Eutanásia Tem o titulo de «A Eutanásia na América Latina na perspectiva ético-teológica» a dissertação de mestrado em Teologia Moral, apresentada na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, do Instituto de Teologia Moral Alfonsianum, pelo Padre Leo Pessini, capelão do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde. um trabalho alentado, que resultou em texto de 210 páginas, que o autor dedicou «a todas as pessoas - dos anônimos a Tancredo Neves - que me proporcionaram o privilégio, no ministério hospitalar, de participar no adeus à vida e cujas confidências tornaram-se um grito pelo resgate do viver com dignidade a própria morte». O tema foi o escolhido para a tese com o objetivo de aprofundar a questão ética envolvida na eutanásia no exercício pastoral, explicitando os elementos fundamentais e questionamentos presentes na sua discussão. Informa o autor, na introdução do trabalho, que o problema é constantemente colocado, confrontando os ministros com situações-limite de vida e de morte, Por doentes e profissionais da saúde. Dividindo o trabalho em três partes (o contexto sócio-histórico e cultural em que se Situa a eutanásia; argumentação ético-teológica sobre a eutanásia e dimensões sócio-político-econômicas do contexto da eutanásia na América Latina), o autor busca atingir os seguintes objetivos: . resgatar os elementos mais importantes da ética teológica, presentes nos discursos sobre a eutanásia, que nascem em contexto sócio-econômico-cultural do mundo desenvolvido; . ampliar os horizontes de compreensão da questão, a nível de Terceiro Mundo e especialmente da América Latina e Brasil, passando do nível micro (discussão de casos e perspectiva restrita ao âmbito médico-hospitalar) para uma macrovisão (a nível de sociedade); . levantar a questão de que a luta pela manutenção da dignidade do ser humano no seu fim («dignidade no adeus») somente pode adquirir sentido, quando conseqüência de luta por uma vida com dignidade, resgatando assim, igualmente, a dignidade do viver e do morrer. Ao final do trabalho, tem-se a oportunidade de verificar que o tema acabou levando o autor a um contexto bem maior, «em que a vida dialeticamente se estrutura, vendo as ideologias e mecanismos que manipulam a vida e estruturam a morte». Efetivamente, após enfocar diversos aspectos do como se morre na América Latina, a morte precoce na infância e o problema da fome, que ceifa milhões de vida silenciosamente, Pe. Leo não pode deixar de constatar a existência, na região, de uma verdadeira «eutanásia social, morte em abundância de milhões», decorrência das altas taxas de mortalidade infantil, desvios da política oficial de saúde e falta de adequada assistência médica á população, entre outras deficiências. As dificuldades Admite o autor que uma dificuldade inicial na abordagem do assunto reside na adulteração havida no significado do termo eutanásia. De origem grega, devendo traduzir-se literalmente por «boa morte», o morte sem dores e angústias, a palavra passou, com o correr dos anos, a assumir o sentido de se pôr fim à vida de uma pessoa terrivelmente enferma, ou a aceleração ou provocação da morte de um doente, a seu pedido, realizada por outra pessoa, com o fim de alivia-lo de sofrimentos intoleráveis e inúteis. As diferentes correntes de pensamento sobre a questão são laboriosamente apresentadas no trabalho, que se manifesta favorável, em nível conceitual, a «não se reforçarem as matizações passiva, negativa ou indireta, de um lado, e ativa, positiva e direta, de outro, ao se utilizar a expressão. Mais oportuno, diz, seria reservar «o termo eutanásia somente para caracterizar morte piedosa ou suicídio assistido, indicando uma ação ou omissão que visa abreviar a vida do paciente. Os demais problemas relacionados com o fim da vida, Seria melhor discuti-los em termos de morrer humanamente com dignidade e paz» Na América Latina Salientando que o debate sobre o problema torna-Se cada vez mais comum no mundo ocidental (diversas associações e movimentos em diferentes países lutam pela abolição de