como um nome; Pessoal ou impessoal: se os
atores sociais são representados pessoal ou impessoalmente; nomeado ou
classificado: se os atores sociais são nomeados (representados pelo nome) ou
classificados (representados em termos de classe ou categoria); específico ou
genérico: se os atores são classificados, devendo-se verificar se são representados
específica ou genericamente (Silva, 2009, p.4).
Assim, estratégias de representações dos atores do discurso podem
preconizar posições ideológicas em relação a eles e às suas ações. “Determinados
atores, por exemplo, podem ter sua agência ofuscada ou enfatizada em
representações, podem ser representados por suas atividades ou enunciados, ou,
ainda, podem ser referidos de modos que presumem julgamentos acerca do que são
ou do que fazem. Por isso, a análise de tais representações pode ser útil no
desvelamento de ideologias em textos e interações” (RESENDE e RAMALHO, 2006,
p.72).
Enquanto as práticas sociais agregam as representações, elas são
acometidas ideologicamente, colaborando para as relações de sustentação ou
reestruturação do poder. Todavia, uma conexão produtiva pode ser realizada entre
39
discurso, como meios de representar, e de ideologia.
Na próxima seção discuto, brevemente, o conceito de discurso como
prática social.
1.3.1 O discurso como prática social
Na ACD, o discurso é compreendido como uma prática social, cuja ação
produz, reproduz e transforma sujeitos da linguagem e realidades sociais, com base
em processos sociocognitivos em uma perspectiva histórica, total ou parcialmente
mediado pelos gêneros textuais específicos. O discurso predispõe, tanto o
amoldamento ideológico e linguístico quanto a ação transformadora de suas próprias
práticas discursivas, opondo-se e transformando as relações de poder, dominação e
correntes ideológicas. Age, assim, de forma interposta, conformando-se com as
formações discursivas/ sociais. Já em outro momento apresenta resistência e
ressignificação. Desse modo, Fairclough ressalta:
Há uma boa razão para usar “discurso” em vez desses termos
tradicionais: um discurso é um modo particular de construir um assunto, e o
conceito difere de seus predecessores por enfatizar que esses conteúdos
ou assuntos – áreas de conhecimento – somente entram nos textos na
forma mediada de construções particulares dos mesmos (FAIRCLOUGH,
2001: 64).
Percebe-se que há “um movimento do discurso para prática social, ou
seja, a centralidade do discurso como foco dominante da análise passou a ser
questionada, e o discurso passou a ser visto como um momento das práticas
sociais” (Fairclough, 2001, p. 101).
De acordo Chouliaraki e Fairclough (1999), práticas sociais são “maneiras
habituais, em tempos e espaços particulares, pelas quais pessoas aplicam recursos
– materiais ou simbólicos – para agirem juntas no mundo” (Resende e Ramalho,
2006, p. 35). Consequentemente, a ACD estabelece que toda análise parte da
questão da reprodução de discursos imbuídos de ideologias, que devem ser
superadas por meio da reflexão crítica.
Nessa óptica, o momento da prática social no discurso é fruto da
articulação de recursos discursivos em rede, ou seja, as práticas discursivas “são
determinadas umas pelas outras, e cada uma pode articular outras gerando diversos
efeitos sociais. As redes são sustentadas por relações sociais de poder [...] ligadas a
40
lutas hegemônicas” (Resende e Ramalho, 2006, p. 43).
Pode-se afirmar que o discurso, no processo de construção de
significados, habilitados para dar sentido à realidade organizacional ou de alguma
outra instituição humana, pode ser compreendido como uma prática social,
ponderando a participação fundamental do contexto histórico, social e cultural na
reflexão das percepções de mundo que envolve os sujeitos. Portanto, as atividades
discursivas, provenientes das diversas formas de comunicação e linguagem, devem
ser analisadas em conformidade com a conjectura da comunicação organizacional,
também fruto das práticas sociais.
MEURER (2005), assinala que a concepção do discurso como prática
social, de acordo com Fairclough, Reflete três inferências fundamentais. Na primeira,
os indivíduos realizam ações por meio da linguagem. Já na segunda, o discurso é
simultaneamente influenciado pelas estruturas sociais e as influências. Na terceira
os discursos moldam a forma, e os textos significam aquilo que os discursos
permitem que signifiquem (MEURER, 2005, apud MOREIRA, 2013: 29). A seguir,
ilustramos o quadro elaborado por Faircloug (2003), para apresentar a linguagem
como momento da vida social:
Quadro 1 – Linguagem como momento da vida social
Níveis do social
Níveis da linguagem
Estrutura social
Sistema semiótico
Práticas sociais
(Ordens de) discurso
Eventos sociais
Textos
Baseado em Fairclough, 2003 (apud RAMALHO, 2008, p.52)
Como se pode observar, o modelo de análise proposto por Fairclough
(2003) descortinar os três níveis da vida social e sua correlação com os níveis da
linguagem relevantes: a relação dialética entre o discurso e outros elementos das
práticas sociais – outras formas de semioses: linguagem corporal, imagens visuais,
etc. (BARROS, 2009: 5). Para tanto, Fairclough (2003) propõe a seguinte análise:
No primeiro nível, o sistema semiótico (lexicogramaticais) pode ser
abalizado no interior da estrutura social abstrata – classe social, língua, estrutura
econômica, física, biológica e psicológica. Dispõe de estruturas dessemelhantes,
com efeitos gerativos nos eventos – o fazer concreto dos agentes sociais
41
materializado em forma de textos –, através de mecanismos particulares. Todavia,
existe uma complexidade entre estruturas e eventos.
No segundo nível, a relação entre as estruturas e eventos, que são
‘práticas sociais’, é mediada por entidades organizacionais, relacionadas com as
ordens de discurso – “as combinações particulares de gêneros, discursos e estilos,
que constituem o aspecto discursivo de redes de práticas sociais” (MOREIRA, 2013,
p. 29). Busca-se compreender como as estruturas sociais moldam os textos e como
eles refletem as estruturas sociais. A análise da prática social traz à tona os efeitos
ideológicos e políticos presentes nos textos (BARROS, 2009, p. 3). Para
FAIRCLOUGH (2003, p. 26), o discurso figura de três maneiras nas práticas sociais:
na forma de gêneros textuais (como modos de agir), de discursos (como modos de
representar), e de estilos (como modos de ser).
No terceiro nível, aflora a linguagem como texto, tratando-se material mais
concreto dos eventos. Diz Fairclough, nesse sentido, que os textos se realizam
mediante o modo como os sujeitos aprenderam a realizá-los em determinados meios
sociais e mediante determinado discurso. Este saber, contudo, é dinâmico e está em
transformação constante (BONINI, 2007, p. 62).
A seguinte seção encerra, sob a lupa da ACD, a concepção de
hegemonia e poder, os quais sustentam relações de poder e controle.
1.3.1.1 Hegemonia e poder
A noção de hegemonia foi criada no cerne da tradição marxista
sustentado
pelo
pensamento
voltado
para
configurações
sociais
que
se
expressavam, peculiarmente, no tempo e espaço. Mas foi Gramsci que conceituou a
hegemonia de forma mais elaborada e apropriada para pensar as relações sociais.
Portanto,
A noção de hegemonia propõe uma nova relação entre estrutura e
superestrutura e tenta se distanciar da determinação da primeira sobre a
segunda, mostrando a centralidade das superestruturas na análise das
sociedades avançadas. Nesse contexto, a sociedade civil adquire um papel
central, bem como a ideologia, que aparece como constitutiva das relações
sociais. Deste modo, uma possível tomada do poder e construção de um
novo bloco histórico passa pela consideração da centralidade dessas
categorias que, até então, eram ignoradas (ALVES, 2010, p.71).
42
A fim de melhor definir o conceito hegemonia, a ACD pressupõe que esta,
é foco de luta constante sobre pontos de instabilidade entre as classes e blocos
dominantes, com o objetivo de construir, sustentar ou, ainda, quebrar alianças e
relações de dominação e subordinação, tomando formas econômicas, políticas e
ideológicas (MAGALHÃES, 2001, p. 18). Conforme o autor, a presença da
hegemonia se dá por meio de um desequilíbrio, pois, havendo estabilidade, não há
hegemonia.
Fairclough caracteriza hegemonia como “domínio exercido pelo poder de
um grupo sobre os demais, baseado mais no consenso do que no uso da força”
(FAIRCLOUGH, 2001, apud RESENDE & RAMALHO, 2006). É sabido de todos que
a sociedade esta estruturada de forma hierárquica, e é normatizada por
determinados comportamentos, ideias e atitudes. Em suma, busca colar limites aos
indivíduos que a constituem.
Sendo assim, fixemos sua compreensão:
“Hegemonia são relações de dominação baseadas no consentimento,
em lugar de coerção, envolvendo a naturalização de práticas e suas
relações sociais bem como relações e práticas, como questões do senso
comum” (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p.24)
Pode-se afirmar que a hegemonia concentra, em seu seio, ideal de
dominação, especialmente desempenhada no campo ideológico, onde cada sujeito
constrói sua realidade. Afinal, há uma afirmativa de que hegemonia e ideologia
encerram forte ligação dentro do discurso. Juntas, ambas as partes formam bases
de sustentação para o poder.
Entretanto, vale ressaltar que a hegemonia é instável e a relação de
dominação pode ser rompida. Apesar disso, é importante pôr em evidência que a
hegemonia é uma dimensão efêmera. Assim a qualquer instante a dominação pode
sofrer ruptura, pois ela é um espaço de luta entre dominadores e dominados, ou
seja, opressores e oprimidos.
O intuito da ideologia, hegemonia e poder é sustentar o ideal de status de
certo grupo, a universalização, quando não eternizar monopólios e privilégios. A
ACD “cuida tanto do funcionamento do discurso na transformação criativa das
ideologias quanto do funcionamento que assegura sua reprodução.” (RESENDE &
RAMALHO, 2006, p. 47). Diante dessa óptica, a ACD opera com o objetivo de
43
investigar o discurso e desmascarar a ideia de que o discurso trabalha para a
manutenção do poder. Este pensar de Resende e Ramalho (2006, p.49):
A concepção crítica postula que a ideologia é, por natureza,
hegemônica, no sentido de que ela necessariamente serve para estabelecer
e sustentar relações de dominação e, por isso, serve para reproduzir a
ordem social que favorece indivíduos e grupos dominantes.
Essas relações de poder se configuram de forma desigual, cujo escopo é
favorecer a relação de dominação.
Embora assim, a hegemonia está fortemente encadeada a questões de
poder – que pode ser conceituado tanto num sentido mais geral, quanto no sentido
‘relacional’. No sentido mais geral, poder é “a capacidade transformadora da ação
humana, a capacidade tanto para intervir numa série de eventos quanto para alterar
o seu curso” (Fairclough, 2003, p.41).
Assentado nessa dessa análise, pode-se afirmar que o poder se translada
entre os grupos perante a capacidade de manter o controle de certas circunstâncias
sociais, através dos textos orais e/ou escritos.
A ACD traz à tona a importância de investigar de que forma o poder é
construído e fortalecido dentro do discurso. É relevante vincar que a ACD propicia a
inter-relação entre a linguística e a ciências sociais, analisando o discurso
hegemônico e ideológico que fortalece as relações de poder e dominação.
Em sequência, descortino conceito de ideologia, dentro da perspectiva da
Análise Crítica do Discurso, em que as circunstâncias e contextos são capazes de
desvelar ideologias e representações das desarmônicas de poder, que se encontra
instalado nas relações sociais.
1.3.1.2 Ideologia
A ideologia não é conceituada na ACD de forma categórica. Esta vertente
leva em conta que as considera que as situações e contextos podem revelar
ideologias, visto que são também representações dos aspectos deste mundo. Nesse
sentido, as ideologias contribuem para o estabelecimento e a manutenção das
relações de poder, dominação e exploração (FAIRCLOUGH, 2001, 2003).
Cabe à ideologia a função de fortalecer as relações desarmônicas de
poder, reestabelecendo e reproduzindo os discursos de ordem social dos grupos
44
dominantes e dos sujeitos que os compõem. Esse poder é estabelecido, e/ou
reproduzido, não pelo uso da força, mas pelo consenso, mediante “concessões ou
meios ideológicos para ganhar seu consentimento” (Idem, 2001, p. 122).
Fundado numa perspectiva crítica, Thompson conceitua a ideologia da
seguinte forma:
Em termos das maneiras como sentido, mobilizando pelas formas
simbólicas, serve para estabelecer e sustentar relações de dominação:
estabelecer, querendo significar que o sentido pode criar ativamente e
instituir relações de dominação; sustentar, querendo significar que o sentido
pode servir para manter e reproduzir relações de dominação através de um
contínuo processo de produção e recepção de formas simbólicas
(THOMPSON, 1995, p.79).
Thompson adverte que a ideologia “pode operar através do ocultamento e
do mascaramento das relações sociais, através do obscurecimento ou da falsa
interpretação das situações” (op.cit.,76)7.
Thompson (2009) distingue cinco modos de operação da ideologia. Tais
modos estabelecem e sustentam a relação de poder. Embora sejam suscetíveis de
sobrepor-se e trabalhar juntos, de haver outras formas de manifestação, ele os liga à
legitimação, à dissimulação, à unificação, à fragmentação e à reificação. Essas
estratégias não são especificamente ideológicas. Seu emprego ideológico deriva de
condições particulares, dependendo de sua aplicação para estabelecer e romper
relação de poder. A legitimação representa as relações como legítimas, podendo
atuar por meio de estratégias como a Racionalização, a Universalização e a
Narrativização; (b) a dissimulação encerra relações de poder negadas, obscurecidas
ou ocultadas, operando por meio do deslocamento, da eufemização e do tropo; (c) a
unificação mantém relações dissonantes de poder por meio da construção de
identidades coletivas, que interligam os sujeitos desprezando suas diferenças,
podendo atuar por meio da estandardização e da simbolização da unidade; (d) a
fragmentação preserva a relação de dominação, ordenada e conservada por meio
da segmentação dos indivíduos e ameaça aos grupos dominantes; (e) a reificação,
que retrata uma relação transitória apresentada como permanente e natural, pode
efetuar-se
por
meio
da
naturalização,
da
eternalização
e
da
nominalização/passivização.
Para Fairclough (2003), as ideologias são referendadas em formas de
7
Ver EAGLETON, Terry.Ideologia. Uma introdução. São Paulo: Boitempo, 1997.
45
interação, portanto, em gêneros e, incomensuravelmente, em identidades. Logo em
estilo. Daí, as ideologias são consequências sociais dos textos e relativamente
naturalizadas e automatizadas. As ideologias são construções discursivas
(Chouliaraki e Faircloug, 1999), e a concepção de ideologia aflora nas relações
inclusas nas redes de práticas, particularmente nas práticas discursivas na relação
entre o discurso e a prática. Nesse sentido, o discurso pode estar sob a incumbência
da ideologia, para legitimar relações de dominação.
Dentro das estruturas sociais, as pessoas têm acesso aos diferentes
graus de recursos, em que seu posicionamento social lhes garante diferentes
posições de poder, para alcançar seus objetivos, tomar decisões, realizar seus
interesses e até mesmo levar as pessoas a reproduzir, por meio do discurso,
sentidos de dominação e submissão. Todavia, a ideologia decorre de questões
alcançadas como estabelecidas dentro do senso comum e favorecer interesses
hegemônicos, a serviço do poder.
A próxima seção aporta uma discussão sobre o conceito de identidades,
tão importante para a compreensão da forma de como os sujeitos se representam
no discurso.
1.3.1.3 Identidades
As representações da vida social são marcadas por diferentes discursos,
cujo posicionamento se encontra deliberadamente intrínseco: os atores sociais de
diferentes posturas compreendem e representam a vida social de maneiras
peculiares, com diferentes discursos. “As pessoas que diferem por sua classe social,
por seu gênero, por sua nacionalidade, por seu pertencimento ético ou cultural, por
sua experiência de vida geram ‘realizações’ de uma posição concreta.” (Fairclough,
2003: p. 182)
Segundo Fairclough (2001), a construção das identidades sociais, por
meio de sua posição no discurso e para instituir essa posição no discurso, é
imprescindível para pactuar as relações sociais com os outros participantes. A
discussão sobre as identidades está conectada aos paradigmas da ACD. Conforme
esta vertente, um dos frutos constitutivos do discurso é o de colaborar para a
construção de identidades sociais.
Alguns estudiosos têm se interessado por questões identitárias,
46
associadas às intensas mudanças sociais, culturais e econômicas – características
da modernidade posterior — que provocam rupturas nas estruturas anteriormente
estáveis. Partindo desse contexto, a discussão sobre as identidades sugere o
pressuposto: as identidades pós-modernas estão sendo descentradas, deslocadas,
fragmentadas (HALL, trad., 2003).
Particularmente as mudanças nas esferas global, local e pessoal, acabam
atingindo as identidades. Antes apontadas como fixas e imutáveis, transformaram-se
em espontâneas e desestabilizadas. Construídas histórica e socialmente, estão
sempre num estado de fluxo (RAJAGOPALAN, 1998; HALL, 2003). Vinculando-se a
essa concepção, Holmes e Meyerhoff (2006, p. 11) elucidam: as identidades de
gênero devem ser consideradas “como um construto social em vez de uma categoria
social ‘dada’, para a qual as pessoas estão designadas. O gênero é tratado como a
realização e o produto da interação social”.
Embasado nessa perspectiva e considerando o cenário de mobilidade e
de transformação, Fairclough (2003) defende que os discursos não apenas refletem
ou representam identidades e relações sociais; eles as constroem ou as constituem,
sendo,
portanto,
representação,
ação
e
identificação.
Sendo
assim,
perspectivamente, ao analisarmos o discurso, fazemos alusão de como os sujeitos
estão agindo, interagindo no mundo e construindo sua realidade pessoal e social.
Logo, implica ainda a influência de fenômenos externos afetando
“aspectos da intimidade dos sujeitos, modificando vidas e o modo de ser de cada um
deles” (VIEIRA, 2005, p. 209). Para Castells (trad., 2002), é importante reconhecer a
inter-relação discurso e identidade, pois a construção das identidades implica a
interação entre os sujeitos agindo em práticas sociais nas quais estão posicionados.
Desta forma, os discursos refletem as identidades, ao mesmo tempo em que as
constroem. Eles também exprimem a maneira como os sujeitos se relacionam.
Segundo Castells (1999, p.23) toda e qualquer identidade é construída, e
para ele a principal questão acerca da construção da identidade é “como, a partir de
quê, por quem e para quê isso acontece”, uma vez que isso é fundamental para o
conteúdo simbólico da identidade. Nesse processo de construção, sempre se
relaciona em contextos de poder, pois as identidades podem ser fixadas com
propósitos ideológicos ou subvertidas, com propósitos de resistência à dominação,
pois a identidade é significado atribuído cultural e socialmente (SILVA, 2000).
Consideradas as discussões, em torno das ações mediadas pela
47
linguagem, é pertinente ressaltar que tais ações fazem com que os sujeitos
alicercem o seu lugar nos dessemelhantes contextos em que ele se depara, assim, o
sujeito particulariza o mundo a partir de papéis sociais que ele adota. Para
Fairclough (1992, p. 37) as identidades sociais como manifestações do “eu” que são
redefinidas e reconstruídas de acordo com o contexto.
Portanto, o sujeito assume identidades diferentes em momentos diversos.
Segundo Louro (1997, p.25) “os sujeitos são compreendidos como tendo identidades
plurais, múltiplas identidades, que se transformam que não são fixas ou
permanentes, que podem, até mesmo, ser contraditórias” e que, sendo assim, o
sentido de pertencer a diferentes grupos – étnicos, sexuais, de classe, sejam ainda
de gênero social – constitui o sujeito.
A cultura de um grupo é determinada pelo meio social, que utiliza a
linguagem para expressar significados que a constituem. De acordo com Moita
Lopes (1998, p.308), as pessoas são essencialmente seres produzidos por outros
seres: a identidade de uma pessoa é o que dizem que ela é em seu meio.
O autor tece este esclarecimento:
As práticas discursivas moldam nossas identidades sociais, pois a
identidade não é uma qualidade inerente de uma pessoa, ela nasce na
interação com os outros; em outras palavras, as identidades são
construídas no discurso e é neste processo que construímos a história de
nossas vidas, que ‘contamos’ os outros e a nós mesmos (MOITA LOPES,
1998, p.67).
Segundo esse autor, as práticas sociais discursivas determinam as
identidades sociais, pois é, na reciprocidade com os outros, que as pessoas se
representam. O autor ainda ressalta que a construção da identidade, em
determinado contexto, evidencia que as identidades são construções sociais,
resultando na supressão ou promoção conforme os interesses da ordem social
dominante. Por meio dessa concepção, é possível observarmos que o sujeito se
estabelece dentro do contexto, adequando-se às necessidades desse contexto. O
sujeito se constrói, e constrói o mundo em seu redor, assentado em suas
experiências.
A seguir, discorro sobre os significados do discurso, que visa descrever o
discurso como prática social.
48
1.3.1.4 Significados de discurso
A ADC conceitua o discurso como prática de significação de mundo, e a
linguagem é concebida como dialeticamente interconectada a outros elementos da
vida social (FAIRCLOUGH, 2003). Para Fairclough (2003), o discurso é tido como
forma de prática social, e não como atividade puramente individual ou reflexa de
variáveis situacionais, uma vez que esse autor defende que a linguagem se constitui
por sujeitos e relações sociais (FAIRCLOUGH, [1992] 2008).
Norman Fairclough pontua que a maneira como o indivíduo fala ou
escreve revela quem ele é, ou seja, a linguagem utilizada pelas pessoas em
determinado contexto social e cultural pode revelar suas identidades. Nesse sentido,
Fairclough (2003) compreende que as análises textuais devem se preocupar em
identificar traços linguísticos que possibilitem perceber os estilos ou o modo como o
enunciador identifica a si mesmo e como identifica outras pessoas. Essa
compreensão está relacionada com o fato de o discurso ser socialmente influenciado
e estabelecer efeitos ideológicos de forma a produzir e reproduzir relações de poder
por meio da forma como as pessoas representam discursivamente coisas e posições
sociais (FAIRCLOUGH e WODAK (1997), FAICLOUGH, [1992] 2008).
De acordo com Fairclough e Wodak (1997), fundamentada no arcabouço
teórico de Michel Foucault, a ACD entende o discurso – textos orais e escritos –
como prática social. O discurso, como prática social, requer uma relação dialógica
entre o discurso de um evento discursivo específico as circunstâncias, instituições e
as estruturas sociais em que o evento está inserido.Portanto, essa relação dialógica
permite compreender que o discurso é socialmente constituído, ao mesmo tempo
em que a sociedade o constitui. É constituído para manter e reproduzir posições
sociais, da mesma forma que contribui para transformá-las.
Para Fairclough (2008), as práticas discursivas também fundamentam a
ACD. Estas são processos de produção, distribuição e consumo textual, sendo a
natureza desses processos variável nos diferentes tipos de discurso, de acordo com
fatores sociais. Para esse autor, as práticas discursivas contribuem para reproduzir a
sociedade como ela é – identidades sociais, relações sociais, sistemas de
conhecimento e crença –, mas também contribuem para sua transformação
(FAICLOUGH, 2008).
Na próxima seção, entreabro o conceito de gêneros discursivos, que
49
contribuirão para a descrição e interpretação dos textos.
1.3.2 Gêneros Discursivos
Segundo
Fairclough
(2003,
p.65),
“são
gêneros
o
aspecto
especificamente discursivo de formas de agir e interagir no curso dos eventos
sociais”. Portanto, analisar um texto, ou com ele interagir, é investigar como ele age
e contribui para a ação e interação nos eventos sociais. O autor estabelece a
relação entre análise de gêneros e os diversos temas das produções científicas das
ciências sociais.
Os gêneros discursivos8 são tipos relativamente estáveis de enunciado.
Mais precisamente, são produções escritas ou orais heterogêneas, ligados
especificamente a uma atividade: atuam em um determinado contexto; são reflexos
de uma cultura e de estruturas sociais; abarcam em seus desígnios, funções e
objetivos; são regulados por fatores semânticos, gramaticais e lexicais; são variáveis
discursivamente,
concretizados
estabelecendo
por
fatores
relação
de
sócio-históricos,
poder,
e
refletem
tecnológicos,
autoridade,
comunicativos
e
institucionais. Intrinsecamente, a forma favorece as práticas sociais e as inter-relações em eventos sociais. Pode-se afirmar que os diferentes tipos de gêneros
agem dessemelhantemente na ação e interação com o discurso.
Os gêneros discursivos são desenvolvidos em significados acionais e
formas de um texto; os discursos, em significados representacionais e formas; já os
estilos, em significados identificacionais e formas, de maneira que as dimensões
textuais permanecerão, antes de tudo, agregadas a determinadas relações
semânticas ou categorias gramaticais. Conforme Fairclough, eles também podem
ser considerados como “redes de práticas sociais em seus aspectos linguísticos”
(FAIRCLOUGH, 2003, p.24).
À luz do autor, os gêneros podem ser definidos em diferentes níveis de
abstração. Fairclough considera alto nível de abstração os pré-gêneros. Sejam
exemplo a narrativa, o diálogo, a argumentação, a descrição e a conversação.
8
Bakhtin (2000) define gênero do discurso como sendo tipos de enunciado, que se caracterizam por
seu conteúdo temático, unidade composicional e estilo.
50
Revelam-se categorias que transcendem redes particulares de práticas sociais.
Assim, podemos citar gêneros narrativos, narrações convencionais, histórias
narradas em noticiários, bem assim gêneros descritivos, descrição de produtos em
manuais de inscrição. Os gêneros são identificados por sua estrutura genérica.
Todavia, os textos podem ser ativos sem termos de gênero, mesclando vários tipos
deste. Mas, de acordo com Fairclough (2003), os gêneros discursivos, por vezes,
vêm sendo mesclados com os gêneros híbridos, no caso da comunicação, por
exemplo, com o anúncio publicitário. Nesse norte a estrutura genérica se pulveriza
em gêneros situados, específicos para redes particulares, como numa entrevista
etnográfica. Então, em certos casos, podemos perceber uma hierarquia genérica
nos textos, havendo gêneros principais, como entrevista, e subgêneros.
A
próxima
seção
apresenta
o
conceito
de
intertextualidade
e
interdiscursividade, particularizando representação das vozes, dos textos e
discursos que um autor retoma do outro em seu próprio percurso da construção de
um novo texto.
1.3.3 Intertextualidade e Interdiscursividade
Para Fairclough (2001), a intertextualidade tem seu foco assentado no
discurso, visto como mudança social. O autor ressalta que, preliminarmente, as
mudanças na prática social são abalizadas na estrutura da linguagem pelas
transformações no sistema de gêneros discursivos. Os sistemas são constituídos na
sociedade, por meio de uma configuração particular de gêneros que se entrelaçam
entre eles. Convenientemente às transformações espontâneas, que sucedem na
sociedade, resulta a alteração das correlações entre os gêneros, e decorrentemente,
o seu sistema.
Na esteira desse mesmo autor, as concepções de texto e de prática
discursiva,
desenvolvidas
na
ACD,
fazem
conexão
com
o
conceito
de
intertextualidade, termo cunhado por Julia Kristeva no final dos anos de 1960, a
partir
do
conceito
de
dialogismo
de
Mikhail
Bakhtin.
A
concepção
de
intertextualidade, desenvolvida por Bakhtin e Fairclough, é abundantemente
disseminada nos estudos culturais e da linguagem. Apesar de Bakhtin não utilizar
em seus pressupostos, o termo “intertextualidade” se alicerçava na perspectiva da
abordagem intertextual amarrada diretamente às questões de gêneros. De acordo
51
com Fairclough (2001, p. 135), a intertextualidade “aponta para a produtividade dos
textos, para o modo como os textos podem transformar textos anteriores e
reestruturar convenções existentes”. Fairclough, assina intertextualidade:
a propriedade que têm os textos de ser cheios de fragmentos de
outros textos, que podem ser delimitados explicitamente ou mesclados e
que o texto pode assimilar, contradizer, ecoar ironicamente, e assim por
diante. (FAIRCLOUGH, 2001 p.135)
Nesse giro, existem dois modos de realização da intertextualidade em um
texto, registrando que a diferença entre os dois é efetuada com apoio no modo como
se configura no discurso. Seu pronunciamento gráfico é denominado, pelo autor, de
“intertextualidade manifesta”, associada à redundância manifestada a outros textos,
marcados ou propostos por aspectos presentes na superfície do texto. De outra
parte, a “intertextualidade constitutiva” ou “interdiscursividade” está relacionada com
a
complexa
configuração,
interdependentemente
formações
discursivas
(FAIRCLOUGH, 1995, p. 95), é ligada internamente ao texto, conduzindo ao modo
como valores, crenças e hábitos de um discurso são renovados em outro.
Fairclough se refere à intertextualidade constitutiva introduzindo o termo
“interdiscursividade”:
A teoria da intertextualidade manifesta é o caso em que se ocorre
explicitamente a outros textos específicos em um texto, enquanto a
interdiscursividade é uma questão de como um discurso é constituído de
uma combinação de elementos de ordens de discurso. (FAIRCLOUGH,
2001, p.152)
Na intertextualidade manifesta, outros textos estão explicitamente marcados
por aspectos na superfície do texto, a exemplo das aspas, enquanto que, na
intertextualidade constitutiva (interdiscursividade), um texto pode incorporar outro
texto, sem que o último esteja explicitamente apresentado; ou melhor, é a
configuração de convenções discursivas que entram em sua produção. (BRITO,
2009, p.3)
Portanto, a intertextualidade e a interdiscursividade são estratégias
empregadas no discurso com o sentido de produzir coerência e, efetivamente,
cativar o receptor das proposições. São definidos pela ACD como propriedades que
os textos têm de estar abarrotados de fragmentos de outros textos. Tais fragmentos
podem estar demarcados claramente ou miscigenados com o texto. Entretanto,
esses fragmentos podem compreender contestar ou fazer repercutir, satiricamente.
52
Sendo assim, a intertextualidade e a interdiscursividade não se manifestam
sem motivos, pois, quando se dá espaço para outra voz no texto, de forma explícita
se busca a intenção de corroborar as próprias ideias a partir do enunciado do outro,
uma vez que as escolhas são impulsionadas.
A próxima seção discorre sobre as construções conceituais da Teoria das
Representações de Atores Sociais, de Theo van Leeuwen, que vem sendo utilizada
como ferramenta metodológica na análise crítica do discurso, fomentando
discussões que orbitam a questão da agência discursiva. Assim evidenciando os
modos pelos quais os atores sociais podem ser linguisticamente representados.
1.4 A Teoria das Representações de Atores Sociais
A proposta teórico-metodológica de Theo van Leeuwen (1997; 2008), a
teoria da representação de atores sociais, vem sendo aplicada como ferramenta na
análise crítica do discurso, disseminando debates que dizem tese da agência
discursiva. Nesse andar, põe à mostra os modos pelos quais os atores sociais
podem ser representados linguisticamente.
As
pessoas
representam
as
vivências
comuns
de
terminada
comunidade/sociedade, pois o conhecimento não é empírico ao ser humano, mas,
sim, construído com as pessoas a outras pessoas, por meio das experiências
individuais. Na interação entre sujeito e sociedade, a linguagem se sobreleva no
processo de construção das realidades. As produções textuais estão dentro de um
sistema de contexto e cultura predefinidos e variam de acordo com o objetivo de
quem fala ou escreve. As escolhas linguísticas constroem representações sociais.
Nessa perspectiva, os atores sociais são representados como agentes ou
como pacientes. Contudo “não é necessário que haja congruência entre os papéis
que os atores sociais desempenham, de fato, em práticas sociais, e os papéis
gramaticais que lhes são atribuídos” (van Leeuwen, 2008, p. 32). Portanto, sob a
concepção da representação da prática é possível investigar as escolhas léxicogramaticais realizadas, os contextos institucionais e sociais em que se concretizam
e, também, a finalidade pela qual essas preferências são efetivadas, depreendendo
quais as relevâncias implícitas a elas e quais desígnios são alcançados.
Van Leeuwen (1997) se apadrinha com a expressão “atores sociais” para
representar as pessoas dentro de um discurso. O autor investiga as diferentes
53
formas com que os atores sociais podem ser representados em um texto. Van
Leeuwen (1997) classifica a representação dos atores sociais como um conjunto de
elementos linguísticos que se articulam, podendo funcionar para incluir ou excluir
pessoas e grupos. As formas de representação podem estar relacionadas com as
escolhas linguísticas que os sujeitos fazem para externar suas experiências no
mundo. Dessa forma, o teórico dispõe de duas categorias essenciais para essa
representação, chamadas de Exclusão e Inclusão.
A representação por exclusão se dá quando há a supressão ou
encobrimento (segundo plano) do ator social. No primeiro, não há, ao longo do texto,
referência aos atores sociais em questão. Já o encobrimento ocorre quando o
participante é posto em segundo plano. Neste caso, que pode ser resultado de
simples elipses ocorridas em orações infinitivas e coordenadas, a exclusão não é
total, pois os atores sociais excluídos podem não ser mencionados em relação a
determinada atividade, mas são mencionados em outras partes do texto, podendo
ser recuperados. Para van Leeuwen (1997), a exclusão de atores sociais torna-se
possível
por
meio
da
utilização
de
alguns
recursos
léxico-gramaticais:
nominalização, adjetivação, elipse, apagamento do agente da passiva e do
beneficiário.
Na representação por inclusão, os atores sociais estão materializados
linguisticamente no texto e podem revestir-se de diferentes papéis. Nessa divisão de
papéis sociais. Portanto, é possível acontecer do ator social não ser o integrante
agente na oração, podendo exercer outra função de acordo com a estrutura
linguística inquirida.
Já na inclusão, ocorre por ativação, passivação, gerenciação, especificação,
personalização e impersonalização. Em relação a seu tipo ou definição, categorias
de inclusão – como especificação, personalização e impersonalização – possuem
subdivisões, de acordo com o modo como se realizam.
Com base na teoria desse pensador, a inclusão ocorre através da ativação e
passivação dos atores sociais no texto. Na categoria ativação, os atores sociais são
representados como força ativa numa ação. Já na categoria passivação, os atores
sociais representados se submetem às ações, quando não se revelam afetados por
elas. Tanto a ativação quanto a passivação de um ator social ocorrem por meio das
seguintes categorias: participação, circunstancialização e possessivação. E de
registrar que a participação e circunstancialização se referem à possibilidade de os
54
atores sociais serem representados no âmbito preposicional, ou melhor, através de
proposições. Quanto a categoria possessivação, está relacionado ao uso de
pronomes possessivos.
A exposição sobre as categorias sociossemânticas ressalta, a categoria
generalização, na qual os atores sociais são representados como classes: realiza-se
com o plural sem artigo definido, singular com artigo definido, tempo presente (ações
habituais e universais). A categoria especificação pode ocorrer por meio da
individualização: realiza se na singularidade e nos dados identificadores. Ocorre
também por meio da coletivização e agregação. A coletivização corresponde aos
atores sociais, através de um substantivo ou pronome coletivo que denota grupo de
pessoas. A agregação, de sua vez consiste em que os atores sociais são
representados por meio da quantificação (maioria, grande parte, minoria, etc.),
definido ou indefinido.
Segundo van Leeuwen (2008), a categoria personalização se reporta às
escolhas sócio-semânticas por inclusão dos atores sociais nos textos, aí
representados na condição de seres humanos. Na diferenciação – indivíduos ou
grupos identificados concretizam-se pelos pronomes pessoais ou possessivos, por
nomes ou substantivos próprios, outras vezes por meio de adjetivos que apresentam
características humanas. Portanto é fundamental explanar as definições que
compõe esta categoria. Destacam-se, também, a Determinação – relaciona, de
forma específica, a identidade dos atores sociais no texto; a Indedeterminação – os
atores sociais não especificados anônimos, ou seja, referenciados através de
pronomes indefinidos; a Categorização – marca os atores sociais conforme a função
que ocupa; a Nomeação – na qual os atores sociais fazem referências por meio de
nomes
próprios
(primeiro
nome,
sobrenome).
Revela-se,
por
igual,
a
Funcionalização, cuja menção aos atores sociais, se faz através de um substantivo
ou grupo nominal de papéis participantes e processos que denotam determinada
ocupação, profissão, função relativa a dada atividade concretizando-se no texto por
meio de substantivos, formados por verbos.
Ressaltem-se, ainda, outros tipos ou definições, de representação de atores
sociais.Como a Identificação, o ator social é representado pelo que ele é, não
daquilo que ele realiza. Conforme van Leeuwen (1993, p. 145), há três tipos de
identificação: a classificação, a identificação relacional e a identificação física. A
classificação sucede por meio de categorias sócio-historicamente empregadas com
55
o intuito de dividir as pessoas em classes, ou seja, idade, sexo, religião, etnia, entre
outros. Os critérios de classificação podem variar tanto do ponto histórico, quanto
cultural. Na identificação relacional, os atores sociais são representados e
desenvolvidos por substantivos que caracterizam as relações que eles sustentam
com outras pessoas. Esses substantivos vêm frequentemente conduzidos por
pronomes possessivos ou por uma frase preposicionada com de (posse). Já na
identificação física, as características não se correspondem, por serem únicas, pois
um participante discernindo do outro. Na língua, a identificação física ocorre por
meio de um conjunto de substantivos/adjetivos que apresentam características, ou
por frases com as preposições com e sem. A Avaliação diz respeito à utilização de
termos interpessoais. Ao contrário das experiências, é realizada por substantivos
e/ou expressões idiomáticas. A Generalização ocorre de forma genérica: usa-se o
substantivo comum plural sem artigo definido, podendo ocorrer também no singular,
quando os atores sociais são representados como um individuo, exigindo o uso de
um artigo definido ou indefinido antes do substantivo comum. A Especificação
apresenta os atores sociais como indivíduos (identidade/individualidade) ou grupos
plenamente identificáveis. Segundo van Leeuwen (1993, p 128), há dois tipos de
Especificação: a individualização e a assimilação. A “individualização ocorre quando
os participantes são representados como indivíduos” (1993, p. 128), ao passo que
na assimilação, eles são representados como grupos.
Na
Agregação,
estatisticamente.
Sua
os
ação
atores
sociais
linguística
está
são
quantificados,
direcionada
à
tratados
presença
de
quantificadores definidos ou indefinidos que atuam como numerativos ou como
núcleos de grupos nominais. A Coletivização evidencia os atores sociais através de
um substantivo, ou pronome coletivo, que represente um grupo. Com a
Sobredeterminação, os atores sociais são representados na qualidade de
participantes de diversas práticas sociais ao mesmo tempo.
A última subcategoria é a da Impersonalização. Ocupa-se dos participantes
que não apresentam aspectos humanos. Ou melhor, trata-se de objetos, seres ou
coisas que não são humanos. É geralmente concretizada por meio de substantivos
abstratos ou substantivos concretos que não possuem, em sua opção, característica
humana. Para van Leeuwen (1997:208), há dois tipos de Impersonalização: a
abstração e a objetivação. A abstração ocorre quando uma qualidade do
participante, faz menção ao próprio participante sendo efetivada por um substantivo
56
abstrato. Já a objetivação se dá quando os participantes são evidenciados pelo local
ou por algum fato diretamente ligado a sua pessoa ou às atividades que desenvolve,
ou seja, por meio da objetivação se desenvolve uma referência metonímica.
A seguir dispomos de um quadro das categorias sociossemânticas, aliado ao
e/ou definição das representações de atores sociais, adaptado com base em van
Leeuwen (1997, p.219).
Quadro: 2 Categorias sociossemânticas de representação de atores sociais
Exclusão
Supressão
Encobrimento
Ativação
Passivação
Sujeição →
Associação
Dissociação
Beneficiação → Diferenciação
Indiferenciação
Participação
Categorização → Funcionalização
Circunstancialização
Identificação
→Classificação
Identificação Relaciona
Identificação Física
Avaliação
Possessivação
Determinação
Inclusão
Nomeação→ Formalização
Semiformalização
Informalização
Titulação →Honorificação
Afiliação
Destilação
Personalização
Determinação única
Sobredeterminação → Inversão → Anacronismo
Desvio
Indeterminação
Simbolização
Conotação
Destilação
Generalização
Especificação→ Individualização →Coletivização
Assimilação
Agregação
Impersonalização →Abstração
Objetivação
57
Adaptado com base na teoria de van Leeuwen (1997, p.219)
O intuito de o autor nos proporcionar um conjunto de categorias que
abasteçam as práticas sociais no discurso tem sido obtido, conforme a aplicação da
teoria na análise das práticas discursivas, em diferentes campos de uso, da,
possibilitando, especialmente, o desenvolvimento dessas categorias e um estudo
crítico sobre as questões referentes à agência.
A teoria da representação dos atores sociais advém da magnitude da noção
de agência para a análise crítica do discurso. Ao estabelecer um “inventário socios-semântico” que sirva à identificação e à classificação das inumeráveis formas de
representarem os atores sociais, van Leeuwen reitera a importância da agência
linguística para os estudos discursivos.
A agência [...], enquanto conceito sociológico, revela-se a maior
importância clássica na análise crítica do discurso: quais os atores sociais e
em que contextos estão eles representados como “agentes” e como
“pacientes”? (VAN LEEUWEN, 1997, p.169).
De consequência, van Leeuwen parte da relevância crítica e sociológica das
categorias, para então pensar como elas se caracterizam linguisticamente. Além
disso, o autor afirma que “o significado é inerente à cultura e não à linguagem, e não
pode ser associado a uma semiótica específica (1997, p. 171). Considera que as
categorias devem ser vistas como pansemióticas9, dadas as diferenças entre
culturas e códigos sujeitos à mudança histórica.
Sendo
Assim,
todas
as
categorias
estabelecidas
na
teoria
das
representações de atores sociais estão relacionadas com realizações linguísticas
específicas, que serão analisadas no decorrer da pesquisa.
No próximo capítulo, exibo a contextualização sócio-histórico e cultural do
Centro Socioeducativo de Cuiabá — Pomeri, a fim de investigar aspectos
importantes interconectados entre os elementos que caracterizam as mediações da
questão social, histórica e cultural, relacionadas com a instituição de direitos.
9
Deriva da visão de Peirce (1972) discutida no cotejo com visões contemporâneas sobre a interação
mente/matéria no campo das ciências cognitivas. Baseada nestas considerações, uma postura
semiótica é proposta, com vista à definição de uma estratégia para identificação e análise de
sistemas usuários de signos.
58
CAPÍTULO 2
CONTEXTUALIZAÇÃOÃO SÓCIO-HISTÓRICA e CULTURAL DO
CENTRO SOCIOEDUCATIVO DE CUIABÁ – POMERI10
Rio que tudo arrasta se diz violento, porém ninguém diz
violentas as margens que o comprimem.
Bertold Brecht
Neste capítulo, teço considerações acerca do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE), que balizam as perspectivas protetivas e educativas das medidas
socioeducativas abordadas nesta pesquisa. Em seguida, discorro sobre a política de
atendimento socioeducativo e sua gestão, analisando a trajetória histórica e social
do Centro Socioeducativo de Cuiabá – POMERI e de suas relações no âmbito
intersetorial. Por último, descortino o cenário atual do POMERI, cujo desafio é
garantir os direitos preconizados no ECA e no SINASE, com vistas a mudar a
história de vida dos adolescentes privados de liberdade.
A propósito, palavras de Bertold Brecht estão a merecer reflexão. Porque,
em movimento, as águas de um rio às vezes descem apressadamente, levando tudo
que se apresenta à sua frente e desconhecem qualquer obstáculo. Violentas, vão
atropelando o que se interpõe a seu caminho, tomando de roldão. Isso se nos revela
claro por que escancarado a nossos olhos como diria o poeta: “ver só com os olhos
é fácil”. No instante, não menos violenta que a força da ajuda, são, nas palavras de
Brecht, as margens desse mesmo no que conferem. Como esse pensamento se
afeiçoa adequadamente ao aprisionamento de adolescentes que, de igual modo, se
veem presumidos em sua liberdade, afogados em sua inanição, em seus projetos,
refratados em sua vida pessoal e família. Trancafiados, depenados em seus sonhos,
abriu-se espaço para a possibilidade de se encarnarem em seus crimes, fazendo
deste período uma pós-graduação de tudo que não presta.
Cerimonial indígena onde os jovens passam por um processo de “reclusão” em torno de 18 meses,
visando a preparação para o exercício da cidadania junto às suas respectivas comunidades.
10
59
2.1 O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Em 13 junho de 1990, nascia, na Constituição Brasileira, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, conhecido no Brasil como ECA. Foi instituído por meio de
uma emenda de iniciativa popular à Constituição do Brasil de 1988, o artigo 227, que
criava o ECA, sancionado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Antes do surgimento da ECA, existia apenas o Código de Menores. A
primeira versão do Código foi formalizada em 1927. A segunda, em 1979. Era uma
lei voltada apenas para os “menores” de 18 anos, aí particularizados os pobres e
abandonados, carentes ou infratores.
O Código de Menores, que vigorou na Legislação Brasileira pelo Decreto
número 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, foi uma lei que consolidou a doutrina
da “situação irregular”, concedendo poder absoluto ao Juiz de Direito, com objetivo
de adotar medidas para que fosse restabelecida a situação de “normalidade” para a
criança ou adolescente. Amparado neste principio, juízes aplicavam medidas sem
que as crianças ou adolescentes fossem ouvidas ou estabelecida sua defesa. Nesse
sentido, colocava-se a criança ou adolescente numa posição de cidadão de segunda
categoria, ou seja, um “menor”.
Um novo Código de Menores foi instituído pela lei 6697, de 10 de
outubro1979, elaborado por juristas escolhidos pelo governo federal, com o intuito
de substituir o Código de Menores anterior.
O novo Código de Menores tinha um caráter discriminatório, que agregava a
situação de pobreza à “delinquência”, escondendo as reais causas das dificuldades
vividas por essa população: as desigualdades sociais. Além disso, não entreabria
mudanças expressivas: representava conjecturas e aspectos que situavam as
crianças e os adolescentes – “pobres, carentes, infratores ou abandonados” – como
pessoas inferiores e ameaçadoras à ordem vigente. O Código funcionava como
instrumento de controle, correção e repressão, transferindo para o Estado a tutela
dos “menores inaptos”, que eram integrados a instituições como FEBEM, FUNABEM
e FEEM, entre outras, valendo-se dos antigos modelos correcionais e repressivos.
O ECA rompeu com a antiga tradição do Código de Menores e, avançando
sobre o senso comum, realizou diversas mudanças, enfeixando inovações e
60
traçando novo paradigma na construção de políticas públicas e sociais para a
criança e para o adolescente do Brasil. Esse novo paradigma foi à consagração na
“Doutrina da Proteção Integral” da Convenção das Nações Unidas sobre os direitos
da Criança, em 20 de novembro de 1989, uma Carta Magna para crianças de todo
mundo, abrangendo as diferentes conjunturas socioculturais entre os povos. No ano
seguinte, o documento foi oficializado como lei internacional.
Fiquemos com o pensar de CURY, GARRIDO & MARÇURA (2002, p. 19):
O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma consequência natural
da Constituição Federal de 1988; o legislador constituinte, em seu artigo
227, ‘caput’, vinculou a legislação ordinária à concepção integral ao afirmar
que crianças e adolescentes têm direitos que podem ser exercitados em
face da família, da sociedade e do Estado.
Observa-se que a Constituição Federal tinha, em seu bojo, a necessidade de
prever uma norma de proteção integral à criança e ao adolescente, tendo o ECA
como sua diretriz na Carta Magna de 1988.
Outra consequência dos avanços trazidos por estas mudanças, no âmbito
local, foi a substituição do termo pejorativo “menor” por “criança” e “adolescente”.
Esse termo, “menor”, encantava ideia de uma pessoa não detentora de direitos.
Desse modo, a utilização da palavra “menor,” com o sentido da abreviação
de “menor de idade”, foi retirada do vocabulário de quem defende os direitos da
criança e do adolescente, pois remete à “doutrina da situação irregular” ou do “direito
penal do menor”, ambos superados.
Para entendermos o contexto da implementação do ECA, devemos
conhecer as principais normativas que influenciaram sua consecução:

