UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO BIOLOGIA DE AGENTES INFECCIOSOS E PARASITÁRIOS AVALIAÇÃO DA RESPOSTA TERAPÊUTICA E DA CONCENTRAÇÃO SANGUÍNEA DE ANTIMALÁRICOS NA MALÁRIA POR Plasmodium vivax NO CONTEXTO DAS INTERAÇÕES FRONTEIRIÇAS DO BRASIL COM A GUIANA FRANCESA. MARGARETE DO SOCORRO MENDONÇA GOMES BELÉM - PARÁ 2014 MARGARETE DO SOCORRO MENDONÇA GOMES AVALIAÇÃO DA RESPOSTA TERAPÊUTICA E DA CONCENTRAÇÃO SANGUÍNEA DE ANTIMALÁRICOS NA MALÁRIA POR Plasmodium vivax NO CONTEXTO DAS INTERAÇÕES FRONTEIRIÇAS DO BRASIL COM A GUIANA FRANCESA Tese apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários. Orientador: Prof. Dr. Álvaro A. R. D’Almeida Couto. Belém - Pará 2014 1 MARGARETE DO SOCORRO MENDONÇA GOMES AVALIAÇÃO DA RESPOSTA TERAPÊUTICA E DA CONCENTRAÇÃO SANGUÍNEA DE ANTIMALÁRICOS NA MALÁRIA POR Plasmodium vivax NO CONTEXTO DAS INTERAÇÕES FRONTEIRIÇAS DO BRASIL COM A GUIANA FRANCESA. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários. __________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Álvaro Augusto Ribeiro D’Almeida Couto Universidade Federal do Pará, ICB-UFPA Banca examinadora: __________________________________________ Prof.ª Dra. Maria Fâni Dolabela Faculdade de Farmácia, UFPA __________________________________________ Profa. Dra. Ana Maria Revorêdo da Silva Ventura Instituto Evandro Chagas IEC/SVS/MS __________________________________________ Prof. Dr. Pedro Vitor Lemos Cravo Universidade Federal de Goiás/IPTSP __________________________________________ Profa. Dra. Maristela Gomes da Cunha Instituto de Ciências Biológicas, UFPA __________________________________________ Prof. Dr. Luiz Fernando Almeida Machado (Suplente) Departamento de Patologia, UFPA Belém, 21de fevereiro de 2014. 2 DEDICATÓRIA Aos meus pais Joaquim de Oliveira Gomes e Maria José Mendonça Gomes, que desde sempre me conduziram ao caminho do saber. À minha família, em especial ao Adjalma Lamarão meu companheiro de vida, por sua compreensão nos momentos de minha ausência, pelo constante apoio, carinho, atenção e estímulo ao meu desenvolvimento pessoal e profissional, as minhas queridas e amadas filhas Ariane e Ariadne, e enteada Patrícia. 3 “Conquistar-se é subir uma montanha íngreme cuja base é pedregosa, e usufruir da paisagem repousante no cume da sua vitória”. Luiz Antônio Gasparetto. 4 AGRADECIMENTOS Este trabalho de pesquisa foi fruto da labuta coletiva de muitas pessoas, e da participação de várias instituições. Sou agradecida a todas que contribuíram para a realização deste trabalho. Corro o risco de deixar de citar algumas, mas desde já, gostaria de registrar meus agradecimentos a essas pessoas que, direta ou indiretamente, cooperaram para a produção desta pequena contribuição ao estudo da malária. A Deus, que me deu equilíbrio para superar os muitos momentos difíceis, e força para seguir adiante e manter a perseverança. “... É a fé que dá ao homem o ímpeto indispensável para agir e o entendimento para perseverar” (Roger Gard). Ao Professor Álvaro Augusto Ribeiro D’Almeida Couto, meu orientador, por ter me oportunizado este trabalho, por tê-lo confiado a mim, por sua amizade e apoio, pela dedicada orientação e sabedoria na abordagem dos problemas científicos. Ao Professor José Luiz Fernandes Vieira, meu coorientador, por sua amizade, por ter me disponibilizado o Laboratório de Toxicologia/UFPA, para dosagem sérica do teor dos antimaláricos, juntamente com as suas bolsistas de iniciação científica do Curso de Farmácia: Marcela Natalia Rocha de Castro, Hellen Caroline Oliveira Santos, Heliana Barreto Huet de Bacelar, Ana Tereza Alves de Carvalho Chaves, as quais eu agradeço. Bem como, por sua prestimosa atenção durante a fase de execução das análises laboratoriais, pela criteriosa orientação e por ter compartilhado seus conhecimentos técnicos e científicos relacionados com o presente estudo, o meu especial agradecimento. Ao Professor Ricardo Luís Dantas Machado, meu coorientador, por sua amizade incondicional, por ter me hospedado junto com sua esposa Vera e filho Gabriel, os quais se tornaram meus amigos; por ter me recebido no laboratório do Centro de Investigação de Microrganismos/FAMERP-SP, para as análises de biologia molecular, por sua prestimosa atenção durante a fase de execução das análises laboratoriais, pela dedicada orientação, com o presente estudo, por tudo, agradeço de coração. Com também, as farmacêuticas Valéria Fraga e Luciana Moran que deram suporte técnico durante as analises das variantes do genótipo da CS do P. vivax e ao doutorando Gustavo Capatti Cassiano que deu inestimável contribuição na análise estatística dos resultados, os meus agradecimentos. Ao meu esposo e companheiro Adjalma Nobre Lamarão, e as minhas queridas e amadas filhas Ariane Gomes Lamarão e Ariadne Gomes Lamarão, pela compreensão e tolerância do tempo que deixei de me dedicar ao convívio com eles. Aos meus pais Joaquim de Oliveira Gomes e Maria José de Oliveira Gomes, que, apesar da idade avançada, compreenderam as minhas ausências justificada. As amigas, Nelma Mesquita de Freitas, pelo apoio e atenção dedicada a mim e as minhas filhas, e a Valdirene Barbosa dos Santos, por todo suporte emocional nos momentos difíceis em que tive que conciliar minhas atividades profissionais e a realização da pesquisa. 5 À Diretora do Laboratório Central de Saúde Pública do Amapá (LACEN-AP), Dra. Ivanete Costa Amanajás, pela liberação remunerada das minhas atividades laborais, durante a fase final de redação da tese. Ao Ex-Diretor LACEN-AP, Dr. Fernando Antônio de Medeiros, por autorizar minhas atividades laborais e de pesquisa no Laboratório de Fronteira (LAFRON) em Oiapoque, durante a fase de acompanhamentos clínico-laboratorial dos pacientes inseridos na pesquisa. Assim como, à Dra. Milagros Maria Soto Zuniga Sobral pelas análises no LACEN-AP da avaliação do controle de qualidade dos antimaláricos. À Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários-UFPA, Profa. Dra. Jeannie Nascimento dos Santos, e em especial ao Prof. Dr. Ricardo Ishak. Aos professores do Curso pelos conhecimentos repassados. Às pessoas que me ofereceram moradia e me acolheram em Oiapoque, em Belém e em São José do Rio Preto-SP, nas muitas vezes em que precisei me ausentar de minha cidade para desenvolver as atividades da tese: Daniele Monteiro Nunes, Danielle Scerne Fadul, Sandra Paes, Michelli Erica Souza Ferreira, Pedro Henrique Lamarão e Vera Lúcia da Rocha Fernandes Machado, sou grata a todos. Aos técnicos da Gerente de Endemias do Município de Oiapoque: Jair Moraes Rodrigues, Joessy de Cássia Folgado Aguiar, Rubnilson dos Santos, por terem me acompanhado na coleta de sangue e seguimento dos pacientes, diariamente, aos sábados, domingos e feriados, os meus profundos agradecimentos. Assim como, aos microscopistas; Marlinda Barbosa, Wellisson Cunha, Vanderson Pereira Pinto; aos revisores da microscopia, por certificarem o diagnóstico da gota espessa e a parasitemia, Carlos Sampaio e Ederson Tavares Nascimento; aos notificantes: Leudilene Marques, Leilane Carneiro, Janderlei Monteiro, Luciaeni Barbosa, Francisca Sales, Ronilson dos Santos, Rosinaldo Forte; aos agentes de endemias: Franciclea Oliveira, Rosiel dos Santos, Lex-Idelvan Teles, e em particular a Raimundo Ademar dos Santos, por todas as vezes que me transportou durante as madrugadas, ao chegar à rodoviária de Oiapoque, a todos sou sinceramente grata. Ao farmacêutico Manoel do Carmo Barbosa da Cruz Gerente de Endemias do Município de Oiapoque, por total apoio a esta pesquisa, pela amizade, por me acolher em sua casa, pela ajuda e compreensão nos momentos mais difíceis do dia-a-dia. Aos profissionais da Unidade Mista de Saúde de Oiapoque, aos enfermeiros: Beatriz Fantin, Jax Sidnei, Walcíria Nóbrega (Diretora em 2011); ao farmacêutico Cesar Paulo Reis Filho, e aos técnicos de laboratório Sergio Quintino e Raimundo dos Santos e ao médico Dr. Luís Alexandre da Silva, os quais deram grande contribuição à pesquisa. Ao biomédico do LAFRON Valmir Corrêa e Corrêa, e o técnico Benedito Rodrigues, que realizaram as análises hematológicas, processaram e armazenaram todas as amostras sanguíneas, isto, muitas e muitas vezes, em horários fora do expediente laboral. Aos pacientes de malária, que foram de fundamental importância para a realização desse trabalho, os meus sinceros agradecimentos. 6 SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS............................................................................................ 8 LISTA DE ABREVIATURAS............................................................................... 9 RESUMO............................................................................................................. 11 ABSTRACT......................................................................................................... 12 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 13 1.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS............................................................................... 13 1.1.1 Plasmódios humanos........................................................................................ 13 1.1.2 Vetores da Malária............................................................................................. 14 1.2 CICLO BIOLÓGICO DO Plasmodium vivax......................................................... 14 1.2.1 Sítio de Ação dos Antimaláricos no Ciclo Biológico do P. vivax.................. 15 1.3 EPIDEMIOLOGIA DA MALÁRIA.......................................................................... 15 1.3.1 Malária e a Fronteira do Brasil com a Guiana Francesa................................ 18 1.4 MALÁRIA POR Plasmodium vivax....................................................................... 20 1.5 ASPECTOS TERAPÊUTICOS DA MALÁRIA VIVAX.......................................... 21 1.5.1 Esquema Terapêutico para o P. vivax.............................................................. 22 1.5.2 Cloroquina no Tratamento da Malária Vivax................................................... 24 1.5.3 Primaquina no Tratamento da Malária Vivax................................................... 25 1.5.4 Classificação da Resposta ao Tratamento da Malária Vivax......................... 26 1.5.5 Resistência do Plasmodium vivax aos Antimaláricos................................... 28 1.5.6 Determinantes da Falha Terapêutica na Malária Vivax.................................. 31 1.6. PROTEINA CIRCUNSPOROZOÍTA E OS GENÓTIPOS DA CS DO P. vivax.... 35 Genótipos da CS do P. vivax........................................................................... 37 1.7 JUSTIFICATIVA................................................................................................... 39 1.8 OBJETIVO GERAL.............................................................................................. 40 1.8.1 Objetivos Específicos........................................................................................ 40 2 MATERIAL E MÉTODOS.................................................................................... 41 2.1 ÁREA DE ESTUDOS........................................................................................... 41 2.2 CASUÍSTICA........................................................................................................ 42 2.2.1 Abordagem epidemiológica.............................................................................. 42 2.2.2 Análise Retrospectiva dos Casos de P. vivax e da Precipitação.................. 42 2.2.3 Estudo longitudinal............................................................................................ 42 2.3 TRATAMENTO DA MALÁRIA.............................................................................. 43 2.3.1 Avaliação Clínica................................................................................................ 43 2.3.2 Esquema de Tratamento................................................................................... 43 2.3.3 Ajuste da Dose e Tempo de Administração da Primaquina.......................... 44 2.3.4 Avaliação de Adesão ao Tratamento............................................................... 45 2.3.5 Classificação da Resposta Parasitológica e Terapêutica.............................. 45 2.4 PROCEDIMENTOS LABORATORIAIS............................................................... 45 2.4.1 Amostras Sanguíneas para as Análises Laboratoriais.................................. 45 1.6.1 7 2.4.2 Avaliação da Qualidade Físico-química dos Antimaláricos.......................... 46 2.4.3 Diagnóstico e Tempo de Clareamento da Parasitemia.................................. 46 2.4.4 Teor Sanguíneo de Difosfato de Cloroquina e Primaquina........................... 47 2.4.5 Diagnóstico Molecular do Genótipo da CS do P. vivax.................................. 49 2.4.5.1 Reação em Cadeia da Polimerase...................................................................... 49 2.4.5.2 Digestão dos Produtos da PCR........................................................................... 50 2.5 Tamanho amostral............................................................................................. 50 2.6 Análises estatísticas.......................................................................................... 50 2.7 Considerações Éticas........................................................................................ 51 3 RESULTADOS.................................................................................................... 52 3.1. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DA MALÁRIA VIVAX NA FRONTEIRA DO BRASIL COM A GUIANA FRANCESA................................................................ 52 3.1.1 Gênero e Faixa Etária........................................................................................ 52 3.1.2 Ocupação............................................................................................................ 53 3.1.3 Escolaridade....................................................................................................... 53 3.1.4 Local de Origem dos Pacientes........................................................................ 54 3.1.5 Local Provável de Infecção na Fronteira Franco-brasileira........................... 54 3.1.6 Variação Pluviométrica e a Incidência de Malária por P. vivax..................... 55 3.2 RESPOSTA PARASITOLÓGICA E TERAPUTICA PARA MALÁRIA VIVAX E O CONTROLE DOS DETERMINANTES DA FALHA TERAPÊUTICA................ 56 3.2.1 Determinação da Densidade Parasitária dos Pacientes................................ 56 3.2.2 Sinais e Sintomas.............................................................................................. 57 3.2.3 Tempo de Clareamento da Parasitemia dos Pacientes com P. vivax........... 57 3.2.4 Números de Episódios Prévios de Malária...................................................... 58 3.2.5 Classificação da Resposta e Adesão ao Tratamento..................................... 