restrições à sua prática), o autor entende que, relativamente à América Latina, é preciso buscar novos horizontes para a compreensão do problema. Sugere, assim, que o posicionamento se fixe numa «perspectiva dialética de encarar a vida na malha de forças ideológicas antivida em que se situa, resgatando-se a dimensão de alteridade a nível de pressupostos ético-teológicos». Para isso, deve-se ir além do debate em torno de casos extraordinários, ocorridos no mundo médico-hospitalar e levados ao conhecimento do público, através dos meios de comunicação, para abranger «a dimensão social» do problema. Esse posicionamento do autor é justificado pelo fato de, no mundo desenvolvido, já se proporcionarem à grande maioria da população as condições básicas para uma vida digna, centrando-se a sua «reivindicação maior em torno da humanização do morrer». Ao nível de América Latina, no entanto, «trata-se de repensai a dignidade da vida humana, como sendo não somente um grito pela dignidade no adeus, após uma longa vida desfrutada, mas o resgate urgente da dignidade do viver». Afirma o trabalho que, «entendendo-Se eutanásia como abreviação da vida perante uma Situação intolerável de dor e Sofrimento sem perspectivas, abre-se, na América atina, espaço para se questionar eticamente o porquê de tantas mortes precoces e injustas». Um tal quadro, em sua opinião, pode sei caracterizado como uma verdadeira eutanásia Social. Pois, como acentua ele, na Região, «viver não é ainda desfrutar a vida plenamente, mas constantemente lutar contra a morte, numa sobrevivência Sofrida, em que o fim (a morte) está muito peno do inicio (nascimento)». E reitera: «é o contraste da morte na velhice, no mundo Tico, e a morte na infância no mundo pobre». Enfatiza ainda o autor que, para os países do Terceiro Mundo, e mais especificamente para a América Latina, a questão da eutanásia, entendida e debatida na perspectiva do mundo desenvolvido, representa uma problemática menor. A discussão passa a ser quase insignificante, diz, diante da multidão de mortes prematuras ou de vidas que se mantêm raquiticamente, como por milagre ou teimosia. Eutanásia social Para o Pe. Leo, não há como fugir à constatação de que, a partir do lugar social da América Latina, a questão ética da eutanásia se amplia da «morte de alguns para a morte de milhões», o que deve reacender a Sensibilidade ética e motivar gestos de «indignação». E acentua: «antes de se preocupar prioritariamente com a inevitabilidade da morte, como um dado da natureza humana, urge resgatar o direito à vida, expresso no direito de gozar de saúde plena. Em outras palavras, tratase de ver qualidade de vida antes que qualidade de morte. Isto não significa, porém, para o autor que se negue a problemática da questão da eutanásia a nível médico-hospitalar. Ela também é importante na América Latina. Mas é necessário realçar e cultivar, sugere ele, a sabedoria de «integrar a morte na vida». E justifica, afirmando que a morte não é doença, portanto não deve ser tratada como tal. A medicina, diz ele, pode curar-nos de uma doença mortal, sim, mas não de uma «existência mortal». A obsessão tecnicista trata assuntos éticos como sendo técnicos, dando campo ao que se denomina de «obstinação terapêutica». Quando tal ocorre, frisa o autor, «ai se instala a manipulação da vida». Após constatar que se convive, na América Latina, com centros médicos da mais alta tecnologia e a morte evitável de milhares de crianças, causada pela fome, Sarampo, tuberculose, malária, desidratação e outras doenças já erradicadas no mundo desenvolvido, o autor entende que «o latino-americano é condenado á morte antes do tempo». Por isso, o termo eutanásia deveria evocar-nos «a morte infeliz, vida abreviada de milhões, morte individual, sem dúvida, mas que ganha proporções de multidões – uma verdadeira eutanásia social». E conclui: «Ao mesmo tempo, trata-se de um grito não Somente de dignidade no morrer, uma vez que morre tão precocemente na América Latina é uma indignidade, mas de dignidade de vivei plenamente. A morte infeliz evoca o vivei