Declaração de Genebra (1924) – Adotada pela “Liga das Nações”.

Declaração Universal dos Direitos do Homem. Adotada e proclamada
pela Resolução n.217-a (III), da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em1012-1948.

Declaração Universal dos Direitos da Criança – Aprovada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 10-11-1959, por meio da Resolução n.
1.386 (XIV) da qual o Brasil é signatário.

Regras de Beijing ou Regras mínimas da ONU para a administração da
Justiça da Infância e Juventude (1985). Resolução n. 40/33, de 29-11-1985.

Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) da ONU - Resolução
61
44/25 da ONU, de 20-11-1989. Ratificada pelo Brasil pelo Decreto n. 99.710, de 2109-1990.

Diretrizes de Ryad para a prevenção da delinquência juvenil – ONU
(1990). Resolução n. 45/112, de 14-12-1990.

Regras mínimas das Nações Unidas para a proteção de jovens
privados de liberdade – ONU (1990). Resolução nº 45/113, de 14-12-1990.

Convenção
Interamericana
de
Direitos
Humanos
(OEA
1969).
Ratificado pelo Brasil em 06-11-1992, Decreto n. 678.
Conforme DIAS (2009, p. 383):
O Estatuto da Criança e do Adolescente, acompanhando a evolução
das relações familiares, mudou substancialmente o instituto. Deixou de ter
um sentido de dominação para tornar-se sinônimo de proteção, com mais
características de deveres e obrigações dos pais para com os filhos do que
de direitos em relação a eles.
Segundo Costa (1990), o ECA é um instrumento de cidadania, fruto de
movimentos sociais, construídos progressivamente ao longo da história, movidos por
pessoas preocupadas com as condições da vida e direitos infantojuvenis no Brasil.
O objetivo do ECA é garantir a proteção de crianças e adolescentes,
proporcionando a eles um desenvolvimento físico, mental, moral e social compatível
com os princípios constitucionais da dignidade e da liberdade, preparando-os para a
vida em sociedade.
Trata-se de documento que faz parte do direito especializado, contendo em
sua divisão, partes geral e especial, em que a primeira parte dispõe de princípios
norteadores do Estatuto. Quanto à segunda parte, estrutura a política de
atendimento, discrimina medidas, diz do Conselho Tutelar, municiando elementos
relativos ao acesso jurisdicional e à apuração de atos infracionais.
O ECA é um dispositivo jurídico inovador no que diz respeito ao conteúdo e
ao paradigma estabelecido no tratamento à criança e ao adolescente, considerando-os pessoas em condição especial de desenvolvimento e sujeitos de direito.
Com a implantação do ECA, a criança e o adolescente passam a desfrutar
de direitos fundamentais característicos à pessoa humana. Trata-se de pacto
nacional em defesa dos direitos da criança e do adolescente, independentemente de
cor, etnia ou classe social, assegurando a total atenção, proteção e cuidados
especiais para se desenvolverem e serem adultos saudáveis.
62
A criança e o adolescente são receptores da proteção integral, cabendo à
família, à comunidade, à sociedade em geral e ao poder público, com absoluta
prioridade, oferecendo-lhes os direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
O artigo 3° do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) prescreve:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
O ECA, além de garantir os diversos direitos da criança e do adolescente
quanto à proteção de viver dignamente, desde seu nascimento até seu
desenvolvimento integral com a família e com a sociedade, proporciona a eles que,
em hipótese alguma, serão objetos de negligência, exploração e violência, sob pena
de a pessoa que, eventualmente, assim o fizer, ser por isso responsabilizada.
No Brasil, o ECA, Lei n. 8.069/90, classifica como criança as pessoas até 12
anos de idade incompletos, e, adolescente, aquela entre 12 e 18 anos de idade. Nos
casos expressos em lei, é aplicado excepcionalmente às pessoas entre 18 e 21
anos de idade. (Artigos 2º e 3º do ECA).
“Adolescência” e “juventude” são termos usados por vezes como sinônimos,
mas são duas fases distintas, que se justapõem. A Organização Mundial de Saúde
(OMS) define a adolescência como a fase em que o indivíduo se encontra entre os
10 e 20 anos de vida, cabendo à juventude o período entre 15 e 24, o que acaba por
gerar uma fase de coincidência entre adolescência e juventude, dos 15 aos 20 anos
de idade). Para a Organização das Nações Unidas (ONU), o conceito de criança
abrange o conceito brasileiro de criança e adolescente. Assim, a partir dos 12 anos
de idade, o adolescente que cometer algum tipo de ato infracional pode ser
considerado passível de cumprir medidas socioeducativas.
Segundo o ECA, o ato infracional é ação praticada pela criança ou
adolescente, caracterizada na lei como crime ou contravenção penal (ECA, artigo
103). A Constituição Federal (art. 228), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art.
104) e Código Penal (art. 27) ressaltam que o adolescente que comete um ato
infracional é inimputável penalmente, ou seja: não tem responsabilidade penal e, por
isso, é subjugado a uma responsabilização jurídica especial, que requer proteção e
63
tratamento especial.
O adolescente só é considerado autor de ato infracional depois de
transitado um processo judicial, comprovando-se a materialidade do cometimento do
ato infracional. Assim, a medida socioeducativa só será aplicada após a verificação
do ato infracional por ele praticado:
Está expresso na Constituição Federal e no ECA que nenhum adolescente
será responsabilizado ou privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Isto
já é aceito, em nível internacional, que uma criança ou adolescente, que comete
uma infração penal, deve receber proteção e tratamento especial, pela existência
especificamente de instrumentos elaborados para proteger seus direitos.
As
medidas
socioeducativas
são
formadas
por
sistemas
de
responsabilização jurídica especial, aplicando-se ao adolescente que cometeu ato
infracional. Nelas estão contidos os dois principais elementos que revelam sua
finalidade: defesa social e intervenção educativa. Possui, em sua essência, uma
natureza sociopedagógica, regulada à garantia de direitos fundamentais e ao
desenvolvimento de ações e práticas que objetivem a formação do adolescente ao
exercício da cidadania.
O artigo 112 do ECA prevê aplicação de seis medidas socioeducativas ao
adolescente que praticar algum tipo de ato infracional:
1. Advertência: É uma admoestação verbal, reduzida a termo e assinada
(art.115). Ela somente poderá ser aplicada quando houver a prova de materialidade
e indícios suficientes de autoria.
2. Obrigação de reparar o dano: É aplicada quando se trata de ato
infracional com reflexos patrimoniais, constituinte na restituição do dano (a coisa), no
ressarcimento do dano ou por outra forma que compense o prejuízo da vítima
(art.116).
3. Prestação de serviços à comunidade: Consiste na realização de tarefas
gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, em entidades
assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como
em programas comunitários e governamentais (art.117).
4. Liberdade assistida: Será adotada sempre que se afigurar a medida
mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, com
duração de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada ou substituída (art.118).
5. Inserção em regime de semiliberdade: Pode ser determinada também
64
como forma de transição da internação para o meio aberto, ensejando a realização
de atividades externas independentemente de autorização de juiz. Não comporta
prazo determinado (art.120).
6. Internação em estabelecimento educacional: É a medida privativa de
liberdade, sujeita a princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento. Não comporta prazo determinado, devendo
ser reavaliada, no máximo, a cada seis meses. Contudo, não pode ultrapassar o
período de três anos, conforme o art. 121.
(SOUZA & LIRA, 2008, p. 26).
Compete ao juiz de direito ou promotor de justiça, a aplicação das medidas
socioeducativas, sempre que o adolescente praticar um ato infracional, lembrando
que aos abaixo de 12 anos se aplica a medida protetiva e não a socioeducativa.
Então, antes da aplicação de qualquer das medidas do artigo 112 do ECA, deverá
ocorrer o processo de apuração da infração, respeitando-se todos os direitos e
garantias inerentes à criança.
Antes da sentença julgada, poderá ser decretada ao adolescente a medida
cautelar privativa de liberdade provisória (internação provisória). Esta se da quando
há indícios suficientes de autoria e materialidade do ato infracional empreendido
pelo adolescente ou quando há descumprimento de ordem anterior determinada
pelo Poder Judiciário, conforme prevê o artigo 183 do ECA. Caracteriza-se por um
período máximo de 45 dias, em respeito à garantia da brevidade e da
excepcionalidade. Nesse âmbito, a permanência do adolescente para cumprir a
internação provisória somente se aplicará de acordo com a gravidade do ato
infracional ou, ainda, se a repercussão social deste ato implicar a permanência do
adolescente.
Assim, durante esse período provisório, serão realizados estudos sobre a
situação e condição do adolescente, uma vez que se encontra à disposição da
Justiça para audiências, entrevistas e/ou outras ações necessárias para a
aceleração do processo e parecer da justiça.
Cabe
ressaltar
que,
mesmo
o
adolescente
privado
de
liberdade
provisoriamente, a ele é permitido o acesso às principais ações de políticas públicas
(educação, saúde, assistencial social e jurídica). Entretanto, as atividades externas
serão permitidas conforme o critério da equipe técnica da unidade, salvo expressa
determinação judicial em contrário.
Vale destacar que alguns fatores associados ao envolvimento de
65
adolescentes com práticas infracionais, na grande maioria dos casos, estão
relacionados com contextos de pobreza e vulnerabilidade social. São geralmente
adolescentes excluídos, sem perspectivas de inclusão no mundo do trabalho,
vivendo em um contexto de grande oferta de drogas, armas, inserção no tráfico de
drogas, ou seja, sujeitos a todo tipo de ilicitude.
Vimos, neste tópico, a natureza e o significado sócio-histórico do ECA, bem
como as diferenças entre os paradigmas que antecederam sua implementação. No
próximo, apresentamos as políticas que norteiam o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE), a balizam perspectivas protetivas e
educacionais das medidas socioeducativas, retratadas no capítulo anterior,
destinadas a determinado segmento da sociedade, ou seja, ao público infantojuvenil
em nosso país.
2.2 O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)
O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo — SINASE (Resolução
n. 119 do CONANDA, 11 de novembro 2006) é o Projeto de Lei 1.627/07, aprovado
pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e
sancionado por meio da Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que regulamenta a
implementação
e
execução
das
medidas
socioeducativas
especificamente
destinadas ao atendimento de adolescentes autores de ato infracional e suas
respectivas famílias, de cunho intersetorial, em nível local, e a constituição de redes
de apoio nas comunidades.
A partir do ano 2000, o CONANDA e a Secretaria Especial dos Direitos
Humanos (SEDH/SPDCA), da Presidência da República, em parceria com a
Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude (ABMP)
e o Fórum Nacional de Organizações Governamentais de Atendimento à Criança e
ao Adolescente (FONACRIAD), realizaram uma série de encontros estaduais e
regionais e um encontro com juízes, promotores de justiça, conselheiros de direitos,
técnicos e gestores de instituições e/ou programas de atendimento socioeducativo.
O objetivo foi debater e avaliar, com os operadores do Sistema de Garantias de
Direitos (SGD), a proposta da lei de execução de medidas da ABMP, bem como a
prática pedagógica desenvolvida nas unidades socioeducativas, com o intuito de
subsidiar o CONANDA na construção de parâmetros e diretrizes para a execução
66
das medidas socioeducativas.
Os encontros realizados resultaram na constituição de dois grupos de
trabalho. Estes tiveram como encargos a elaboração de um projeto de lei de
execução das medidas socioeducativas e um documento teórico-operacional para a
execução dessas medidas.
Em fevereiro de 2004, a proposta do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE foi consolidada. As instituições que sistematizaram e
organizaram esta proposta foram a Secretaria Especial de Direitos Humanos
(SEDH), por meio da Subsecretaria Especial de Promoção dos Direitos da Criança e
do Adolescente (SPDCA), em conjunto com o CONANDA e com o apoio do Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Em novembro do mesmo ano,
fomentaram um amplo diálogo nacional, com a duração de três dias de discussão,
que contou com a participação aproximada de 160 operadores do Sistema de
Garantias de Direitos – SGD, do qual resultou o SINASE.
O SINASE foi elaborado com o intento de consolidar o Estatuto da Criança e
do Adolescente, deliberando diretrizes claras e exclusivas para o cumprimento das
medidas socioeducativas executadas pelas instituições e profissionais que operam
nesta área.
Esta, sua abrangência, seu alcance:
[...] conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem
a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os
sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos,
políticas e programas específicos de atendimento a adolescentes em
conflito com a lei. (Lei 12.594, art. 1º, § 1º)
O SINASE é considerado um subsistema incorporado no Sistema de
Garantias dos Direitos (SGD), responsável pelo atendimento ao adolescente autor
de ato infracional. Há uma relação de comunicação e interferência entre o SINASE e
os demais subsistemas internos do Sistema de Garantias dos Direitos, tais como
educação, saúde, assistência social, justiça e segurança pública.
O SGD encampa o conjunto de articulações integradas com o Poder Público
e a sociedade civil, para a aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento
de mecanismos de promoção, defesa e controle para a execução de todas as
políticas voltadas para os direitos do universo infantojuvenil, nos níveis federal,
estadual, distrital e municipal. Compete ao SGD concretizar as políticas públicas, a
exemplo dos direitos fundamentais, e atuar diante da violação de direitos, realizando
67
o controle social, por meio da sociedade civil, que colabora participando dos
conselhos, efetuando políticas complementares, fornecendo conhecimento técnico,
informal e mobilizando toda a sociedade.
O Sistema de Garantias de Direitos é constituído, no campo do Controle
Social e, auxiliado, na Promoção dos Direitos, pelas seguintes órgãos: Conselhos
Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e no
Campo da Defesa dos direitos, pelo Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria
Pública, Centros de Defesa (CEDECA), Segurança Pública e Conselhos Tutelares,
Secretarias de Educação, Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Único da
Assistência Social (SUAS), que se inscrevem no contexto da legislação atual e na
Política de Proteção Integral da Criança e do Adolescente. A ilustração 1, a seguir,
possibilita a visualização do funcionamento do Sistema de Garantias de Direitos:
Adaptado pela autora com base no texto do SINASE
Na ilustração 2, é possível visualizar a distribuição da articulação e
integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na
aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de
promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do
adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal.
68
Fonte: www.criança.caop.mp.pr.gov.br
O SINASE alberga, em seu seio, o conceito de incompletude institucional e a
ideia de integração de políticas públicas na realização dos direitos dos adolescentes
autores de ato infracional.
Primordialmente, sua implementação objetiva o desenvolvimento de uma
ação socioeducativa, assentada nos princípios dos direitos humanos. Propõe
princípios, parâmetros e diretrizes para uma política pública voltada à efetivação das
medidas socioeducativas previstas no ECA e estabelece um conjunto de regras e
critérios de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que
devem ser seguidos durante o processo de apuração de ato infracional cometido por
adolescentes, até a execução de medidas socioeducativas. Igualmente, propõe as
medidas em meio aberto (prestação de serviço à comunidade – PSC – e liberdade
assistida – LA), em preferência às privativas de liberdade, as quais somente devem
ser aplicadas em caráter excepcional, nos casos de atos infracionais mais graves.
Cada princípio, parâmetros e diretrizes do SINASE devem estar descritos
claramente no Projeto Político-Pedagógico (PPP) das unidades e programas que
efetuam o atendimento socioeducativo. O PPP é um instrumento de extrema
importância para organização, planejamento, monitoramento e avaliação da Gestão
da Ação Socioeducativa. Para assegurar o comprometimento de todos os atores
69
envolvidos, deve priorizar os aspectos educativos das medidas socioeducativas,
com base nos pressupostos da Educação Social². Sua construção pressupõe a
participação de toda comunidade socioeducativa.
O SINASE vem normatizar o que já está disposto no ECA, em interface com
as
políticas
públicas
dos sistemas
municipais,
estaduais
e
distrital,
com
as políticas de educação, saúde, trabalho, previdência social, assistência social,
cultura, esporte, lazer, segurança pública e outras, bem assim com programas
destinados a efetivar a proteção integral dos adolescentes que cometeram ato
infracional. Assim, o SINASE criou a obrigatoriedade do Plano Individual de
Atendimento (PIA).
O PIA é um instrumento de planejamento, registro e gestão das atividades a
serem desenvolvidas com o público infantojuvenil, sobretudo crianças, adolescentes
e famílias que vivem em vulnerabilidade social e medidas socioeducativas
postuladas pelos envolvidos na execução da medida. Substancialmente, o objetivo
do PIA é a personalização do atendimento ao jovem em cumprimento de medida
socioeducativa;
portanto
o
PIA
caracteriza
importante
ferramenta
para
o
desenvolvimento pessoal e social do adolescente, visando à estruturação da
execução da medida socioeducativa, conquista de metas e compromissos
estabelecidos no decorrer da medida e adaptação às necessidades do adolescente
e sua família.
A construção do PIA, para os privados de liberdade, é realizada com base
em uma proposta de diagnóstico polidimensional e individualizado, com definição de
ações a serem implementadas, compreendendo a situação processual e as
providências necessárias à fixação das metas a serem alcançadas pelo adolescente
e à definição das atividades internas e externas, individuais ou coletivas, das quais o
adolescente irá participar. Ademais, a elaboração, acompanhamento e reavaliação
do PIA incluem discussão permanente em encontros periódicos, com a equipe
multiprofissional de referência do adolescente e sua família.
Outrossim, o PIA deverá estar sempre sujeito a reformulações de acordo
com o processo de desenvolvimento do adolescente ou quando forem necessárias,
por demanda do adolescente, dos familiares ou dos profissionais responsáveis pelo
atendimento do jovem.
Para o acompanhamento da medida socioeducativa e/ou para a elaboração
de uma sentença final no processo, o juiz precisa conhecer aspectos subjetivos do
70
adolescente, contidos no PIA.
O SINASE pontua que as crianças e os adolescentes são pessoas em
desenvolvimento, daí por que necessitam de proteção, tendo direito à possibilidade
de formar sua personalidade de recuperação. O atendimento socioeducativo deve
assegurar aos adolescentes, mesmo àqueles em privação de liberdade, todos os
direitos fundamentais, como a educação, o esporte, o lazer e a convivência familiar e
comunitária. Para tanto, é fundamental que as unidades socioeducativas possuam
estrutura física e material adequada à execução da medida, servidores suficientes e
qualificados, atendimento psicossocial e pedagógico, que facilitem o pleno exercício
dessas garantias.
Reconhecemos, por meio da presente pesquisa, que o SINASE é, portanto,
um instrumento essencial para a efetivação integral do ECA e para a transformação
da realidade no atendimento socioeducativo. A seguir, apresentamos o contexto
histórico-social do Cento Socioeducativo de Cuiabá/MT— POMERI.
2.3 O Centro Socioeducativo de Cuiabá/MT— POMERI
Em Cuiabá, localiza-se o Centro Socioeducativo – COMPLEXO POMERI,
que abriga adolescentes e jovens que estão sob guarda judicial e vulnerabilidade
social. Estes cumprem medidas socioeducativas de privação de liberdade, na faixa
etária dos 12 aos 18 anos e, excepcionalmente, até os 21 anos de idade, conforme
prevê o ECA.
O atendimento ao adolescente em situação de vulnerabilidade social e autor
de práticas infracionais, no Estado de Mato Grosso, tem como marco a criação da
Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEMAT), por meio da lei 3.137, de
13 de dezembro de 1971, seguindo diretriz nacional, instituindo que a
responsabilidade pela política de assistência social ao menor estava aos cuidados
da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM).
Portanto, a FEBEMAT estava ligada à Secretaria do Interior e Justiça, cujo
objetivo era formular e implantar, no Estado de Mato Grosso, uma política de bem-estar do menor. Além do atendimento ao adolescente autor de ato infracional,
competia à FEBEMAT a execução de todos os programas de atendimento às
crianças, adolescentes em situação de risco e portadores de necessidades
71
especiais. Em suma, era o órgão responsável pela política de assistência social.
Em 1992, à FEBEMAT é incorporada a Secretaria de Promoção Social
(PROSOL), pelo decreto n. 1224, de 11 de fevereiro do mesmo ano, o qual impôs a
construção de casas de retaguarda com o objetivo de atender a um público
específico.
Assim surge, no bairro do Porto, a Casa do Porto, com feição transitória,
onde os Adolescentes encontravam alimentação, escola e abrigo, mas não tinham a
obrigatoriedade de permanecer por tempo integral.
A unidade, que recebia crianças em situação de risco, do berçário até os
onze anos e onze meses, de ambos os sexos, era o Lar da Criança, situado
primeiramente na Rua 13 de Junho. Anos mais tarde, mudou-se para o bairro
Bandeirantes. As crianças ficavam sob a tutela da instituição até serem reintegradas
às suas famílias ou disponibilizadas para o processo de adoção. Outra instituição
criada foi o Lar Solidariedade, que abrigava pessoas portadoras de necessidades
especiais, a despeito de gênero e faixa etária.
O Lar Meninos do Futuro, nome escolhido pelos próprios adolescentes, em
um concurso de desenho, funcionava como uma instituição de internação, com
característica de abrigo, porém reencaminhava os internos a seus familiares.
Recebia exclusivamente adolescentes do sexo masculino em situação de
vulnerabilidade social e/ou por terem cometido infração.
Funcionava na antiga
EMPAER—Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural –
localizada no município de Várzea Grande. Possuía uma estrutura de fazenda, com
cultivo de frutas e criação de gado leiteiro para a fabricação de queijo.
Por falta de recursos, não foi possível continuar o trabalho na fazenda- modelo e a unidade Meninos do Futuro acabou sendo instalada em um prédio
residencial no bairro Duque de Caxias, até seu fechamento. Os adolescentes
internados na unidade tinham acesso à educação, participavam de cursos
profissionalizantes e atividades extras, até serem reintegrados às suas famílias ou
parentes próximos.
Para atender o público feminino, foi instituído o Lar Menina Moça. A
instituição abrigava adolescentes em situação de vulnerabilidade social, condições
de risco que demandavam abrigo, somadas ao fato de terem cometido práticas
ilícitas. Já esteve situado no bairro Dom Aquino e no Centro Político Administrativo
(CPA). Atualmente se encontra no Complexo POMERI, sob a denominação jurídica:
72
Centro Acautelatório Feminino.
Quanto à Fazendinha Lar do Adolescente, recebia adolescentes somente do
sexo masculino em situação especial de Justiça, em que se busca abrigo, também
agrupando os adolescentes que cumpriam medida socioeducativa de privação de
liberdade. Foi uma unidade de atendimento da FEBEMAT que nunca mudou de
endereço, embora venha sofrendo mudanças estruturais e de nomenclatura ao
longo dos anos. Atualmente, denomina-se Centro Socioeducativo — POMERI, com
as unidades de internação e internação provisória. Conforme informação obtida pelo
setor de assistência social da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social
(SETAS/MT), todas as casas foram instituídas no ano 1992.
No ano de 2001, foi inaugurado o Complexo Pomeri, para adequação ao
ECA, que prevê, em seus artigos, a centralização do atendimento à criança e ao
adolescente.
O Complexo POMERI é composto pelos seguintes órgãos: Juizado da
Infância e da Juventude – Varas: Cível e Infracional; Ministério Público – Varas:
Cível e Infracional; Defensoria Pública – Varas: Cível e Infracional; Secretaria de
Estado de Justiça e Direitos Humanos/SEJUDH: Superintendência do Sistema
Socioeducativo, Centro Socioeducativo, Diretoria do Centro Socioeducativo,
Gerência de Atendimento Meio Aberto; Secretaria de Segurança Pública/SESP;
Delegacia Especializada do Adolescente – DEA, Delegacia Especializada de Defesa
dos Direitos da Criança e do Adolescente – DEDICCA, Projeto Rede Cidadã – PM,
Batalhão da Guarda – PM; Centro Integrado de Segurança e Cidadania – CISC,
Secretaria de Estado de Educação/SEDUC – Escola Estadual Meninos do Futuro.
O Complexo POMERI é um conjunto de órgãos e poderes de atendimento à
criança e ao adolescente, destinado a programas de execução das medidas
socioeducativas, antes sob a gestão da Fundação de Promoção Social
(PROSOL/MT).
A partir de 6 de janeiro de 2003, com o Decreto n. 04, a Secretaria de
Estado de Justiça e Segurança Pública (SEJUSP/MT) assumiu a Gestão da Política
de Atendimento ao Adolescente Autor de Atos Infracionais no Estado de Mato
Grosso.
Consequência disso, houve adequação da estrutura organizacional,
instituindo-se a Superintendência do Sistema Socioeducativo, que é a Gestora da
Política no Estado, responsável pela execução e efetivação direta das Medidas de
73
Privação de Liberdade e pelo processo de descentralização e implantação de