58 3.2.6 Ajuste Peso/Dose/Tempo de Administração da Primaquina......................... 59 3.2.7 Qualidade Físico-química dos Antimaláricos................................................. 60 3.2.8 Dosagem Sanguínea do teor dos Antimaláricos............................................ 61 3.3 GENÓTIPOS DA CS DO P. vivax NA FRONTEIRA FRANCO-BRASILEIRA..... 62 4. DISCUSSÃO........................................................................................................ 65 4.1 Abordagem Epidemiológica da malária na Fronteira Franco-Brasileira...... 65 4.2 A Eficácia da Terapêutica para Malária Vivax................................................. 68 4.3 5 As Variantes do Gene CS do P. vivax na Fronteira Franco-Brasileira.......... 71 CONCLUSÃO...................................................................................................... 74 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 76 APÊNDICE.......................................................................................................... 98 ANEXOS............................................................................................................. 102 8 LISTA DE FIGURAS Página Figura 1 - Compartimentos da atividade dos antimaláricos mostrados no ciclo de vida do Plasmodium vivax...................................................... 16 Figura 2 - Localização do município de Oiapoque.......................................... 19 Figura 3 - Ajuste da dose e do tempo de administração da primaquina para pacientes com peso igual ou superior a 70 kg.................................... 23 Figura 4 - Esquema curto para o tratamento das infecções pelo P. vivax..... 23 Figura 5 - Distribuição por gêneros e faixas etárias dos pacientes com malária vivax em Oiapoque................................................................. 52 Figura 6 - Distribuição das atividades exercidas pelos pacientes com malária em Oiapoque nos 15 dias prévios aos sintomas.................... 53 Figura 7 - Distribuição percentual do nível de escolaridade dos pacientes com malária vivax em Oiapoque......................................................... 53 Figura 8 - Proporção de pacientes com malária vivax em Oiapoque por local de origem.................................................................................... 54 Figura 9 - Casos de malária por P. vivax segundo local provável de infecção, e importados dos garimpos clandestinos da Guiana Francesa para Oiapoque..................................................................... 54 Figura 10 - Taxas intra-anual de incidência de malária versus chuvas mensais acumuladas em Oiapoque no período (2006-2011)............. 55 Figura 11 - Tempo de clareamento da parasitemia em horas dos pacientes com P. vivax em Oiapoque.................................................................. 57 Figura 12 - Distribuição dos pacientes quanto ao número de infecções maláricas............................................................................................. 58 Figura 13 - Perfil parasitológico do paciente com fracasso tardio ao tratamento da malária por P.vivax....................................................... 59 Figura 14 - frequência em percentual dos genótipos da CS do P. vivax nas amostras sanguíneas em Oiapoque.................................................... 62 Figura 15 - Restrições e digestão por PCR-RFLP com a enzima AluI para identificação dos fragmentos das variantes do P. vivax VK210, VK247 e P.vivax-like ........................................................................... 63 9 LISTA DE ABREVIATURAS BAIP Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários CEM Concentração efetiva mínima CQ Cloroquina CS Proteína circunsporozoíta D0 Dia de inclusão - primeira avaliação clínico-parasitológica D1 Segunda avaliação clínico-parasitológica D14 Sexta avaliação clínico-parasitológica D2 Terceira avaliação clínico-parasitológica D21 Sétima avaliação clínico-parasitológica D28 Oitava avaliação clínico-parasitológica D3 Quarta avaliação clínico-parasitológica D7 Quinta avaliação clínico-parasitológica DCQ Desetilcloroquina dL Decilitro DNA ácido desoxirribonucleico DP Desvio padrão DR Dia de recorrência parasitária FAMERP Faculdade de Medicina de Rio Preto FPT Fracasso precoce do tratamento FTT Fracasso tardio do tratamento G6PD Glicose-6-fosfato-desidrogenase IC Intervalo de Confiança IPA Índice parasitário anual kg Quilograma LACEN/AP Laboratório Central de Saúde Pública Amapá LAFRON Laboratório de Fronteira LVC Lâmina de verificação de cura M Mol mg Miligrama 10 mL Mililitro µL Microlitro mm3 Milímetro cúbico MS Ministério da Saúde ND Não detectado ng Nanograma OMS Organização Mundial de Saúde OPAS Organização Pan-Americana de Saúde P. vivax Plasmodium vivax PCR Reação em cadeia da polimerase PNCM Programa Nacional de Controle de Malária PPSUS Programa de Pesquisa para o SUS RAVREDA Rede Amazônica de Vigilância da Resistência às Drogas Antimaláricas RCA Resposta clínica adequada RFLP Polimorfismo de fragmentos de restrição RI Resistência Tipo I RII Resistência Tipo II RIII Resistência Tipo III S Sensível SIVEP_MALÁRIA Sistema de Informações de Vigilância Epidemiológica em Malária SVS Secretaria de Vigilância em Saúde TCLE Termo de consentimento livre e esclarecido TCP Tempo de clareamento da parasitemia UFPA Universidade Federal do Pará 11 RESUMO A malária é um problema de saúde para as pessoas que vivem e viajam na fronteira entre Brasil e Guiana Francesa, ao longo do Rio Oiapoque, sobretudo devido à mineração ilegal de ouro na Guiana Francesa, com convergência para a cidade de Oiapoque, onde 85% dos casos são devidos ao Plasmodium vivax. No Brasil o tratamento para a malária pelo P. vivax usando cloroquina + primaquina ainda mantém a sua eficácia terapêutica, contudo, no Estado do Amapá, há casos de recidivas, sobretudo nos pacientes oriundos dessa região de fronteira, entretanto, vários fatores influenciam o sucesso ou insucesso terapêutico e foram considerados nesse estudo. As variantes da proteína circunsporozoíta do P. vivax, VK210, VK247 e P. vivax-like, também foram contextualizada nessa fronteira. Como objetivo, este trabalho avaliou o perfil dos pacientes infectados com P. vivax; descreveu as características locais da transmissão; avaliou a resposta parasitológica e terapêutica dos pacientes com malária vivax frente ao esquema padrão considerando os determinantes externos da falha terapêutica, e, descreveu a distribuição e as frequências genotípicas da CS do P. vivax no contexto da fronteira Franco-brasileira. Metodologia: esta pesquisa foi realizada em 2011, na cidade de Oiapoque, com o descritivo das características sócio demográficas de 103 indivíduos com malária por P.vivax, usando formulários estruturados. Ainda, foi efetuado o estudo de seguimento do tratamento destes indivíduos com cloroquina por 3 dias e primaquina de 7 a 10 dias conforme peso corpóreo, acompanhados em D0, D3, D7, D14, D21 e D28. Foi avaliado o controle de qualidade dos comprimidos, revisão do diagnóstico microscópico, ajuste da dose de primaquina em função do peso do paciente, a aderência ao tratamento, concentrações sanguíneas de cloroquina e primaquina e as respostas parasitológica e terapêutica. Assim como, o estudo dos genes da CS do P. vivax em 91 amostras sanguíneas desses pacientes, por extração de DNA, em seguida análise por PCR/RFLP de um fragmento desse gene. Resultados: os casos predominaram em homens adultos (63,4%), com baixa escolaridade, sobretudo na faixa etária de 20-29 anos, e a garimpagem ilegal foi a principal atividade ocupacional. Migrantes dos estados do Pará e Maranhão representam 55,4% dos pacientes e 31,7% dos casos de P. vivax foram importados da Guiana Francesa. Houve correlação negativa entre a precipitação mensal acumulada de chuva e a ocorrência de casos por P. vivax, com mais casos nos meses menos chuvosos (p = 0,0026). A resposta parasitológica e terapêutica foi adequada em 99,0% dos casos. Os comprimidos estavam dentro dos limites ideais de qualidade. Não foi observado discordância do diagnóstico; 95 pacientes foram acompanhados por 28 dias e aderiram ao tratamento, 32.6% receberam o ajuste de dose/peso para primaquina, todos os acompanhados alcançaram níveis sanguíneos ideais de antimaláricos. O genótipo VK210 foi o mais comum (62,6 %), seguido pelo P. vivax-like (2,2 %) e VK247 (1,1 %) em infecções simples. Foram detectados todos os três genótipos CS presentes em infecções mistas: VK210 + VK247 (26,37 %) e VK210 + P. vivax-like (7,69 %). Conclusão: As migrações relacionadas com a mineração ilegal de ouro foram identificadas como um importante propulsor da malária neste local. Em Oiapoque, desde que seja assegurada a boa qualidade dos antimaláricos, o diagnóstico preciso, o ajuste do peso/dose de primaquina e a adesão ao tratamento, o atual esquema terapêutico ao tratamento da malária por P. vivax permanece altamente eficaz. Os mesmos genótipos da CS do P. vivax VK210, VK247 e P. vivax-like circulantes nos garimpos da Guiana Francesa foram encontrados no município de Oiapoque, no Brasil. A malária vivax no contexto da fronteira FrancoBrasileira tem como principal característica a intensa mobilidade da população em fluxo contínuo nos dois sentidos, que contribui para a manutenção da doença. Palavras chaves: Malária; Plasmodium vivax; Eficácia Circunsporozoíta; Oiapoque; Fronteira Franco-Brasileira. Terapêutica; Proteína 12 ABSTRACT Malaria is a health problem for people who live and travel on the border between Brazil and French Guiana, along the Oiapoque River, mainly due to illegal mining of gold in French Guiana, with convergence for the city of Oiapoque, where 85% of cases are due to Plasmodium vivax. In Brazil the treatment for malaria by P. vivax using chloroquine + primaquine still retains its therapeutic efficacy, however, in the State of Amapá in Brazil, there are cases of relapses, especially in patients from this border region, but several factors influence the therapeutic success or failure and were considered in this study. Circumsporozoite protein (CS) variants of P. vivax, VK210, VK247 and P. vivax-like, also were contextualized in this border. As objective, this study evaluated the profile of patients infected with P. vivax; described local characteristics of transmission; evaluated the therapeutic and parasitological response of patients with vivax malaria using the standard scheme, considering external determinants of therapeutic failure, and described the distribution and genotype frequencies of CS of P. vivax in the context of Franco-Brazilian border. Methodology: this survey was conducted in 2011, in the city of Oiapoque, with the description of the sociodemographic characteristics of the 103 patients with P. vivax malaria, using structured forms. Also, was effected the study of follow up of treatment of these individuals with chloroquine for 3 days and 7 to 10 days with primaquine in body weight relation, accompanied in D0, D3, D7, D14, D21 and D28. The quality control of tablets, the revision of the microscopic diagnosis, the dose adjustment of primaquine, depending on the patient's weight, the adherence to treatment, blood concentrations of chloroquine and primaquine and therapeutic responses were rated. As well as the study of the genes of the CS of P. vivax in blood samples of those 91 patients, for DNA extraction, followed by PCR/RFLP analysis of a fragment of the gene. Results: the cases predominated in adult males (63.4%), with low educational level, especially between the ages of 20-29 years, and the illegal gold prospecting was the main occupational activity. Migrants from the States of Pará and Maranhão represent 55.4% of patients and 31.7% of the cases of P. vivax were imported from French Guiana. There was negative correlation between the accumulated monthly precipitation of rain and the occurrence of cases by P. vivax, with more cases in the months less rainy (p = 0.0026). The parasitological and therapeutic response was adequate in 99.0% of cases. The tablets were within optimal limits of quality. Wasn't observed disagreement of diagnosis; 95 patients were followed for 28 days and adhered to treatment. 32.6% received the dose adjustment/weight to primaquine; all accompanied patients achieved optimal blood levels antimalarials. The VK210 was the most common genotype (62.6%), followed by P. vivax-like (2.2%) and VK247 (1.1%) in single infections. All three CS genotypes were detected present in mixed infections: VK210 + VK247 (26.37%) and VK210 + P. vivax-like (7.69%). Conclusion: migrations related to the illegal mining of gold have been identified as an important propellant of malaria in this location. In Oiapoque, provided it is ensured the good quality of antimalarials, accurate diagnosis, adjusting the weight/dose of primaquine and adherence to treatment, the current therapeutic regimen for the treatment of vivax malaria remains highly effective. The same genotypes of the CS of the P. vivax VK210, VK247 and P. vivax-like circulating in French Guiana goldfields were found in the municipality of Oiapoque, in Brazil. The vivax malaria in the context of Franco-Brazilian border has as main characteristic the mobility of the population in continuous flow in both directions, which contributes to maintaining the disease. Key words: Malaria; Plasmodium vivax; Circumsporozoite Protein; Therapeutic Efficacy; Oiapoque; Franco-Brazilian Border. 13 1. INTRODUÇÃO 1.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS A malária é uma doença infecciosa parasitária, febril aguda, causada por protozoário intracelular, caracterizada por febre alta, acompanhada de calafrios, sudorese intensa e cefaleia, que ocorre em padrões cíclicos, a depender da espécie de plasmódio infectante, tem como sua principal via de transmissão ao homem a picada das fêmeas de insetos dípteros culicídeos do gênero Anopheles, que requerem sangue para maturação de seus ovos (Gilles, 1998; Garnham, 1998). Considerada um dos maiores flagelos da humanidade, devido, sobretudo, às alarmantes taxas de morbi-mortalidade, a malária constitui também um sério obstáculo para o desenvolvimento econômico das nações onde ocorre (Saches & Malaney, 2002). Visto que, a despeito da sua longevidade, a malária continua sendo uma das mais severas doenças parasitárias no mundo. Cerca de 40% da população mundial, na maior parte aquela que vive nos países mais pobres, apresenta risco de contraí-la. A doença foi eliminada com sucesso em muitos países, particularmente naqueles de clima temperado, durante meados do século vinte, sendo atualmente encontrada em todas as regiões tropicais e subtropicais (WHO, 2013). 