infeliz, o vivei Sofrido. Falar disto é falar da vida abreviada. Não seria uma hipocrisia gritar somente pela dignidade no adeus, se a vida toda, teimosamente levada adiante numa sobrevivência sofrida, foi uma indignidade?» Os Códigos e a Lei O Código de ética da Associação Brasileira de Enfermagem,, em seu artigo 2º, diz: “O enfermeiro respeita a vida humana em todas as circunst6ancias, desde a concepção até a morte. Em caso algum coopera em atos nos quais voluntariamente se atende contra vida; ou que visem destruir a integridade física ou psíquica do ser humano”. O Código de Deontologia de Enfermagem, no item VIII de seu artigo 9º, proíbe ao enfermeiro “promover a eutanásia, ou cooperar em prática destinada a antecipar a morte do cliente”. O Código de Ética Médica também é bastante claro em relação ao tema, no seu artigo 66, que veda o médico “utilizar, em qualquer caso, meio destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal”. Em seu artigo 57, proíbe-se também ao médico “deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente”. No parágrafo 2º do artigo 61 (que “proíbe o médico de abandonar paciente e seus cuidados”), o Código reza que, “salvo por justa causa, comunicada ao paciente ou a seus familiares, o médico não pode abandonar o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável, mas deve continuar a assisti-lo ainda que apenas para mitigar o sofrimento físico ou psíquico”. Segundo a legislação brasileira, a eutanásia é considerada homicídio privilegiado, punido seu autor com pena de seis a trinta anos, podendo ser reduzida a um sexto em caso de relevante valor moral. Em nenhum país do mundo, ate hoje, a prática da eutanásia é aprovada em lei, não obstante, em alguns deles, se tolerem práticas médicas que, através da supressão de determinados atendimentos médicos possíveis tecnicamente, levem por abreviar a agonia de pacientes terminais. Os Casos que são Notícias O mais conhecido caso envolvendo o “direito do morrer” foi o da norte-americana Karen Ann Quilan, de 21 anos de idade, mantida viva através de aparelhos, de abril de 1975 a maio do ano seguinte. Após penoso processo judicial, seus pais conseguiram da Justiça norte-americana o direito de desligar o respirador artificial. A jovem Karen Ann Continuou viva, no hospital, por quase 10 anos mais, vindo a falecer em 11 de junho de 1985. Não menos dramático é o caso de Ingrid Frank, jovem alemã, 28 anos. Em 16 de abril de 1985, Ingrid sofreu um terrível acidente de carro, que a deixou com as mãos e pernas totalmente paralisadas. Precisava de ajuda para fazer as necessidades humanas básicas. Em setembro de 1987, após dois anos de sofrimento, completamente dependente dos outros, ela decidiu pôr fim à sua vida. Queria estar certa de que nenhuma das pessoas por ela estimada fosse acusada de homicídio. Assim, cometeu suicídio em frente a um vídeo-câmara. Sobre a mesa estão dois livros, entre os quais um corpo contendo cianeto e um longo canudinho. Ingrid inclina a cabeça com grande dificuldade, alcança o canudinho com a boca, olha fixamente a câmara e toma a dose fatal de cianeto. Na Alemanha, a eutanásia ativa é considerada homicídio. A justiça, contudo, numa série de decisões, estabeleceu que “ajudar um suicídio não é crime”. Paciente idoso portadores de câncer, por exemplo, se quiserem podem obter uma medicação de amigos e tomá-la sem incriminar ninguém. Gretlies Schawrzmann, de 73 anos, membro de uma sociedade que defende o “direito de morrer”, forneceu a dose do cianeto para Ingrid, após seis sessões de diálogo para certificar-se realmente de seu desejo. Num tape gravado no dia de sua morte, Ingrid declarou que “estava sofrendo como um animal” e acrescentou: “Atira-se em animais, não é verdade?” Na sua visão, “morrer significa encontrar luz e paz”. Segue descrevendo em detalhes o peso e o drama de ser paralítica, sua incapacidade de tocar a própria face e dependência completa aos pais e familiares, a necessidade de ser ajudada até para urinar. Tudo isso, afirmou ela, “tornou-se tão penoso para mim quanto o atroz sofrimento