coordenações municipais para execução das Medidas do Meio Aberto.
Em 20 de dezembro de 2010, por meio da Lei Complementar n. 413, foi
criada a Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Mato
Grosso — SEJUDH, e sua estrutura organizacional foi aprovada em 10 de março de
2011, pelo Decreto 170.
A Superintendência do Sistema Socioeducativo do Estado de Mato Grosso
pertence à Secretaria adjunta de Direitos Humanos, cujo objetivo é o fortalecimento
das atividades voltadas ao atendimento das atividades socioeducativas, em
conformidade com o ECA e o SINASE. Garante os direitos fundamentais dos
adolescentes, propiciando seu desenvolvimento físico, psicossocial, afetivo e
cognitivo, respeitando as orientações da legislação nacional e internacional dos
Direitos Humanos. A Superintendência do Sistema Socioeducativo é composta pela
Diretoria do Centro Socioeducativo de Cuiabá, pelo Centro Socioeducativo de
Cuiabá – POMERI, pelos Centros Regionais Socioeducativos de Cáceres, Barra do
Garças, Rondonópolis e Sinop, bem assim pela Gerência de Meio Aberto (GAMA) e
Gerência Técnica.
O Centro Socioeducativo de Cuiabá, sobretudo no que diz respeito à
medida de privação de liberdade, busca executar a legislação conforme o que
preconiza o ECA e SINASE. Tem por objetivo deixar prevalecer o caráter
sociopedagógico, que visa possibilitar ao adolescente um despertar para sua
responsabilidade social, proporcionando-lhe novo projeto de vida, que o liberte do
submundo do crime e da marginalização, por meio de sua reinserção familiar e
social.
Segundo o Projeto Político-Pedagógico do Centro Socioeducativo de Cuiabá
-MT/POMERI, almeja-se colaborar para a transformação de valores e para a
construção do projeto de vida do adolescente. Portanto, prioriza aspectos
educativos. Os objetivos e as metas estão organizados no campo educacional,
profissional, material e emocional do adolescente, com o intuito de prepará-lo para
enfrentar as dificuldades da vida, certo de que conseguirá apoio familiar e social.
Desenvolve alguns projetos, voltados para a educação profissional,
oferecendo cursos de qualificação em parceria com o SENAI. Os cursos oferecidos
no momento de realização desta pesquisa eram o de Auxiliar Administrativo e
Operador de Caixa.
74
Administrado pela Gerência de Educação e Formação Profissional, são
ofertados, aos adolescentes, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM/MEC),
específico para os privados de liberdade, em datas diferenciadas. Já em parceria
com a Coordenadoria da Educação de Jovens e Adultos/SEDUC, é oferecido uma
vez ao ano o Exame Supletivo, ambos são aplicados na própria unidade
socioeducativa.
Os projetos de esporte e lazer são considerados, pelos adolescentes, como
um dos principais atrativos do POMERI. São franqueadas aulas de natação, futsal —
daí se formou uma seleção para competição —, hip-hop, xadrez e a horta em
parceria com a SEDUC, Fundação André Maggi e EMPAER.
O contexto pode ser definido pelo espaço social-histórico e cultural vivido e
pela perspectiva temporal do cotidiano desses sujeitos.
O Centro Socioeducativo está organizado da seguinte forma:
75
Fonte: Secretaria de Justiça e Direitos Humanos/SEJUDH, ano 2013.
De acordo com o documento fornecido pela Diretoria do Centro
Socioeducativo de Cuiabá, o trabalho desenvolvido pela Superintendência do
Sistema Socioeducativo de Mato Grosso segue a seguinte organização:
Estrutura organizacional da Superintendência:
Gerência de
Atendimento
do Meio
Aberto (GAMA):
cuida dos
adolescentes egressos da medida privativa de liberdade, bem assim dos
76
adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em meio aberto e de suas
famílias. Em Cuiabá, conta com duas equipes multidisciplinares, disponíveis para os
respectivos atendimentos, como prioridade do Plano Estadual Socioeducativo e do
SINASE.
Gerência Técnica (GT): responsável pelo processo de municipalização do
atendimento às medidas em meio aberto no Estado de Mato Grosso. Capacitam os
municípios do Estado para que tenham subsídios necessários para a garantia das
medidas socioeducativas em meio aberto.
Estrutura organizacional da Diretoria do Centro Socioeducativo de
Cuiabá/MT — POMERI:
Unidade de Internação Provisória Masculina – abriga adolescentes, na
faixa etária de 12 a 18 anos, que estão à disposição da Justiça para averiguação
quanto ao ato infracional. Não se caracteriza medida socioeducativa, dado que ficam
contidos no prazo máximo de 45 dias, aguardando decisão judicial.
Unidade
de
Internação
Masculina
–
atendimento
exclusivo
para
adolescentes que cumprem medidas socioeducativas de privação de liberdade, na
faixa etária de 12 a 18 anos, excepcionalmente até os 21 anos de idade, autores de
práticas infracionais e sentenciados pelo Juiz da Infância e Juventude. Não
comporta prazo determinado, devendo ser avaliado a cada seis meses. Contudo,
não pode ultrapassar o período de três anos nesta Unidade.
Unidade de Internação Provisória e Internação Feminina – responsável
pelo atendimento à adolescente de 12 a 18 anos, que estão aguardando decisão
judicial provisoriamente, e também para as que estão cumprindo medida
socioeducativa de privação de liberdade.
Gerência de Serviço Social e de Saúde – oferece atendimento básico de
saúde a todos os adolescentes do Centro Socioeducativo. Quando à necessidade de
atenção à saúde de média e alta complexidade, elas são supridas pela rede
socioassistencial do estado e município, por meio do Sistema Único de Saúde
(SUS).
Gerência de Educação e Formação Profissional – equipe responsável
pela formação profissional dos adolescentes do Centro Socioeducativo, por meio de
cursos, palestras e oficinas, bem como responsável por oferecer formação para os
servidores do Centro, com o objetivo de melhorar seu desempenho profissional. O
desenvolvimento do trabalho da gerência é realizado de forma intersetorial e por
77
meio de parcerias.
Mesmo com uma estrutura organizacional bem-definida, o POMERI, vem
sendo acompanhado por uma comissão intersetorial.
O Governo do Estado de Mato Grosso criou a Comissão Intersetorial de
Acompanhamento do Sistema de Atendimento Socioeducativo por meio do Decreto
n.1.454, de 12 de dezembro de 2012, visando à implementação, execução,
acompanhamento e avaliação do SINASE.
O Decreto tem a seguinte fundamentação e conteúdo:
O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO, no uso das
atribuições que lhe confere o art. 66, incisos III e V, da Constituição Estadual, e
Considerando que a política pública de atendimento ao adolescente em
conflito com a lei deve se inserir como prioridade na agenda do Poder Executivo
Estadual, conforme Lei federal n. 12.594/2012;
Considerando que a Comissão Intersetorial de Acompanhamento do
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo foi criada, nacionalmente, através
de Decreto Presidencial, em 13 de julho de 2006, e vem mantendo funcionamento
regular;
Considerando que a implementação do SINASE — SISTEMA NACIONAL
DO ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO — requer esforço conjunto dos diversos
órgãos das políticas setoriais, em especial do órgão gestor do atendimento
socioeducativo na condição de coordenador da política;
Considerando que a responsabilidade precípua do Governo do Estado, no
âmbito
do
SINASE
—
SISTEMA
NACIONAL
DO
ATENDIMENTO
SOCIOEDUCATIVO, é a de execução das medidas de restrição e privação de
liberdade e de apoio aos municípios na execução das medidas em meio aberto;
Considerando que o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do
Adolescente — SGD inclui em seu funcionamento a articulação entre os Conselhos
de Direitos e Tutelares — o Poder Executivo, Poder Judiciário, Ministério Público e
Defensoria Pública — e que o atendimento ao adolescente em conflito com a lei
engloba os programas e ações vinculados ao SGD;
Considerando que a instituição da Comissão Intersetorial estabelece o local
de articulação necessária à implantação, execução, acompanhamento e avaliação
do SINASE — SISTEMA NACIONAL DO ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO, na
seara estadual, facilitando a pactuação de compromissos institucionais, bem como
78
sua efetivação;
DECRETA:
Art. 1º Fica criada, no âmbito do Estado de Mato Grosso, a Comissão
Intersetorial do Sistema de Atendimento Socioeducativo — SINASE, com a
finalidade de promover a articulação interna do Poder Executivo na implementação
do Sistema Socioeducativo.
Art. 2º A Comissão Intersetorial do SINASE terá as seguintes atribuições:
I - pactuação de estratégias de implementação do SINASE no âmbito do
Governo Estadual;
II - estabelecimento de pauta e agenda de compromissos conjuntos para
implementação do SINASE no Estado;
III - articulação com os órgãos das políticas setoriais para a assunção de
suas competências e atribuições no SINASE, formalizando, em instrumentos de
cooperação, as responsabilidades institucionais, tais como resoluções, portarias,
decretos, protocolos, que considerarem pertinentes;
IV - envolvimento no processo de planejamento orçamentário e financeiro,
com a assegurar a previsão de recursos necessários à implementação do SINASE;
V - participação na elaboração de propostas dos documentos que deverão
ser apresentados e aprovados nos Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e
do Adolescente, tais como planos e normas;
VI - estabelecimento de mecanismos de acompanhamento e avaliação das
atividades programadas e ações desenvolvidas no âmbito do SINASE;
VII - estímulo à criação e funcionamento das Comissões Intersetoriais na
seara municipal, em especial nos municípios que concentrem parcela significativa do
atendimento socioeducativo; e
VIII - outras atribuições pertinentes e relevantes.
Art. 3º A Comissão Intersetorial Estadual do SINASE será composta por
representantes dos órgãos do Governo do Estado, em caráter permanente, e de
representantes de outros poderes, na figura de convidados. (Decreto n. 1.454, de 12
dezembro de 2012).
O
principal
Acompanhamento
do
propósito
Sistema
da
Comissão
de
Atendimento
Intersetorial
Estadual
Socioeducativo
será
de
a
implementação eficaz das políticas implementadas pelo SINASE e a consolidação
das políticas de atendimento ao adolescente autor de ato infracional, visando
79
garantir a excelência no atendimento, com foco em sua humanização, bem como a
efetivação das Doutrinas de Direitos Humanos e da Proteção Integral no Sistema
Socioeducativo Estadual.
Na sequência, teço considerações a respeito da situação atual do Centro
Socioeducativo de Cuiabá/ MT – POMERI.
2.4 O Cenário atual do POMERI
Mesmo com a criação da Comissão Intersetorial Estadual de Atendimento
Socioeducativo, o POMERI vem sofrendo fortes críticas, principalmente pela mídia
local, pela população mato-grossense, pelo Poder Judiciário, pelos conselhos e
organizações de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, devido à falta de
políticas públicas eficazes.
Este é um dos trechos da decisão exarada pela Vara da Infância e
Juventude:
Não há condições de seres humanos habitarem aquele local. São
pessoas em formação, o estado de abandono é muito grande. Falta
inclusive material de higiene. Todas as medidas administrativas já foram
tentadas. A Justiça não pode se abster de uma atitude.
Diante desse cenário caótico, desde novembro de 2011 o POMERI vem se
mantendo sob a interdição da Justiça, que proibiu o ingresso de adolescentes de
outros municípios, eliminando assim a superlotação na Unidade. A juíza Gleide
Bispo dos Santos, da Primeira Vara da Infância e Juventude Comarca de Cuiabá,
determinou a remoção dos adolescentes que se encontravam alojados no bloco
antigo (considerado insalubre), bem como sua demolição, com a separação imediata
dos adolescentes, atendendo a critérios de idade, compleição física, gravidade da
infração e tempo de cumprimento da medida, conforme dispõe o artigo 123 do ECA,
a efetivação e execução do PPP e do PIA.
Em dezembro de 2013, esta mesma decretou, em decisão de mérito, a
construção de projetos de reinserção social para os socioeducandos, criação de
uma unidade destinada a tratamento de dependência química, saneamento
das irregularidades apontadas pelo Conselho Regional de Nutrição praticada pela
empresa que fornece as refeições os adolescentes e a utilização dos refeitórios para
as refeições diárias.
80
Ainda nesse mesmo período, ocorreu processo de demolição de parte —
restrita ao bloco antigo — do Centro Socioeducativo de Cuiabá, Unidade de
Internação Masculina do Complexo Pomeri, em atendimento à determinação da
juíza Gleide Bispo Santos.
Salienta a magistrada em trecho da decisão:
Por ocasião da apreciação da antecipação de tutela, restou
consignado que não se ignora que a realização dos direitos econômicos,
sociais e culturais depende do vínculo financeiro subordinado às
possibilidades orçamentárias do Estado, porém o Estado de Mato Grosso,
ao que parece, não enfrenta problemas financeiros, pois está gastando
fortunas com a ‘Copa do Mundo’, escolha política discricionária e, para tanto
se propôs a instalar transporte bilionário (VLT) – que nem sequer será
utilizado pelos visitantes, construir arena de futebol onde serão realizados
apenas quatro jogos, enfim, este não é o cenário de um Estado que não
pode investir em Centros Socioeducativos para recuperar seus
adolescentes vítimas da própria ineficácia estatal (Gleide Bispo Santos,
Juíza da Primeira Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá,
2013).
Atualmente, mesmo com a interdição do Poder Judiciário, as práticas
sociais, desenvolvidas pelos operadores do Sistema Socioeducativo, ainda se
encontram distantes do que está preconizado no Princípio da Doutrina de Proteção
Integral, que instaura crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e garantias
fundamentais,
considerando-os
indivíduos
em
condição
peculiar
de
desenvolvimento, com o status de absoluta prioridade. A seguir, discorro sobre os
aspectos metodológicos utilizados neste estudo.
81
CAPÍTULO 3
CAMINHOS METODOLÓGICOS
Curiosidade, criatividade, disciplina e especialmente
paixão
são
algumas
exigências
para o
desenvolvimento de um trabalho criterioso, baseado
no confronto permanente entre o desejo e a
realidade.
Mirian Goldenberg
Neste capítulo, empreendo considerações acerca da abordagem de
pesquisa. Em seguida, discorro sobre os caminhos percorridos, trazendo noções
relevantes para este trabalho. Descortino sobre o contexto sócio-histórico e
pedagógico da Escola. Apresento também alguns conceitos acerca da ACD e das
representações de atores sociais. Em arremate, delineio os procedimentos de coleta
e análise.
3.1 Abordagem de pesquisa
Toda abordagem de pesquisa tem como objetivo abrir o caminho a ser
percorrido pelo pesquisador, tentativa de relacionar a teoria com a vivência. A
metodologia dá origem ao método, e é este que possibilita a pesquisa. É a
metodologia que explicita as opções teóricas fundamentais, expõe as implicações do
caminho escolhido para compreender determinada realidade e o homem em relação
com ela (MINAYO, 1994, p. 22).
Segundo Gil (2009, p. 8), método de pesquisa é assim definido: “[...]
caminho para se chegar a um determinado fim. E método científico como é visto é
visto como o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para atingir
o conhecimento” (GIL, 2009, p.8). Por essa perspectiva, discorremos que o método
dará ensejo à sistematização e ao discernimento dos dados da pesquisa para
convertê-los em conhecimento.
A abordagem qualitativa confere especial valor às opiniões dos participantes
procurando construir uma compreensão dos temas estudados, que venha abraçar os
diferentes pontos de vista dos sujeitos envolvidos. Rey (2010, p. 59) ressalta que
uma das características epistemológicas da pesquisa qualitativa é sua natureza
teórica. Segundo o autor, nessa abordagem a teoria ocupa um lugar central “[...] o
82
que não implica um divórcio com o empírico [...]”. Marli André (1995) também afirma
que a relação com a teoria nas pesquisas qualitativas é permanente, desde a
concepção do projeto até o momento da análise.
A pesquisa qualitativa ocupa um lugar reconhecido na teoria, estudando os
fenômenos que envolvem as pessoas e suas relações sociais. Trata-se basicamente
de um conjunto de métodos a ser adotado para construir uma realidade estabelecida
em diversos contextos.
Segundo esse volva de olhos, os estudos denominados “qualitativos” se
preocupam com as ciências sociais em um nível de realidade que não pode ser
quantificado, trabalhando com o universo de representações, ideologias, crenças,
valores e significados, considerando as variadas e significativas facetas. Para
Minayo (2003), referindo-se à pergunta qualitativa, “trata-se de uma atividade da
ciência que visa a construção da realidade, mas que se preocupa com as ciências
sociais em um nível de realidade que não pode ser quantificado e não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis”.
Sendo assim, a pesquisa qualitativa deve ser direcionada através de
diferentes caminhos. Por outras palavras, não se apresenta como uma proposta
rigidamente estruturada, antes permite que a imaginação e a criatividade levem o
pesquisador a buscar novos horizontes. Nesse sentido, acreditamos que a pesquisa
qualitativa, de cunho etnográfico, representa uma forma que pode se revestir de um
caráter inovador, contribuições importantes para esta pesquisa.
A etnografia, em sua acepção mais ampla, pode ser entendida,
etimologicamente, como descrição cultural ou, conforme Fetterman (1989), como “a
arte e a ciência de descrever uma cultura ou grupo”. Assim, ela representa a
tentativa de descrever e estudar os eventos que ocorrem na vida social e cultural de
um grupo (valores e práticas). O trabalho de campo é essencial para a pesquisa
etnográfica, pois, para conduzir sua pesquisa, o pesquisador participa, durante
intensos períodos, da vida diária do grupo, observando tudo aquilo que acontece,
entrevistando e reunindo todas as informações necessárias que possam desvelar as
características culturais do grupo social em estudo. Assim, a pesquisa etnográfica
envolve observação espessa, criteriosa, minuciosa, tendo como foco a fala e a
interpretação dos sujeitos participantes da pesquisa, encantando uma visão holística
do contexto sociocultural das ações dos sujeitos aí inseridos.
Segundo André (2004, p. 20), o pesquisador etnógrafo lida com uma
83
modalidade de pesquisa que se vê “diante de diferentes formas de interpretações da
vida, formas de compreensão do senso comum, significados, variados atribuídos
pelos participantes às suas experiências e vivências e tenta mostrar esses
significados múltiplos ao leitor”.
RockwelI, explica que a etnografia é um “processo de documentar o não
documentado”, tendo como base um longo e intenso trabalho de campo. Implica
estar em um local, participar, observar, conversar com aqueles que se dispuserem e
conservar, o máximo possível, essa experiência por escrito. Os caminhos
percorridos são construídos no próprio andar da pesquisa, dependendo, entre outros
fatores, da interação pretendida, do objeto que se constrói e das concepções dos
sujeitos e do próprio pesquisador (1987, p.17).
O trabalho etnográfico tem como característica enfatizar o comportamento
social do sujeito no cotidiano, depositando sua confiança em dados qualitativos
obtidos a partir de observações e interpretações feitas no contexto da totalidade das
interações humanas. Nessa esteira, os resultados da pesquisa são interpretados
com referência ao grupo ou cenário, conforme as interações no contexto social e
cultural, clicado pelo olhar dos sujeitos da pesquisa.
Neste estudo, optei pela pesquisa qualitativa, de cunho etnográfico. Utilizei-me também da abordagem analítica do discurso proposto por Fairclough (2001;
2003). O método de análise de discurso propõe verificar as mudanças sociais e
como essas mudanças estabelecem mudanças na estrutura social. Nesse norte, o
discurso reflete muito do contexto de uma sociedade, ressaltando que a Análise
Crítica do Discurso tem por intuito exaltar o meio de produção discursiva, levando
em conta não apenas os aspectos linguísticos e gramaticais, igualmente os aspectos
socioculturais. O discurso contribui para determinar e fixar novas práticas, mas
também pode ser entendido como ação social.
A seguir, apresento o contexto sócio-histórico e pedagógico da Escola
Estadual Meninos do Futuro, tecendo relações entre os diferentes aspectos da
estrutura organizacional em que foi constituída.
3.2 O contexto sócio-histórico e pedagógico da Escola Estadual “ Meninos do
Futuro”
Conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, é obrigatório o
84
oferecimento de escolarização para adolescentes que estejam cumprindo medida
socioeducativa. A aplicação dessas medidas deve ter natureza essencialmente
pedagógica, respeitando efetivamente sua peculiaridade.
Até 1995, a Escola do 1º Grau Agostinha Guimarães atendia a crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade social e sob guarda judicial,
encaminhados pela as Unidades da PROSOL— Fundação de Promoção Social de
Mato Grosso, pertencente ao Complexo POMERI. Após a sua extinção, foi criada,
pela Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), por meio do Decreto n. 40421.746 de 22-09-95; autorizada pela resolução 27, em 14-02-97, a Escola Estadual
“Meninos do Futuro”, localizada na Avenida Jurumirim, s/n, Bairro Planalto —
Complexo POMERI, em Cuiabá, com a finalidade de atender a adolescentes
privados de liberdade, do Centro Socioeducativo de Cuiabá.
A denominação Meninos do Futuro foi escolhido pelos próprios adolescentes
em um concurso integrado a uma oficina de pintura e desenho. Segundo os
organizadores da oficina, o nome eleito representa o futuro de cada um, pois os
internos esperam, por meio da escola, que eles possam galgar uma vida melhor.
Portanto, atualmente a Escola Estadual Meninos do Futuro atende as
Unidades de Internação Provisória e Internação Masculina e Feminina, do Centro
Socioeducativo de Cuiabá — POMERI. Além da educação básica, a escola oferece
o atendimento integral, com oficinas pedagógicas, o Programa Federal Mais
Educação, bem assim atividades recreativas e esportivas.
A escola não oferece atendimento ao egresso, que, após sua saída, recebe
toda a documentação necessária para se matricular em uma escola da Rede Pública
de Mato Grosso.
É importante ressaltar que, no curso da história, a escola encontrou e ainda
encontra dificuldades para desenvolver suas ações, por diversos motivos, entre eles,
a falta de agentes orientadores, segurança, precariedade das instalações,
ingerência, suspensão das atividades pedagógicas e punições desenfreadas
cometidas contra os adolescentes.
Trata-se de duas instituições que ao longo da trajetória histórica têm
representado diferentes papéis sociais, ideologias e posturas diferentes, porém,
podem em um determinado ponto se convergirem ou divergirem na disputa pela
alma dos jovens e adolescentes por meio da imposição de suas disciplinas
(FOUCAULT,1977) reivindicando um caráter educativo.
85
A Secretaria de Estado de Educação se fundamenta na proposta de
humanização, buscando a formação humana para atender às necessidades sociais
e econômicas, “aliando-se aos aspectos da ética, da solidariedade, da gestão
verdadeiros aspectos do que se possa constituir como uma sociedade sustentável”,
conforme as Orientações Curriculares para a Educação Básica de Mato Grosso
(2012).
De acordo com este documento da SEDUC, a educação no Sistema
Socioeducativo, em seu papel preponderante, vê-se instada a desenvolver uma
educação diferenciada e significativa, de forma integral, às necessidades dos
adolescentes em situação de vulnerabilidade social e sob guarda judicial. É de
sobrelevar:
Considerando o que compete à Educação, através da SEDUC,
garantir o regresso, sucesso e a permanência do adolescente e jovem na
rede da educação, seja básica, profissional ou superior. Esta garantia de
ingresso, sucesso e permanência dos adolescentes na rede formal de
ensino visa o cumprimento do capítulo IV, em especial os artigos 54, 56 e
57 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Orientações
Curriculares para a Educação Básica de MT, 2012).
Em 2011, a Secretaria de Estado de Educação unificou dois instrumentos de
planejamento, que caminhavam paralelos, o Projeto Político Pedagógico (PPP) 11 e
Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE)12 intuitos foi facilitar o processo, com a
criação do PPP on-line no módulo Gestão de Planejamento e Orçamento (GPO)13.
A ideia é aproveitar as dimensões do planejamento estratégico na
elaboração do PPP, visando facilitar a execução, revisão e avaliação do plano de
ações do PDE, em concordância com o que foi expresso como primordial em
relação aos objetivos e ideais da Instituição no Projeto Político Pedagógico.
O Projeto Político-Pedagógico da Escola Estadual Meninos do Futuro, em
2011, passa a ser on-line, atendendo à determinação da SEDUC. Conforme
documento oficial, o PPP da Escola objetiva uma educação emancipadora, diretiva,
11
O PPP é um instrumento teórico-metodológico que norteia o desenvolvimento das atividades da
escola, articulado com toda comunidade escolar, para garantir a formação de um cidadão crítico,
criativo e consciente.
12 O PDE é um programa do Governo Federal, que visa apoiar à gestão escolar com base no
planejamento participativo cujo objetivo é auxiliar as escolas públicas a melhorar gestão. O MEC
repassa recursos financeiros destinados a apoiar a execução de todo ou parte do planejamento
escolar
13 Sistema online de Planejamento e Orçamento da Secretaria de Estado de Educação do Estado de
Mato Grosso.
86
crítica e democrática, norteada pelas ações que satisfaçam às necessidades e
especificidades do adolescente que cumpre medida socioeducativa de privação de
liberdade.
A filosofia da Escola Estadual Meninos do Futuro tem como foco principal o
desenvolvimento de uma educação democrática, transformadora, comprometido
com o processo de ensino-aprendizagem do educando.
Em consonância com a comunidade escolar, bem assim com os gestores
governamentais e educacionais, a escola busca promover a formação integral do
educando e comunidade envolvida, procurando instigar o senso critico do educando
por meio do seu conhecimento e experiência já adquirida, dentro dos parâmetros
educacionais e da socioeducação, respeitados os seguintes princípios:

A preservação da dignidade humana;

A busca da identidade de cada educando;

O exercício da cidadania.
O Projeto Político-Pedagógico da Escola Estadual Meninos do Futuro parte
destes pressupostos básicos democráticos: Liberdade, Igualdade, Ética, Qualidade e
Valorização do educador e educando.
A proposta pedagógica da escola tem, como base teórica a Concepção
Interacionista do Desenvolvimento, fundamentada nas teorias elaboradas por Jean
Piaget, Vygotsky e Wallon. As Teorias Interacionistas do desenvolvimento se
apoiam, na ideia de interação entre o organismo e o meio. A aquisição do
conhecimento é entendida como um processo de construção contínua do ser
humano em sua relação com o meio: “Organismo e o meio exercem ação recíproca”
(FOSNOT, 1998). O documento nos mostra que essas construções dependem das
relações que se estabelecem com o ambiente numa dada situação. Sendo assim,
uma vez que existe a “construção” do conhecimento, considera-se a verdadeira
aprendizagem.
Nessa perspectiva, o aprendizado científico está correlacionado ao
conhecimento prático, buscando a essência da concretização de investigações
técnicas e científicas nos processos de observação, pesquisas, experiências, análise
e síntese do conhecimento adquirido, abrindo ensejo o exercício das potencialidades
de cada educando.
No ano de 2011, a SEDUC/MT, associada à Secretaria de Justiça e Direitos
Humanos do Estado do Mato Grosso (SEJUDH/MT), observando os direitos
87
preconizados no ECA e as diretrizes previstas no SINASE, propõe — por meio do
PROJETO EDUCAR: Estruturação e implementação de uma prática pedagógica nas
Unidade Socioeducativas de Mato Grosso — ressignificar ações desenvolvidas nas
unidades socioeducativas, orientadas numa linha de educação libertadora e
humanizante (Projeto Educar; p.20, 2011).
De acordo com o projeto, a educação libertadora vê o educando como
sujeito da História. Vê na comunidade “educador-educando-educador” uma relação
horizontal, sendo o diálogo, traço essencial dessa educação.
No mesmo ano, a SEDUC publica, em Diário Oficial, por meio de portaria, o
processo de atribuição de seleção e classes/aulas e da jornada de trabalho para
compor o quadro de lotação dos profissionais da educação básica que atuarão na
Escola Estadual Meninos do Futuro e nas Escolas que possuem salas anexas nas
Unidades de Privativas de Liberdade do Sistema Socioeducativo — PROJETO
EDUCAR. A primeira portaria publicada foi a de n. 450/11/GS/SEDUC/MT, de 2 de
dezembro de 2011. Já segunda publicada foi a de n. 310/12/GS/SEDUC/MT, de 23
de outubro de 2012. Mais tarde, a terceira foi a de n. 346/13/GS/SEDUC/MT, 11
dezembro de 2013.
É importante vincular que o regime de trabalho do professor da E. E.
Meninos do Futuro acorda com a matriz curricular. De outra parte, a do diretor,
coordenadores pedagógicos e secretário corresponde ao regime de trabalho de 40
horas semanais ao passo que os demais profissionais têm a jornada 20 horas
semanais. A escola conta com um quadro de 39 profissionais da educação básica:
sendo dois efetivos e trinta e quatro contratados temporariamente, acrescidos de
três monitores do Programa Federal Mais Educação. A relação abaixo no-lo
confirma:
 Um Diretor;
 Um Secretário Escolar;
 Vinte professores,
 Três monitores do Programa Mais Educação;
 Dois Técnicos Administrativo-Educacionais;
 Dois Coordenadores Pedagógicos;
 Dois TAE – para Laboratório de Informática;
 Um Técnico Administrativo Educacional para a Biblioteca Escolar;
88
 Dois Apoios Administrativos Educacionais/nutrição escolar
 Três para função de vigilante;
 Dois para a função de manutenção de infraestrutura/limpeza
Desse modo, o Projeto Educar desenvolveu formas de atendimento
diferenciado, assegurando que a enturmação não tem como parâmetro o histórico
escolar, mas sim a avaliação diagnóstica, realizada na entrada do adolescente à
escola. Esta definirá a capacidade cognitiva do aluno para a composição de turmas,
tanto na internação provisória quanto na internação do cumprimento da medida
socioeducativa.
Essa enturmação se faz necessária, pois muitos dos adolescentes
abandonaram os estudos há algum tempo ou se encontram defasados em relação
às capacidades cognitivas esperadas para determinadas etapas da educação
básica. As turmas são compostas por grupos de oito a dez alunos, registrado que
esse número serve de parâmetro para a atribuição de classes/aulas dos
professores. Contudo, internamente existe a reorganização dos grupos de alunos
para otimizar o atendimento, conforme encaminhamento da Equipe Gestora da
escola.
De acordo com os resultados obtidos na avaliação diagnóstica, a
enturmação ocorrerá dentro dos estágios básico, intermediário e avançado.
ESTÁGIO BÁSICO:

São grupos de adolescentes que se encontram na fase inicial do
processo de desenvolvimento de habilidades linguísticas, incluindo desde a
capacidade de decodificar palavras até a compreensão de textos e aprendizagem da
matemática. A matriz curricular é globalizada, com foco na língua portuguesa e
matemática.
ESTÁGIO INTERMEDIÁRIO:

São grupos de adolescentes que já possuem conhecimento mínimo da
leitura, escrita e matemática, necessitando de aprofundamento na construção
desses conhecimentos para melhor interpretar e se comunicar com os outros. A
matriz curricular é organizada por área de conhecimento, adotando método
contextualizado e interdisciplinar.
ESTÁGIO AVANÇADO:
89

São grupos de adolescentes que estão aptos a realizar estudos de
acordo com o resultado do diagnóstico cognitivo e em consonância com seu
histórico escolar.
A matriz curricular é organizada por área do conhecimento. Desenvolve, de
forma concomitante, a educação escolar projetos e oficinas com objetivo de
aprimoramento e desenvolvimento integral dos adolescentes, fundamentada numa
metodologia de total participação, dialógica e ajustada à realidade e interesse dos
educandos, favorecendo grande articulação entre teoria e realidade/prática.
A estratégia didática e metodológica é por eixo integrador: conhecimento,
cultura e trabalho articulado com as diferentes áreas do conhecimento Resolução
CNE/CEB n.07/2010: Linguagens, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e
Matemática.
O tempo de permanência e avanço do educando por cada estágio está
vinculado ao cumprimento do currículo proposto em cada um deles, portanto
independe do ano civil.
Para todos os estágios, as turmas serão compostas por grupos de oito a dez
alunos número que servirá de parâmetro para a atribuição de classes/aulas.
Contudo, internamente, haverá reorganização dos grupos de alunos para otimizar o
atendimento, conforme encaminhamento da Equipe Gestora da escola.
A organização das aulas é de 60 minutos, sendo quatro horas-aula diárias
para cada turma formada, referente aos componentes curriculares da Base Nacional
Comum dos estágios: básico, intermediário e avançado. Os alunos são atendidos no
turno
e/ou
contraturno,
em
oficinas pedagógicas
e
projetos pedagógicos
interdisciplinares e outros, de acordo com o planejamento da Escola.
A frequência, a carga horária cursada, o conteúdo e as atividades são
registrados no portfólio individual de cada aluno. O portfólio parametrizado no
sistema on-line da SEDUC tem acompanhamento e controle por parte da secretária
escolar e coordenação pedagógica, uma vez que subsidia as orientações
pedagógicas e os serviços de escrituração da escola.
O outro instrumento de registro utilizado pela escola é o relatório descritivo
da aprendizagem (on-line), que pode ser anual ou parcial. Em caso de transferência,
expressa a dimensão cognitiva do aluno, são atribuído periodicamente, não podendo
ser traduzidos em representações numéricas que levem a uma média aritmética ou
ponderada. Os critérios de avaliação expressam o nível de operações mentais e a
90
construção do conhecimento elaborado. A avaliação socioemocional se reveste de
caráter diagnóstico, alicerçado no qual os professores organizam novas situações de
ensino e aprendizagem, com a finalidade de auxiliar o aluno em seu
desenvolvimento.
Ao encerrar seu tempo na Instituição Socioeducativa, o aluno é
encaminhado a uma escola regular da rede pública com um Relatório de Avaliação
Descritiva. Com base no referido relatório, acrescido do documento de escolaridade
formal anterior do aluno (se ele tiver), a escola receptora fará sua enturmação
mediante processo de classificação (Res. 002/09-CEE/MT) ou enturmação por idade
(Res. n.262/02-CEE/MT).
Para atender às especificidades dos alunos e ressignificar as ações
socioeducativas no POMERI, com seu tempo, ritual, processos e rotinas, a escola
propõe a Pedagogia de Projetos que visa à ressignificação do espaço
socioeducativo, transformando-o em um espaço vivo de interações aberto ao real e
às suas múltiplas dimensões, conforme se deflui dos Fundamentos da Pedagogia de
Projetos, a seguir:

Pedagogia de Projetos corresponde a uma concepção e a uma postura
pedagógica;

É a construção de uma prática pedagógica centrada na formação
global dos educandos, com base pluralidade e diversidade de ações e contextos;

Parte do princípio que todo conhecimento é construído em relação com
os contextos em que são utilizados. Por isso é impossível separar aspectos
cognitivos dos emocionais e sociais;

Entende que as necessidades de aprendizagem afloram com as
tentativas de resolver situações-problema;

Considera fundamental que os educandos construam sua autonomia e
seu compromisso com o real; que ele desenvolva capacidade e habilidade de
adaptação e atitudes colaborativas somadas as o gosto por aprender e reaprender
durante toda a sua vida;

Considera que os conhecimentos empíricos e científicos
são
instrumentos valiosos para compreender a realidade e nela fazer interferências. São
meios para ampliar a formação dos educandos, mas não são neutros nem fins em si
mesmos.
Dessa forma, o trabalho com projetos encartou uma nova perspectiva de
91
integração entre a Escola e o Pomeri: é um processo global e complexo, em que o
conhecer e o real não se encontram dissociados. Nessa postura, todo conhecimento
é construído em estreita relação com os contextos em que são utilizados, sendo, por
isso mesmo, impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais
presentes nesse processo. Assim, a formação desses adolescentes e jovens que
cumprem medida socioeducativa, não pode ser pensada apenas como atividade
intelectual.
A escola, ao trabalhar com a concepção de projeto, promove mudanças de
paradigmas na estrutura organizacional e metodológica do POMERI, ou seja, propõe
um currículo significativo, um planejamento diário, com finitude diária, que pressupõe
ter começo, meio e fim no mesmo dia. Cada dia equivale a um projeto-aula, o que se
propõe, portanto, é a organização de projetos de trabalhos, mas não em detrimento
do conteúdo das disciplinas, antes construção de uma prática pedagógica centrada
na formação global dos educandos.
Segundo a coordenação da escola a prática pedagógica deve agir com a
intenção de criar condições efetivas para a construção de experiências significativas
na vida dos diferentes atores sociais envolvidos no processo pedagógico, atendendo
de forma humana, solidária e fraterna a todos os educandos que se encontram
privados de liberdade.
A concepção metodológica que permeia todas as etapas da Proposta
Pedagógica da Escola contempla princípios pautados na “concepção libertadora de
educação” e na “concepção socioconstrutivista do conhecimento.” Conforme a
Proposta Pedagógica da Escola Estadual Meninos do Futuro, a concepção
metodológica é o caminho da prática social que revela determinada visão de mundo.
Implica constante movimento de ação-reflexão-ação, ou seja, da práxis pedagógica.
Almeja-se uma educação capaz de contribuir para a formação de
adolescentes e jovens dotados de consciência social e de responsabilidade
histórica, aptos para a intervenção coletiva organizada sobre a realidade,
assentados em sua comunidade local e regional, sempre em busca da melhoria de
qualidade de vida para todos.
Esta educação busca inspiração na concepção libertadora da práxis de
Paulo Freire. Dessa forma, entendemos que a educação é um processo discursivo-dialógico. Pauta-se nas relações interpessoais dialógicas, na interatividade da
relação educador-educandos e dos educandos entre si.
92
A E. E. Meninos do Futuro, visando à formação integral do educando, adota
o método de ensino globalizado para desenvolvimento da proposta pedagógica, a
mais adequada à realidade do sistema socioeducativo. O método globalizado busca
contribuir que o ensino exerça sua função social, propondo-se a serviço da formação
integral do indivíduo.
Com o enfoque globalizador, a escola pretende a aproximação entre o
ensino e a realidade através de uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar,
iniciando, assim, um processo de “construção” do conhecimento.
No método globalizado, os socioeducandos se mobilizam com o intento de
chegar ao conhecimento de um tema que lhes interessa, seja para resolver alguns
problemas do meio social ou natural que lhes são questionados, seja para realizar
algum tipo de construção. Nessa ação, para conhecer ou realizar alguma coisa, o
educando precisa utilizar e aprender uma série de fatos, conceitos, técnicas,
capacidades e habilidades que tem correspondência com matérias ou disciplinas
convencionais, além de adquirir uma série de atitudes.
Nesse sentido, a Escola Estadual Meninos do Futuro vem desenvolvendo
projetos interessantes mantidos com recursos do governo federal e estadual,
destacando-se as seguintes atividades:

Programa Mais Educação: letramento, música, violão, teatro e dança

Percussão

Artes plásticas

Jornal

Jogos pedagógicos

Roda de leitura

Informática

Padaria Mão na assa
93
A escola, desde 2006, realiza o Seminário de Leitura, projeto que vem sendo
desenvolvido com os educandos e educadores, em parceria com os operadores do
Sistema Socioeducativo. Agasalha, como proposta, incentivar a prática da leitura e a
produção textual. A escolha do tema é feita por meio de um concurso entre os
educandos. Após essa escolha, são realizadas pesquisas, debates e produções. No
final é feita a culminância, com um grande seminário, no qual participa toda
comunidade escolar e socioeducativa, o Poder Judiciário, Secretarias, Conselhos e
Órgãos de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, secundados por sua
família.
Em 2006 a pesquisadora e orientadora desta pesquisa implantou o
projeto Formação Crítica de Educadores na Escola Estadual 'Meninos do Futuro',
visando
emancipação
realizadas (BARROS,
e
2010,
transformação
2012,
2013;
social. As experiências
CORREA,
2012)
já
evidenciaram o
engajamento dos professores nas questões da escola e da comunidade. Em 2011
esses
mesmos
educadores participaram
do
curso sobre Letramento
Crítico,
realizado na própria escola. Procurou-se discutir, planejar e realizar atividades
práticas de leitura e produção textual. Em se tratando de jovens e adolescentes, em
situação de vulnerabilidade social, o curso se concentrou em uma abordagem
teórico-metodológica que envolvesse não apenas o trabalho com gêneros, mas
também a inclusão dos três níveis de reflexão, deslocando do eixo de formação
crítica para o eixo mais pedagógico, visando emancipação social (cf. BARROS,
2012).
Outro projeto de grande importância, que se dá na Escola Estadual Meninos
do Futuro é a Sala do Educador. Os encontros são realizados uma vez na semana,
no final do expediente, em parceria com a SEDUC e o CEFAPRO.
O Projeto Sala do Educador tem como princípio, a formação continuada de
professores, por meio de grupos de estudo, que buscam a propósito de sua prática
pedagógica. Estes têm, como meta, conhecer e compreender a realidade social
onde se inserem e contribuir nas intervenções ao processo de ensino-aprendizagem.
Propósito é superar as dificuldades deparadas no diagnóstico do contexto escolar, a
melhoria da qualidade da educação.
O eixo fundante e estruturante da Sala do Educador da escola é norteado
pela execução dos quatros pilares da Educação, baseados no relatório da UNESCO:
94
aprender a ser, aprender a conviver, aprender a aprender e aprende a fazer
(DELORS, 1998).
A metodologia do Projeto abrange a participação de todos os educadores e
demais profissionais da unidade escolar, desenvolvida por meio de estudos de
textos predefinidos, lidos, pesquisados e apresentados, e/ou em grupos. Às vezes,
conta com a participação de formadores do CEFAPRO, técnicos da SEDUC,
assessores pedagógicos, conselheiros, professores pesquisadores da UNEMAT e
UFMT, gestores e técnicos do Sistema Socioeducativo, aos quais somam outros
convidados.
No final do ciclo de estudos é feita uma avaliação reflexiva, transformada em
ação para posta em prática no decorrer do ano seguinte, pois a conclusão da Sala
do Educador é no final do ano vigente.
A certificação é expedida pelo CEFAPRO/CUIABÁ, com carga final de 80
horas. Também garante pontuação na seleção e atribuição de classe e da jornada
de trabalho para compor o quadro dos profissionais da educação que atuarão na
Escola Estadual Meninos do Futuro.
Neste capítulo, procurei demonstrar o contexto histórico-social e os
paradigmas que instituíram o ECA e o SINASE, evidenciando o percurso histórico,
as práticas sociais e a problemática do Sistema Socioeducativo de Mato Grosso e
do Centro Socioeducativo de Cuiabá — POMERI. Finalizei apresentando o contexto
sócio-histórico e pedagógico da Escola Estadual Meninos do Futuro. A seguir,
explicito os caminhos percorridos no presente estudo.
3.3 Caminhos percorridos na pesquisa
Com o intuito de ressignificar as ações desenvolvidas nas unidades
socioeducativas do Estado de Mato Grosso, nos anos 2010 e 2011, a Secretaria de
Estado de Educação (SEDUC/MT) associada à Secretaria de Justiça e Direitos
Humanos do Estado do Mato Grosso (SEJUDH/MT), observando os direitos
preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as diretrizes
previstas no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), resolve
criar um Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI). Enfeixa a Educação, a Justiça, a
Saúde e a Segurança Pública, objetivando a estruturação e concretização de uma
prática sociopedagógica nas unidades socioeducativas de Mato Grosso. Durante a
95
criação GTI, fui convidada pela Secretária Adjunta de Políticas Educacionais a
compor esse grupo. Acredito que isso se deve à minha experiência como professora
e técnica com a educação no sistema socioeducativo, e por ter participado
anteriormente do plano de educação em prisões.
Assim, por meio da coordenação do GTI, realizei uma avaliação diagnóstica
intentando dar vozes aos adolescentes, professores, gestores e técnicos da Escola
Estadual Meninos do Futuro. O trabalho com os adolescentes ocorreu por meio de
uma redação dissertativa, cujo tema trabalhado foi “A minha escola” e rodas de
conversa. Quanto aos demais profissionais, realizamos duas reuniões e uma
avaliação relacionada com as ações desenvolvidas pela escola e o centro
socioeducativo.
Meu primeiro contato com o ambiente de pesquisa foi após a realização dos
trabalhos realizados pelo GTI. A ideia do tema para o projeto emergiu após analisar
as redações dos alunos, na quais se comentou sobre a escola, os professores e os
trabalhos desenvolvidos pela a equipe escolar.
A inserção no campo de pesquisa ocorreu em 2012, período em que
ingressei no mestrado. Utilizou-se, como método para escolha do campo de
pesquisa, a acessibilidade da pesquisadora à instituição. Nesse momento, busquei
informações sobre os procedimentos para a realização das entrevistas com os
adolescentes, e acesso a documentos oficiais dessa instituição, pois precisava ir
além do material que tinha em mão. Recebi, como informação, a necessidade de
entrar
em
contato
com
a
Superintendência
do
Sistema
Socioeducativo
(SEJUDH/MT) e com a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC/MT) para
encaminhar um pedido oficial, tendente à realização da pesquisa na Escola Estadual
Meninos do Futuro, que atua no processo de escolarização do Centro
Socioeducativo de Cuiabá, no Complexo POMERI, em Cuiabá/MT.
O primeiro contato como pesquisadora não revelou boa recepção à minha
entrada para a realização da pesquisa e, em alguns momentos, não foi possível nem
falar com o diretor do Centro Socioeducativo de Cuiabá/POMERI. Embora assim,
com o diretor da escola o contato foi maior, tendo percebido resistência quanto à
gravação das entrevistas com os adolescentes.
Na busca pela entrevista, além da não recepção por parte dos diretores à
pesquisa, ouvi justificativas de que não era tanto a direção do Centro que
impossibilitava, ressalvando que em alguns casos, os juízes da Vara da Infância e
96
da Juventude não estavam permitindo o acesso aos adolescentes, muito menos
entrevistas gravadas.
Durante o ano de 2012, deparei com algumas barreiras institucionais que
acabaram conduzindo a pesquisa a um ritmo mais lento. Esses entraves foram
promovidos pela intervenção do sistema socioeducativo, decisão proferida pela juíza
da 1ª Vara da Infância e Juventude de Cuiabá, sob a alegação da falta de estrutura
física e de pessoal, de maus-tratos, agravados pelas crises de abstinência sofridas
pelos internos, bem ainda pela realização de fugas e rebeliões. Ainda nesse período,
os gestores e agentes orientadores do Centro Socioeducativo de Cuiabá/POMERI
receberam carta de demissão, com expedição do mandado de prisões.
Diante dessa realidade foram muitas idas e vindas ao POMERI, levando-me
a redirecionar a pesquisa para outra parte. Daí dediquei-me aos capítulos do
Referencial Teórico e da Contextualização Sócio-Histórico e Cultural do Centro
Socioeducativo do Pomeri. Somente quando a poeira abaixou, retomei contato com
os novos gestores da unidade. Novamente, tive que expor a finalidade da pesquisa e
solicitar autorização para realizar as entrevistas com os adolescentes.
No final de 2012, consegui empreender as entrevistas com os adolescentes
que
cumprem
medida
socioeducativa
no
POMERI.
Com
entusiasmo,
os
adolescentes demonstraram interesse pela pesquisa.
Em janeiro de 2013, entrei em contato com a assistente social do CREAS –
Região Norte – Morada do Ouro, em Cuiabá/MT, que disponibilizou nomes e
telefones de adolescentes egressos do sistema socioeducativo, que cumprem
medida socioeducativa em meio aberto. Semanalmente, estes adolescentes se
apresentam no CREAS, que tem por finalidade prover atenção socioassistencial e
acompanhamento a adolescentes e jovens em cumprimento de medidas
socioeducativas em meio aberto, determinadas judicialmente.
Entusiasmada, liguei para dez adolescentes. Apenas três aceitaram ser
entrevistados, sendo marcadas as entrevistas no horário vespertino, no CREAS –
Morada do Ouro. Conversamos um pouco sobre a pesquisa e sobre meu interesse
por ouvir suas opiniões sobre a escola, os professores e o sistema socioeducativo.
A seguir, apresento os atores sociais envolvidos na pesquisa.
3.4 Atores sociais
97
Os atores participantes desta pesquisa são adolescentes e jovens da Escola
Estadual Meninos do Futuro, localizada no Centro Socioeducativo de Cuiabá, no
Complexo Pomeri, na Unidade de Internação Masculina, Cuiabá/MT. Os alunos
estão sob guarda judicial e em situação de vulnerabilidade social. Cumprem
medidas socioeducativas de privação de liberdade, conforme prevê o Estatuto da
Criança e Adolescente (ECA Lei n.8.069, de 13 de junho de 1990, da Secretaria de
Justiça e Direitos Humanos do Estado de Mato Grosso/SEJUDH). Também
participaram egressos do sistema socioeducativo, ex-alunos da Escola Estadual
Meninos do Futuro, que cumprem medida em meio aberto. Acolhidos nos CREAS
são encaminhados e acompanhados no cumprimento das medidas. O atendimento é
realizado em consonância com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
— SINASE.
Quanto às entrevistas realizadas com os egressos é de suma importância
verificar as (in)congruências presentes nos textos orais e escritos, e como elas estão
materializadas nos textos dos alunos da escola inserida no contexto socioeducativo.
Os adolescentes e jovens que cumprem medida socioeducativa, em geral
são atores sociais desprovidos de sua cidadania, do acesso aos direitos sociais e às
necessidades básicas. A história de vida de cada um é marcada por exclusão e
marginalização. Conhecer esses adolescentes e jovens foi o primeiro passo para a
construção de uma relação de confiança, fundamental para o diálogo que se
estabeleceu com esta pesquisadora.
A escolha dos atores foi realizada de acordo com o interesse de cada um em
participar da pesquisa, bem como do termo de autorização e de estar cumprindo
medida socioeducativa de privação de liberdade e meio aberto no momento da
entrevista. A escolha pelos adolescentes e jovens que cumprem este tipo de medida
se deu em razão da excepcionalidade nas condições de encaminhamento à
educação, pois a medida privativa de liberdade tem como uma de suas condições a
privação do convívio social. Já a medida meio aberto permite o convívio social.
Dessa forma, foram analisadas duas entrevistas com adolescentes da
medida privativa de liberdade e uma com o egresso, apresentadas no quadro 3.
Os adolescentes entrevistados estão na faixa etária de 15 a 17 anos, todos
meninos. No que se refere à escolaridade, apenas um se encontra no ensino médio,
98
e dois no ensino fundamental, entre a 3ª fase do II Ciclo e 3ª fase do III Ciclo14.
Quadro 3 - Atores Sociais
NOME
SITUAÇÃO IDADE
SEXO
ESCOLARIDADE MATRICULA
Sócrates
Privado
Masculino
Ensino Fundamental
de
15 anos
liberdade
Platão
Privado
Egresso
Estadual
Meninos do Futuro
de
15 anos
Masculino
Ensino Fundamental
liberdade
Aristóteles
Escola
Escola
Estadual
Meninos do Futuro
17 anos
Masculino
Ensino Médio
Escola
Profa
Augusta
Estadual
Dione
Silva
Souza
Quanto ao ato infracional e ao tempo de cumprimento da medida
socioeducativa, não teve relevância, por isso não foi destacado neste estudo. Vale
ressaltar que os nomes são fictícios, mantido o anonimato dos adolescentes e
jovens que participaram da pesquisa.
A seguir, apresento cada um dos atores sociais, participantes desta
pesquisa15, registrando terem eles recebido nomes dos grandes pensadores da
Grécia Antiga, os chamados filósofos socráticos16, para que sua identidade fosse
preservada: Sócrates, Platão e Aristóteles.
Sócrates: Tem 15 anos de idade, sexo masculino, residente no bairro Três
Barras, cursando o estágio intermediário, na Escola Estadual Meninos do Futuro.
14
A Organização por Ciclos de Formação Humana é a Política Educacional para o Ensino
Fundamental proposta pela Secretaria de Estado de Educação para atender aos alunos das escolas
públicas estaduais. Esta forma de organização do ensino fundamental, com nove anos de
duração, está regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, n. 9394/96
de, com adequações para o Estado de Mato Grosso pela Resolução 262/002/CEE/MT.
15 As informações acima foram retiradas das entrevistas, da ficha individual fornecida pela escola e o
Plano Individual de Atendimento (PIA) fornecido pela equipe técnica do Centro Socioeducativo de
Cuiabá/MT
16 No período clássico da Grécia Antiga, entre os anos de 470 e 332 A.C. surgiram os grandes
filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles. Pode-se dizer que Sócrates é o pai desses pensadores,
chamados de Socráticos, pois foi seu principal professor e mentor. Sócrates se dedicou ao estudo da
verdade, que era identificada como moral. Sócrates forçava as pessoas a reconhecerem que
ignoravam o que pensavam saber. Uma das suas mais importantes conclusões: “Só sei que nada
sei”. Na filosofia socrática o “conhece-te a ti mesmo” se tornou uma espécie de referência na busca
não só do autoconhecimento, mas do conhecimento do mundo, da verdade. Para o pensador grego,
conhecer se é o ponto de partida para uma vida equilibrada e, por consequência, mais autêntica e
feliz.
99
Cumpre medida socioeducativa de privação de liberdade desde março de 2012, em
virtude de sequência de pequenos furtos e roubo. É reincidente, ficou quarenta e
cinco dias em 2010 e cumpriu medida socioeducativa por seis meses em 2011.
Nunca usou drogas ilícitas, fez uso de cigarros e bebidas alcoólicas. Estava
trabalhando em um mercado próximo à sua casa, tendo iniciado atividades laborais
aos 14 anos. Já esteve empregado como pacoteiro e ajudante de pedreiro.
Participou do curso de garçom oferecido pelo Setor de Educação Profissional do
Centro Socioeducativo de Cuiabá/POMERI. Frequenta a oficina de música do
Programa Mais Educação, na Escola Estadual Meninos do Futuro, assegurando
gostar muito da escola, dos professores. Segundo ele, são muitos atenciosos.
Aprecia muito as atividades que a escola oferece, a exemplo de festas, gincanas e
jogos. Sócrates enfatiza que essas atividades o ajudam a superar a dor de estar
privado e, ao mesmo tempo de adquirir conhecimento. Ressaltou que, entre as
coisas de que mais gosta na vida sobressai assistir filmes de ação, futebol, funk e
sertanejo universitário. Mora com a tia, avó e dois irmãos. Pontua histórico de
conflitos entre os pais, grifando que o adolescente e dois irmãos ficam sob a guarda
de uma tia. Atualmente os pais são separados, ainda que mantinham contato.
Ambos são usuários de drogas e estão desempregados. Expressa expectativas para
o futuro, notadamente continuar os estudos, arrumar um trabalho e deixar de praticar
atos infracionais.
Platão: Tem 15 anos de idade, sexo masculino, residente no bairro Jardim
Vitória. Cursa o estágio intermediário, na Escola Estadual Meninos do Futuro,
cumprindo medida socioeducativa de privação de liberdade desde setembro de
2012. Em virtude de seu envolvimento com tráfico de drogas, ficou também quarenta
e cinco dias provisoriamente, em agosto de 2012. Justifica que reincidiu em razão de
influência de um tio, que lhe prometeu uma moto, referindo-se a si mesmo como
“cabeça fraca”. Frequenta a oficina de música do Programa Mais Educação, na
Escola Estadual Meninos do Futuro. Reporta-se à escola como a melhor coisa do
POMERI,
graças
aos
professores
que
são
agradáveis,
interessados
e,
principalmente, que tratam a ele como gente. Gosta de cantar, tocar congas
(instrumento de percussão), nadar, pagode, funk e rap. Nunca trabalhou. Estava
constantemente na rua usando drogas ilícitas, tendo começado aos 13 anos,
maconha e pasta base. Pretende ser submetido a tratamento. Mora com os pais e
tem três irmãs, todas bem mais velhas do que ele, uma vez que é o temporão da
100
família. De suas três irmãs, uma não vive na mesma casa. Casada, mas mora
vizinha. Os pais retornaram aos estudos, frequentam a Educação de Jovens e
Adultos (EJA), ensino fundamental, no Ceja Cesário Neto, período noturno. O pai é
vigia de uma escola estadual e pintor profissional. A mãe cuida da casa e é
revendedora da Avon, Hermes e Jequiti. Os pais e as irmãs participam
constantemente de cultos evangélicos. Expressa expectativas para o futuro,
ambicionando constituir uma família: filhos, mulher; casa e profissão.
Aristóteles: Tem 17 anos de idade, é do sexo masculino, residente no
bairro Morada da Serra (CPA IV). Cursa o ensino médio, na Escola Estadual Profa
Dione Augusta Silva Souza, no período noturno. Apresenta-se no Creas Morada do
Ouro toda sexta-feira, no período da manhã. Cumpriu medida socioeducativa de
privação de liberdade, por duas vezes: a primeira, em 2011; a segunda em 2012,
todas as infrações foram em virtude de assalto à mão armada, dizendo-se muito
arrependido. No tempo em que esteve privado de liberdade, gostou de estudar na
Escola Estadual Meninos do Futuro, principalmente dos professores que sempre
tinha uma atividade nova e interessante para trabalhar com os alunos. Assegura
serem atenciosos, deixavam os alunos expressar suas opiniões. Constantemente, a
escola oferecia festas e reuniões com a participação da família. Ressaltou que as
oficinas e os projetos foram de grande importância para sua aprendizagem.
Já
consumiu droga ilícita, apenas maconha, e fez uso abusivo de álcool, mas parou.
Atualmente trabalha na oficina mecânica do cunhado, como auxiliar de mecânica,
tendo iniciado suas atividades laborais aos 14 anos. Já esteve empregado como
pacoteiro de supermercado e tapeceiro de autos. Não está frequentando curso
profissionalizante, mas já frequentou curso de auxiliar administrativo e de garçom no
Centro Socioeducativo de Cuiabá/POMERI. Mora com a mãe, com o padrasto e uma
irmã. A irmã mais velha é casada e mora no bairro próximo. O padrasto e mãe são
obreiros de uma igreja evangélica. Todos os membros da família estão trabalhando.
O padrasto é marceneiro e a mãe cabeleireira. Já a irmã, caixa de um
supermercado. Gosta da namorada, de ir aos cultos, de ler a Bíblia. Aprecia futebol,
carros, UFC e música gospel. Expressa expectativas para o futuro: ter uma oficina
mecânica, casa e família.
Na próxima seção, discorro sobre os procedimentos adotados para coleta de
dados.
101
3.5 Procedimentos para geração de dados
Alguns estudiosos (BOGDAN; TAYLOR, 1975; LÜDKE; ANDRÉ, 1986;
MINAYO, 2008; MOREIRA, 2002) recomendam a utilização de vários instrumentos
que possibilitem o levantamento de dados que auxiliem na compreensão de vários
aspectos do tema em estudo, bem como que tragam elementos importantes para
análise e interpretação dos significados atribuídos pelos sujeitos investigados.
Na observação participante, o pesquisador poderá fazer a aplicação oral de
um questionário, terá acesso a uma série de dados — documentos e atividades
cotidianas, inclusive confidenciais —, podendo solicitar a cooperação e interação
dos sujeitos até chegar à analise dos dados. Cabe ao pesquisador atender o
controle das diversas informações por parte dos sujeitos, podendo ser publicado ou
não.
Segundo Bogdan e Taylor (1975), a observação participante é definida como
uma investigação caracterizada por interações sociais intensas, havia entre o
investigador e os sujeitos. Durante esse procedimento os dados são recolhidos de
forma sistematizada.
A observação participante foi um dos instrumentos utilizados nesta pesquisa,
ocorrendo entre junho e dezembro de 2012, na escola. A frequência média de visitas
foi de três vezes por semana. As observações foram registradas por meio de notas
de campo.
Durante o período em que estive em campo, fiz uma pesquisa documental
recorrendo às redações de adolescentes, ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) da
escola e da unidade socioeducativa, regimento interno, normativas, portarias, leis
(ECA e SINASE) e projetos escolares e socioeducativo, autorizada pelos diretores
da escola e da unidade socioeducativa. Esse procedimento teve, como objetivo,
levantar as informações relevantes dos alunos: idade, escolaridade, situação
socioeconômica, acorrentadas outros dados que fossem relevantes no que toca ao
contexto educacional.
Após esse primeiro contato, procurei a direção das unidade socioeducativa e
escolar, a fim de me ajudar a selecionar os participantes da pesquisa. Para tanto,
contei com a colaboração da coordenação pedagógica da escola e da gerência da
Unidade de Internação Masculina. Após a seleção dos atores sociais, solicitei uma
102
autorização
aos
adolescentes,
para
os
quais
foram
apresentados
os
esclarecimentos gerais e colhidas as assinaturas nos respectivos Termos de
Consentimento Livre e Esclarecido. Solicitei, igualmente, uma autorização da
Secretaria de Estado de Educação (SEDUC/MT) e da Superintendência do Sistema
Socioeducativo (SEJUDH/MT).
Feita a seleção dos atores sociais, empreendi entrevistas informais, que
foram gravadas e, posteriormente, transcritas. Busquei captar as representações
dos atores sobre a escola, professores, gestores e sobre o sistema socioeducativo,
pois estes são temas vivenciados pelos adolescentes e jovens que cumprem medida
socioeducativa, temas que não poderiam deixar de ser abordados na presente
pesquisa. Para garantir o total sigilo dos atores sociais, as entrevista foram
realizadas individualmente. Ao todo foram gravadas oito entrevistas, de duração de
20 (vinte) minutos cada.
Além das entrevistas, foram coletada produções escritas dos alunos
envolvidos na pesquisa. As redações foram realizadas na escola, no ano de 2011.
Ao todo foram setenta e cinco redações.
Vale assinalar que alguns documentos da escola foram selecionados, tais
como o ECA, SINASE, ata de fundação, regulamentação e funcionamento do
Sistema Socioeducativo de Mato Grosso, portarias e documentos institucionais da
escola, a exemplo do PPP e da Sala do Educador. Ressalta-se, porém, que a
pesquisa documental serviu apenas como dados complementares de alguns trechos
da análise.
Discutirei, na próxima seção, os procedimentos para análise de dados.
3.6 Procedimentos para análise de dados
Os dados desta pesquisa foram obtidos por meio das produções escritas e
das entrevistas dos alunos da Escola Estadual Meninos do Futuro que atuam no
Centro Socioeducativo de Cuiabá/POMERI. Para analisá-los, foram utilizados os
procedimentos propostos pelo arcabouço teórico-metodológico da Análise Crítica do
Discurso (ACD) (Fairclough 1989, 2001, 2003) e Representação de Atores Sociais
(Van Leuween 1997, 2008).
A ACD se baseia numa abordagem de discurso em que o contexto é a
perspectiva fundamental, onde o sujeito é visto como agente e paciente da
103
construção dos processos discursivos. Sejam assim, a prática linguística é vista
como fundamental para a compreensão dos processos sociais, buscando sempre,
na ação do discurso, formas de mudança ideológica e de processos de reprodução.
Para Fairclough (2001), a inclusão da linguagem em contextos sociais, denominado
de método analítico, conceitua e interpreta os seres humanos pela socialização,
subjetividades e o uso linguístico como expressão de uma produção concretizada
em contextos socioculturais, conduzidos por formas ideológicas e desigualdades
sociais.
Ramalho (2008, p.136) acrescenta que “a proposta teórico‐metodológica da
ADC oferece ferramentas analíticas para o pesquisador mapear conexões entre
aspectos sociais semióticos e não semióticos, tendo em vista dois objetivos
principais”. Esses objetivos, conforme a autora,
reportam-se à investigação de
“mecanismos causais discursivos e seus efeitos potencialmente ideológicos” e à
reflexão “sobre possíveis maneiras de superar relações assimétricas de poder
parcialmente sustentadas por sentidos de textos”.
Para desvelar representações de atores sociais em determinados contextos,
Fairclough (2003) propõe um diálogo com a teoria de representação dos atores
sociais de Van Leeuwen (1997; 2008), pois compreende que, na medida em que tais
representações ajudam a fortalecer relações de dominação no interior de
determinada prática, indiscutivelmente ideológicas, podem ser (des)construídas.
A proposta teórico-metodológica de van Leeuwen (1997) classifica a
representação dos atores sociais como um composto de elementos linguísticos que
se articulam, podendo operar para incluir ou excluir atores sociais (indivíduos e/ou
grupos). Os diversos modos pelos quais os atores sociais são representados podem
estar relacionados com as escolhas linguísticas que os usuários fazem para
representar suas experiências no mundo. Destarte, o autor dispõe de duas
categorias fundamentais para essa representação, chamadas de exclusão e
inclusão.
A representação por exclusão ocorre quando há a supressão ou
apagamento do ator social. A supressão se dá quando não há referência aos atores
sociais focadas ao longo do texto. Já o encobrimento ocorre quando o participante é
posto em segundo plano. Neste caso, a exclusão não é total, pois os atores sociais
excluídos podem não ser mencionados em relação a determinada ação, mas são
mencionados em outras partes do texto, podendo ser recuperados.
104
Essa forma de representação resulta de elipses ocorridas em orações
infinitivas e coordenadas. Segundo Van Leeuwen (1997), é possível excluir atores
sociais com a utilização de alguns recursos léxico-gramaticais: nominalização,
adjetivação, elipse, apagamento do agente da passiva e do beneficiário.
Já na representação por inclusão, os atores sociais estão materializados
linguisticamente no texto e podem assumir diferentes papéis. Van Leeuwen (1997)
salienta que “não é necessário que haja congruência entre os papéis que os atores
sociais desempenham, de fato, em práticas sociais e os papéis gramaticais que lhes
são atribuídos” (VAN LEEUWEN, 1997, p. 186). Portanto, há a perspectiva de o ator
social não ser o participante-agente na oração, podendo exercer outra função
conforme a estrutura linguística em apreço.
Neste estudo, procurei agrupar as redações, as transcrições das entrevistas
e as notas de campo, de modo que fosse possível fazer uma releitura do material
compreendendo as relações que havia entre os dados de diferentes, fontes.
Selecionei, para a análise, três produções escritas e três entrevistas dos alunos.
Busquei fazer um levantamento dos aspectos linguísticos de relevância e verificar as
diversas formas de representação dos atores sociais. A seleção me auxiliou a
decompor em unidades léxicas e/ou temáticas, codificando-as em categorias, tais
como:
(1) Relevância da escola;
(2) Aproximação com os professores;
(3) Aprendizagem significativa
A seguir, vou entreabrir as etapas da geração do Corpus constitutivo da
pesquisa.
3.7 O Corpus
O corpus constitutivo desta pesquisa foi gerado em duas etapas. A primeira
encerra as produções escritas dos alunos da Escola Estadual Meninos do Futuro,
dados gerados no período do GTI, com adolescentes em situação de vulnerabilidade
social, sob guarda judicial, cumprindo medida socioeducativa de privação de
liberdade, no POMERI. Entretanto, havia ainda urgência de ampliação do corpus
para compará-los. Assim, empreendi uma segunda etapa de geração de dados por
meio de entrevistas com os alunos, que estão privados de liberdade e egressos da