1.1.1. Plasmódios humanos Os agentes etiológicos da malária são protozoários intracelulares obrigatórios, pertencentes ao Filo Apicomplexa, Ordem Eucoccidiidae, Subordem Haemosporinae, Família Plasmodiidae, Gênero Plasmodium, com espécies que infectam aves, répteis e mamíferos (Levine, 1988). Segundo Garnham & Duggan (1986) quatro dessas espécies infectam naturalmente o homem: Plasmodium malariae (Laveran, em 1881), Plasmodium vivax (Grassi & Feletti em 1890), Plasmodium falciparum (Welch em 1897), e Plasmodium ovale (Stephens em 1922), e mais recentemente uma quinta espécie o Plasmodium Knowlesi foi encontrado infectando humanos na Malásia (Cox-Singh et al., 2008; Daneshvar et al., 2009). Estes protozoários têm alto nível de especificidade de hospedeiro, resultante de um longo processo de adaptação e evolução. Assim, os parasitos da malária humana são específicos para o homem, apesar de poderem infectar outros primatas, não são usualmente encontrados em condições naturais (Silva et al., 2002). 14 O P. falciparum é o causador da terçã maligna; o P. vivax, responsável pela terçã benigna; o P. malarie, determinante da forma quartã, e distribuem-se pelas regiões tropicais e subtropicais. Já P. ovale, causador da terçã benigna é restrito a África tropical, Filipinas, Nova Guiné e Vietnã (Bruce-Chwatt, 1985). 1.1.2. Vetores da malária Os vetores da malária humana são insetos da ordem Diptera, da família Culicidae, do gênero Anopheles (Russel et al., 1946; Forattini, 2002). As principais espécies transmissoras no Brasil pertencem a dois subgêneros: Nyssorhincus e Kerteszia (por Rachou, 1958, Deane, 1986). No primeiro, destacam-se as espécies Anopheles (N.) darlingi (por Root em 1926), Anopheles (N.) aquasalis (por Curry em 1932), e Anopheles (N.) albitarsis (por Lynch Arribalzaga em 1878), e no subgênero Kerteszia, as principais espécies são Anopheles (K) cruzii (por Dyar & Knab em 1908) e Anopheles (K) bellator (por Dyar & Knab em 1908). O Anopheles (N.) darlingi é considerado o vetor mais importante vetor da malária no Brasil, particularmente na região Amazônica brasileira (Shannon, 1933; Rachou, 1958). Esta espécie possui maior importância epidemiológica, pela abundância, ampla distribuição no território nacional, atingindo todo o interior do país, alto grau de antropofilia e endofagia e pela capacidade de transmitir diferentes espécies de Plasmodium. Possui como criadouros preferenciais às coleções de águas limpas, quentes, sombreadas e de baixo fluxo, frequentes na Região Amazônica (Deane, 1989; De Oliveira-Ferreira et al., 1990; Forattini, 2002). Estudo realizado por Segura (1998), em áreas próximas a Macapá, demonstrou que o Anopheles aquasalis e o A. marajoara (por Galvão e Damasceno em 1942), também são vetores importantes da malária urbana em Macapá - AP. 1.2 CICLO BIOLÓGICO DO Plasmodium vivax A transmissão da malária ocorre após a picada infectante da fêmea do anofelino, que inocula esporozoítos de plasmódios humanos nos capilares subcutâneos, os quais ganham a corrente sanguínea e se aderem à superfície dos hepatócitos com posterior invasão. (Gilles, 1998; Garnham, 1998). No interior das células hepáticas, os esporozoítos se desenvolvem e originam milhares de merozoítos que podem invadir os eritrócitos, possibilitando o início do 15 ciclo eritrocitário. No hospedeiro humano, os períodos médios de incubação das espécies P. vivax e P. falciparum são, respectivamente, de 12-17 dias e 7-10 dias. Após a multiplicação parasitária assexuada nos eritrócitos o ciclo continua pela reinfecção promovida pelos merozoítos em outras hemácias. Uma pequena quantidade de parasitos se diferencia em gametócitos, que são essenciais na transmissão da infecção através da picada do vetor. No interior do trato digestivo do anofelino, as células sexuadas por sua vez irão desenvolver o ciclo evolutivo sexual dos plasmódios e, posteriormente, irão infectar seres humanos a partir da inoculação de esporozoítos (Gilles, 1998; Garnham, 1998). O ciclo de diferenciação e multiplicação do plasmódio nos hepatócitos possui algumas peculiaridades para as espécies P. vivax e P.ovale. Algumas formas dormentes desses parasitos não desenvolvem a esquizogonia tissular (esquizontes pré-eritrocíticos) e interrompem o ciclo replicativo assexuado no interior do hepatócito (hipnozoítos), podendo vir a ser continuado posteriormente, promovendose assim o quadro de recaída da malária (Krotoski, 1985; Lopez-Antuñano, 1990; Warrell, 1998). Estudos relativos aos hipnozoítos do P. vivax postulam a existência de populações de esporozoítos geneticamente distintos que se desenvolvem em merozoítos no interior dos hepatócitos, enquanto outras permanecem dormentes nestas células por um período maior, em estado de latência. Proporções variáveis dos esporozoítos podem originar hipnozoítos com diferentes períodos de quiescência e variações médias que vão de 15 dias (zonas tropicais) a 20 meses (zonas temperadas), podendo se estender por anos (Krotoski, 1985; Warrell, 1998; Harinasuta & Bunnag, 1998). 1.2.1 Sítio de Ação dos Antimaláricos no Ciclo Biológico do P. vivax. Os principais fármacos antimaláricos podem ser classificados em função do alvo de ação no ciclo biológico do parasito em: esquizonticidas teciduais ou hipnozoiticidas (cura radical do P. vivax e P. ovale); esquizonticidas sanguíneos (promovem a cura clínica); gametocitocidas (bloqueiam a transmissão), apresentado na figura 1. 16 Gametoticida Primaquina, cloroquina e quinina. Esquizonticida Cloroquina, quinina, amodiaquina, mefloquina, halofantrina, artemisina Primaquina, pirimetamina Figura 1: Compartimentos da atividade dos antimaláricos mostrados no ciclo de vida do Plasmodium vivax. Figura adaptada de Baird, (2009), (Cortesia de Wallace Peters e Andrea Darlow.) A infecção inicia-se quando os esporozoítos são inoculados através da pele pela picada do vetor, e atingem a corrente sanguínea, os quais irão invadir os hepatócitos. Os medicamentos que atuam nesta fase do ciclo são chamados esporonticidas, (impedem a infecção pelos esporozoítos). Nenhuma fármaco deste grupo está disponível, até o momento, para uso em humanos. Esporozoítos invadem hepatócitos podendo posteriormente se dividir em esquizontes ou originar hipnozoítos que mais tarde tornarão a se dividir em esquizonte tecidual. Os antimaláricos que agem nesta fase do ciclo são denominados esquizonticidas teciduais ou hipnozoiticidas, e promovem a cura radical da infecção pelo P. vivax (Baird, 2009). Na fase sanguínea do ciclo, os merozoítos formados rompem a hemácia e invadem outras, dando início a ciclos repetitivos de multiplicação eritrocitária. Nesta 17 fase do ciclo os medicamentos utilizados são denominados esquizonticidas sanguíneos (promovem a cura clínica) (Baird, 2009). Alguns merozoítos do fígado que ao invadir as células dos glóbulos vermelhos não se tornam esquizontes assexuados sanguíneos, mas ao invés, diferenciam-se em machos e fêmeas sexuados chamados gametócitos, os quais são alvos dos fármacos gametocitocidas, que bloqueiam a transmissão (Baird, 2009). 1.3 EPIDEMIOLOGIA DA MALÁRIA De acordo com as estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), ocorreram cerca de 207 milhões de casos de malária em 2012 (135-287 milhões), em 104 países e territórios endêmicos, com destaque para África, Ásia e América Latina. Destes foram registrados cerca de 627 000 óbitos (473.000-789.000), principalmente em crianças menores de cinco anos de idade na África subsaariana, onde uma criança morre a cada minuto, vitimada por esta doença (WHO, 2013). Na Região das Américas, onde em vinte e um países a malária é endêmica, o número de casos notificados foi reduzido para menos de 500 mil em 2011, apesar do aumento registrado nos últimos dois anos, continua a tendência geral de declínio na última década, em cerca de 58%. Neste período, o declínio tem sido muito maior para o Plasmodium falciparum e infecções mistas (57%) em comparação com P. vivax (23 %) (PAHO, 2011), como também, doze destes países já atingiram as metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) com redução superior a 75% dos casos em comparação com aqueles registrados em 2000. A malária é a mais expressiva das endemias no Brasil, presente principalmente na Amazônia Legal, composta pelos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão, onde ocorrem 99.7% dos casos, propiciado pelas suas condições climáticas, com hidrografia abundante, altas temperaturas, elevada umidade relativa do ar, altos índices pluviométricos e a presença das florestas que favorecem a manutenção dos criadouros e consequentemente a proliferação dos vetores. Entretanto, em 2011, 98,0% dos casos foram concentrados em seis Estados: Pará, Amazonas, Rondônia, Acre, Amapá e Roraima (Brasil, 2013). Todos os Estados da Região apresentaram uma redução no número de casos no período de 2000 a 2011; com exceção apenas do Estado do Acre, que 18 apresentou um incremento final de 4,8%. Em 2011, apenas o Estado do Amapá apresentou incremento – de 23,4% – no número total de casos em relação ao ano de 2010, com decréscimo nos demais Estados (Brasil, 2013). Observou-se redução na notificação de casos de P. vivax em praticamente todos os estados da Região Amazônica quando comparado o ano de 2010 com 2011; com exceção apenas dos Estados do Amapá e Maranhão, cujas notificações apresentaram crescimento de 18,7% e 2,3%, respectivamente. É relevante destacar que para a infecção por P. falciparum, apenas no estado do Amapá houve um incremento no número de casos em 2011, da ordem de 45,7% (Brasil, 2013). Na Região Amazônica, no período de 2000 a 2011, as infecções por P. vivax representaram 78,7% dos casos notificados. As infecções por P. falciparum, que em 2006 constituíram mais de 20,0% dos casos registados na região, caíram para menos de 12,0% em 2011. Atribui-se essa redução expressiva do P. falciparum à mudança, a partir de 2006, no tratamento de primeira escolha desta malária para combinações com derivados da artemisinina (Brasil, 2013). 1.3.1 Malária e a Fronteira do Brasil com a Guiana Francesa O conceito de fronteira ultrapassa a dimensão da fronteira interna de um determinado país, pois implica a conexão entre Estados diversos, a partir de limites físicos. Se for certo que a determinação e defesa dos limites de uma possessão ou de um Estado se encontram no domínio da alta política ou da alta diplomacia, as fronteiras pertencem ao domínio dos povos. Enquanto o limite jurídico do território é uma abstração, gerada e sustentada por ação institucional no sentido de controle efetivo do Estado territorial, portanto, um instrumento de separação entre unidades políticas soberanas, a fronteira é lugar de comunicação e troca. Os povos podem se expandir para além do limite jurídico do Estado, independente da legislação estabelecida (Machado, 2008). O contínuo fluxo migratório na fronteira Brasil - Guiana Francesa tem como ponto de convergência o município de Oiapoque (figura 2), que apresenta um índice de parasitemia anual considerado como área de alto risco para transmissão de malária, como demonstra o quadro 1 com a série histórica dos casos de malária no município de Oiapoque e os casos importados da Guiana Francesa de 2005 a 2011. 19 Oiapoque Macapá Pará Figura 2: Localização do município de Oiapoque. Fonte: Adaptado de Jornal Ceiri, 2013. Quadro 1 - Série histórica dos casos de malária no município de Oiapoque e casos importados da Guiana Francesa de 2005 a 2011. Município de Oiapoque Casos Importados da Guiana Francesa IPA/1.000 hab. População N.º de casos 2005 308,9 15.046 4.647 3.260 = (70,1%) 2006 392,8 16.224 6.373 3.806 = (59,7%) 2007 378,4 17.423 6.593 3.704 = (56,3%) 2008 256,8 20.226 5.194 1.957= (37,7%) 2009 224,1 20.966 4.698 1.300 = (27,7%) 2010 259,8 20.509 5.329 1.410 = (26,4%) 2011 245,5 21.094 5.178 1.107 = (21,4%) Fonte: Sivep-malária, 2005 a 2011. Ano Andrade (2005) ao estudar a expansão da malária e sua vinculação com o processo migratório no Estado do Amapá no período de 1990 – 2003; observou que a situação da malária importada da Guiana Francesa notificada no município de Oiapoque, no período analisado, influenciou na manutenção e propagação da doença, visto que, não somente manteve o índice parasitário anual de alto risco de transmissão, como também contribuiu para o aumento dos casos de infecção. 20 Ao se considerar o fluxo migratório nas últimas décadas, essa fronteira internacional vem apresentando trânsito intenso, principalmente de brasileiros em direção aos garimpos clandestinos ou aos trabalhos em cidades da Guiana Francesa, onde muitos dos residentes em Oiapoque possuem familiares envolvidos na extração de ouro ou outro tipo de atividade nos garimpos. Entretanto, como esses brasileiros migrantes não são registrados por ocasião dos recenseamentos feitos no Município, não aparecem nos censos populacionais. Estima-se que cerca de 10.000 brasileiros trabalham nos garimpos clandestinos do outro lado da fronteira. Este grupo se desloca constantemente nos dois sentidos, em particular, vem à procura de tratamento para repetidas infecções por malária. No entanto, é hábito comum entre os garimpeiros ingerir medicamentos sem orientação do profissional de saúde, o que favorece o desenvolvimento da resistência aos antimaláricos oficialmente recomendados no Brasil. Essa tendência migratória foi observada quando, localizouse a rota estabelecida por esses brasileiros com malária, que procede dos garimpos Siquini e Ipousen, ambos localizados na Guiana Francesa (Andrade, 2005). 1.4 MALÁRIA POR Plasmodium vivax O P. vivax apesar de poder causar debilidade e anemia severa, interferindo nas atividades produtivas dos indivíduos afetados, geralmente não leva ao óbito, pois não têm em sua superfície as estruturas, chamadas knobs, o que sugere a princípio, a sua incapacidade de se aderir ao endotélio microvascular dando origem a um processo inflamatório que danifica os tecidos e pode levar à morte e também gera o fenômeno chamado sequestro – o desaparecimento dos parasitas adultos durante a segunda metade de seu ciclo de vida, assim, no P. vivax há a circulação de todos os estágios sanguíneos no sangue periférico, com invasão preferencialmente dos eritrócitos jovens imaturos, do grupo sanguíneo Duffy positivo que agem como receptor para o parasito, sendo largamente limitado para reticulócitos (Miller et al., 2002). Entretanto, no Brasil, Cavasini et al., (2007) e Carvalho et al., 2012), bem como na África, Ryan et al., (2006); Menard, et al., (2010), Mendes et al., (2011); Wurtz et al., (2011) sugerem que indivíduos Duffy negativo possam ser infectados por este protozoário, provavelmente por meio de outros receptores envolvidos no reconhecimento do eritrócito. 