físico que sinto”. Ela concluiu o depoimento com apelo aos políticos de seu país para “chegarem a um acordo” sobre a lei da eutanásia, “porque penso que queriam não viver se se encontrassem na minha situação”. No Brasil, em Feira de Santana (BA), mora um recordista entre pacientes em coma: o excomerciário e lutador de boxe e capoeira, Edmundo Eleutério da Conceição, 46 anos, há quase 13 anos passou a ter vida vegetativa. Durante 10 anos e seis meses, ele resistiu no Hospital EMEC, onde sofreu um acidente anestésico; há mais de um ano voltou para casa, estando sob cuidados de sua mãe, dona Matilde Evangelista de Jesus, d e74 anos. No dia 26 de maio de 1976, Edmundo se submeteu a uma cirurgia de apêndice no EMEC, mas a operação foi malsucedida e ele sofreu um acidente anestésico que lhe tirou a vida consciente, mergulhando-o num drama sem retorno. Dona Matilde garante que a longa permanência com seu filho morto-vivo lhe permite interpretar as reações de dor, alegria e tristeza. É ela que lhe dá banho diário; de três a quatro vezes ao dia, ela o alimenta à base de líquidos e comidas pastosas. Sobre eutanásia, dona Matilde nem sabe bem o que significa, mas admite a morte total do filho, “quando não puder mais cuidar dele. Se eu adoecer que não tenho mais força, vou pedir para que não fique no mundo penando. Deus vai me perdoar se isso for pecado, mas acho que ele não deve viver depois que eu morrer; mas enquanto eu for viva,quero que ele viva também”. A Posição da Igreja Católica A Declaração sobre a Eutanásia, emitida pela sagrada Congregação da Fé, em 1980, admite que o tema, até mesmo pela imprecisão como o termo vinha sendo usado, requeria definições mais claras. E se dispôs a faze-lo, ao dizer: “Por eutanásia, entendemos uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a morte a fim de eliminar toda a dor. A eutanásia situa-se, portanto, ao nível das intenções e ao nível dos métodos empregados”. E continua a Declaração: “Ora, é necessário declarar uma vez mais, com toda a firmeza, que nada ou ninguém pode autorizar a que se dê a morte a um ser humano inocente, seja feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente incurável ou agonizante. E também a ninguém é permitido requerer este gesto homicida para si ou para outro confiado à sua responsabilidade, nem sequer consenti-lo explícita ou implicitamente. Não há autoridade alguma que o possa legitimamente impor ou permitir. Trata0se, com efeito, de uma violação da lei divina, de uma ofensa à dignidade da pessoa humana,de um crime contra a vida e de um atentado contra a humanidade. ‘Pode acontecer que dores prolongadas e insuportáveis, razões de ordem afetiva ou vários outros motivos, levem alguém a julgar que pode legitimamente pedir a morte para si ou dá-la a outro. Embora em tais casos a responsabilidade possa ficar atenuada ou até não existir, o erro de juízo da consciência – mesmo de boa fé – não modifica a natureza deste gesto homicida que, em si, permanece sempre inaceitável. As súplicas dos doentes muito graves que, por vezes, pedem a morte, não devem ser compreendidas como expressão duma verdadeira vontade de eutanásia; nestes casos são quase sempre pedidos angustiados de ajuda e de afeto. Para além dos cuidados médicos, aquilo de que o doente tem necessidade é de amor, de calor humano e sobrenatural, que podem e devem dar-lhe todos os que o rodeiam, pais e filhos, médicos e enfermeiros.” A Declaração aborda a questão do tratamento e dos recursos a usar para manter a vida, alertando para o perigo, que pode tornar-se “abusivo”, da utilização dos meios terapêuticos disponíveis. Para facilitar a aplicação dos princípios gerais, a Declaração diz: “- Se não há outro remédio, é lícito, com o acordo do doente, recorrer aos meios de que dispõe a medicina mais avançada, mesmo que eles estejam ainda em fase experimental e não seja isenta de alguns riscos a sua aplicação. Aceitando-os, o doente poderá dar também provas de generosidade ao serviço da humanidade. - É também permitido interromper a aplicação de tais meios, quando os