105
Escola Estadual Meninos do Futuro. Neste caso, a seleção foi direcionada apenas a
dois grupos sociais: os privados de liberdade e o egresso. Finalidade foi uma análise
discursiva e sociossemântica sobre atores sociais representados no gênero redação
escolares e entrevistas, especialmente no que diz respeito ao agenciamento e como
eles são categorizados, com base na representação de atores sociais de van
Leeuwen (1997).
Os textos apresentados no próximo capítulo foram selecionados para a
análise das representações que incluem e excluem os atores sociais. A redação “A
minha escola” e “Entrevistas” pertencem a gêneros textuais diferentes e desfilam
varias maneiras de representar os atores sociais, de acordo com os fins desejados.
Os discursos foram organizados, sem edição de suas falas, ou seja, optou-se pela transcrição de suas narrativas, sem cortes nem correções gramaticais.
Apresentarei, nos próximos passos, os aspectos éticos que se interpõe em
meio à pesquisa qualitativa.
3.8 Aspectos éticos
Para Silva (2012), Mendes (2012) e Nakamura (2012), os aspectos éticos
permeiam a pesquisa qualitativa desde a escolha do objeto de estudo, as
delimitações metodológicas, as análises dos resultados até o compromisso de uma
devolutiva das informações obtidas. Pressupõem a valorização de uma relação
interpessoal em que interesses, valores e visão de mundo se põem como
possibilidade ou não de uma construção do conhecimento. No intento de garantir a
ética desta pesquisa, foi solicitada autorização à Secretária de Estado de Educação
do
Estado
de
Mato
Grosso
(SEDUC),
à
Superintendência
do
Sistema
Socioeducativo (SEJUDH-MT), igualmente ao Juizado da 2ª Vara da Infância e
Juventude da Comarca de Cuiabá-MT.
A pesquisa foi apresentada e divulgada para os gestores, professores, e
para os potenciais participantes, como o preenchimento de termo de consentimento
livre e esclarecido, deixando clara a todos a garantia do sigilo e anonimato.
As entrevistas foram realizadas nos períodos matutino e vespertino,
respeitando os horários e locais agendados previamente com os participantes,
pontuando que as gravações foram feitas em um aparelho de gravação sonora,
divididas em dois momentos. O primeiro foi realizado com os adolescentes que
106
cumprem medida socioeducativa, na unidade escolar. Já o segundo foi realizado
com os egressos do sistema socioeducativo, no Centro de Referência Especializada
de Assistência Social (Creas). Fiz uma explanação inicial a todos os participantes a
respeito dos objetivos da pesquisa, da questão do sigilo, do anonimato e da ética na
pesquisa. De igual modo solicitei a todos o preenchimento do termo de
consentimento livre esclarecido. No momento das entrevistas, inexistiu contratempo,
e todos os adolescentes foram bastante solícitos ao responder às perguntas. O
tempo médio de cada entrevista foi de 20 minutos.
A seguir, apresento o capítulo de análise dos dados.
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DOS DADOS EMPÍRICOS DE CUNHO ETNOGRÁFICO
O conhecimento não se reduz a um rol de dados
isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito
observador-pesquisador é parte integrante do processo
de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindolhes um significado. O objeto não é um dado inerte e
neutro; está possuído de significados e relações que
sujeitos concretos criam em suas ações.
(Chizzotti, 1995, p.79).
Neste capítulo, apresento a análise dos dados da pesquisa, com base nas
produções escritas e entrevistas orais realizadas com os adolescentes que cumprem
medidas socioeducativas de privação de liberdade. Foram desveladas marcas
linguísticas, as quais anunciam diversas formas de representação dos atores
sociais, sob a luz do arcabouço teórico-metodológico proposto por Fairclough (1989,
2001, 2003) e van Leeuwen (1997, 2003). A análise da materialidade linguística
possibilita uma melhor compreensão acerca as representações dos atores sociais e
suas implicações acerca da escola e dos professores. Possibilita também
compreender o cotidiano onde vivem esses jovens e adolescentes, sob o ponto de
vista histórico, político, social e ideológico.
4.1 Produções escritas e entrevistas
A partir da análise das produções escritas e entrevistas, algumas categorias
emergiram, tais como: Relevância da Escola; Aproximação com os Professores e
107
Aprendizagem Significativa. Começo transcrevendo o que constituem meu objeto de
pesquisa:
108
109
A seguir, analisarei cada uma dessas categorias.
110
4.1.1 Relevância da escola
As produções escritas dos alunos revelam o quanto a escola é importante
para eles. No trecho da redação apresentada a seguir, Sócrates expressa suas
representações acerca da unidade escolar que frequenta.
A minha escola aqui é tudo, consegui superar minhas
dificuldades, aprendi muitas coisas com os professores que pegam
no meu pé, porque querem ensinar o melhor para mim. Acredito, eu
se tivesse na rua não iria estar interessado para estudar como estou
aqui. (Sócrates, 15 anos, em 20/01/2011)
Ao falar sobre a escola, Sócrates evidencia sua importância no contexto de
privação de liberdade. Assim, na frase “a minha escola aqui é tudo” ocorre a
exclusão por supressão do Centro Socioeducativo de Cuiabá - Pomeri, pois não há
marcas na representação, ele exclui tanto os atores sociais diretores, gerentes,
agentes orientadores e técnicos, quanto às atividades desempenhadas por eles.
No caso da inclusão, observa-se a relevância dos papéis atribuídos à escola,
os quais podem ser ativados ou passivados. Temos a ativação quando os atores
sociais são representados como ativos em relação a determinada atividade,
portanto, ao se referir à escola como “minha escola é tudo”, demonstra, em suas
palavras, que a escola participa ativamente de sua vida no contexto de privação de
liberdade. Dessa forma, ocorre a inclusão por ativação nas palavras de Sócrates. A
ativação “ocorre quando os actores sociais são representados como forças activas e
dinâmicas numa actividade” (VAN LEEUWEN, 1997, p. 187), ou seja, os
participantes participam ativamente do processo em questão.
Observemos a frase que o item léxico-gramatical “minha” refere-se à escola
(escola de quem fala). A palavra “minha” indica posse, atribui o sentido de
pertencimento e concorda com a coisa possuída – no caso a “escola”, observa-se a
possessivação-ativação por meio do uso de pronome possessivo, conforme sugere
Van Leeuwen (1997, 2008), concordando com a pessoa que fala, ao utilizar
o
pronome pessoal “eu”, exercendo a função de sujeito protagonista do processo
escolar. Desse modo, o uso do pronome possessivo “minha” acompanha o
substantivo “escola” e, por isso, é pronome possessivo adjetivo, é chamado assim
111
por se comportar semelhantemente a um adjetivo, acompanhando o substantivo,
referindo-se e concordando com ele em gênero e número.
Ainda podemos verificar, na frase, a utilização do pronome indefinido “tudo”,
que assume o lugar do ator social ou da quantidade aproximada dos atores sociais
da frase. Considera na sua totalidade que naquele contexto vivenciado a escola é o
que há de melhor, ou seja, aquilo que é essencial para sua vida.
Sócrates, ao enunciar: “acredito, eu se tivesse na rua não iria estar
interessado para estudar como estou aqui”, o uso do advérbio de lugar “aqui’
significa escola, atuante e significativa no contexto de privação de liberdade.
Verifica-se que os atores sociais: diretores, gerentes, agentes orientadores e
técnicos do Pomeri não estão presentes na oração, são excluídos do texto por
supressão, não há referência a esses atores em qualquer parte do texto. Integrada à
frase, a palavra “rua” significa para Sócrates a “sociedade” e/ou a “escola da
comunidade” remete à ideia de fracasso, por conta da exclusão do ambiente
pedagógico e pelas suas condições sociais. Sócrates inclui apenas a escola “aqui”
no contexto de privação de liberdade, como único espaço de liberdade enquanto
possibilidade objetiva, apesar das dificuldades postas pelo ambiente hostil e
repressivo do sistema socioeducativo.
Na entrevista, Sócrates também tem a oportunidade de fazer essa mesma
reflexão acerca da escola. Para ele a unidade escolar é de suma importância. Ele
diz:
Acho que aqui a escola é a única coisa boa, o resto não vou
nem dizer, é só tristeza, é só a escola é que vai me ajudar a ter um
futuro melhor lá fora.(SÓCRATES, entrevista, em 18/11/2012).
Nesse trecho da entrevista, Sócrates diz: “acho que aqui a escola é a única
coisa boa”. Para ele a escola é apontada como o único e o mais importante
elemento do contexto de privação de liberdade. Ao dizer “é só a escola é que vai me
ajudar a ter um futuro melhor”, Sócrates atribui à escola um valor subjetivo e
inalienável, pois reconhece que o acesso a ela o torna o principal favorecido.
Tendo por base as palavras ditas por Sócrates que constituem as frases
apresentadas, foi possível analisar a representação dos atores sociais envolvidos
em sua fala. Com essa estrutura léxico-gramatical, é realizada a representação de
dois atores sociais. Um deles está representado por inclusão e, portanto, explicitado:
112
a escola apontada como exclusiva. Já o outro ator social está representado por
exclusão, uma vez que não se encontra presente: o Pomeri.
Nesse fragmento “aqui”, o advérbio acrescenta a ideia de lugar, portanto, o
ator social envolvido na fala de Sócrates não é explicitado no enunciado. Podemos
dizer, assim, que ocorre a exclusão por supressão, pois não há referências aos
atores sociais diretores, gerentes, agentes orientadores e técnicos do Pomeri e nem
atividades desempenhadas por eles. “Algumas exclusões não deixam marcas na
representação, excluindo quer atores sociais quer suas atividades” (VAN
LEEUWEN, 1997: 180).
A palavra “única” demonstra exclusividade, qualidade e singularidade, pois
promove algum tipo de mudança. Há apenas um participante ativo nessa frase: “a
única coisa boa”, atribuído à escola. Encaixada no participante há outra oração – “é
só a escola que vai me ajudar” –, referindo-se a ela como instrumento que alicerça e
projeta um ideal em relação ao futuro. O ator social, nesse caso, a inclusão dos
atores sociais se dá por ativação e passivação.
A ativação ocorre porque a “escola” é representada de forma ativa dentro do
discurso. Já a passivação ocorre porque os atores sociais estão submetidos às
atividades, ou receptores dela, nesse sentido, Sócrates é o sujeito receptor ao dizer:
“só a escola que vai me ajudar”, sendo assim, ocorre a passivação por sujeição. A
sujeição pode ser realizada por participação, em que o ator social passivado é o
próprio Sócrates.
Platão também traz representações positivas acerca da escola. No trecho
ilustrado a seguir, ele escreveu:
“A minha escola, gosto muito de estudar aqui, porque
quando eu vou à escola eu me sinto melhor”. (Platão, 15 anos,
20/01/2011)
Ao falar sobre a escola, Platão traz à tona a imagem agradável e prazerosa
de estudar no contexto socioeducativo, a escola parece assumir um significado
subjetivo para o aluno, pode estar relacionado à ideia de liberdade, conquista e à
sensação de bem-estar proporcionada por ela.
Platão, ao enunciar “a minha escola”, nos remete à ideia de que escola no
contexto de privação de liberdade é espaço fundamental e exclusivo para que possa
fazer valer seu direito à cidadania. Nesse caso, ocorre a inclusão por possessivação,
devido ao uso do pronome possessivo “minha” que ativa o ator social: escola. Platão
113
sente-se à vontade ao enfatizar que a escola é sua —“minha escola” demonstra que
a escola no Pomeri é significativa e se diferencia de outros espaços, lugar onde ele
se reconhece parte integrante do processo educativo.
A escola, ainda que localizada em um espaço repressor e de segregação,
pode proporcionar momentos de liberdade e a esperança de transformação da
realidade primitiva do universo socioeducativo. Podemos entender, conforme
Fairclough (1992, 2008), que todos os discursos são historicamente situados e, por
isso, devem ser compreendidos em seu contexto, sendo este crucial para as
análises, uma vez que estas incluem explicitamente componentes sociais,
psicológicos, políticos e ideológicos. É nesse sentido que Platão ressalta “gosto
muito de estudar aqui”, ocorrendo a inclusão por ativação, pois os papéis
gramaticais dos participantes — escola e Platão — estão claramente destacados
através dos verbos “gosto” e “estudar”. Aponta para a importância da instituição
escolar no Pomeri, espaço onde ele gosta de estar, que lhe proporciona
conhecimentos, momentos de liberdade e grande expectativa de vida, objetivo,
sonho e motivação maior para suportar a medida socioeducativa privativa de
liberdade. Então, Platão mostra que a escola no Pomeri guarda especificidades que
lhe dão prazer.
Na seguinte frase dita por Platão: “porque, quando eu vou à escola, eu me
sinto melhor”, mais uma vez ele desenvolve o papel de protagonista ao ressaltar a
frase “quando vou”. Essa escolha léxico-gramatical representa a inclusão do jovem
no processo escolar. Ao frequentar as aulas, estabelece vínculo de participação, ou
seja, o caráter participativo, e seus sentimentos e pensamentos são respeitados.
Assim, a “escola” recebe destaque no papel de ator transformativo realizado pelo
grupo verbal “me sinto melhor”. Segundo a categorização de van Leeuwen (1997),
“escola” está incluída como ator social e, assim, é representada de forma ativa.
Na entrevista, Platão fala acerca da escola. Ele traz as seguintes
considerações:
Pra mim a escola é de boa, ela ajuda a gente a não ficar
pensando besteira, a gente sente melhor, a gurizada diverte nas
aulas, os professores conversa bastante com a gente, dá conselho,
toca música gospel, aí a gente fica de boa, quando bate uma ideia
também os professores ouvem a gente.(Platão, entrevista em
18/12/2012)
114
A resposta de Platão em relação à escola ao expressar “pra mim a escola é
de boa”, transmite a ideia de espaço de sossego, liberdade, autonomia, diálogo,
equilíbrio e regras brandas. Na expressão “pra mim”, Platão tece opinião sobre a
escola e representa força ativa e dinâmica ao afirmar que “a escola é de boa”. A
”escola”, explicitamente incluída por ativação, também representa força ativa e
dinâmica ao desenvolver o seu papel educativo no Pomeri: “é de boa”.
Ao afirmar “ela ajuda a gente a não ficar pensando besteira”, Platão
classifica a escola como opção de distrair a mente e ocupar seu tempo com coisas
úteis. “Ela ajuda a gente” traduz a ideia de que a escola preenche o tempo ocioso,
desvelando a falta de atividades em que os adolescentes e jovens privados de
liberdade vivem. Sendo assim, “não ficar pensando besteira” mostra-se como forma
de resistência às pressões que o sistema socioeducativo exerce sobre os
adolescentes e jovens privados de liberdade que, ao invés de ajudá-los a se
reintegrarem socialmente, acaba muitas vezes impulsionando-os a reincidirem.
Para compreender a realidade social da análise do excerto acima, me
reporto a Fairclough que aborda a representação dos eventos sociais realizando
uma distinção entre os diferentes níveis de abstração e de concretização nas
representações. Ele toma a representação como recontextualização – ao
representar um evento social, este é incorporado ao contexto de outro evento social
– trazendo à tona a discussão do universal e do particular (FAIRCLOUGH, 2003, p.
138).
Aristóteles também expressa representações acerca da escola. Ele
escreveu:
Quando fala de escola, tem que falar dos professores. Na
Escola Estadual Meninos do Futuro tem vários profissionais capazes
de passar para mim algo muito importante que um homem tem que
ter. O caráter, educação, respeito, conhecimento e preciso das
matérias. (Aristóteles, 17 anos, 20/01/2011)
No fragmento, “quando fala de escola, tem que falar dos professores”,
ocorre a categoria de inclusão por ativação e passivação . A passivação acontece na
frase quando o ator social é representado como aquele que se submete à atividade
ou é afetado por ela. Nesse caso, “quando fala de escola” a passivação se realiza
por meio da participação, pois o ator social “escola” é o centro da fala de Aristóteles.
Outros atores sociais explicitamente representados de modo ativo na frase do jovem
115
são os professores: “tem que falar dos professores”, pois a concepção de ‘escola’
para Aristóteles se restringe à valorização dos professores no processo educativo.
Aristóteles, ao ressaltar que “na Escola Estadual Meninos do Futuro tem
vários profissionais capazes de passar para mim algo muito importante que um
homem tem que ter”, traduz que os atores sociais são representados por nomeação
e categorização . O que diferencia a nomeação da categorização é o fato de a
primeira representar os participantes pela sua identidade individual, única, e a
segunda representar os participantes pelas funções e identidades que eles
compartilham com outros participantes. A nomeação, segundo van Leeuwen (1997),
é geralmente reconhecida pelos substantivos próprios, usados de maneira formal ou
informal. No início da frase: “Na Escola Estadual Meninos do Futuro” , o ator social é
representado por nomeação. Neste caso, de acordo com van Leeuwen (1997),
ocorre a nomeação tipicamente de maneira semiformal (nome próprio e apelido).
Dando continuidade à análise, na frase “tem vários profissionais capazes de passar
para mim algo muito importante que um homem tem que ter”, verifica-se
primeiramente a ocorrência da categorização por funcionalização, “profissionais”
devido ao uso de um substantivo que denota profissão. A funcionalização acontece
quando os atores sociais são identificados em termos pelas atividades que realizam,
ou seja, da função que desempenham ou do cargo que exercem em determinada
atividade.
Observa-se que os itens lexicais “capazes” e “homem” são usados para
identificar algo ou alguém, portanto registra-se aqui a categorização por
identificação. Na identificação o participante não é representado pelo que ele faz,
mas pelo que ele é.
Na classificação, os atores sociais podem ser identificados por gênero,
origem geográfica, riqueza, etnicidade, orientação sexual, entre outras categorias
históricas e culturalmente variáveis, pois quando classificamos algo ou alguém,
podemos representá-lo.
A
designação
“capazes”
representa
os
profissionais
da
escola
(professores, coordenadores, gestores etc.), eles estão na posição temática,
funcionando
como
ponto
de
partida
para
a
mensagem,
orientando
argumentativamente a leitura. Ao representá-la de forma classificatória, sua
identidade passa a ser definida e determinada. Já a palavra “homem” representa
uma classe social beneficiária com os ensinamentos mediados pelos profissionais
116
da escola.
Aristóteles demonstra mais uma vez em suas palavras que os
ensinamentos acontecem simultaneamente com a compreensão e a valorização dos
profissionais envolvidos no processo educativo, no espaço de privação de liberdade.
Nesse sentido, nos remete a entender que no âmago da educação escolar está o
entrelaçamento entre o professor, a educação e a vida.
Na
entrevista,
Aristóteles,
que
agora
é
egresso
do
sistema
socioeducativo, fala sobre a escola. Ele traz as seguintes considerações:
A Escola Meninos do Futuro é melhor que a escola de fora, os
professores me tratavam com respeito e educação, tipo ouvia a
minha opinião, e as aulas eram diferentes, tinha sempre um projeto,
atividade diferente para apresentar, pra falar a verdade os
professores de lá me deram muita ajuda quando eu estava trancado.
(Aristóteles, entrevista em 07/01/2013)
Ao enunciar “a Escola Meninos do Futuro é melhor que a escola de fora”,
observa-se que este excerto passa uma carga ideológica implícita: o aluno aponta a
importância da escola para os privados de liberdade, guardando especificidades que
a diferenciam de outras escolas quanto à aquisição de conhecimentos e preparo
para a vida em sociedade. Remete-nos a entender que a escola fora do espaço
privativo de liberdade já não consegue responder à demanda das urgências que se
faz necessária no momento presente, especialmente para os egressos do sistema
socioeducativo. Neste sentido, é possível afirmar que o discurso é uma prática social
que veicula ideologias, constitui e é constituída pelos sujeitos.
Assim, a ADC reconhece a dialética entre o discurso e as práticas sociais
(CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999), ela investiga como as ideologias são
produzidas e reproduzidas pelos atores sociais nos discursos. Os conceitos de
ideologia de Fairclough (2003) são entendidos como representações de aspectos do
mundo que podem contribuir para o estabelecimento, a manutenção ou a mudança
de poder nas relações sociais.
Ao declarar “a Escola Meninos do Futuro”, verifica-se, assim, que a
representação do ator social ocorre por nomeação, é representada, principalmente,
em termos de sua identidade única, de forma semi-informal (nome próprio). Na
sequência a frase é completada pelo seguinte argumento: “é melhor que a escola de
fora”; ao dizer “é melhor”, o aluno inclui por ativação a escola no sistema
socioeducativo, deixa explícito, portanto, o caráter participativo que a escola
117
desenvolve no seu processo educativo, respeitando a forma de agir e pensar do
socioeducando, buscando atingir suas expectativas de vida em sociedade. O
paradoxo que se observa está relacionada ao uso do “que”, usado para comparar as
duas escolas, a de dentro do contexto socioeducativo, analisada anteriormente, e a
de fora. Portanto, ocorre a exclusão por encobrimento dos atores sociais
(professores, gestores e técnicos) da escola fora do contexto socioeducativo, “a
escola de fora”.
Em consonância com van Leeuwen (1997), a exclusão por encobrimento
ou colocação em segundo plano não é total, podendo ser parcialmente
representada, pois os atores sociais excluídos podem não ser mencionados em
relação a uma determinada atividade, mas são mencionados em outras partes do
texto, podendo ser recuperados, dando a possibilidade de o leitor inferir que eles
estão sendo incluídos em algum ponto do texto. Ou seja, os atores sociais estão
pouco visíveis, porém seu papel é secundário.
Pode-se dizer, assim, que a exclusão por encobrimento do ator social
(escola) enfatiza a ideia de esvaziamento da função educativa, tornando-se ineficaz,
já que o educando têm atendidas as suas necessidades imediatas.
4.1.2 Aproximação com os professores
Em sua maioria, as produções escritas, além de revelarem a importância
da escola, relacionam a afetividade como forma de aproximação que possibilita a
construção do conhecimento na sala de aula. Sócrates expressa no trecho da
redação a seguir.
“[...] aprendi muitas coisas com os professores que
pegam no meu pé”. (SÓCRATES,15 anos, em 20/01/2014)
Percebe-se que Sócrates ressignifica a relação entre professor e aluno
quando afirma: “aprendi muitas coisas com os professores que pegam no meu pé”,
criando interdiscursividade entre os professores que estabelecem limites e regras,
que seriam, estes sim, bons professores. Atribui a boa formação ao professor que se
faz respeitar, mantém a disciplina do grupo, atitude considerada determinante para o
sucesso do aprendizado, ressaltado no excerto.
118
As escolhas léxico-gramaticais “aprendi”, “muitas coisas” e “professores
que pegam no meu pé” demonstram que na relação professor-aluno, assim
compreendida, os limites puramente da sala de aula são ultrapassados e isso
provoca nos elementos envolvidos formas distintas de aceitação do “eu” e do “outro”
que, inegavelmente, atingirá a vida dos mesmos na sociedade. O uso do verbo
“aprendi” demonstra que Sócrates apropria-se de conhecimentos necessários
acerca dos aspectos subjetivos presentes na relação professor-aluno, que modulam
o sucesso do processo de ensino-aprendizagem. Ao dizer “muitas coisas”, valoriza o
impacto qualitativo desse processo. Já na frase “os professores que pegam no meu
pé”, o professor se mostra na práxis pedagógica, é ele quem regula o tempo, o
espaço e os papéis desta relação. Observa-se, na fala de Sócrates, que não é uma
relação autoritária e sim dialógica, pautada em atingir as necessidades intelectuais e
afetivas dos alunos. Neste caso ocorre a inclusão por ativação dos atores sociais
“professores”, pois estão representados de forma ativa em seu texto.
Nas imagens atuantes do enunciado de Sócrates está sempre presente a
figura do professor:
“[...] mas agradeço muito aos professores, que trazem
muitos projetos e cursos.” (SÓCRATES,15 anos, em 20/01/20)
Sócrates, ao dizer: “mas hoje agradeço muito aos professores, que
trazem muitos projetos e cursos”, demonstra gratidão pelo professor, argumentação
articulada pelo marcador oposicional ‘mas’, o qual, por sua vez, direciona o seu
discurso para uma conclusão da ideia veiculada, ao contexto de privação de
liberdade, deixando evidências de que as possibilidades de sucesso, da autonomia
da aprendizagem, são provenientes da ação pedagógica dos professores da Escola
Estadual Meninos do Futuro. No texto o ator social “professor” é representado pela
funcionalização, pelo uso de um substantivo que denota profissão. Conforme
Bhaskhar (1998), ao nível da estrutura interna o educador crítico está sempre
engajado em projetos sociais e de responsabilidade solidária, levando em
consideração as emoções, os valores e os sentimentos dos alunos, através de um
ato de vontade ou desejo, um sentimento que toca nas emoções.
A figura do professor é idealizada como orientador e estimulador de todos
os processos que levam os alunos a construírem seus conceitos, valores, atitudes e
119
habilidades que lhes permitam crescer como pessoas, deixando de ser um mero
transmissor de conhecimento, ao dizer:
“[...] Os estudos, aprendi com os professores que vem
sempre em primeiro lugar, ao lado das normas que devemos
respeitar.”(SÓCRATES,15 anos, em 20/01/20)
Este recorte, “Os estudos, aprendi com os professores que vêm sempre
em primeiro lugar, ao lado das normas que devemos respeitar”, revela o aluno
apropriando-se de um discurso pedagógico, destaca a força da educação como um
dos mais importantes fenômenos para a transformação das condições de vida. Ao
se levar em consideração o lugar de onde o ator social enuncia e as regras de
formação às quais esses discursos obedecem, pode-se identificar a formação
discursiva que se imbrica no enunciado de Sócrates: o pedagógico. O aluno reitera
os discursos dos professores, revelando a crença na educação como a força motriz
que o impulsiona a ter esperança na emancipação e na transformação social.
Sócrates, ao dizer “aprendi com os professores”, atribui-se um papel
passivo, ao utilizar o verbo no pretérito perfeito do indicativo “aprendi”. Como
assinala van Leeuwen (1996, p. 187), “a ativação ocorre quando os atores sociais
são representados como forças ativas e dinâmicas numa atividade, e a passivação
quando são representados como ‘submetendo-se’ à atividade, ou como sendo
‘receptores dela’”. O ator social ‘aluno’ assume a condição de afetado. Assim, ele se
representa como receptor de tal atividade, que é realizada “ao lado das normas que
devemos respeitar”. Percebe-se, aqui, que há concordância entre professores e
alunos para o bom andamento das aulas e o relacionamento interpessoal, passando
a ideia de algo positivo, benéfico e necessário para a vida em coletividade. Nesse
sentido, Bhaskar (1998; 2002) vislumbra uma ‘crítica explanatória’, edificada com
base no desvelamento dos problemas sociais, originadas das práticas sociais, com
objetivo buscar solução e superação. Sócrates revela necessidade desse tipo,
postura harmoniosa entre professor e aluno.
Nessa mesma direção, Sócrates revelou em sua entrevista aspectos
interessantes sobre a aproximação com os professores. Vejamos o que ele diz:
Aqui na verdade os professores têm muita mais paciência para
ensinar a gente, eles são legais, ficam contentes quando agente
aprende. O professor daqui é melhor, dá até vontade de assistir aula.
(Sócrates,15 anos, entrevista em 18/12/201)
120
Os enunciados de Sócrates revelam que no interior da sala de aula da E. E.
Meninos do Futuro, a paciência é a premissa fundamental para que o professor crie
um clima e laços propícios para o desenvolvimento pedagógico de suas atividades.
Ao dizer, por exemplo: “aqui na verdade os professores têm muita paciência para