21 O período de incubação do P. vivax é de aproximadamente 15 dias. As crises paroxísticas, com febres altas e tremores - devido à lise dos eritrócitos - são de 48 horas recorrentes no terceiro dia, sendo assim denominada terçã benigna. Ressaltase que os hipnozoítas podem persistir no fígado e causar relapsos invadindo a circulação sanguínea, em semanas ou mesmo anos mais tarde, mesmo após a cura da doença sintomática (Richie & Saul, 2002). O P. vivax é menos patogênico, comumente não alcança alta densidade parasitária e não sofre sequestro nos capilares e vênulas (Pukrittayakamee et al., 2000), embora já tenha sido relatado o roseteamento das hemácias parasitadas (Chotivanich et al. 1998) e citoaderência relatada in vitro (Kim et al., 2006; Carvalho et al., 2010). Apresenta evolução clínica com predomínio das formas pouco graves e baixa letalidade, mas, com elevada morbidade e expressivo número de casos (Mendis et al., 2001). No estado do Amazonas estudos mostraram a infecção crônica por Plasmodium vivax em paciente com esplenomegalia e plaquetopenia grave (Lacerda et al., 2008), assim como, os fatores de risco associados ao desenvolvimento de anemia em malária por esse plasmódio (Marques et al., 2013) Nas Américas, os aspectos clínicos da malária por P. vivax são similares aos de outros continentes. A febre, icterícia e hepatoesplenomegalia geralmente estão presentes. Outros sintomas inespecíficos são calafrio, astenia, cefaleia, mialgia, tosse e sintomas gastrintestinais (Ventura, 1997; Alecrim, 2000; Blair et al., 2003). Nos indivíduos não imunes (primoinfectados), o risco de complicações é elevado, há relatos de variados níveis de acometimento clínico (Alecrim, 2000; Pukrittayakamee et al., 2000; Mendis et al., 2001; Andrade et al., 2010). 1.5 ASPECTOS TERAPÊUTICOS DA MALÁRIA VIVAX O tratamento adequado e oportuno da malária é hoje o principal alicerce para o controle da doença. Tanto previne a ocorrência de casos graves e, consequentemente o óbito, quanto elimina fontes de infecção para os mosquitos, contribuindo para a redução da transmissão da doença (Brasil, 2010). A quimioterapia da malária tem como objetivos: 1) interromper a esquizogonia sanguínea, responsável pela patogenia e manifestações clínicas da infecção; 2) proporcionar a erradicação de formas latentes do parasito (hipnozoítas), das 22 espécies P. vivax e P. ovale, no ciclo tecidual, evitando as recaídas; e 3) reduzir as fontes de infecção, eliminando as formas sexuadas dos parasitos (Brasil, 2010). Uma vez confirmado o diagnóstico, a terapêutica apropriada deve ser iniciada imediatamente, considerando as seguintes informações: (a) gravidade da doença: quando há necessidade de medicamentos injetáveis e com ação mais rápida sobre os parasitos, visando reduzir letalidade; (b) espécie de plasmódio: deve ser diferenciada, em face do perfil variado de resposta do P. falciparum aos antimaláricos. Caso não seja possível determinar a espécie do parasito, deve-se optar pelo tratamento do P. falciparum, pelo risco de complicações e evolução grave; (c) idade do paciente: pelo prognóstico desfavorável na criança e no idoso, os quais requerem atenção especial; (d) história de episódios anterior da doença: indivíduos não imunes (primoinfectados) tendem a apresentar formas clínicas mais graves; (e) susceptibilidade dos parasitos aos antimaláricos comumente utilizados no tratamento com fármacos sabidamente eficazes para a área de ocorrência do caso, evitando atraso no efeito terapêutico e consequente agravamento clínico (Brasil, 2010). 1.5.1 Esquema Terapêutico para o P. vivax No Brasil, o esquema recomendado para o tratamento das infecções por P. vivax é baseado na associação de cloroquina, em comprimidos contendo 150mg de cloroquina base, com dose total de 25 mg/kg, dividida em 3 dias, sendo, 10 mg/kg/dia no primeiro dia, 7,5 mg/kg, no 2o e 3o dias, e fosfato de primaquina, em comprimidos contendo 15mg de substância base, na dose de 0,5 mg/kg/dia e dose total de 3,0 a 3,5 mg/kg de peso a partir do primeiro dia, por sete dias seguidos ou, até 12 dias conforme o ajuste da dose e tempo de administração da primaquina para pacientes com peso igual ou superior a 70 kg, veja figura 3. Para garantir a eficácia adequada e baixa toxicidade, recomenda-se, sempre que possível, que as doses sejam ajustadas ao peso do paciente. Quando uma balança para verificação do peso não estiver disponível, utiliza-se a relação peso/idade apresentada no Guia Prático de Tratamento da Malária no Brasil, como demonstra a figura 4 (Brasil, 2010). 23 Figura 3: Ajuste da dose e do tempo de administração da primaquina para pacientes com peso igual ou superior a 70 kg no tratamento das infecções pelo P. vivax. Fonte: Figura adaptada de Brasil, (2010). Figura 4: Esquema curto para o tratamento das infecções pelo P. vivax. Fonte: Figura adaptada de Brasil, (2010). 24 1.5.2 Cloroquina no Tratamento da Malária Vivax A cloroquina tem um papel central tanto no tratamento como na profilaxia da malária, pela eficácia, segurança seu baixo custo, (Whitby, 1997). Possui ação esquizonticida sanguínea rápida contra P. vivax, P. ovale e P. malariae, além de exercer efeito gametocitocida nestas espécies, porém, não tem ação contra as formas hepáticas, porém, as sua ação antipirética e anti-inflamatória. (Warrel, 1998; Brasil, 2001). Mundialmente, poucas cepas de P. falciparum ainda se mantêm sensíveis à ação da cloroquina (Brasil, 2001). Dentre os mecanismos responsáveis pela atividade esquizonticida da cloroquina, se destaca o acúmulo do fármaco nos vacúolos digestivos dos plasmódios, aumentando o pH lisossômico e interferindo na metabolização e utilização da hemoglobina pelos parasitos como alimento, (Foley & Tilley, 1997). Acredita-se que o heme da hemoglobina seja liberado no citosol do parasito e degradado pela glutationa reduzida, liberando ferro. Este, por sua vez, é utilizado, armazenado (hemozoína) ou eliminado. A hipótese da inibição da polimerização do heme, considera que quanto mais heme livre se integra à membrana do vacúolo digestivo mais permeável esta se torna, resultante da peroxidação dos lipídeos. A inibição da formação da hemozoína e o consequente consumo da glutationa reduzida levariam a formação do hidroxiperóxido e outras espécies reativas de oxigênio, as quais seriam responsáveis pelos danos ao parasito e a membrana celular (Foley & Tilley, 1997; Tavares, 1999 apud em Homewood et al., 1972). A cloroquina é eficientemente absorvida quando administrada por via oral, alcançando-se concentrações máximas no plasma dentro de 3 h (variando entre 2 a 12 h). A biodisponibilidade por via oral é de 70 a 75%. A concentração alcançada no plasma dentro de 30 minutos após a administração de uma única dose de 10 mg/kg é, em geral, bem maior que o nível terapêutico para os parasitos sensíveis à cloroquina. Liga-se as proteínas plasmáticas em torno de 55%. Tem elevada capacidade de se ligar aos tecidos (fígado, baço, leucócito e outros), particularmente tecidos dérmicos e oculares contendo melanina. Concentra-se, de preferência, em eritrócitos e esta concentração aumenta em eritrócitos parasitados (Brasil, 2001). No interior das hemácias a cloroquina atinge concentrações três vezes superiores aquelas do plasma. Também se concentra nos leucócitos e nas 25 plaquetas. Atravessa a barreira placentária e, em tratamentos prolongados, pode causar lesão no feto e alcança pequenas concentrações no leite materno. É biotransformada pelas enzimas do citocromo P450, formando diversos metabólitos, dentre estes, disetilcloroquina e bisetilcloroquina, que apresentam atividade antimalárica . (Ducharme & Farinotti, 1996; Warrel, 1998). A cloroquina é excretada, sobretudo, pela via renal, com meia vida de eliminação em torno de 30 a 60 dias (WHO, 2006). Parte do fármaco é eliminado inalterada nas fezes e apenas 10% à 25% da dose administrada é detectada na urina (Thompson & Werbel, 1972; Warrel, 1998) 1.5.3 Primaquina no Tratamento da Malária Vivax A primaquina é uma 8-aminoquinolina altamente ativa contra gametócitos de todas as espécies de malária humana e contra hipnozoítos do P. vivax. A ação hipnozoiticida da primaquina é função da dose total e não da duração do tratamento. Tem ação profilática causal, porém, até recentemente, não indicada, devido a elevada toxicidade ao sistema hematopoiético em uso prolongado. A primaquina atua também contra as fases assexuadas sanguíneas, mas somente em doses elevadas, as quais podem aumentar a ocorrência de efeitos adversos (Inchem, 1994; Malariasite, 2004). A primaquina é bem tolerada nas doses terapêuticas, mas em doses elevadas pode causar distúrbios gastrointestinais e metemoglobinemia (Brossi et al., 1987; Portela et al., 1999), bem como, hemólise em pacientes com deficiência congênita da glucose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), enzima presente em elevada concentração nos reticulócitos envolvidas nos processos redox, cuja função principal é proteger grupos sulfidrilos da hemoglobina e a membrana eritrocitária, dos efeitos deletérios dos radicais livres, através do fornecimento intracelular de glutationa reduzida. Em pessoas com deficiência na G6PD, a oxidação da hemoglobina leva à sua precipitação dentro da célula, produzindo inclusões características chamadas corpos de Heinz. O incremento na produção dos radicais livres, por fim, leva a hemólise (Ethnasios, 2007). O mecanismo de ação da primaquina não é completamente compreendido, contudo acredita-se que iniba processos metabólicos na mitocôndria plasmodial, inibindo a respiração celular do parasita. Outro mecanismo potencial de ação contra 26 os plasmódios é a produção de radicais livres promovendo danos oxidativos intracelulares aos parasitas (David et al., 2006). Após administração via oral, a primaquina é completamente absorvida pelo trato gastrointestinal. Atinge os picos de concentração no plasma entre 1 a 2 horas, que decai rapidamente, com meia vida de cerca de 3 a 6 horas (Mihaly et al., 1985; Ward et al., 1985; David et al., 2006). A primaquina é rapidamente biotransformada por duas vias metabólicas principais. A primeira leva à formação de dois metabolitos principais, a 5hidroxiprimaquina e 5-hidroxi-metilprimaquina, possíveis responsáveis pela ação antimalárica e efeitos tóxicos ao sistema hematopoiético. A outra via, leva a formação de carboxiprimaquina, que é o metabolito formado em maior quantidade, entretanto é considerado inativo. Pequena porção é excretada inalterada na urina, e grande parte como produtos de biotransformação em 24 horas. (Mihaly et al., 1985; Ward et al., 1985; David et al., 2006). 1.5.4 Classificação da Resposta ao Tratamento da Malária Vivax Os testes in vivo são tradicionalmente o padrão ouro para detecção da resistência aos fármacos (WHO, 1996). Eles refletem a verdadeira resposta biológica natural ao tratamento, que envolve a complexa interação entre o parasito o fármaco e a resposta do hospedeiro, pois os testes in vitro avaliam somente a interação entre o parasito e o fármaco (Bloland, 2001). O teste clássico definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em termos de eliminação de parasitos em resposta a cloroquina, foi inicialmente usado interpretando o sistema de classificação padrão, ou seja, S (sensível), RI (resistência tipo I), RII (resistência tipo II) e RIII (resistência tipo III) (WHO, 1973). Entretanto, como a reinfecção é difícil de ser excluída em áreas de intensa transmissão, a OMS introduziu um protocolo modificado, baseado na resposta clínica, classificando-a em três categorias de respostas terapêuticas, quer sejam RCA (resposta clínica adequada), FRT (fracasso recorrente do tratamento) FPT (fracasso precoce do tratamento) e FDT (fracasso direto do tratamento), para áreas com intensa transmissão onde a presença de parasitemia na ausência de sinais e sintomas clínicos se apresenta (WHO, 1996, Baird, 2009), de acordo com o quadro 2. 27 Quadro 2 - Classificação da resposta clínica e parasitológica ao tratamento da malária por P. vivax tratada com cloroquina de acordo com protocolo da OMS. Classificação da resposta parasitológica Classificação da resposta clínica Sensível (S) Clareamento da parasitemia após tratamento sem reaparecimento subsequente dentro do período de seguimento até o 28 dia. Resposta clínica adequada (i) Ausência de parasitemia no 14º dia sem restrição de condição de febre, sem previamente encontrar nenhum dos critérios para fracasso recorrente ou precoce. (ii) Ausência de febre sem restrição da condição da parasitemia, sem previamente encontrar nenhum dos critérios para fracasso recorrente ou precoce. Resistência RI com recorrência tardia Clareamento inicial da parasitemia seguida pela recorrência após sete dias Fracasso recorrente do tratamento (i) Presença de sinais de perigo ou de malária grave depois do dia 3 (entre os dias 4 e 14 ou 28), com parasitemia da mesma espécie que em D0 (ii) Presença de parasitemia no 7º, 14º, 21º ou 28º dia. Resistência RII com recorrência precoce Redução da parasitemia no 2º dia para menos que 25% da parasitemia no dia zero, mas sem completa liberação. Fracasso precoce do tratamento (i) Durante os três primeiros dias de seguimento o paciente apresenta sinais de perigo ou malária grave na presença de parasitemia; (ii) Febre (Temperatura axilar 37.5º C) e a parasitemia em D2 maior que em D0 (iii) Febre e parasitemia no D3. (iv) Densidade parasitária no D3 a 25% da densidade do D0. Resistência RIII No 2º dia, não há redução da parasitemia ou há redução para um nível igual ou superior que 25% da parasitemia do dia zero. Fracasso direto do tratamento (v) Durante os três primeiros dias de seguimento o paciente apresenta sinais de perigo ou malária grave na presença de parasitemia; (vi) Febre (Temperatura axilar 37.5º C) e a parasitemia em D2 maior que em D0 (vii) Febre e parasitemia no D3. Densidade parasitária no D3 a 25% da densidade do D0. Fonte: Adaptado de WHO 1973, 1996; Baird, 2009. 28 O fracasso direto e precoce no tratamento pode ser definitivamente classificado com a demonstração da absorção adequada do antimalárico, cujos teores plasmáticos sejam equivalentes às doses administradas, o que pode ser alcançado pela supervisão direta das tomadas das doses prescritas (dose assistida) ou pela medição dos níveis sanguíneos dos fármacos e de seus metabólitos, caso estes apresentem atividade farmacológica. No caso da cloroquina (CQ) e desetilcloroquina (DCQ), as concentrações sanguíneas devem ser superiores a 100ng/mL após 28 dias do início do tratamento. Portanto, a classificação definitiva de fenótipos resistentes deve considerar os teores adequados de CQ e DCQ no sangue total associados a parasitemia recorrente no período de seguimento clínicolaboratorial de 28 dias (Baird, 2009). A classificação dos parasitos isolados em sensíveis ou resistentes à cloroquina requer cautela. Parasitos que aparecem no dia zero e não reaparecem após 28 dias de início do tratamento podem ser confiantemente classificados como sensíveis. O mesmo pode ser dito de falhas direta e precoce no tratamento. Presença CQ+DCQ superiores a 100 ng/mL no sangue total, no dia da falha no período de 28 dias, indicam que o parasito não esta respondendo adequadamente ao medicamento, independente da presença do parasito por recrudescência, recidiva ou reinfeção (Baird, 1997; Baird, 2004). Na recrudescência, os parasitos que sobreviveram ao tratamento da infecção aguda estão em baixa concentração no sangue, não sendo detectáveis pelos procedimentos de rotina, reaparecendo dias após na circulação periférica. Já a reinfeção resulta de uma nova exposição ao esporozoíto inoculado em novo repasto sanguíneo do anofelino. A recaída se caracteriza pelo reaparecimento das manifestações típicas da infecção malárica e parasitemia, após terapia esquizonticida sanguínea adequada. Resulta da reativação dos hipnozoítos tissulares, que após período de tempo variável, por mecanismos ainda desconhecidos, desencadeiam um novo acesso malárico (Baird, 1997; Baird, 2004). 