resultados não correspondem às esperanças neles depositadas. Mas, para uma tal decisão, ter-se-á em conta o justo desejo do doente e da família, como também o parecer de médicos verdadeiramente competentes; são estes, na realidade,q eu estão em melhores condições do que ninguém, para poderem julgar se o investimento de instrumentos e de pessoal é desproporcionado com os resultados previsíveis e se as técnicas postas em ação impõem ao paciente sofrimentos ou contrariedades sem proporção com os benefícios que delas pode receber. - É sempre lícito contentar-se com os meios normais que a medicina pode proporcionar. Não se pode, portanto, impor a ninguém a obrigação de recorrer a uma técnica que, embora já em uso, ainda não está isenta de perigos ou é demasiado onerosa. Recusá-la não equivale a um suicídio; significa, antes, aceitação da condição humana, preocupação de evitar pôr em ação um dispositivo médico desproporcionado com os resultados que se podem esperar, enfim, vontade de não impor obrigação demasiado pesadas à família ou à coletividade. - Na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito em consciência tornar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes”. Humanizar-se para Humanizar Penso que cada um de nós, no nosso dia-a-dia, constata o quanto o mundo atual está voltado para a técnica, para o poder, para a competição... a ponto de parecer não dar lugar a valores mais profundos na vida do sei humano. Nós, que atuamos no mundo da saúde, freqüentemente tocamos com as nossas mãos esses aspectos, a cada vez que uma pessoa vem dividida em partes para ser curada através da medicina. Não é o homem na sua totalidade que nos vem, mas o homem em pedaços: coração, fígado, ossos, estômago... Por isso, o homem continua doente, a assistência continua desumanizada e cada um de nós se torna um pouco mais desumano. Atuar, pois, no mundo da Saúde não é somente uma profissão, mas, antes de tudo, é um chamado de Deus para realizar uma missão, iniciada por Cristo. Essa missão deve envolver cada um de nós e todas as nossas energias e potencialidades. Não é possível separar, no seu exercício, o servir aos doentes da evangelização. Daí a necessidade de nos humanizarmos para humanizar e evangelizar. Todos nós tivemos experiência do valor e da importância da nossa presença junto ao doente e sua família, quando fomos capazes de ir além das curas, ou seja, quando se patenteou que nosso trabalho não era feito somente com as mãos, mas principalmente com o coração. Para humanizar-nos e humanizarmos, é necessário ter uma atitude nova, que inclua uma boa relação conosco mesmos, com os outros e com Deus. Isto Significa evangelizar-Se para evangelizar. No dinamismo do humanizar-se para humanizar-evangelizar, três aspectos são importantes: . o conhecimento de nós mesmos - Muitas vezes, esquecemos que, «na nossa vida concreta, Deus colocou dons, qualidades, que de espera e deseja que as façamos desenvolver» (Pier Luigi MaTchesi).Somente quando Somos capazes de reconhecer as nossas qualidades, nos alegrarmos com elas e agradecermos a Deus, sabemos fazer o mesmo em relação aos dons e ás qualidades dos outros. . valorização de nós mesmos - Quando sabemos valorizar-nos a nós mesmos e aos outros, descobrimos em nós a dignidade de ser pessoa. Deus, ao nos criar, fez-nos pessoas responsáveis pela nossa própria vida e pela vida dos outros. Quando falamos de vida, como cristãos, incluímos também o aspecto espiritual; por isso, no nosso serviço ao outro (doente ou não), não podemos descuidar-nos de tal aspecto. . aceitação de nós mesmos - «Para nos renovarmos em profundidade e sermos autênticas testemunhas de humanização, è indispensável redescobrir os valores que estão em nós, na nossa comunidade de vida, trabalho..., valores que nos potencializam por termos recebido o carisma da hospitalidade e a missão de servil os pobres, os doentes c os necessitados», - disse o mesmo Piei Lui-gi Marchesi. O cristão e o religioso devem assumir como um dos seus empenhos principais o tornarem-se pessoas, isto è, serem capazes de amar e