ensinar agente”, ele reconhece que apesar de todos os entraves do contexto de
privação de liberdade que se apresenta, cada um deles é superado pela harmonia e
consenso, protagonizado pela paciência do professor. Observa-se na fala de
Sócrates que a atitude pacienciosa é exercida de forma ativa pelos professores,
ocorrendo a representação de atores sociais por ativação.
É interessante destacar a frase: “Eles são legais, ficam contentes quando
agente aprende”. Percebe-se, aqui, que o uso do pronome na 3ª pessoa do plural
“eles”, atribui sem exceção a todos os professores a qualidade de “legais”, o que se
traduz em amorosos, gentis e solidários. Neste caso ocorre a impersonalização por
abstração dos atores sociais. Ao mencionar “ficam contentes quando agente
aprende”, percebe nas atitudes dos professores aspectos de afetividade e
valorização do conhecimento do aluno adquirido ao longo da vida.
Os
enunciados
de
Sócrates
revelam
atitudes
de
afetividade,
comprometimento e valorização dos professores para com os alunos. Percebe-se
‘engajamento’ dos professores junto aos reais problemas da vida no Pomeri, sempre
buscando soluções práticas para superá-los. Ele reconhece boa vontade e
dedicação dos docentes que atuam na unidade escolar socioeducativa. Fairclough
(2001: 289) assegura que ao sermos capazes de identificar a natureza da prática
social, seremos capazes de explicar os seus efeitos sobre a prática social.
Platão, ao se referir aos professores em sua redação, se expressou:
“[...] eu converso com os professores, e aprendo mais,
quando estou com dúvida de alguma coisa, o professor me ajuda.”
(PLATÃO,15 anos, 20/01/2011)
É interessante destacar a ênfase que Platão dá à relação afetiva em sala de
aula, como forma de influência na relação professor-aluno. Ao dizer: “Eu converso
com os professores e aprendo mais”, Platão reforça que esta proximidade é por
meio da conversa/diálogo entre professor e aluno colaborando no sucesso do
processo da escolarização, ocorrendo assimilação por coletivização dos atores que
dão ideia de coletividade dos atores sociais. De acordo com Bhaskar (1998, p. 462),
121
a emancipação não pode ser alcançada apenas pela mudança da consciência; ao
contrário, ela deve ocorrer na prática.
Fica explícito na frase “aprendo mais” que a aprendizagem acontece
simultaneamente por meio do diálogo, compreensão e valorização do adolescente
no processo da aprendizagem, pois ocorre o entrelaçamento entre a educação e a
vida. Se observarmos a realidade social, não vemos nada mais do que ações e
reações, com seus e efeitos e causas (BHASKAR, 1998). O verbo no presente do
indicativo “aprendo” corresponde a sua aquisição do conhecimento, ao ato de ficar
sabendo e ao desenvolvimento de capacidades, o uso do advérbio de intensidade
“mais” reforça o sentido de que aproximação com os professores por meio do
diálogo e da afetividade que colabora para o sucesso da aprendizagem.
Platão ressalta na sua fala: “quando estou com dúvida de alguma coisa, o
professor me ajuda”, destacando que o professor mantém na sala de aula a
valorização da dimensão afetiva no relacionamento com o aluno, inserida nas
formas dialógicas de interação. O ator social “professor” aparece mais uma vez de
forma ativa na sua fala, demonstrando de forma clara que aquele que ensina tem
atitudes solidárias e altruístas.
Platão, em sua entrevista, destacou que a atenção e o diálogo entre os
professores e os alunos são fundamentais para o desenvolvimento humano.
Eles dão atenção pra gente, estão sempre dando conselho
para a gurizada mudar de vida, pra gente quando sair daqui, procurar
estudar, trabalhar e largar a vida do crime. (PLATÃO, entrevista em
18/12/2012)
Platão, ao enunciar “eles dão atenção pra gente”, relaciona o pronome
pessoal na 3ª pessoa do plural “eles’, para demarcar a pessoa do discurso, no caso
os professores da E.E. Meninos do Futuro. Tais professores não são vistos como
meros transmissores de conhecimentos mas como mediadores, capazes de articular
as experiências dos alunos com o mundo. O uso do substantivo “gente” estabelece
valor inclusivo ao grupo de alunos, que são levados a refletir sobre suas atitudes.
Observa-se, explicitamente, que os atores sociais “professores” e “alunos” são
inclusos na fala de Platão, ocorrendo a representação dos atores sociais por
diferenciação.
Platão também evidencia a atenção, a aproximação e o diálogo entre
professores e alunos no enunciado: “estão sempre dando conselho para a gurizada
122
mudar de vida, pra gente, quando sair daqui, procurar estudar, trabalhar, largar a
vida do crime”. O termo “gurizada” é utilizado geralmente para definir o grupo de
amigos, ocorrendo a representação de atores sociais por coletivização, dando a
ideia de coletividade. Platão também deixa claro que os professores da escola E. E.
Meninos do Futuro exercem o papel de mediadores das relações interpessoais, e,
por extensão, a aspiração por uma maior qualidade de convívio social. Bhaskar
(1998) aponta que a emancipação do sujeito se apoia na possibilidade dessa
integração, que objetiva a formação do sujeito como ator social com condições de
transmitir e perceber significado em suas ações.
Platão usa expressões afirmativas: “mudar de vida”, “procurar estudar”,
“trabalhar e largar a vida do crime”, para reforçar aproximação entre professor e
aluno, a indiferença deixa de existir por meio de estabelecimento de vínculos
humanos de consideração e afeto.
As atitudes dos professores denotam que uma das características da ACD é
identificar possibilidades de superação dos obstáculos. Não basta ter consciência de
sua existência, é preciso lutar para vencê-los e atuar na transformação social
(FAIRCLOUGH, 1992), identificando potenciais de mudança na realidade que se
apresenta e buscando suas lacunas e contradições (FAIRCLOUGH, 2001).
Aristóteles destaca em seu texto a importância de ser tratado com amor e
atenção pelos professores:
[...] Todos os professores, eu me dou bem, pois percebo que
eles fazem o que fazem bem feito e por amor. [...] O relacionamento
deles são bons com os adolescentes. [...] eles dão uma grande
atenção para nós, parabéns professores da Escola Meninos do
Futuro. (ARISTÓTELES, 17 anos, 20/01/2011)
Observa-se, nos enunciados acima, que Aristóteles apresenta informações
sobre o seu relacionamento com os professores. O adolescente afirma que a relação
professor-aluno é pautada pela reciprocidade, compromisso e disposição do
educador em doar-se emocionalmente.
É interessante destacar a ênfase que ele dá para a questão da aproximação
com os professores, respaldada na efetividade e no amor para com ele e os colegas.
Ao dizer, por exemplo: “Todos os professores, eu me dou bem, pois percebo que
eles fazem o que fazem bem feito e por amor”, Aristóteles usa a expressão “eu me
dou bem” para expressar o seu vinculo afetivo com os professores. Ele reconhece o
123
engajamento dos professores ao mencionar: “fazem o que fazem bem feito e por
amor” atribuindo amor e afeto à ação pedagógica dos professores. No fragmento: “o
relacionamento deles são bons com os adolescentes”, Aristóteles destaca o sucesso
da relação afetiva entre professores “eles” e alunos “nós”. Ao dizer: “eles dão uma
grande atenção para nós”, destaca a atenção concentrada dos professores aos
alunos, demonstrando aproximação e respeito. Ocorre a representação de atores
sociais por coletivização. Finalmente demonstra gratidão ao expressar: “parabéns
professores da Escola Meninos do Futuro”, reconhecendo o compromisso dos
professores.
Observa-se que os fragmentos acima analisados apresentam a inclusão dos
atores sociais professores, alunos e escola. Esses atores sociais são representados
por ativação. Segundo van Leeuwen (1997, p. 187), a ativação “ocorre quando os
atores sociais são representados como forças ativas e dinâmicas numa atividade”,
ou seja, os participantes participam ativamente do processo em questão.
Em sua entrevista Aristóteles descreve o estabelecimento de vínculos de
consideração e afeto na relação com os professores da Escola Estadual Meninos do
Futuro:
Os professores da escola de lá falavam a mesma língua da
gente, tratavam a gente com educação e respeito, a gente podia dar
opinião que eles aceitavam, tinham muita paciência... é isso aí, eram
de boa com a gente. (ARISTÓTELES, entrevista em 07/01/2013)
Percebe-se, aqui, a importância da boa convivência entre o professor e o
aluno, conduzida pela humildade e diálogo em constante interação com os aspectos
cognitivos e afetivos. Ao dizer: “os professores de lá falavam a mesma língua da
gente”, Aristóteles ressalta que a interação entre professor-aluno da E.E. Meninos
do Futuro ultrapassa, desse modo, a mera condição de ensinar. Observa-se a
inclusão dos atores sociais “alunos”, “professores” e “escola” por ativação. Ao utilizar
o advérbio de lugar “lá”, prefere não mencionar o nome Pomeri, ocorrendo a
exclusão por supressão desse ator social.
A expressão “tratavam a gente com educação e respeito” é uma
demonstração clara de que os professores da escola tinham o respeito como base
na relação humana e a sala de aula se tornou um espaço de favorecimento dessa
virtude de sentimento. Aristóteles, ao dizer, por exemplo: “a gente podia dar opinião
124
que eles aceitavam, tinham muita paciência”, destaca que os professores
respeitavam seu ponto de vista, pensamentos e suas experiências, que traziam
lições de vida aos professores e aos colegas. Observa-se a ausência de pronomes
na 1ª pessoa, Aristóteles se refere a ele e aos outros jovens da escola, quando
emprega a expressão pronominal indefinida “a gente”, que surge com frequência na
sua fala. Observa-se a ocorrência de representação de atores sociais por
indeterminação. É interessante ressaltar a ênfase que ele dá à “paciência” dos
professores, como atributo quase que obrigatório para os professores que atuam no
contexto de privação de liberdade. Dessa forma, ao falar: “eram de boa com a
gente”, reconheceu as boas relações manifestadas por meio de diálogo, troca,
paciência, compreensão e tolerância.
Para Fairclough (2001), os sujeitos são posicionados ideologicamente, mas
são também capazes de agir criativamente no sentido de realizar suas próprias
conexões entre as diversas práticas e ideologias a que são expostos e de
reestruturar as práticas e as estruturas posicionadoras.
4.1.3 Aprendizagem significativa
Ainda nas produções escritas dos alunos é possível vislumbrar a
aprendizagem significativa, algo significante, pleno de sentido, experiencial, para os
socioeducandos.
“Tudo que fiz estou bastante contente com o que aprendi
sobre os estudos e vou sair digno sem dever nada a sociedade não
como um menor infrator e sim como Sócrates. (SÓCRATES, 15
anos, em 20/01/2011)
Assim, ao enunciar “tudo que fiz estou bastante contente com o que aprendi
sobre os estudos e vou sair digno sem dever nada a sociedade não como um menor
infrator e sim como Sócrates” evidencia a articulação com as seguintes falas:
estudos/educação e dignidade. Ressalta-se que os estudos parece assumirem um
significado próprio para ele, relacionado à ideia de liberdade, felicidade e dignidade.
E deixa claro que a essência da escola está no cerne da relação professoaluno e ensino-aprendizagem, pautada em uma relação dialógica e esperançosa
capaz de promover transformações como forma de intervenção na sociedade. Desse
modo, Sócrates se representa no texto de forma ativa, ocorrendo a representação
125
por nomeação, revelando sua identidade única. Com o uso da expressão “não como
menor infrator”, lhe é atribuído um papel passivo, ocorre a categoria de passivação
por sujeição, pois torna-se sujeito da passividade. Mas ao dizer: “sim como
Sócrates” marca a necessidade de mostrar mudança de atitude perante a
sociedade, conforme Bhaskar (1998, p. 410), ao nível de estrutura interna,
empoderando-se da autonomia e da emancipação social, observação em que ocorre
a representação de atores sociais por especificação, por individualização. Para
Sócrates, a “sociedade” representa a coletividade, nesse caso ocorre a coletivização
para tratar os atores sociais.
Sócrates apresenta-se ao mundo, ou seja, mostra o seu ethos (a imagem de
si), de um cidadão que arcou com suas responsabilidades e está pronto para a vida
social. Nota-se que o emprego da ativação no lugar da passivação, no discurso do
aluno, ocorre pela necessidade de ele se representar discursivamente como sujeito
social ativo “digno” em um processo de transformação, desenvolvimento e progresso
na “sociedade”. No seu texto, ele faz essa relação com a escola, os professores e a
aprendizagem.
Reitera-se, ainda, o ideal de aprendizagem ao dizer: “estou bastante
contente com o que aprendi sobre os estudos”. Ao dizer “estou bastante contente”,
Sócrates expressa sua gratidão quanto ao que aprendeu na escola e destaca a
importância de estudar (aprender). Ideologicamente se inspira e imprime a ideia da
aprendizagem significativa, que se inscreve numa formação discursiva de
esperança, mudança e autotransformação. A aprendizagem significativa parece ser
uma prática social presente no cotidiano de professores e alunos, ao afirmar:
“aprendi sobre os estudos”, desfrutando de liberdade incondicional nos momentos
de aprendizagem e valorização dos estudos.
Ao se referir sobre aprendizagem significativa, ele se expressou:
Aqui escola tem um ensino diferente, o jeito dos professores
ensinarem é outro. Sempre tem música, poesia e um jogo na aula,
também sempre tem apresentações de trabalhos, teatro e dança
para os alunos fazerem. (Sócrates,15 anos, entrevista em
18/12/2012)
Sócrates estabelece, neste contexto, uma comparação entre ensino da
comunidade e ensino da escola no Pomeri. Ao enunciar: “aqui a escola”, o ator
social representado “escola” é incluído de forma ativa em sua fala. Sócrates
evidencia que a escola oferece um “ensino diferente”, reconhece que os conteúdos
126
abordados são trabalhados nas situações da vida prática do aluno ou de algo que
lhe cause um conjunto de sensações e/ou percepções, como modos particulares de
representar parte do mundo (FAIRCLOUGH, 2003 p. 3-4). Observa-se que os atores
sociais “alunos” são representados por coletivização, pois dão a ideia de
coletividade.
Sócrates ressalta que “o jeito dos professores ensinarem é diferente”, traduz
a ideia de professores que atuam como mediadores entre os alunos, os
conhecimentos que estes detêm e o mundo, levando-os a elaborar conceitos,
valores, atitudes e habilidades que lhes permitam crescer como pessoas. O uso do
substantivo “jeito” demonstra forma particular de agir, ocorre a representação dos
atores sociais por personalização, por possuírem significados que incluem
características
humanas.
A
análise
da
representação
dos
atores
sociais
“professores”, no enunciado de Sócrates, permitiu a observação da categoria de
inclusão por ativação dos atores sociais.
De acordo com Sócrates, as aulas são recheadas de “música”, “poesia”,
“jogos”, “apresentações de trabalhos”, “teatro” e “dança”. Isto reforça a proposta
acerca da aprendizagem significativa, torna-se, então, um argumento plausível
acerca da utilização da interdisciplinaridade em sala de aula como recurso
metodológico de apoio ao processo de aprendizagem. Para Bhaskar (1998) o
educador crítico consideraria as emoções, os valores, os sentimentos dos alunos.
Platão externou sua opinião a respeito da aprendizagem:
“A gente ouve música gospel na sala e é mais de boa. A
gurizada fica mais quieto e assiste a aula”. (PLATÃO, 15 anos,
20/01/2011)
É relevante destacar nos enunciados de Platão que os modos do professor
ensinar estão conectados com o repertório do aluno, provocando no jovem uma
aprendizagem significativa. Ao dizer: “Agente ouve música gospel na sala e é mais
de boa”, quando o jovem se refere a ele mesmo (eu) e aos colegas, utiliza
incorretamente o substantivo comum “agente” ao invés da forma correta “a gente”,
locução pronominal equivalente ao pronome pessoal reto nós, ocorrendo a
representação dos atores sociais por coletivização. Pode-se afirmar que Platão, ao
expressar “ouve música gospel na sala e é mais de boa”, revela também o
significado representacional de uma realidade conectada com seus sentimentos,
crenças
e
espiritualidade.
Platão
mostra
a
importância
da
estratégia
127
pedagógica/positiva utilizada pelo e/ou pelos professores, a música do gênero
“gospel”, visando buscar o desenvolvimento da sensibilidade e a integração do ser
por meio da afetividade. A expressão “mais de boa” complementa o sentido da frase
revelando marcas de afeto/segurança nos momentos das aulas, quando as tensões
se mostram aliviadas, o que justifica sua existência e seu papel no processo
educativo dos adolescentes e jovens privados de liberdade. No enunciado “a
gurizada fica mais quieto e assiste a aula”, ocorre a coletivização dos atores sociais.
Platão deixa transparecer que a troca de experiências, respeito e afeto com o
professor e com os outros alunos leva-os a um convívio que não é movido pelo ódio,
vingança ou rejeição. Essa aproximação lhe oferece a possibilidade de aprender
outra postura e, quiçá, um conteúdo significativo ou uma habilidade que se constitua
em forma de emancipação.
Em relação à categoria “aprendizagem significativa”, Platão em sua
entrevista faz as seguintes observações:
“Aqui na Escola Meninos do Futuro a gente tem muitos
ensinamentos, muitas atividades diferenciadas como: computação,
aulas de música, de vídeo, teatro, jogos e muitas outras coisas
legais.” (PLATÃO, entrevista em 18/12/2012)
Fica explícito na fala de Platão, ao dizer, por exemplo, “aqui na Escola
Meninos do Futuro a gente tem muitos ensinamentos”, ao incluir “Escola Meninos do
Futuro”, ocorre a representação do ator social por nomeação, ainda revela que
mesmo sendo localizada em um ambiente repressor e hostil, a escola se pauta pela
produção de conhecimento, de estabelecimento de vínculos afetivos, de participação
e aproximação por meio da aprendizagem significativa. Observa-se que Platão faz o
uso da expressão indefinida “a gente”, para se representar (eu) e representar os
colegas, ou seja, “nós”, também reflete o significado representacional da sua
realidade de exclusão social, internalizada pelo jovem e representada de forma
indefinida em sua fala. Platão expõe as atividades desenvolvidas na escola “muitas
atividades diferenciadas como: computação, aulas de música, de vídeo, teatro e
jogos e muitas outras coisas legais”, que o conduz a novos saberes estabelecendo
relações entre aquilo que conhece e as novas experiências. Na fala do jovem sobre
“muitas outras coisas legais”, é possível detectar que os alunos aprendem bem o
que lhes é significativo, numa atmosfera de aula que lhe parece segura, instigante e
128
interessante,
proporcionada
pelas
atividades
diversificadas
oferecidas
pelo
planejamento pedagógico da escola.
Aristóteles revelou aspectos interessantes sobre a aprendizagem:
Me esforço bastante para aprender ao que é passado aqui pois
sei que as intenções são as melhores e sei que necessito do
aprendizado e a educação tem que vir em primeiro lugar. [..] Os
trabalhos são diferenciados para conosco. (ARISTÓTELES, 17 anos,
20/01/2011)
Embora esteja em um espaço repressivo, Aristóteles ao dizer: “me esforço
bastante para aprender ao que é passado aqui” demonstra vontade de aprender,
dedicação, esforço e cobrança a si mesmo. Quando o jovem se refere a ele mesmo,
utiliza o pronome “me”, dessa forma ocorre a representação do ator social por
beneficiação. Trata-se de uma forma de o jovem se evidenciar no evento discursivo,
cuja identidade é fortalecida, de modo efetivo, internalizada pelos valores, crenças e
desejos. Ao dizer: “ao que é passado aqui”, há uma demonstração de afeto pela
escola, que é expresso pela presença do verbo “passado”, representa conteúdos
desenvolvidos em sala de aula, e ainda reforçado pela circunstância de localização
“aqui” (lugar – escola), que representa a escola no contexto socioeducativo (Pomeri).
Nesse caso ocorre a inclusão do ator social “escola” por ativação e exclusão por
supressão do ator social Pomeri.
Ao falar de forma resumida “pois sei que as intenções são as melhores”,
refere-se às boas práticas do professor que sustenta na sala de aula a valorização
da dimensão social e afetiva no relacionamento com os alunos, uma vez que a
riqueza da relação pedagógica baseia-se, independente do contexto em que a
escola esteja inserida, nas formas dialógicas de interação. Aristóteles, ao enunciar
“sei que necessito do aprendizado”, reforça uma avaliação de afeto/positiva e
consensual sobre a importância da aprendizagem escolar. Ele reconhece que “a
educação tem que vir em primeiro lugar”, para que possa fazer valer seu direito à
cidadania, expectativas que os internos demonstram em relação ao acesso ao
conhecimento e melhoria das condições de vida, quando em liberdade.
Observa-se, ainda, no fragmento em análise “os trabalhos são diferenciados
para conosco”, que o jovem reconhece que as ações pedagógicas da escola são
respaldadas por práticas mais democráticas, cidadãs e emancipadoras com base
em propostas pedagógicas significativas para os adolescentes que cumprem
129
medidas socioeducativas. Para Bhaskar (1998, p. 462) a emancipação não pode ser
alcançada apenas pela mudança da consciência; ao contrário, ela deve ocorrer na
prática.
Aristóteles, mesmo estudando em uma escola da comunidade, faz algumas
considerações sobre a aprendizagem significativa da Escola Estadual Meninos do
Futuro:
Os ensinamentos da
diferentes. Lá eu participava
pintura. As atividades eram
tarefas eram feitas só na
07/01/2013)
Escola Meninos do Futuro eram
de várias atividades, tipo percussão e
bem legais, não tinham provas e as
sala. (ARISTÓTELES, entrevista em
Aristóteles, ao dizer “os ensinamentos da Escola Meninos do Futuro eram
diferentes”, revela que escola buscou alternativas significativas de trabalho para
superar
as
dificuldades
encontradas
no
Centro
Socioeducativo.
O
verbo
“ensinamentos” e o adjetivo “diferentes” funcionam como resposta à pergunta: qual a
diferença entre a Escola Estadual Meninos do Futuro e a escola “aqui de fora”?
Trata-se de uma resposta dada sobre o processo de ensino-aprendizagem da
escola, avaliando de forma positiva a proposta pedagógica específica para escola
inserida no sistema socioeducativo.
Na fala de Aristóteles “lá eu participava de várias atividades, tipo percussão
e pintura”, o advérbio “lá” designa naquele lugar, um lugar atualmente distante dele,
mas que lhe deixou marcas que revelam seus sentimentos de afeto, atenção e
respeito em relação à escola. O jovem reconhece que participava ativamente de
outras atividades pedagógicas além das aulas: “Eu participava de várias atividades”,
aqui ocorre a passivação por beneficiação se referindo a ele mesmo como o
beneficiado, ao usar o pronome pessoal na 1ª pessoa do singular: eu. Observa-se
que Aristóteles evidencia as atividades de que mais gostava: “percussão e pintura”,
demonstrando que esse tipo de aprendizagem lhe causou um conjunto de
sensações e/ou percepções, algo significante e pleno na aquisição de novos
conhecimentos, no caso a arte.
No enunciado “as atividades eram bem legais”, pelo atributo “legais” o jovem
faz uma avaliação positiva e afetivo-significativa sobre as atividades (oficinas e
projetos) desenvolvidas na escola. Neste caso há a ocorrência da representação de
atores sociais por impersonalização por abstração e objetivação. Trata-se de uma
avaliação que representa experimentar novas práticas e novos conhecimentos como
130
forma de resistência ao processo de perdas a que o sistema socioeducativo
submete o jovem.
Ao dizer “não tinham provas”, Aristóteles revela o medo que sente da prova,
deixa transparecer o apreço negativo que esta representa. Trata-se de um
instrumento avaliativo que contribui para a escola reproduzir um discurso dominante
e excludente.
Em “as tarefas eram feitas só na sala”, revela que a escola se submete às
normas do Pomeri, aos jovens internos não é permitido levar materiais pedagógicos
(lápis, cadernos e livros) às aulas. Nesse caso, Aristóteles, sem entender o
engendramento do sistema socioeducativo, faz uma avaliação positiva dessa norma.
Fairclough caracteriza hegemonia como “domínio exercido pelo poder de um grupo
sobre os demais, baseado mais no consenso do que no uso da força”
(FAIRCLOUGH, 2001 apud RESENDE & RAMALHO, 2006).
Os fragmentos analisados neste capítulo contribuem para a demonstração
de que a escola dentro do Sistema Socioeducativo tem cumprido seu papel de
proporcionar conhecimento e afetividade. Observa-se nas falas dos alunos da E.E.
Meninos do Futuro que a escola é um lugar aprazível, capaz de contribuir para a
vida dos adolescentes e jovens privados de liberdade e da sociedade em geral, por
meio da aprendizagem significativa e participativa e da convivência baseada na
valorização e no desenvolvimento do outro e de si mesmo. Contudo, a escola, nesse
contexto, pode-se tornar uma oportunidade de inclusão. É importante que sua
estrutura e ações pedagógicas garantam uma educação que busque a emancipação
e a transformação social. A seguir, com base nos textos analisados, apresento a
sistematização das categorias de van Leeuwen.
4.1.4 Sistematização Construída sob a luz do Arcabouço Teórico-Metodológico
da Teoria da Representação dos Atores Sociais
Quanto à representação de atores sociais, podemos verificar também
semelhanças e diferenças nas produções escritas e entrevistas dos alunos e
egressos da Escola Estadual Meninos do Futuro. Primeiramente, analiso as
categorias mais amplas propostas por van Leeuwen: a exclusão e a inclusão. No
quadro 2, apresento as ocorrências e porcentagens dos atores sociais incluídos. No
quadro 3, as categorias sociossemânticas de representação de atores sociais.
131
O quadro abaixo sintetiza o percentual da representação das categorias de
exclusão e inclusão nos enunciados dos alunos
Quadro 4: Categorias de inclusão e exclusão
Representação de Atores
Produções Escritas
Entrevistas
Sociais
Categorias
Ocorrências Porcentagem Ocorrências Porcentagem
Exclusão
3
11,54%
3
15%
Inclusão
23
88,46%
17
85%
Total
26
100%
20
100%
O quadro seguinte mostra o percentual de inclusão dos atores sociais nos
enunciados dos alunos.
Quadro 5: Atores sociais incluídos
Atores
sociais Produções escritas
incluídos
Entrevistas
Escola
Professores
Alunos
Ocorrências
14
28
12
Porcentagem
25,93%
51,85%
22,22%
Ocorrências
13
15
13
Porcentagem
31,70%
36,60%
31,70%
Total
54
100%
41
100%
O quadro a seguir apresenta as ocorrências e porcentagens das categorias
usadas na representação dos atores sociais nos enunciados dos alunos.
Quadro 6: Formas de representação
Categorias
Produções escritas
Ocorrências Porcentagens
Ativação
8
34,79%
Ativação
por
2
8,69%
possessivação
Nomeação
2
8,69%
Passivação
2
8,69%
Categorização
por
1
4,35%
identificação
Categorização
por
1
4,35%
funcionalização
Entrevistas
Ocorrências
6
_
2
_
_
_
Porcentagem
35,291%
_
11,764%
_
_
_
132
Coletivização
3
13,04%
2
11,764%
5,883%
Passivação
sujeição
por
1
4,35%
1
Especificação
individualização
por
1
4,35%
_
por
1
1
4,35%
4,35%
1
1
5,883
5,883%
_
_
_
_
1
1
5,883%
5,883%
Impersonalização por
abstração
_
_
1
5,883%
Impersonalização por
objetivação
_
_
1
5,883%
Total
23
100%
17
100%
Indeterminação
Passivação
beneficiação
Personalização
Diferenciação
_
Ao se analisar as duas maiores categorias propostas por van Leeuwen
(inclusão e exclusão), observa-se que a necessidade de inclusão dos atores sociais
(escola, professores e alunos) é bastante acentuada. A exclusão chega a suprimir o
papel dos atores sociais, agentes orientadores, gerentes, diretores, técnicos e
gestores do sistema socioeducativo. Na verdade, os resultados da análise nos
indicaram alguns caminhos para pensarmos em melhorias e investimentos na
educação no Pomeri, que devem ser fundamentadas em ações educativas,
emancipadoras e humanizadoras, como condição para o desenvolvimento integral
deste cidadão em condições de ser, pensar, conviver e produzir de maneira crítica,
responsável e participativa na sociedade.
Finalizando este capítulo, retomo os objetivos e as questões de pesquisa,
apresentados a seguir:
Objetivo geral
Compreender as representações de adolescentes e jovens da Escola
Estadual Meninos do Futuro, acerca da escola, professores e aprendizagem