1.5.5 Resistência do Plasmodium vivax aos Antimaláricos A resistência àos fármacos antimaláricas foi primeiramente definida por Wernsdorfer & Payne (1965) e depois pela OMS, (WHO, 1973) Como: 29 “É a capacidade de uma população de parasitos sobreviver e/ou multiplicar-se, apesar da administração e da absorção de uma fámaco dada nas doses iguais ou superiores do que aquelas geralmente recomendadas, porém dentro dos limites de tolerância do individuo”. A definição de Wernsdorfer & Payne (1965) foi posteriormente ampliada por Bruce-Chwatt et al., (1986) para especificar que o fármaco em questão além de ser administrada nas doses adequadas, deve ser absorvida e ter acesso à célula sanguínea infectada e ao parasito, por intervalo de duração necessário para sua ação eficaz. Vários fatores se associam no desenvolvimento da resistência pelos plasmódios e estão vinculados ào fármaco, ao hospedeiro humano, ao parasito, ao vetor (Wongsrichanalai et al., 2002; Rigby et al., 2002). Dentre os principais fatores determinantes para seleção de cepas dos plasmódios resistentes aos antimaláricos estão: 1) carga parasitária no hospedeiro humano exposto aos antimaláricos; 2) concentrações dos antimaláricos, as quais, os parasitos estes estão expostos; 3) propriedades farmacodinâmicas dos antimaláricos; 4) grau de resistência resultante de alterações genéticas; e 5) nível de imunidade específica e inespecífica do hospedeiro humano (White, 2004). A manutenção de concentração plasmática adequada do antimalárico durante o tempo necessário para a eliminação dos parasitos, quando não respeitada, também favorece o surgimento de mecanismos de escape do parasito, selecionando populações de plasmódios menos suscetíveis aos efeitos farmacológicos desejados (Wongsrichanalai et al., 2002). O uso indiscriminado e inadequado de antimaláricos em áreas de intensa transmissão, com base em diagnósticos presuntivos de malária, na maioria das ocasiões por inexistência de diagnóstico microscópico, relaciona-se diretamente com o processo seletivo de cepas naturalmente resistentes. Em referência à meia vida de eliminação terminal dos fármacos, quanto mais prolongada for maior será a chance de níveis subterapêuticos persistirem no plasma humano. Na ocorrência de reinfecções, o consequente risco de seleção de cepas de plasmódios mutantes resistentes e sua disseminação geográfica nas áreas malarígenas são possíveis tanto em zonas de intensa transmissão (indivíduos com múltiplas infecções/ano) e, como, em zonas de baixa e média transmissão (altas parasitemias e baixa efetividade imune) (White, 1998; 2004; Alecrim et al., 1999; Hastings, 2003). 30 A emergência de resistência à cloroquina, o principal fármaco contra o P. vivax, é uma das preocupações nas estratégias atuais de controle da malária vivax nos diversos países endêmicos (Baird, 2004). Apesar de cloroquina continuar sendo o fármaco de escolha tanto para profilaxia como para o tratamento da infecção por P.vivax, existem relatos de perda de sensibilidade e resistência do parasito à cloroquina em diferentes lugares (Rieckmann et al.,1989; Baldassarre et al., 1991). A primeira evidência de que o P.vivax estaria desenvolvendo resistência à cloroquina foi relatada em Papua, Nova Guiné por Rieckmann et al., em (1989). Reduções na susceptibilidade à cloroquina também foram relatadas nas Ilhas Salomão (Whitby et al., 1989), Papua, Nova Guiné (Schuurkamp et al., 1992; Murphy et al., 1993), e Índia (Garg et al., 1995). No Brasil a primeira evidência de que o P.vivax estaria desenvolvendo resistência à cloroquina em monoterapia foi relatada em Manaus no Amazonas por Alecrim et al., em (1999). Em 2001 Abdon e colaboradores encontraram 5% de falha terapêutica. No Amapá, os primeiros relatos de que a resposta do P.vivax à cloroquina em monoterapia estaria resultando em insucesso no tratamento, foi descrito por Calvosa (2005), onde o P. vivax apresentou respostas não satisfatórias ao tratamento com a cloroquina em algumas localidades, entre as quais, estão os pacientes oriundos da região de fronteira Franco-brasileira no município de Oiapoque com 17,6% de falhas terapêuticas e recaídas consideradas tardias em D28 (81,4%). Em estudos concluídos em oito localidades sentinelas do projeto RAVREDA no Brasil, a medição de níveis séricos de CQ confirmou os achados de níveis importantes de falha terapêutica a este medicamento (até 18%, em pacientes do município de Careiro - Amazonas). Chama-se atenção para o registro de falhas tardias (dias 21 – 28) em todos os casos (PAHO, 2006). Outro estudo sistematizado, realizado no Amazonas entre 2004 a 2005 avaliou a eficácia terapêutica da cloroquina no tratamento da malária por P. vivax e registrou recrudescência em 19 pacientes, com predomínio no D28. Destes, 11 tiveram confirmado as infecções por P.vivax cloroquina-resistente pela PCR e mensuradas as concentrações plasmáticas do antimalárico (356,6±296,1 ng/mL). A taxa de Fracasso Terapêutico foi de 10,1%, concluindo desta forma, que os parasitos foram resistentes à CQ (Filho-Frankiln, et al., 2007). Mas recentemente em 2013 Masques e colaboradores encontraram 5,2 % de falha terapêutica para o P. vivax na cidade de Manaus, quadro 3. 31 Ano Local % de Falha Terapêutica Autores 2001 Belém 5 Abdon et al 2000 Manaus 4,4 Alecrim 2005 Amapá 17,6 Calvosa 2006 Careiro 18,1 RAVREDA 2007 Manaus 10,1 Filho-Frankiln et al 2013 Manaus 5,2 Marques et al Quadro 3 - Estudos de avaliação de eficácia de antimaláricos para o P. vivax. 1.5.6 Determinantes da Falha Terapêutica na Malária Vivax No contexto do insucesso na terapêutica da malária vivax é imperioso abordar os genes de resistência do Plasmodium vivax aos antimaláricos. Todavia, é importante esclarecer que, o mecanismo genético de resistência do P. vivax aos antimaláricos ainda necessita ser elucidado em sua totalidade. Para o P. falciparum os genes de resistência à cloroquina tem sido associado a determinado ponto de mutações em genes específicos, tais como pfcrt-o e pfmdr-1 (Fidock et al., 2000; Duraisingh & Cowman, 2005), este tipo de associação não é muito claro no caso de P. vivax (Gonçalves et al., 2014). A principal dificuldade em estudar os mecanismos de resistência do P. vivax à cloroquina é a ausência de um sistema contínuo de cultura in vitro, estudos utilizando culturas in vitro em curto prazo são úteis para a investigação de mecanismos de resistência de droga e a análise de sensibilidade dos agentes terapêuticos para P. vivax (Kerlin et al., 2012). Devido à ausência de marcadores moleculares específicos de resistência, a caracterização de marcadores moleculares gerais de P. vivax não apenas ajudam a identificar parasitas resistentes à cloroquina, mas também em definir as origens geográficas e disseminação de isolados resistentes (Arnott et al., 2012). A diversidade genética de P. vivax tem sido estudada utilizando marcadores moleculares quase neutros, como microssatélites e repetições em tandem, bem como com antígenos polimórficos, incluindo PvMSP proteínas membros da família (MSP-1 e MSP-3α) (De Brito e Ferreira, 2011). O gene principal investigado dentro do contexto da resistência de cloroquina em P. vivax é pvcrt, o homólogo transportador da resistência à cloroquina do P. 32 falciparum (pfcrt), em que uma substituição de K76T é conhecida por ser um determinante crucial da resistência à cloroquina. Um estudo da expressão heteróloga em que pvcrt foi transfectado dentro do P. falciparum e Dictyostelium discoideum mostrou que a super expressão de pvcrt foi capaz de reduzir a susceptibilidade de cloroquina em ambos os organismos, sugerindo que pvcrt pode ser capaz de modular o transporte e acumulação de cloroquina no P. vivax (Sá, et al., 2006). Diante da observação de falhas terapêuticas após um tratamento do P.vivax, existe uma tendência imediatista de se concluir pela emergência de resistência do parasito ao esquema utilizado. Mas a resistência do parasito não é o único fator causal do insucesso na terapêutica com antimaláricos. Os fatores potenciais que podem distorcer a detecção da emergência da resistência parasitária às drogas são relacionados ao hospedeiro humano, ao parasito e à qualidade e dosagem dos antimaláricos, correta terapêutica e adesão ao tratamento (Duarte et al., 2003). Assim, é importante atentar para a necessidade da abordagem dos fatores determinantes de falhas terapêuticas, quer seja, por serem raramente enfocados na literatura de forma integralizada, quer seja, para contribuírem na orientação dos estudos de eficácia terapêutica (Duarte et al., 2003). A variabilidade da resposta do parasita aos antimaláricos constitui aspecto limitante do sucesso terapêutico. (Noedl et al., 2003). A falha terapêutica pode ser associada à resistência de cepas circulantes de P. vivax em determinada região aos antimaláricos utilizados (Bloland, 2001). No entanto, nas falhas direta e precoce no tratamento, dada às ambiguidades inerentes das parasitemias recorrentes durante o período de seguimento, de vinte e oito dias, o fenótipo de resistência aos antimaláricos dos parasitos no primeiro dia permanece incerto. Os parasitos que foram detectados no primeiro dia podem ter sido sensíveis à cloroquina, e no caso dos parasitos que aparecem mais tarde durante o teste diagnóstico, eles podem representar uma recaída ou reinfecção por outra cepa cloroquina resistente. Portanto, somente os parasitos que aparecem no dia de recorrência com medição adequada do fármaco podem ser inequivocamente classificados como sendo resistentes à cloroquina (Baird, 2004, 2009). Assim, a resistência do plasmódio aos antimaláricos pode causar falha terapêutica, mas nem toda falha terapêutica é devido à resistência (Bloland, 2001). O fracasso terapêutico observado também pode ser devido às alterações na 33 biotransformação dos fármacos ou a presença de infecções latentes de outra espécie de plasmódio (Talisuna et al., 2004). Entretanto, outros fatores inerentes ao hospedeiro e ao parasita e suas interações também podem contribuir para a falha terapêutica. Dentre estes, a adesão ao tratamento (Duarte & Györkös, 2003; Pereira et al., 2011), a dose total e ajuste das doses de primaquina em função do peso corpóreo do paciente que modificam as concentrações sanguíneas dos antimaláricos (Ventura, 2007; Santos et al., 2010), a precisão na identificação exata da espécie de Plasmodium (Mckenzie et al., 2003), a má absorção resultante de diarreias e vômitos ou, da qualidade intrínseca dos antimaláricos distribuídos, em especial as condições de armazenamento (Talisuna et al., 2004; Baird, 2009; Duarte et al., 2003; Evans et al., 2012). Destaca-se que a adesão ao tratamento é fator importante na determinação da resposta terapêutica aos fármacos antimaláricos, uma vez que o não cumprimento do tratamento como prescrito compromete a melhora e a cura do paciente, aumenta o risco de transmissão da doença, favorece o desenvolvimento de resistência, bem como, constitui perda econômica substancial (Reiners et al., 2013). No Brasil, grande número de tratamentos ocorre sem supervisão médica. Assim, a baixa adesão ao tratamento da malária explica, provavelmente, o grande número de recaídas da infecção por P. vivax observadas nos últimos anos (Pereira et al., 2011). Este fato é mais significativo em áreas com população instável, uma vez que se torna difícil acompanhar os pacientes durante o tratamento, confirmando assim, as observações de Duarte & Györkös (2003), as quais enfatizaram a baixa adesão ao tratamento como fator importante na predição de episódios subsequentes de malária no mesmo indivíduo. Vários fatores são responsáveis pela baixa adesão ao tratamento, dentre estes, as instruções ao paciente quando são mal orientadas ou pela não compreensão das instruções de tratamento, esquecimento do paciente de tomar a medicação, desintegração ou perda dos comprimidos, ocorrência de reações adversas (Gomes et al., 1998), e em alguns casos, o uso concomitante de álcool, principalmente nos acampamentos, assentamentos e nas áreas de mineração. No caso de medicamentos que levam a rápida melhora clínica e com poucos efeitos adversos, como a cloroquina, o desaparecimento dos sintomas também é referido como importante razão para suspensão da continuação do tratamento com primaquina (Grietens et al., 2010). Prescrição inadequada e distribuição de 34 antimaláricos por profissionais que não possuem adequada formação em saúde são reconhecidas como causas importantes da baixa adesão ao tratamento antimalárico (Fungladda et al., 1998). O tempo de tratamento também é fundamental, a utilização de esquemas terapêuticos de longa duração tem maior probabilidade de baixa adesão, daí preferir-se os esquemas terapêuticos de curta duração, como exemplo da primaquina em sete dias aumentando-se a dose diária, que pode proporcionar melhor adesão ao tratamento, desde que, sejam garantidas além da eficácia, a tolerância e a segurança do fármaco e, minimizado os efeitos adversos (Pinto et al., 1998; Villalobos-Salcedo et al., 2000; Abdon et al., 2001). A garantia da qualidade dos medicamentos contra a malária é fundamental para o controle da malária e eventual eliminação (Pribluda et al., 2012). A qualidade dos medicamentos é um problema global e uma das principais preocupações nos países onde a malária é endêmica. O impacto que isso pode ter sobre medicamentos utilizados para o tratamento da malária pode ser grave. A má qualidade de medicamentos tem um efeito negativo sobre a vida dos pacientes, fazendo com que eles permaneçam mais tempo doentes. Isto também prejudica o sistema de saúde de um país, e despende mais recursos financeiros e humanos, e agrava os problemas de saúde, particularmente o desenvolvimento de resistência (Pribluda et al., 2012). Vários relatos atestam a importância deste problema para medicamentos contra a malária na África e na Ásia (Basco et al., 2004; USP 2013). Por outro lado, estudos acerca da qualidade dos antimaláricos nas Américas são escassos (Petralanda, 1995, Nogueira et al., 2011). Outro aspecto relacionado com a qualidade do antimalárico é a politica de distribuição em cada país. Na África e na Ásia esses medicamentos são vendidos, e muitas vezes são falsificados e de baixa qualidade (Bate et al., 2008; Nayyar et al., 2012; Phanouvong et al.,2013). Mas no Brasil, os antimaláricos são disponibilizados gratuitamente pelo Ministério da Saúde em todo o território nacional, e são adquiridos segundos requisitos legais que incluem certificado de análise emitido pelo laboratório produtor (Brasil, 2010). Contudo, nem sempre, os critérios de armazenamento do medicamento são atendidos como constam na embalagem pelos postos de notificação da malária (Nogueira et al., 2011; Pribluda et al., 2012). A identificação precisa da espécie de Plasmodium infectante em humanos é fundamental para o tratamento adequado do doente. Falhas no diagnóstico podem levar a um tratamento medicamentoso inadequado ou à administração 35 desnecessária de um determinado fármaco (Mckenzie et al., 2003). O diagnóstico laboratorial da malária, pelo método da gota espessa, é considerado o padrão ouro para identificação da espécie de plasmódio, e consiste na identificação dos parasitos no sangue periférico do doente por meio da microscopia óptica. A boa coloração, desemoglobinização correta e microscopista bem treinado, proporciona a detecção de até 5-10 parasitos/μL de sangue e permite a identificação da espécie do parasito e quantificação da parasitemia, bem como, fornece informações sobre o estágio de desenvolvimento do plasmódio (WHO, 2000). O diagnóstico correto e preciso da espécie de Plasmodium, portanto, faz-se importante tanto para a identificação inicial da malária e administração da terapêutica adequada, como para o acompanhamento clínico durante o tratamento. O ajuste da dose da primaquina em função do peso dos pacientes, modificando a dose diária e o tempo de administração, certamente contribuiu para o aumento da taxa de cura da infecção em vinte e oito dias, pois é notória a associação entre a eficácia hipnozoiticida e a dose total de primaquina ajustadas ao peso corporal (Schwartz et al., 2000; Libonati & Ventura, 2007; Santos et al., 2010; Fernando et al., 2011). Contudo, no Brasil, nos postos de notificação de malária que não possuem balanças antropométricas, é recomendado utilizar as doses de antimaláricos em função da relação peso/idade por grupos de faixa etária conforme apresentadas nas tabelas em substituição ao peso corpóreo real do paciente (Brasil, 2010). Porém, isto pode acarretar a absorção de quantidade inadequada de antimaláricos, levando as recidivas clínicas que podem ser erroneamente confundidas com resistência ou reinfecção (Santos et al., 2010). 