de fazer da vida um dom de -salvação para os outros, segundo o exemplo de Cristo. Por isso, um elemento que não pode ser descurado é o contato constante com a Palavras de Deus, que se torna luz e guia do nosso caminho. E isso só sustenta e mantém através da vida de oração. É impossível viver humanamente, «alegremente a nossa vida de cada dia, se não somos profundamente convictos de que a pessoa humana, considerada em si mesma e do ponto de vista salvífico de Deus, é portadora de determinados valores que a constituem em uma realidade inviolável, sagrada». O Cristo, o Deus-conosco, nos propõe com a sua vida e o seu modo de ser «o modo mais profundo de ser homem entre os homens... É em Jesus que podemos e devemos descobrir o que significa autenticamente humanidade e encarnar-se ou o condividir a vida com os nosso irmãos... Podemos e devemos nos sentir colaboradores de Deus no processo da humanização». Humanizar-se é deixar-se evangelizar, é amar a si mesmo, é doar-Se a si mesmo á humanidade. Amar a si mesmo é fazer para nós mesmos o melhor que podemos fazer, humana e espiritualmente. Por isso, a oração è um aspecto muito importante na nossa humanização pessoal. Quando conseguirmos ver e cultivar o que Deus colocou de bom em nós, seremos capazes de descobrir aquilo que temos de negativo e manter o empenho constante pelo nosso crescimento interior. A amizade é um aspecto importante que devemos valorizar e cultivar na nossa vida, pois é impossível viver uma verdadeira amizade sem empenhar-se no dividir com os outros aquilo que vivemos de bom, de belo e de positivo. Cristo nos chama de amigos e se revela a cada um de nós. « Eu vos chamo amigos, porque vos fiz conhecer tudo o que escutei do meu Pai» (cf. Jo 15,15). Somente a pessoa humanizada-evangelizada se «torna aquela que se faz a companheira. homem com o homem, amigo que dá a sua vida, ou melhor, que perde a sua vida, como diz o Evangelho, com um ato de amor.., é um confidente, cheio de empatia». Somente a pessoa humanizada-evangelizada é capaz de ter no seu coração os mesmos sentimentos de Cristo e de transforma-los em gestos humanos de vida para os irmãos. Para reflexão . Você se sente humanizado ? O que significa isso? . Quais as causas de tanta desumanização em nossa sociedade? . Qual a relação entre humanização e evangelização? Catarina P. de Figueiredo, religiosa brasileira, atualmente cursando o Instituto Camillianum, em Roma. O ancião: cuidados e Pastoral A doença ataca de preferência os recém-nascidos em regiões subdesenvolvidas e as pessoas de idade nas regiões desenvolvidas. Como os seres humanos, prefere atacar os fracos. O progresso sanitário elimina aos poucos a amplitude do primeiro impacto e alarga as ameaças na segunda área, em razão do notável prolongamento obtido para a esperança de vida das populações (da ordem de dez anos em 30 ou 40 anos). Novo fenômeno no mundo é a expansão do esporte entre os idosos de recursos assegurados: o resultado è que a velhice real é retardada, em prol da maior lucidez, comunicação com o mundo (estamos na idade dos cruzados de aposentados em redor da terra), mobilidade em iodos os sentidos. A hora de definhar, no entanto, soa como marco fatídico, a par com seu cortejo de desagradáveis limitações, de gradativas dependências, doenças degenerativas e invulgar vulnerabilidade para contrair enfermidades oportunistas. Mesmo o Brasil não escapa, não escapará, de crescente freguesia de idosos para internação hospitalar ou em asilo, pacientes candidatos a atenções pastorais. Nesta perspectiva, observamos como as comunidades nacionais primeiro atingidas reagiram a este desafio da modernidade. Diante de um razoável prolongamento da vida não há muito para lastimar, a não ser ligeiros desconfortos, visto que envelhecer è a única maneira de que dispõe o ser vivo para não morrer já. Foi também observado que maiores cuidados preventivos e de exercitação física e mental melhoram sensivelmente o modo humano de carregar os anos. Cedo ou tarde, enfrentamos estados psicossomáticos que interpelam sobre o sentido exato, para