dependendo da maneira como essas representações estão materializadas nos
textos escritos e orais.
Objetivos específicos
 Identificar e analisar as representações dos alunos acerca da escola,
133
dos professores e da aprendizagem, aqui, nas produções escritas e nas entrevistas;
 Analisar as categorias relevância da escola, aproximação com os
professores e aprendizagem significativa materializadas nas produções escritas e
entrevistas dos alunos;
 Identificar e analisar se há, ou não, (in)congruências nos textos escritos
e orais dos alunos.
.Questões de pesquisa.
1) Quais são as representações dos alunos acerca da escola, dos
professores e da aprendizagem?
2) De que maneira essas representações estão materializadas nos
textos?
3) Existem ou não (in)congruências presentes nas redações e entrevistas
dos alunos?
A seguir, apresento as considerações finais.
134
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida,
destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não
transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.
Paulo Freire
Longe de apresentar menções que possam conduzir a algum tipo de
julgamento, este estudo apresenta algumas reflexões que podem contribuir, sob a
ótica da teoria das representações de atores sociais, para a construção de uma
análise e de um posicionamento mais crítico perante o processo educacional de
adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social que cumprem medidas
socioeducativas de privação de liberdade, em uma unidade socioeducativa de
Cuiabá, o Pomeri.
Iniciei a minha jornada como pesquisadora procurando ouvir as "vozes" dos
alunos da Escola Estadual Meninos do Futuro, responsável pela escolarização de
adolescentes e jovens que cumprem medidas socioeducativas de privação de
liberdade no Pomeri. Considerando os objetivos elencados, acredita-se que a
pesquisa atendeu à perspectiva da pesquisadora, haja vista os excertos analisados.
Espera-se que o foco desta pesquisa se torne alvo de análise e discussão de nossa
mantenedora e de todos os envolvidos com a educação no sistema socioeducativo.
Ao mesmo tempo, é bom evidenciar que o presente estudo não pode ser
entendido como uma pesquisa concluída, pela sua natureza, é própria da
incompletude. Este é o entendimento: não há uma finalização, já que os discursos
particulares dos adolescentes e jovens representam um lugar de produção e de
identificação do sujeito a partir da sua constituição histórica, social e ideológica.
Parte-se do pressuposto de que esses sujeitos, em seus enunciados,
revelam categoricamente nas suas produções escritas e entrevistas representações
linguístico-discursivas sobre a relevância da escola, a aproximação com os
professores e a aprendizagem significativa. Considera-se, aqui, que a escola tem
cumprido seu papel de proporcionar conhecimento. Contudo, vem sendo lesada pela
falta de políticas públicas educacionais e sociais destinadas a este público. Foram
identificadas ações efetivas dos professores, geralmente em forma de diálogos e
aconselhamentos, valendo-se da proximidade com os adolescentes que a relação
135
professor-aluno proporciona. Sendo assim, fica evidente a efetividade da
aprendizagem significativa, mediante a proposta pedagógica da escola e o desafio
do professor em adotar a postura de mediador entre o aluno e o conhecimento. Para
tanto, a atuação do professor se respaldou em considerar que o aluno é o sujeito do
conhecimento e não mero receptor de informações. Por isso, todo o esforço do
professor foi evidenciado nos enunciados dos alunos.
Objetivou-se, então, a partir dos enunciados dos alunos, entender a relação
entre a escola, os professores e a aprendizagem. Para isso buscou-se compreender
as representações de adolescentes e jovens da Escola Meninos do Futuro,
dependendo da maneira como essas representações estão materializadas nos
textos orais e escritos.
Os pressupostos teóricos que sustentaram esta pesquisa ofereceram
ferramentas crítico-discursivas para a realização da análise. O diálogo teóricometodológico que a ACD mantém com o RC e a Representação de Atores Sociais
trouxeram contribuições significativas para a concretização desta pesquisa. A
Análise Crítica do Discurso (ADC) permitiu que os dados fossem analisados como
partes de eventos sociais e que a linguagem fosse vista como forma de prática
social, constitutiva dos sujeitos e relações sociais, contribuindo para a sua
reprodução e mudança (FAIRCLOUGH, 2001 p. 90). A filosofia do Realismo Crítico
(RC) (BHASKAR, 1998, 2002) trouxe um forte viés emancipatório, foi base de
sustentação para a compreensão da inter-relação dialética entre sociedade, pessoas
e realidade social. Nessa perspectiva, van Leeuwen (1997; 2008) esboçou um
inventário sócio-discursivo dos modos pelos quais os atores sociais puderam ser
representados, estabelecendo a relevância sociológica e a crítica de algumas
categorias linguísticas.
Todavia, parece importante salientar que durante o estudo me deparei com a
dificuldade de utilizar a ferramenta de análise da Gramática Sistêmica Funcional,
proposta por Halliday (1994), pois o curto espaço de tempo impediu que eu me
dedicasse a essa abordagem. Outro fato relevante é que a minha formação
acadêmica de bacharel e licenciada em História também contribuiu para esta
dificuldade. Há de se ressaltar que as disciplinas ofertadas no mestrado não
trataram de focalizar esta abordagem. Ficará para outra oportunidade.
Nesse sentido, a investigação das representações de atores sociais de
adolescentes e jovens da Escola Meninos do Futuro, por meio de suas falas,
136
promoveu reflexões sobre a influência e a importância da escola na vida desses
atores sociais. Refletir sobre esse contexto é a possibilidade de a escola pensar
nesses coletivos populares, compreendê-los, pensar suas histórias, a luta pela
constituição de uma identidade e, assim, reconhecê-los enquanto sujeitos de direitos
e de desejos.
Assim, a proposta do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que
o processo educacional deve ter a finalidade de formação para a cidadania, inclusive
para os privados de liberdade que, acima de tudo, são sujeitos de direitos, além
disso, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e, por fim, prioridade do
Estado. Se a educação é um direito fundamental, se o adolescente se encontra sob
guarda judicial, tutelados pelo Estado e se ele deve ter condições de acesso à
educação, então, que tipo de educação está sendo ofertada para esses sujeitos?
Qual o sentido da escola para esses alunos?
Em decorrência dessas indagações e inquietações, resolvi estudar mais
profundamente a educação no sistema socioeducativo em regime de privação de
liberdade, seus desdobramentos e pontos de vista (objetivos e subjetivos) que se
relacionam e constituem o cotidiano escolar dos adolescentes em cumprimento da
referida medida.
Não seriam, então, a educação e os seus educadores uma possibilidade de
libertação interior dos adolescentes e jovens privados de liberdade?
Como diz Freire (1995), “[...] a melhor afirmação para definir o alcance da
prática educativa em face dos limites a que se submete é a seguinte: não podendo
tudo, a prática educativa pode alguma coisa” (p. 96). E ao se pensar na educação do
homem privado de liberdade, não se pode deixar de considerar que o homem é
inacabado, incompleto, que se constitui ao longo de sua existência e que tem a
vocação de ser mais, o poder de fazer e refazer, criar e recriar (FREIRE, 1983).
Desse modo, o que se conhece sobre a educação no Pomeri é um cenário
de impasses e dilemas crônicos. Há uma realidade da qual não se pode fugir, mas é
preciso buscar caminhos possíveis para a reorientação dos valores e perspectivas
de inserção social dos adolescentes e jovens do Sistema Socioeducativo e das
condições objetivas do seu entorno, para que se dê efetividade a sua emancipação
e transformação social. Portanto, é preciso desmistificar alguns mitos sobre os riscos
de se lidar com os adolescentes e jovens que cumprem medidas socioeducativas.
Por trás dessas ideias estão o ceticismo e a postura hegemônica de gestores, que
137
se constituem em “donos da verdade”, desqualificando quaisquer propostas de
mudanças.
Destarte, quaisquer que sejam os papéis possíveis desempenhados para a
escola — ocupar a mente, preencher o tempo ocioso, sair das celas, favorecimento
jurídico, encontrar os colegas, jogar bola, aprender a ler, a escrever e a fazer contas
—, ela é vista pelos alunos como algo aprazível e positivo dentro do sistema
socioeducativo. É considerado pelos jovens como espaço de experiências,
interação, respeito mútuo, trocas e cooperação, o que contribui para que o tempo de
cumprimento da medida socioeducativa possa ser vivido de maneira humanizada.
A interação com o professor e com os outros alunos leva-os ao convívio
respaldado em afetividade, diálogo e respeito. Nesse sentido, a escola torna-se um
espaço onde as tensões se mostram aliviadas, o que justifica sua existência e seu
papel na inserção social dos adolescentes e jovens do sistema socioeducativo.
Consequentemente, a escola passa a oferecer aos alunos a possibilidade de
resgatar ou aprender outra forma de se relacionar e contribuir para a desconstrução
da identidade de infrator.
Diante disso, ocorre uma troca intensa de experiências por meio de uma
interação dialógica contínua. Ao longo deste processo, o adolescente vai
gradativamente descentrando-se do “eu” e construindo um significado para o “nós”,
a partir dos pressupostos ético-pedagógicos que estão postos: respeito, igualdade,
tolerância, justiça e paz.
É interessante ressaltar que durante o estudo percebi que os alunos
exercitam outro modo de ser ao se relacionar afetivamente com o professor. Na
medida em que a escola compartilha e interage, eles passam a fazer parte dela.
Esse pertencimento abre possibilidades e espaços perenes de aprendizagem que se
constituem em formas de emancipação. É nesse espaço que o professor coloca
suas intenções de modificar atitudes, capacidades e ideias — é, portanto, um local
de possível manifestação do comportamento transformador. O conhecimento é
trazido pelo afetivo, o aluno aprende bem o que lhe interessa, num ambiente que lhe
parece seguro, com um professor que sabe criar afinidades.
A escola, nesse contexto, pode tornar-se uma oportunidade de inclusão.
Nela, o papel da educação é mais amplo, pois permite a liberdade e a esperança de
transformação da realidade desumana do Pomeri. A partir dessa medida, a
educação ali deverá se preocupar com a promoção humana. Pensar a educação
138
escolar no Pomeri significa, nesse sentido, refletir sobre sua contribuição para a vida
dos adolescentes e jovens privados de liberdade e da sociedade em geral, por meio
da aprendizagem significativa e da relação baseada na valorização e no
desenvolvimento do outro e de si mesmo. Significa, ainda, pensar uma educação
escolar capaz de fazer do jovem “[...] informado e participante do mundo em que
vive, adquirindo consciência crítica que favorece a capacidade de questionar e
problematizar o mundo, condição necessária para a prática social transformadora”
(MELLO, 1987, p. 90).
Embora esteja em um espaço repressivo e de isolamento, cujas muralhas
são a materialização da separação entre a comunidade livre e os adolescentes e
jovens privados de liberdade, servindo como barreiras para impedir as fugas, mas
também como símbolo da rejeição das sociedades, os alunos, em suas falas,
apontaram a importância da escola, espaço onde podem aproveitar o tempo para
adquirir conhecimentos e onde se reúnem e podem fazer novas amizades,
convivendo com outras pessoas, o que favorece o companheirismo. Na
representação dessas “vozes”, a escola é apontada como um lugar onde eles
gostam de estar, um compromisso em prol da libertação e uma possibilidade de
mudança de vida. Há referências à educação escolar como possibilidade de galgar
posições sociais diferentes das que ocupavam antes de cumprirem a medida
socioeducativa no Pomeri.
Os adolescentes demonstram, durante as produções escritas e entrevistas,
uma perspectiva crítica e positiva em relação à escola, aos professores e ao
processo de ensino-aprendizagem por meio da aprendizagem significativa,
ressaltando que sua organização contribui para a sua humanização e inserção
social. Assim, diante dos resultados alcançados, pode-se inferir que os adolescentes
gostam da escola, se sentem acolhidos, na condição de sujeitos participantes da
reflexão do mundo e da sua própria história, assumindo a responsabilidade dos seus
atos e as mudanças que fizerem acontecer.
A escola foi apontada pelo aluno como local de comunicação, de interações
pessoais, onde ele pode-se mostrar sem máscaras, afigura-se, portanto, como
oportunidade de socialização, na medida em que lhe oferece outras possibilidades
referenciais de construção da sua identidade e de resgate da cidadania perdida.
Contudo, o contato com os adolescentes e jovens que cumprem medidas
socioeducativas de privação de liberdade no Pomeri é chocante e a proximidade
139
dessa realidade é triste, confusa, complexa e causa indagações e angústias que a
sociedade, o poder público e o Judiciário preferem não vivenciar devidamente.
Portanto, o trabalho da educação escolar somente será viável quando esses atores
abandonarem a crença que depositam em estatísticas contraditórias, apologia a
rigorosas punições e permitirem que o trabalho pedagógico se faça em sua
completude.
Diante das considerações expostas, o presente estudo pode ser
compreendido como um esforço em produzir um trabalho acadêmico que não esteja
aprisionado à erudição, mas que possa dar voz a vozes silenciadas. Não tive a
intenção de encerrar uma discussão, mas de dialogar sobre atores sociais dotados
de sentimentos, desejos, valores, crenças, medos e angústias. Espero ter
conseguido instigar o início de outras tantas discussões, sendo, ainda, um desejo
meu de que esse diálogo não fique restrito ao público acadêmico. Almeja-se contar
com a participação daqueles que compõem a sociedade, que se interessam pelo
assunto e estejam comprometidos com um futuro melhor para a sociedade.
Cora Coralina (1984, p.141) em um de seus poemas nos diz:
“Tempo virá. Uma vacina preventiva de erros e de violência se
fará. As prisões se transformarão em escolas e oficinas...
imunizados contra o crime, cidadãos de um novo mundo,
contarão às crianças do futuro estórias absurdas de prisões,
celas, altos muros de um tempo superado".
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149
ANEXOS
150
TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
NOME: Sócrates
IDADE: 15 anos
ESCOLA: E. E. Meninos do Futuro
ESTÁGIO: intermediário
DATA: 18/11/2012
LOCAL: Centro Socioeducativo de Cuiabá / POMERI
Pesquisadora: Boa tarde. Tudo bem com você?
Sócrates: Tudo bem... Até agora.
Pesquisadora: Então, Sócrates, vamos começar?
Sócrates: Vamos... Ué.
Pesquisadora: Há quanto tempo você cumpre medida socioeducativa no POMERI?
Sócrates: Tem oito meses... Só tristeza.
Pesquisadora: Conte-me um pouco sobre a sua trajetória de vida antes de você ter
que cumprir medida socioeducativa.
Sócrates: Eu estudava no CPA IV, no Panarotto, trabalha no Supermercado do
Prata lá no CPA IV, aí conheci uma gurizada no Três Barras, aí comecei a assaltar,
pegar celular, pegar moto, entrava na casa das pessoas junto com a gurizada com
arma, apavorava geral... Já fiquei no Provisório uns dias, já fiquei na Ala Velha uns
seis meses o ano passado.
Pesquisadora: Conte-me como é a sua rotina diária no POMERI.
Sócrates: A gente acorda, vai pra escola, às vezes não tem aula... Aí a gente fica
na tranca, à tarde tem bola na quadra, tem piscina, as técnicas às vezes manda
chamar a gente e também eu vou na aula de música, lá eu toco pandeiro.
151
Pesquisadora: Conte-me um pouco sobre sua família.
Sócrates: Eu moro com minha velha, que é minha avó, minha tia e dois irmãos...
Só.
Pesquisadora: Antes de você ter que cumprir medida socioeducativa você estava
estudando?
Sócrates: Sim, lá no Panarotto.
Pesquisadora: Atualmente você está frequentado as aulas?
Sócrates: Vou sim.
Pesquisadora: O que você mais gosta na Escola Estadual Meninos do Futuro?
Sócrates: Tudo de bom, tipo projetos que os professores trazem, os professores
ensinam bem... É isso: os professores, gosto deles.
Pesquisadora: O que você menos gosta na Escola Estadual Meninos do Futuro?
Sócrates: Ah... Não tem.
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com os professores?
Sócrates: Aqui na verdade os professores têm muito mais paciência para ensinar a
gente, eles são legais, ficam contentes quando a gente aprende. O professor daqui é
melhor, dá até vontade de assistir aula.
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com os coordenadores?
Sócrates: Gosto de todas elas. Gosto mais da Carla, ela é legal, atende a gente...
Tá sempre indo lá na ala pra perguntar da gente.
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com o(a) diretor(a) da escola?
Sócrates: Normal, não falo muito com ele.
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com os demais profissionais da
escola (técnicos, apoio, merendeira)?
152
Sócrates: Tudo normal, as tias são gente boa... Leva lanche na mão, se a gente
pede elas dão mais.
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com os colegas?
Sócrates: Aqui é lei da selva, uns são de boa, outros não dá pra ficar junto. Aqui
eles separam os que embaçam (rixa).
Pesquisadora: Em sua opinião, a Escola Estadual Meninos do Futuro colabora com
a sua aprendizagem?
Sócrates: Aqui escola tem um ensino diferente, o jeito dos professores ensinarem é
outro. Sempre tem música, poesia e um jogo na aula, também sempre tem
apresentações de trabalhos, teatro e dança para os alunos fazerem.
Pesquisadora: A Escola Estadual Meninos do Futuro contribuirá para sua
reinserção social?
Sócrates: Claro que sim. Acho que aqui a escola é a única coisa boa, o resto não
vou nem dizer, é só tristeza, é só a escola é que vai me ajudar a ter um futuro
melhor lá fora.
Pesquisadora: O que precisa mudar na Escola Estadual Meninos do Futuro, para
que você pudesse obter sucesso nos estudos?
Sócrates: Ter mais aulas, mais festas... Sei lá.
Pesquisadora: E quanto ao POMERI, você faria mudanças nos procedimentos
adotados com os adolescentes que cometeram atos infracionais? Quais?
Sócrates: Tudo aqui é um verdadeiro inferno, só salva a escola e os professores.
Tudo deveria mudar os agentes orientadores, só bate terror, o diretor também não tá
nem aí pra nós.
Pesquisador: Agradeço pela paciência e colaboração.
Sócrates: Já acabou? Valeu.
153
NOME: Platão
IDADE: 15 anos
ESCOLA: E. E. Meninos do Futuro
ESTÁGIO: intermediário
DATA: 18/11/2012
LOCAL: Centro Socioeducativo de Cuiabá/POMERI
Pesquisadora: Bom dia.
Platão: Bom dia.
Pesquisadora: Tudo bem com você?
Platão: Mais ou menos, tô com um pouco de sono.
Pesquisadora: Quer continuar?
Platão: Pode continuar.
Pesquisadora: Então, vamos para a primeira pergunta, ok?
Platão: Ok.
Pesquisadora: Há quanto tempo você cumpre medida socioeducativa no POMERI?
Platão: Dois meses, mas fiquei um tempo lá provisório, acho que foi em agosto.
Pesquisadora: Conte-me um pouco sobre a sua trajetória de vida antes de você ter
que cumprir medida socioeducativa.
Platão: Pra falar a verdade eu ficava mais na rua do que em casa, estava no crime
embarquei no tráfico junto com meu tio que me prometeu uma moto zerada, aí os
homens me enquadraram, caí aqui. Tudo por causa da pedra (crack, pasta-base) ...
É, professora, ela deixa a gente de “cabeça fraca”.
Pesquisadora: Conte-me como é a sua rotina diária no POMERI.
154
Platão: Aqui não tem muita coisa pra fazer, a gente acorda, vai pra escola, vai pra
quadra, à tarde vou para a aula de música e às vezes natação, tem dia que a gente
fica só na tranca batendo bigorna.
Pesquisadora: Conte-me um pouco sobre sua família.
Platão: Moro com meu pai e minha mãe, tenho três irmãs, lá em casa só tem eu de
filho homem, uma irmã é casada e mora na casa ao lado, ela vem sempre com
minha mãe aqui.
Pesquisadora: Antes de você ter que cumprir medida socioeducativa você estava
estudando?
Platão: Não, parei.
Pesquisadora: Atualmente você está frequentado as aulas?
Platão: Sim.
Pesquisadora: O que você mais gosta na Escola Estadual Meninos do Futuro?
Platão: Aqui na Escola Meninos do Futuro a gente tem muitos ensinamentos, muita
atividades diferenciadas como: computação, aulas de música, de vídeo, teatro, jogos
e muitas outras coisas legais.
Pesquisadora: O que você menos gosta na Escola Estadual Meninos do Futuro?
Platão: Não tenho nada pra falar.
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com os professores?
Platão: Eles dão atenção pra gente, estão sempre dando conselho para a gurizada
mudar de vida, pra gente, quando sair daqui, procurar estudar, trabalhar e largar a
vida do crime.
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com os coordenadores?
Platão: Também elas são gente boa, tá sempre dando atenção e conselho.
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com o(a) diretor(a) da escola?
Platão: De boa.
155
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com os demais profissionais da
escola (técnicos, apoio, merendeira)?
Platão: De boa também.
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com os colegas?
Platão: Tem gente boa e tem gente ruim... Lá no bloco a gente se dá bem.
Pesquisadora: Em sua opinião, a Escola Estadual Meninos do Futuro colabora com
a sua aprendizagem?
Platão: Pra mim a escola é de boa, ela ajuda a gente a não ficar pensando besteira,
a gente sente melhor, a gurizada divertem nas aulas, os professores conversa
bastante com a gente, dá conselho, toca música gospel, aí a gente fica de boa,
quando bate uma ideia também os professores ouvem a gente.
Pesquisadora: A Escola Estadual Meninos do Futuro contribuirá para sua
reinserção social?
Platão: Sim. Aqui eu voltei a estudar, aprendi muitas coisas, quando eu sair daqui
vou continuar estudando.
Pesquisadora: O que precisa mudar na Escola Estadual Meninos do Futuro, para
que você pudesse obter sucesso nos estudos?
Platão: Acho que nada por enquanto.
Pesquisadora: E quanto ao POMERI, você faria mudanças nos procedimentos
adotados com os adolescentes que cometeram atos infracionais? Quais?
Platão: Mudança geral.
Pesquisador: Chegamos ao fim da entrevista, agradeço pela colaboração e
paciência.
Platão: Se precisar é só chamar.
156
NOME: Aristóteles
IDADE: 17 anos
ESCOLA: E. E. Profa. Dione Augusta Silva Souza
1º Ano do Ensino Médio
DATA: 07/01/2013
LOCAL: CREAS Norte / Morada do Ouro
Pesquisadora: Boa tarde.
Aristóteles: Boa tarde.
Pesquisadora: Como vai você?
Aristóteles: Vou indo bem e você?
Pesquisadora: Estou bem. Podemos começar a entrevista?
Aristóteles: Vamos nessa... Pode começar.
Pesquisadora: Quanto tempo você cumpriu medida socioeducativa no POMERI?
Aristóteles: A primeira vez fiquei seis meses e a segunda fiquei oito meses.
Pesquisadora: Conte-me um pouco sobre a sua trajetória de vida antes de você ter
que cumprir medida socioeducativa.
Aristóteles: Eu me envolvi com uma turma dos manos... Aí comecei a fazer altos
assaltos “15”... Sabe, né, à mão armada. Estava estudando na Escola André
Avelino, eu não dava importância para os estudos. Hoje eu vejo que perdi dois anos
da minha vida fora. Nessa época minha mina terminou comigo... Fiquei mal pra
caramba, foi louco. Às vezes ajudava meu cunhado na oficina, era só um bico pra
não ficar sem dinheiro.
Pesquisadora:
Como
você
socioeducativa no POMERI?
se
sentiu
quando
estava
cumprindo
medida
157
Aristóteles: No início eu fiquei assustado... Sentindo-me mal, bateu a real depois de
alguns dias porque estava perdendo namorada e liberdade. A minha família estava
sofrendo... Senti muita vergonha do meu padrasto e da minha mãe por ter saído no
programa ‘Cadeia Neles’ e no jornal ‘A Gazeta’... Minha irmã viu na internet, ela
também ficou com vergonha dos vizinhos. Depois eu fiquei bem, fiz amizade e
frequentava a escola e os projetos.
Pesquisadora: Conte-me um pouco sobre sua família.
Aristóteles: Vivo com minha mãe, meu padrasto e tenho duas irmãs, mas só uma
mora junto com a gente, a outra é casada e mora no bairro Dr. Fábio. Lá em casa
somos todos evangélicos da Igreja da Internacional da Graça, minha mãe e meu
padrasto são obreiros, tão sempre fazendo a obra de Deus. Agora eu voltei para a
igreja, estava desviado no mundo só fazendo besteira.
Pesquisadora: Atualmente você está frequentado a escola? Qual?
Platão: Sim. E. E. Dione Augusta Silva Souza.
Pesquisadora: Você frequentava a escola no POMERI?
Platão: Sim.
Pesquisadora: O que você mais gostava na Escola Estadual Meninos do Futuro?
Aristóteles: A Escola Meninos do Futuro é melhor que a escola de fora, os
professores me tratavam com respeito e educação, tipo ouvia a minha opinião, e as
aulas eram diferentes, tinha sempre um projeto, atividade diferente para apresentar,
pra falar a verdade os professores de lá me deram muita ajuda quando eu estava
trancado.
Pesquisadora: O que você menos gosta na Escola Estadual Meninos do Futuro?
Aristóteles: Quando não tinha aula.
Pesquisadora: Como era o seu relacionamento com os professores da E.E.
Meninos do Futuro?
158
Aristóteles: Os professores da escola de lá falavam a mesma língua da gente,
tratavam a gente com educação e respeito, a gente podia dar opinião que eles
aceitavam, tinham muita paciência... É isso aí, eram de boa com a gente.
Pesquisadora: Como é o seu relacionamento com os coordenadores da E.E.
Meninos do Futuro?
Aristóteles: Era de boa... Sempre me respeitou.
Pesquisadora: Como era o seu relacionamento com o(a) diretor(a) da E.E. Meninos
do Futuro?
Aristóteles: Também de boa.
Pesquisadora: Como era o seu relacionamento com os demais profissionais da E.E.
Meninos do Futuro (técnicos, apoio, merendeira)?
Aristóteles: Também de boa.
Pesquisadora: Como era o seu relacionamento com os colegas?
Aristóteles: Lá havia muita treta... Por isso eu já cheguei impondo respeito, todos
eles me respeitava.
Pesquisadora: Em sua opinião, a Escola Estadual Meninos do Futuro colaborou
com a sua aprendizagem?
Aristóteles: Com certeza. Os ensinamentos da Escola Meninos do Futuro eram
diferentes. Lá eu participava de várias atividades, tipo percussão e pintura. As
atividades eram bem legais, não tinha prova e as tarefas eram feitas só na sala.
Pesquisadora: A Escola Estadual Meninos do Futuro contribuiu para sua reinserção
social?
Aristóteles: Acredito que sim. Voltei para a escola e a trabalhar; já vou até casar.
Pesquisadora: O que precisa mudar na Escola Estadual Meninos do Futuro, para
que os alunos pudessem obter sucesso nos estudos?
Aristóteles: Não sei... Acho que ter mais aulas, às vezes lá ficava uma semana sem
aula... Também os agentes mandava parar as aulas.
159
Pesquisadora: E quanto ao POMERI, você faria mudanças nos procedimentos
adotados com os adolescentes que cometeram atos infracionais? Quais?
Aristóteles: Lá é muito sujo, o pessoal é embaçado, por qualquer motivo a gente
era punido. Acho que tinha que mudar os agentes.
Pesquisador: Agora que você terminou de cumprir a medida socioeducativa, quais
são os seus planos para o futuro?
Aristóteles: Quero terminar os estudos, quero ter uma oficina mecânica e quero
uma casinha para eu morar com a minha família.
Pesquisador: Chegamos ao fim da entrevista. Muito obrigada!
Aristóteles: Eu que agradeço... Deus te abençoe.
160
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM – MESTRADO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO PARA ENTREVISTA
Eu_______________________________________________,RG,_______________autorizo a
pesquisadora Kátia Aparecida da Silva Nunes Miranda, mestranda em Estudos de
Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), cuja pesquisa é denominada
“ Adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social: um estudo crítico das
representações de atores sociais”, sob orientação da professora Dra Solange Maria de
Barros, a utilizar as informações obtidas na entrevista, obedecendo aos critérios da ética de
pesquisa, onde está assegurado o total anonimato.
Declaro-me ciente e concordo com acima exposto.
_______________________________________
Assinatura do Participante/RG
_____/______/______
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