1.6 PROTEINA CIRCUNSPOROZOÍTA E OS GENÓTIPOS DA CS DO P. vivax O esporozoíto é a forma infectante do Plasmodium, inoculado a partir da glândula salivar do vetor durante o repasto sanguíneo. A estrutura da principal proteína que recobre a superfície do esporozoíto do P. falciparum foi caracterizada em 1984. Por recobrir sua superfície, recebeu o nome genérico de “proteína circunsporozoíta” ou CS (Dame et al., 1984). No ano seguinte, pesquisas evidenciaram a existência de antígenos específicos para a CS capazes de distinguir as diferentes espécies de plasmódios (Nussenzweig et al., 1985). Foi observado 36 ainda, que esta proteína é estágio-específica com epítopos repetitivos imunodominantes (Zavala et al., 1986), ocorrendo variações de sequência na porção central do gene CS (Gopinath et al., 1994). A CS pode estar envolvida na motilidade e invasão dos esporozoítos durante a sua entrada no hepatócito (Kappe et al., 2004; Mota & Rodriguez, 2004; Good, 2005). A CS tem uma região central imunodominante, consistindo de curtas sequências de aminoácidos repetidas in tandem que contêm múltiplas cópias do epítopo imunodominante de células B (Arnot et al., 1985). Vários estudos em populações onde a malária é endêmica apontam que a proteína CS recobre o esporozoíto, sendo um dos principais alvos de reconhecimento do sistema imune humoral, servindo também para estimular a produção de uma quantidade significativa de IFN-y, a partir de macrófagos e células T-CD4+, sendo um dos antígenos envolvidos no desenvolvimento de vacinas contra a malária (Kester et al., 2009; Dodoo et al, 2011; Lumsden et al., 2011). Muitos pesquisadores tem se esforçado para caracterizar a proteína CS do P. vivax para testar o potencial de proteção de uma vacina à base de diferentes peptídeos da CS (Herrera et al., 2007). Estudos com uma proteína recombinante de CS de P. vivax expressa em levedura no final de 1980 induziram um limitado grau de imunidade em macacos e pouquíssimas respostas imunes em seres humanos (Barr et al., 1987; Collins et al., 1989; Herrington et al., 1991). As forças de condução seletiva que leva a evolução de repetições da proteína CS e os mecanismos moleculares que medeiam este processo não são bem compreendidas (Arnot et al., 1988). Essencialmente todos os polimorfismos até agora encontrados no gene CS de P. vivax estão associados com as unidades repetidas na porção central do gene e as sequências que flanqueiam imediatamente esta região (De La Cruz et al., 1987). Em todas as espécies de Plasmodium, uma única cópia do gene codifica para uma proteína CS, com um domínio central de sequências repetidas em tandem flanqueada por sequências predominantemente não repetidas. Esta única cópia que codifica o antígeno de superfície altamente imunogênica da CS expressa no estágio esporozoíto do parasito tem provado ser um importante marcador para a definição da relação filogenética das espécies de Plasmodium (Ozaki et al., 1983; McCutchan, 1996). 37 1.6.1 Genótipos da CS do P. vivax O P. vivax apresenta variações na porção repetitiva do domínio central de seu gene (Rosenberg et al., 1989; Qari et al., 1992) determinando três genótipos nesta espécie de plasmódio. A primeira forma caracterizada apresenta o nonapeptídeo GDRA(A/D)GQPA e foi denominada VK210; considerada a sua forma clássica (Arnot et al., 1985). Em isolados da Tailândia, Rosenberg e colaboradores (1989) observaram variações neste nonapeptídeo e denominou-o como VK247. Posteriormente, em Papua Nova Guiné, foi descrita a existência de outro genótipo denominado P. vivax-like, cuja sequência da porção repetitiva da CS possui homologia com a do Plasmodium simiovale, um parasito da malária de macacos, originalmente encontrado em macaca sinica, no Sri Lanka (Qari et al., 1993a). Vários estudos avaliaram a distribuição global da VK247, a qual foi detectada em áreas endêmicas da Tailândia (Wirtz et al., 1990, Kain et al., 1992), América do Sul, África (Kain et al., 1991), México, Afeganistão e Papua Nova Guiné (Kain et al., 1992). Esta variante foi encontrada inicialmente como infecção mista com o genótipo VK210 (Cochrane et al., 1990; Wirtz et al., 1990; Curado et al., 1995; Arruda et al.,1998). No entanto, no Afeganistão, na Tailândia, na Papua Nova Guiné e no México (Qari et al., 1992; Kain et al., 1992) observa-se também infecções simples, fato comumente notado na Ásia do que na América do Sul (Kain et al., 1992; Qari et al., 1992). Estudos revelaram uma ampla distribuição da P.vivax-like em diferentes regiões do mundo (Qari et al. 1993b), como Papua Nova Guiné, Brasil, Madagascar, Indonésia, Leste da África (Kimbi et al., 2005) e Guiana (Bonilla et al., 2006). A partir da descrição dos genótipos da proteína CS de P. vivax das variantes VK210, VK247 e P. vivax-like, vários estudos têm proposto a existência de outros fatores que possam ir além das variações na porção repetitiva da proteína, tal como a distribuição geográfica, a intensidade de transmissão, a competência vetorial, a competência imune e respostas de tratamento e resistência aos antimaláricos, além de outra questão: se a região repetida da CS de P. vivax é limitada (Qari et al, 1993b; Marrelli et al., 1998; Machado & Póvoa, 2000; Machado et al., 2003; Silva et al., 2006). No Brasil, estudos sorológicos identificaram as três variantes em amostras do Estado de São Paulo (Curado et al., 1995) e de comunidades indígenas da região Amazônica (Arruda et al., 1998). Posteriormente, Machado & Póvoa (2000) confirmaram, por diagnóstico molecular, a presença desses tipos variantes nos Estados de Rondônia, Amapá e Pará, descrevendo a ocorrência da VK210 em 38 infecções puras, enquanto que a VK247 e P. vivax-like foram evidenciadas apenas em infecções mistas. Em 2003, Machado e colaboradores realizaram novo inquérito molecular no município de Belém, Estado do Pará, e observaram que sua distribuição não havia mudado após quatro anos de investigação. Observaram ainda, nenhuma associação entre os sinais e sintomas dos pacientes e os genótipos encontrados. No entanto, verificaram diferenças na resposta terapêutica para as três variantes, confirmando dados prévios no México com a VK210 e a VK247 (Kain et al., 1993). Em 2004, estudo sorológico realizado no Estado de Rondônia verificou uma maior frequência de resposta para a variante VK210, seguida pelo P.vivax-like, e VK247, respectivamente (Oliveira-Ferreira et al., 2004). Entretanto, outra investigação realizada em áreas endêmicas da Amazônia brasileira, observou uma maior frequência de anticorpos contra a VK247 nos Estados de Rondônia, Pará e Mato Grosso, quando comparada a P.vivax-like. Adicionalmente, no Estado do Amazonas a prevalência de anticorpos para ambas as variantes foi baixa (Arruda et al., 2007). A distribuição das variantes foi reavaliada em cinco áreas endêmicas do Brasil, recentemente e foi observado que o genótipo VK210 continua sendo o mais prevalente. Entretanto, também foi demonstrada uma mudança na dinâmica da distribuição da VK247 e da P. vivax-like, visto que ambos os genótipos foram observados como infecções simples. Além disso, a P. vivax-like parece estar mais bem adaptada que a VK247, sugerindo uma introdução tardia desta última nos Estados de Rondônia, Amapá, Acre e Mato Grosso, uma vez que foi observada como infecção simples somente em Novo Repartimento, Estado do Pará (Storti-Melo et al., 2009). A variação observada na região repetitiva da CSP é o que diferencia as três variantes de P. vivax (VK210, VK247 e P. vivax-like). No entanto, foi observado que as variações na porção central repetitiva de CSP não proporcionam diferenças significativas na resposta de anticorpos contra antígenos do merozoíto do P. vivax, bem como peptídeos em regiões conservadas de esporozoítos. Por outro lado, os autores defendem que para a utilização da molécula CSP devem considerar a influência desta variação na modulação da epidemiologia e considerar a utilização de construções quiméricas, incluindo as sequências dos diferentes genótipos de CS de modo a obter uma vacina protetora (Souza-Neiras, et al, 2010). 39 1.7 JUSTIFICATIVA A malária é uma doença endêmica no Estado do Amapá, com alta incidência em alguns munícipios deste Estado, com destaque para o Oiapoque, localizado na região de fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, o qual em 2010 apresentou índice parasitário anual (IPA) de 260 casos por cada mil habitantes, classificando-o como área de alto risco para transmissão de malária, com 3469 casos de P. vivax nesse mesmo ano, o que representou o maior número de casos no Estado. Ao considerar a incidência de malária pelo P.vivax no estado do Amapá em 2010, particularmente o alto IPA na região de fronteira no Município de Oiapoque, o percentual de positividade das lâminas de verificação de cura de 13,5% em 2010, associado às falhas terapêuticas para monoterapia com a cloroquina em 17,6% dos pacientes participantes de um estudo realizado por Calvosa (2005) entre 2003 a 2005 no Estado, os quais apresentaram recaídas tardias em D28, que apontam para possibilidade de resistência ou de falha terapêutica, torna-se relevante a caracterização dos possíveis fatores determinantes das recaídas. Assim sendo, a verificação da ocorrência da resistência e/ou dos determinantes que influenciam para a falha terapêutica, a monitorização dos níveis sanguíneos de cloroquina e primaquina, e a genotipagem das variantes do P. vivax emerge como ferramenta propícia para o entendimento destes casos. Uma vez que eliminados problemas associados à biodisponibilidade dos antimaláricos e dos outros fatores responsáveis pelas falhas terapêuticas, pode-se creditar a recaída a resistência efetiva ou a reinfecção. A eficácia do tratamento do P. vivax no Brasil foi avaliada em vários estudos, contudo, poucos trabalhos avaliaram de forma integrada os determinantes responsáveis pela falha terapêutica, que não estão diretamente relacionados ao fenômeno biológico da resistência do parasito ou a resposta imune do hospedeiro, os quais têm potencial viável para interferir na interpretação dos estudos dessa natureza. Portanto, neste estudo foram avaliadas as respostas parasitológica e terapêutica dos pacientes com malária vivax frente ao esquema padrão de tratamento do Ministério da Saúde do Brasil com a cloroquina e primaquina, considerando a integralidade dos fatores externos da falha terapêutica, no contexto socioambiental das interações fronteiriças do Brasil com a Guiana Francesa. 40 1.8 OBJETIVO GERAL Avaliar a resposta parasitológica e terapêutica dos pacientes com malária vivax frente ao esquema padrão da cloroquina associada à primaquina no contexto das interações fronteiriças do Brasil com a Guiana Francesa. 1.8.1 Objetivos Específicos 1. Descrever o perfil sócio-econômico-demográfico dos portadores da malária vivax no município de Oiapoque; 2. Determinar a densidade parasitária, o tempo de clareamento da parasitemia, a concentração sanguínea da cloroquina e primaquina, e a classificação e avaliação da resposta parasitológica e terapêutica dos pacientes com malária vivax frente ao esquema padrão de tratamento considerando a integralidade dos seguintes determinantes na eficácia terapêutica: a qualidade, validade e armazenamento dos antimaláricos, a acurácia do diagnostico do Plasmodium, o ajuste do peso/dose da primaquina, a orientação ao paciente e, a adesão integral ao tratamento, no contexto socioambiental das interações fronteiriças do Brasil com a Guiana Francesa. 3. Descrever a distribuição dos genótipos da CS do P. vivax VK210, VK247 e Plasmodium vivax-like em amostras coletadas no município de Oiapoque. 41 2 MATERIAL E MÉTODOS 2.1 ÁREA DE ESTUDO O Município de Oiapoque, pertence ao Estado do Amapá, região amazônica, extremo norte do Brasil. Faz fronteira Internacional com a Guiana Francesa departamento ultramarino da França, separados pelo Rio Oiapoque, que flui em direção ao nordeste do município e deságua no Oceano Atlântico. Limita-se ao sul com os municípios de Calçoene, Serra do Navio e Pedra Branca do Amaparí, ao leste é banhado pelo Oceano Atlântico. Está situado a 590 km da capital, Macapá, ligando-se por via terrestre através da BR 156 (GEA, 2013). O município possui uma sede municipal, Oiapoque, e quatro distritos: Clevelândia do Norte (área de destacamento militar do exército); Vila Velha (área de propriedades agro-extrativas); Vila Brasil (serve de apoio aos garimpos infiltrados na Guiana Francesa); Taparabú (área de apoio aos pescadores da costa marítima). Ainda fazem parte do município as reservas ambientais: Parque do Cabo Orange e Parque das Montanhas do Tumucumaque. Além das terras indígenas, com destaque para as etnias Karipuna, nas aldeias de abrangência do Polo Base Manga; os Galibi Marworno e Galibi, no Polo Base Kumarumã e os Palikur, residentes nas aldeias do Polo Base Kumenê. (GEA, 2013). A área geográfica de Oiapoque é de 22.625 km 2. Possui população de 22.986 habitantes, além de uma população flutuante de 10.000 a 12.000 indivíduos (IBGE, 2013). O clima é equatorial, com umidade relativa média de 82%. A precipitação anual varia entre 2.700 e 3.300 mm. A temperatura média é de 27 º C, variando entre 26 e 33 ° C. Temperaturas mais altas coincidem com os meses mais secos do ano de setembro a novembro. (ANA, 2011). Nesta cidade circulam moradores, visitantes, garimpeiros, militares e índios, com fluxo populacional intenso em decorrência da fronteira com a cidade de Saint George (Guiana Francesa), com movimento de canoas que transportam passageiros de um lado para outro, franceses e brasileiros, em uma relação que envolve comércio, turismo, vida social etc., mas, que também favorece a disseminação de doenças transmissíveis como a malária (Andrade, 2005). Em 2010, Oiapoque apresentou alto índice da doença com 260 casos por 1.000 habitantes, evidenciando a escolha desta área estratégica de transmissão de malária para o presente estudo. 