determinada pessoa, na sua situação concreta, de chegar a uma morte humana. Hoje em dia, a esperança de vida ao nascer na França é de 72,3 anos para o homem e de 80,6 anos para a mulher. Este país, que tinha 1.000 centenários comprovados em 1970, tem hoje mais de 3.000 da mesma longevidade. Os últimos anos, porém, são os mais sofridos quanto à saúde, os mais caros também para o custeio dos cuidados. Além dos 80 anos, a demência de Alzheimer golpeia uma pessoa sobre cinco. Nos Estados Unidos e em vários outros países desenvolvidos, os anciãos criam suas associações de defesa (e não apenas de lazer): a American Association of Retired Persons registra cerca de três milhões de membros. O orçamento federal norte-americano para ajuda aos anciãos necessitados está passando de USS 80 milhões, em 1981, para USS 200 milhões, antes do fim deste século. O campo está repleto de indagações éticas para as quais não existe uma resposta simplista e evidente. O que diz respeito á idade progride em geral devagarzinho. As técnicas chamadas de ressurreição tornam-se banais, mas até que idade, ou desgaste biológico, vigora um dever de ressuscitar um enfermo? Em caso de embate, pode ou deve um juiz ou tribunal decidir? Consideráveis interesses, ponderáveis ou imponderáveis, são os suscetíveis de se defrontar.«Os nove décimos dos custos de saúde concentram-se em torno dos três ou quatro últimos anos da vida» (L'Express, edição de 13/10/1989). Diante deste fenômeno universal, Daniel Callahan, diretor do Hasting Center, reputado centro norte-americano de bioética, reage sem piedade:«A terceira idade (ou quarta) não tem o direito de se oferecer gradativamente á imortalidade aos custos da sociedade». A Rumênia acabou a interrupção dos cuidados sanitários aos 70 anos (Michel Cicurel, La génération iltoxidal1le, 1989); proveniente dum pais marxista, a notícia não suscitou qualquer protesto no mundo. Quando alguns países (ricos?) lutam para baixar a idade da aposentadoria, vários outros, a exemplo da Grã-Bretanha, pelejam para elevar a idade do retiro de 65 pata 67 anos («They've got to eat, so letthem work», The Ecoltomist de 16/09/1989; nos países desenvolvidos, os aposentados não têm geralmente licença para trabalhar para ganhar outros vencimentos). De qualquer maneira, nem sempre os últimos anos de velhice - a época de desfrutar em paz, perto de netinhos deferentes, uma sabedoria duramente conquistada nas lutas da existência - constituem o período mais feliz da vida: atualmente, 30% dos suicidas do Japão têm ou tinham mais de 65 anos. São detalhes que contextualizam a visita que podemos conceder aos anciãos de nosso meio. Se toda a Antigüidade honrou seus idosos acima de qualquer outra faixa etária, a modernidade, sem dúvida, os menospreza, sendo antes enaltecida a juventude ingrata que esbanja beleza, força, promessa. Na avaliação cultural, um saber técnico, rapidamente ultra-passado por novas descobertas, substitui uma sabedoria de tranqüila Sedimentação, que exigia menos recursos sofisticados e maior ruminação vagarosa. No entanto, não desejamos encerrar senão Sobre uma visão de esperançosa solidariedade. Sem ignorar que os velhos são por vezes tratados como objetos dotados de pouca consciência, existem em todo pais pessoas preocupadas em amenizar seus sofrimentos. Cita-se como um exemplo, Xavier Checa, espanhol de nascimento (34 anos), europeu de convicção e atuação. Ele se empenhou em promover, em vários países, associações de entre ajuda aos anciãos, incentivando o desempenho de todas as atividades de que são capazes pessoas de idade que amam ainda a vida. Não satisfeito em simplesmente promovei associações de contemporâneos (clubes de lazer, de estudo, as chamadas Universidades da Terceira idade, ou de atividade serviçal), está convencido de que jovens e anciãos têm algo a aprender uns dos outros, e serviços recíprocos a se outorgar. Este setor de operação depende de iniciativas privadas porque os governos não costumam preocupar-se muito com tais necessidades. Hubert Lepargneur, Sacerdote camilianos, teólogo moralista.