42 2.2 CASUÍSTICA 2.2.1 Abordagem Epidemiológica Para as análises epidemiológicas, foram incluídos na pesquisa 103 sujeitos entre agosto e dezembro de 2011, após concordarem e assinarem o termo de consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 01). Foi aplicado um formulário estruturado no momento da inclusão do paciente, e também durante os dias de seguimento do tratamento (Apêndice 02) que foi baseado no manual de terapia da malária (Brasil, 2001), bem como, foram compilados os dados do Formulário de Notificação de Informações do Sistema SIVEP – malária (Anexo 02). Assim, em relação à variável ocupação, foi considerada a atividade declarada pelo sujeito da pesquisa, no momento em que este possivelmente contraiu a doença, 15 dias antes do inicio dos sintomas, para a escolaridade, e para os anos de escolaridade utilizouse o critério constante na ficha notificação do paciente do Sistema de Informação SIVEP-Malária. 2.2.2 Análise Retrospectiva dos Casos de P. vivax versus Precipitação Os dados de incidência de malária entre os anos de 2006-2011 foram compilados a partir de dados do Ministério da Saúde, SIVEP - Malária. Os dados de precipitação foram obtidos no Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá - Núcleo de Hidro meteorologia e Energias Renováveis , e do Instituto Nacional de Meteorologia (NHMET, 2011; ANA, 2011). A precipitação acumulada foi calculada para cada mês, a partir de janeiro de 2006 a dezembro de 2011. 2.2.3 Estudo longitudinal Dos 103 sujeitos inclusos entre agosto e dezembro de 2011, 95 foram integralmente acompanhados por 28 dias nos dias D0, D1, D3, D7, D14, D21 e D28. A seleção dos pacientes foi por demanda espontânea, dentre os indivíduos atendidos na Unidade Mista de Saúde de Oiapoque e nos Centros de Saúde Nova Esperança e Planalto, com o seguinte critério de inclusão: ambos os sexos, com idade entre 10 a 60 anos, exame de gota espessa positiva para malária por Plasmodium vivax, densidade parasitária de 200 a 100.000 parasitos/µL, e somente 43 os pacientes ou os responsáveis que concordaram em assinar o TCLE. Foram excluídos, os pacientes portadores de malária com doença crônica/infecciosa concomitante, positivos para malária mista, grave ou complicada, as gestantes, relatos de história de hipersensibilidade aos medicamentos do esquema terapêutico (PAHO, 2004) e, aqueles que discordaram em participar do estudo ou não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice 01). 2.3 TRATAMENTO DA MALÁRIA 2.3.1 Avaliação Clínica Os casos positivos que não apresentaram sintomas clínicos de malária complicada foram incluídos no estudo, e foram devidamente tratados e acompanhados pela equipe técnica composta de quatro agentes notificantes, quatro microscopistas, dois agentes de endemia, dois farmacêuticos, um biomédico e um médico, na unidade mista de saúde do Oiapoque e nos Postos de Saúde Nova Esperança e Planalto. Os indivíduos que apresentavam sintomas: febre, dor de cabeça e calafrios, entre outros, em adição a positividade microscópica, foram incluídos na avaliação após o diagnóstico. Os sinais e sintomas foram definidos como "presente" ou "ausente" pela equipe técnica de acordo com as medições de temperatura e também por uma entrevista específica (apêndice 02), na qual foram avaliadas às manifestações clínicas comuns do acesso malárico e demais achados (BRASIL, 2010). Os pacientes foram avaliados nos dias: D0, D1, D3, D7, D14, D21 e D28. Para tal, foi utilizada a ficha de inclusão e acompanhamento do paciente (apêndice 02) e a ficha do SIVEP-Malária (anexo 02). 2.3.2 Esquema de Tratamento Todos os pacientes receberam tratamento padrão do Ministério da Saúde do Brasil; cloroquina em 3 dias e primaquina em 7 dias: 10 mg de cloroquina base/kg de peso corporal no primeiro dia, seguido por 7,5 mg/kg, no segundo e terceiro dia, correspondente a uma dose total de 25 mg/kg de peso corporal. A primaquina foi utilizada em dose de 0,50 mg base/kg por sete dias, na dose total de 3,0 a 3,5 mg/kg de peso e dose total diária em torno de 0,30mg/dia (Brasil, 2010). Foi esclarecida a 44 importância da reposição da dose na ocorrência de vômito em menos de trinta minutos após a ingestão do medicamento, assim como, nos casos de diarreias intensas e prolongadas, para que os pacientes entrassem rapidamente em contato com a equipe de saúde, e assim, fossem evitadas as subdosagens inerentes destas situações (Brasil, 2010). Os pacientes incluídos no estudo que reuniram os critérios para caracterização de fracasso do tratamento padrão receberam o esquema profilático com cloroquina semanal em 12 semanas, observando-se a idade o peso e a dose de 5 mg/kg/semana, tendo-se o cuidado de certificar se houve adesão correta do paciente ao tratamento convencional (Brasil, 2010). 2.3.3 Ajuste da Dose e Tempo de Administração da Primaquina A Dosagem da primaquina foi ajustada de acordo com o peso do paciente, como preconizado pelo Ministério da Saúde do Brasil (Brasil, 2010). Foi efetuada a distribuição de balanças digital, previamente aferidas, em todos os postos de notificação de malária que incluíram pacientes no estudo, as quais foram utilizadas para aferir o peso corporal de todos os pacientes inseridos no estudo objetivando ajustar a dose e tempo de administração da primaquina para pacientes com peso igual ou superior a 70 kg, conforme quadro 4 (Brasil, 2010). A pesagem de cada paciente foi realizada no primeiro dia de inclusão no estudo. Ressalta-se que tal conduta não era realizada anteriormente nos locais deste estudo. Quadro 4. Ajuste da dose e tempo de administração da primaquina para pacientes com peso igual ou superior a 70 kg. Faixa de peso (kg) Dose total de primaquina (mg) Tempo de administração (dias) Esquema curto (30 mg/dia) 70-79 240 8 80-89 272 9 90-99 304 10 100-109 336 11 110-120 368 12 Fonte: Ministério da Saúde, Brasil (2010). 45 2.3.4 Avaliação de Adesão ao Tratamento Todos os pacientes incluídos neste estudo receberam orientações claras e cuidadosas no momento da entrega dos medicamentos sobre a importância da adesão ao tratamento, esclarecendo sobre a necessidade de ingerir todas as doses de primaquina para evitar a recaída pelos hipnozoítas. A adesão ao tratamento foi avaliada pelo seguimento do tratamento, com verificação e contagem dos números de comprimidos ingeridos e entrevista de acompanhamento dos pacientes nos dias D0, D1, D3, D7, D14, D21 e D28 e confirmada posteriormente pela dosagem sanguínea dos antimaláricos. 2.3.5 Classificação da Resposta Parasitológica e Terapêutica A resposta parasitológica foi classificada em sensível (S), ou resistente tipo I, II e III, seguindo os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) para áreas com intensa transmissão (PAHO, 2004). Adicionalmente, foi realizada a confirmação do diagnóstico molecular das variantes do P. vivax para todas as amostras positivas ou recorrentes como descrito por Cassiano et al., (2011). A cura parasitológica foi considerada como o desaparecimento da parasitemia assexuada a partir do início da terapêutica específica, até um período de acompanhamento de no mínimo vinte e oito dias. Os pacientes foram conscientizados sobre a importância de realizar as lâminas de verificação de cura nos dias pré-determinados, para confirmar a cura do tratamento. A caracterização da falha terapêutica ao tratamento foi baseada no achado de recorrência parasitária ao longo de 28 dias de seguimento. Já a resistência ao tratamento foi baseada no achado de recorrência parasitária em presença de concentração efetiva mínima de cloroquina (CQ) e desetilcloroquina (DCQ) de 100 ng/mL no sangue total, no dia da falha, no período de 28 dias, independente das fontes de recorrências: recrudescências, reinfeções e recaídas (Baird, 2004; 2009). 2.4 PROCEDIMENTOS LABORATORIAS 2.4.1 Amostras Sanguíneas para as Análises Laboratoriais Para o diagnóstico e parasitemia da malária foram coletadas por punção da polpa digital com lancetas descartáveis amostras de sangue periférico em volume 46 aproximado de 20μL. A seguir, aplicadas em lâminas de vidro para a confecção da gota espessa nos diversos dias de estudo (0, 1, 3, 7, 14, 21 e 28) (OPAS, 2004). Para dosagem de antimaláricos foram coletados um tubos de 3mL de sangue venoso com anticoagulante EDTA nos dias: 0, 3, 14, 21 e 28, e mantidas a -20o C. Da amostra em tubo do dia inicial (D0) retirou-se alíquota de 100 a 150 µL de sangue venoso de portadores do P. vivax para análises moleculares em criotubo com anticoagulante EDTA, e mantidas a -20o C. Para dosagem dos antimaláricos uma alíquota aplicados em papel de filtro (Whatman 17Chr,® Pensilvânia, USA) secas a temperatura ambiente por 24 horas. A seguir, o papel de filtro foi acondicionado em envelopes de papel comum (PAHO, 2006). 2.4.2 Avaliação da Qualidade Físico-química dos antimaláricos O difosfato de cloroquina e de primaquina foram produzidos pelo Laboratório Farmanguinhos – Fundação Oswaldo Cruz/Rio de Janeiro, Brasil e, fornecidos pela Coordenadoria de Assistência Farmacêuticos do Amapá. A concentração, o prazo de validade, e lotes, para primaquina 15mg: 30/06/2012V, 10060593L, e para cloroquina 150mg, 30/08/2012V, KWOG13L, foram observados antes da administração dos fármacos, como também, foi realizado o controle de qualidade físico-química destes medicamentos, com a determinação do peso dos comprimidos de acordo com os métodos gerais descritos na Farmacopeia Brasileira 5ª edição, volume 1 (ANVISA, 2010a). Foi realizado o teste de dissolução e determinação do teor, conforme descrito na metodologia para comprimidos de difosfato de cloroquina e para o difosfato de primaquina da Farmacopeia Brasileira 5ª edição, volume 2 (ANVISA, 2010b). Como parâmetro de aceitabilidade da Farmacopeia Brasileira 5ª edição, os teores de difosfato de cloroquina nos comprimidos devem estar compreendidos entre 93,0% e 107,0% do valor rotulado. Para o teste de dissolução aceitou-se que 70% de difosfato de cloroquina e 80% de difosfato de primaquina, proporções relativas à quantidade declarada no rótulo, se dissolvam em 45 minutos. 2.4.3 Diagnóstico e Tempo de Clareamento da Parasitemia Para o diagnóstico das lâminas de malária, foi utilizada a gota espessa corada pelo Giemsa, segundo a técnica de Walker e, examinadas em microscópio óptico 47 (OPAS, 1975). Todas as lâminas positivas foram revisadas pelos microscopistas revisores do exame da gota espessa em Oiapoque, e também o diagnóstico do P. vivax foi posteriormente confirmado por técnica molecular (KIMURA et al., 1997). A parasitemia foi determinada pela contagem de parasitos em 100 campos microscópicos (750 vezes), sendo este valor multiplicado por cinco, e o resultado expresso em parasitos por milímetro cúbico de sangue. Foi considerada negativa quando, ao examinar, no mínimo 200 campos da gota espessa, não se visualizaram formas assexuadas do P. vivax (OPAS, 1975). A gota espessa foi realizada em D0, D1, D3, D7, D14, D21 e D28. A parasitemia foi classificada em: baixa, até 15.000 parasitos por mm3 de sangue; média, de 15.001 a 60.000 parasitos por mm 3 de sangue, e alta com resultado igual ou maior que 60.001 parasitos por mm3 de sangue (Alecrim, 1981). O tempo de clareamento da parasitemia (TCP) dos pacientes nas lâminas de gota espessa foi verificado a cada 24 horas nos dias D1, D2, D3, D5 e D7, os valores expressos em horas. 2.4.4 Teor Sanguíneo de Difosfato de Cloroquina e Primaquina As concentrações sanguíneas dos antimaláricos foram quantificadas pelo método da cromatografia líquida de alta eficiência em fase reversa. A execução do procedimento analítico para determinação dos teores sanguíneos do difosfato de primaquina e difosfato de cloroquina e a validação dos métodos foram realizados no laboratório de toxicologia de Universidade Federal do Pará (UFPA), com a supervisão do Professor Doutor José Luís Fernandez Vieira. A quantificação de primaquina foi realizada após extração do plasma de acordo com Dua e colaboradores (1996) e Ferreira (2010). As condições cromatográficas para determinação de primaquina foram: Detector UV(254nm, Fluxo 1mL/min, Coluna RP-8,15cm, 5μm e 4,6 mm de diâmetro interno (Waters, Saint Quentin-en-Y velines, France), Fase Móvel Acetonitrila:Metanol:Água (30:26:95,v/v), pH=5, Volume de Injeção 50μL. Em 100µL de amostra de plasma foi adicionado 100 µL de quinidina (padrão interno) na concentração de 10,5µg/mL, agitou-se em vórtex por 30 segundos, adicionou-se 100 µL de NaOH 2M, agitou-se novamente por 30 segundos, adicionou-se 1mL de Diclorometano:Éter-metil-terc-butílico (3,5:1,v/v), agitou-se 48 durante 20 minutos. Após centrifugação a 2000 rpm por 10 minutos, removeu-se a fase orgânica da porção superior do tubo, descartou-se a porção inferior. A fase orgânica foi evaporada em banho maria a 62º C e depois ressuspendeu-se o precipitado com 100 µL de fase móvel, agitou-se em vórtex. Injetou-se 50 µL no cromatógrafo líquido de alta eficiência. O tempo médio de retenção da primaquina foi de 8.8 minutos e da quinidina (padrão interno) foi de 7.0 minutos. O procedimento analítico validado para determinação de primaquina demonstrou que o método foi linear de 10 a 900ng/mL. O coeficientes de variação médios intra e inter dias foram 8.3% e 12.1%, respectivamente. O limite de detecção foi 5ng/mL e o limite de quantificação de 10ng/mL. A recuperação média de primaquina foi 90.3%. A estabilidade de amostras adicionadas de primaquina foi 120 dias nas condições descritas acima (Dua e colaboradores 1996). A quantificação de cloroquina foi realizada em sangue total após prévia extração do papel de filtro, adaptado de Patchen e colaboradores (1983) e Lejeune e colaboradores (2007). As condições cromatográficas foram: coluna C-8, x-terra tamanho 4,6 x 150mm, partículas de 5µm, em fase reversa RP18, pré-coluna: xterra, RP18 3,9 x 20mm, partículas 5µm, fase móvel: 40% acetonitrila, 60% (trietilamina a 1% em água), pH 10.5 fluxo: 1,2 mL/min, detecção UV: 333nm, excitação: 330nm, temperatura 25 0C, volume de injeção 50µL. Transferiu-se o papel de filtro contendo sangue total para tubo de centrifugação de 15mL, adicionou-se 1,5 mL de ácido clorídrico 0.1 M e 100L de quinidina 10,5µg/mL (padrão interno). A amostra foi centrifugada a 60 rpm por 20 minutos, e submetida a ultra som por uma hora. Removeu-se cuidadosamente o papel de filtro. Ao tubo foi adicionado 0,5 mL de hidróxido de sódio 2 M e 6 mL de Éter-metil-terc-butílico. Colocou-se no agitador de tubos por 15 minutos, centrifugouse a 2000 rpm por 10 minutos e removeu-se a fase orgânica da porção superior do tubo, a água foi evaporada e o resíduo ressuspendido com 100 µL de fase móvel, com agitamento em vórtex, e após injetou-se 50 µL no cromatógrafo líquido de alta eficiência, o tempo médio de retenção da cloroquina foi de 20.0 minutos e da quinina (padrão interno) foi de 6.0 minutos. O método de extração da cloroquina previamente validado nas condições laboratoriais apresentou limite de detecção de 25ng/mL e o limite de quantificação de 38ng/mL. O método foi linear de 38 a 250ng/mL. A recuperação média foi 87%. 49 Os coeficientes de variação intra e inter dias foram 10,5% e 13%. A estabilidade de amostras adicionadas de cloroquina foi 90 dias. 2.4.5 Diagnóstico Molecular do Genótipo da CS do P. vivax Um total de 91 indivíduos foi avaliado nesta etapa do estudo, e foram divididos por local de infecção no município de Oiapoque ou na Guiana Francesa. As análises moleculares foram realizadas em parceria com o Centro de Investigação de Microrganismos da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, com a supervisão do Professor Doutor Ricardo Luiz Dantas Machado. Para o diagnóstico molecular dos genótipos da CS do P.vivax (VK210, VK247, e P. vivax-like) foi utilizada a técnica de PCR/RFLP descrita por Cassiano et., al. (2011). 2.4.5.1 Reação em Cadeia da Polimerase O DNA foi extraído pela técnica do Kit de extração Easy-DNA™ (Invitrogen, California/USA). O protocolo de PCR/RFLP foi realizado como descrito por Cassiano et al., (2011). O PCR foi realizado com 100 ng de DNA, o tampão (10 mmol/LTrisHCl, PH 8,3, 50 mmol/L KCl), 1,5 mmol/L de MgCl2, 1,0 μmol/L de cada oligonucleotídeo iniciador: PR1 (5'-TGAAAATAAGCTGAA ACAACCAG-3'), e PR2 (5 '-GGTTACACTGCATGGAGTCC AT-3'), 200 μ mol/L desoxirribonucleotideo trifosfato (dNTPs), 2,5 U ampli-Taq DNA polimerase, 1% Betaína volume total de reação 25 μL. Foram realizados 25 ciclos de amplificação em um termociclador, após desnaturação inicial do DNA a 94 °C durante 5 minutos. Cada ciclo consistiu de um passo de desnaturação de 93 °C durante 60 s, um passo de anelamento em 41 °C durante 90 s, e um passo de extensão a 72 ºC durante 2 minutos, com uma extensão final a 72 ºC por 10 minutos. Após o último ciclo, os produtos da PCR foram analisados por eletroforese utilizando géis e 1,5% de agarose corados com brometo de etídio. As sequências dos genótipos da CS utilizadas estão disponíveis no banco de dados do GenBank (VK210 - M11926; VK247 - M69061; P. vivax-like - L13724). A especificidade foi alcançada utilizando o programa BLAST (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/BLAST/). Todos os oligonucleotídeos iniciadores foram sintetizados pelo IDT - Integrated DNA Technologies (USA). As enzimas foram 50 selecionadas contendo no mínimo um sítio de clivagem nos produtos de amplificação, com o auxílio do programa NEBcutter V 2.0, disponível no site http://tools.neb.com/NEBcutter2/index.php, resultando em fragmentos de DNA facilmente visíveis em gel de poliacrilamida. 2.4.5.2 Digestão dos Produtos da PCR A digestão foi realizada com 10 μL de produto da PCR e 1 U da enzima AluI (Promega, San Diego, CA), e incubadas por 1 h a 37 ° C. Os fragmentos da restrição foram separados por eletroforese em gel poliacrilamida 12,5%. Os géis foram corados com brometo de etídio e analisados em um transiluminador. Para distinguir entre os três genótipos da CS do P. vivax, foi utilizado a análise do RFLP com a enzima AluI para identificação dos fragmentos de 54, 106, e 135 pb para VK210 e 10, 38, e 673 pb para VK247, enquanto P.vivax-like mostrou um único fragmento de 10 e 726 pb. 2.5 Tamanho amostral Considerando o protocolo da Organização Mundial da Saúde para o estudo nas Américas da eficiência dos antimaláricos, mais especificamente em sua abordagem sobre a eficácia da cloroquina para o tratamento da malária pelo Plasmodium vivax. O tamanho da amostra foi determinado considerando a proporção de fracassos de P. vivax ao tratamento com cloroquina de não mais de 5% nas Américas, com uma população de tamanho infinito, e um nível de significância de 5%, e uma precisão de +5%, assim sendo, seriam necessário incluir no estudo um mínimo de 73 indivíduos. Assumindo uma taxa de abandono de 15% durante os 28 dias de seguimento, seriam necessários no mínimo 81 indivíduos (OPAS, 2004). Extrapolando esse quantitativo foram incluídos no estudo 96 indivíduos. 2.6 Análises estatísticas Para elaboração dos gráficos foi utilizado o programa Microsoft Office Excel 2007 e, o programa BioEstat 5.0 para as análises estatísticas. Para o nível de significância foi considerado o valor de p<0,05. As variáveis foram descritas como amplitude, mediana, média, desvio-padrão, variância. As proporções comparações e 51 associações foram realizadas pelos testes: Exato de Fischer, Qui-quadrado (x2), Mann-Whitney (U) e de Williams (G). A análise de dependência foi aplicada para avaliar o clareamento da parasitemia (tempo de clareamento versus densidade parasitária). (Ayres et al., 2007). A análise de correlação de Pearson determinou a associação entre a incidência de malária por P. vivax e precipitação, utilizando as taxas de incidência da doença e as médias mensais de precipitação acumulada no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2011. Para análises dos genótipos da CS do P. Vivax foi usando a versão 2.4.1 do software estatístico R (Fundação para R Statistical Computing, Viena, Áustria [http://www.r-project.org]). A análise da dependência foi usada entre a distribuição das variantes P. vivax CSP e as duas áreas estudadas. Para obter a independência entre as proporções, o teste exato de Fisher foi aplicado, e o teste Qui-Quadrado. 2.7 Considerações Éticas Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade SEAMA sob o número de protocolo CEP/SEAMA Nº. 079/08 de 27/11/2008 como parte integrante do projeto principal intitulado: “Avaliação da resposta terapêutica e medição dos níveis séricos da cloroquina e primaquina em pacientes com malária vivax em correlação com as variantes da proteína circumsporozoítica do Plasmodium vivax no município de Oiapoque área de fronteira Amazônica”. (Anexo 01). Este projeto teve o auxílio financeiro por meio do Programa de Pesquisa para o SUS - PPSUS, sob o número de processo N0 30.000.162/2009. Convênio CNPq/DPT/CGSAU/Registro N0 00077/2008/MCT/CNPq/SETEC-AMAPÁ. No valor global de R$ 31.747,22 (trinta e um mil setecentos e quarenta e sete reais e vinte e dois centavos) (anexo 03). 52 RESULTADOS 3.1. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DA MALÁRIA VIVAX NA FRONTEIRA DO BRASIL COM A GUIANA FRANCESA Para as análises epidemiológicas foram consideradas as variáveis: gênero e faixa etária, ocupação, escolaridade, local de origem, e local de provável infecção, em 103 (cento e três) pacientes portadores de malária por P. vivax não complicada diagnosticada no município de Oiapoque. 3.1.1. Gênero e Faixa Etária O gênero masculino predominou na amostra estudada (x2 = 7.674; p = 0,0076), correspondendo a 67% (69/103), na proporção de 2:1 do gênero masculino em relação ao feminino. A faixa etária mais atingida foi entre 20 a 29 anos, em seguida a de 30 a 39 anos, e a menor faixa foi de 10 a 14 anos, para ambos os gêneros, conforme demonstra a figura 5, com predominância de casos no gênero masculino em todas as faixas etárias (G=34.6904; p < 0.0004). A idade média dos indivíduos foi 30 (±12 desvio-padrão) anos, e a amplitude variou de 10 a 60 anos. As várias faixas etárias apresentaram distribuições similares de ocorrência de malária em relação ao gênero, (U= 6; p = 0,1745). Figura 5: Distribuição por gêneros e faixas etárias dos pacientes com malária vivax em Oiapoque. Fonte primária. com malária vivax em Oiapoque. 53 3.1.2. Ocupação Em relação às atividades exercidas pelos indivíduos nos 15 dias prévio ao início dos sintomas, a garimpagem ilegal foi a mais relatada, compreendendo 30,1% (31/103) dos casos (G = 54.7548 p < 0.0001), seguida de outras atividades, como consta na figura 6. Não houve relato para mineração legal. Figura 6: Distribuição das atividades exercidas pelos pacientes com malária nos 15 dias prévios aos sintomas. Fonte primária. 3.1.3. Escolaridade A distribuição da educação por nível de escolaridade (figura 7) demonstrou que o maior percentual 21,4% (22/103) de pessoas com malária correspondeu à 5ª a 8ª série incompleta (G = 38.2319; p < 0.0001). O percentual por anos de estudos demonstrou que 53,0% dos indivíduos desta pesquisa, estudaram 8 anos ou menos, o que representa escolaridade abaixo da conclusão do ensino fundamental, a qual, no Brasil é de 9 anos. Por outro lado, o menor percentual (16,8%) foi dos indivíduos que declararam até doze anos de estudos, correspondendo ao 2º grau completo. Figura 7: Distribuição percentual do nível de escolaridade dos pacientes com malária vivax em Oiapoque. Fonte primária. 54 3.1.4. Local de Origem dos Pacientes Em relação ao lugar de origem (nascimento) dos pacientes do estudo, foram referidos três Estados como demonstra a figura 8, sendo o Amapá (44,55%) o local de maior procedência, os quais foram subdividido em pessoas nascidas no próprio município de Oiapoque (23,76%) e em outros municípios desse Estado (20,79%), seguido dos Estados do Pará (30,70%) e do Maranhão (24,75%), que totalizaram 55.45% dos pacientes que migraram para essa fronteira (x2 = 6.193; p = 0.045). Figura 8: Proporção de pacientes com malária vivax em Oiapoque por local de origem. 3.1.5. Local Provável de Infecção na Fronteira Franco-brasileira Foram relatados 71 casos autóctones de malária por P. vivax originários do Oiapoque, e 32 de casos importados da Guiana Francesa, na proporção de 2:1, (x 2 = 14.44; p = 0.0002). Dos casos importados, vários garimpos clandestinos foram relatados como local provável de infecção, com o maior percentual oriundo do garimpo do Sikini com 21,9% dos casos (G = 36.2417; p < 0.0001), (figura 9). Figura 9: Casos de malária por P. vivax segundo local provável de infecção, e importados dos garimpos clandestinos da Guiana Francesa para Oiapoque. Figura adaptada de Amapá Oiapoque SVG e French Guiana Political Map 1992. 55 3.1.6. Variação Pluviométrica e a Incidência de Malária por P. vivax Ao considerar precipitações médias mensais nos anos de janeiro de 2006 a dezembro de 2011, percebeu-se que os meses de março, abril e maio apresentaram as maiores precipitações pluviométricas médias (385 mm, 449 mm e 429 mm respectivamente), as quais reduziram nos meses subsequentes até alcançar as menores médias mensais de precipitações (49 mm, 58 mm, 75mm) que corresponderam aos meses de setembro, outubro e novembro, começando a aumentar novamente a partir do mês de dezembro. Ao comparar a variabilidade intra-anual da taxa de incidência, considerando a média mensal da incidência de malária no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2011, um platô foi observado para o P. vivax: em outubro e novembro (meses mais secos), (Figura 10). Houve forte correlação negativa entre a taxa de incidência mensal da malária vivax e a precipitação pluviométrica mensal acumulada (p = 0.0026), nos anos de janeiro de 2006 a dezembro de 2011, no trimestre mais chuvoso houve menor incidência de casos e no mais seco maior incidência da doença. Porém, observou-se pelo coeficiente de correlação de Pearson (r Pearson - 0.78) que, somente 78% da incidência da doença está associada de forma inversa a precipitação pluviométrica. Figura 10: taxas intra-anual de incidência de malária versus chuvas mensais acumuladas em Oiapoque no período (2006-2011). As taxas de incidência foram calculadas a cada mês para P. vivax. Fonte primaria. 56 3.2 RESPOSTA PARASITOLÓGICA E TERAPÊUTICA PARA MALÁRIA VIVAX E O CONTROLE DOS DETERMINANTES DA FALHA TERAPÊUTICA De agosto a dezembro de 2011, 103 (cento e três) pacientes portadores de malária por P. vivax não complicada diagnosticada no município de Oiapoque foram inicialmente incluídos no estudo. Destes, 95 (noventa e cinco) casos foram integralmente acompanhados e seu progresso foi avaliado por vinte e oito dias. 3.2.1 Determinação da Densidade Parasitária dos Pacientes A parasitemia dos 95 participantes determinada no dia inicial do tratamento em D0 variou de 200 a 36.000 parasitos/mm 3. A contagem das formas assexuadas foi de 1168 (± 3,32) parasitos/mm3 (média ± desvio padrão), o perfil da parasitemia apresentou um pico em D0, com posterior declínio a partir de D2, até zerar completamente em D28, tabela 1, com exceção de um paciente que apresentou 400 parasitos/mm3 em D28. Foi observada concordância do diagnóstico da espécie de plasmódio de 100%, quando comparados os resultados dos microscopistas com os microscopistas revisores de Oiapoque, bem como, houve 100% de concordância com o diagnóstico do P. vivax por técnica molecular. A classificação da densidade parasitária dos pacientes no dia inicial (D0) revelou baixa parasitemia (nº parasitos/mm3 < 15.000) em 94,7% dos pacientes, média parasitemia (nº parasitos/mm3 15.001–60.000) em 5,3% pacientes e ausência de altas parasitemias (nº parasitos/mm3 > 60.000), (x2=169,88 p < 0.0001). Tabela 1 – Densidade parasitária dos pacientes com malária vivax no município de Oiapoque, Estado do Amapá. Dias de seguimento Parasitos: forma assexuada Média geométrica (V/mm3) Desvio padrão geométrico Mínimo (parasitos/mm3) Máximo (parasitos/mm3) Paciente com recaída (parasitos/mm3) No de pacientes D0 D3 D7 D14 D21 1167,86 40,33 0 0 0 ± 3,32 ± 4,07 0 0 0 200 5 0 0 0 36000 350 0 0 0 3000 350 0 0 0 95 19* 0 0 0 D28 0 0 0 0 400 01** * Pacientes que apresentaram parasitemia positiva em D3. Fonte: Dados primários, 2013. * * Paciente que apresentou parasitemia positiva em D28 57 3.2.2 Sinais e Sintomas Os principais sintomas foram febre (88%), calafrios e cefaleia (86%), sudorese (83%), mialgia (43%) e náuseas (56%). Febre foi à manifestação clínica inicial mais frequente presente em 88% dos casos, mas em 12% dos casos, a febre não foi à queixa inicial, outros sintomas foram citados tais como: cefaleia, mialgia e náuseas. A tríade malárica clássica (febre, calafrio e cefaleia) ocorreu em 46,7% dos casos. Houve correlação entre a parasitemia e os sinais e sintomas (Pearson = 0.9532; p< 0.0001). Quanto mais elevada a densidade parasitária, houve mais evidências de sinais e mais relatos de sintomas os quais foram quantificados em leve = 1, moderado = 2 e intenso = 3. 3.2.3 Tempo de Clareamento da Parasitemia dos Pacientes com P. vivax O tempo de clareamento da parasitemia (TCP) iniciando em D0 foi expresso como média e desvio padrão, com intervalo de 48 a 120 horas, o clareamento da parasitemia ocorreu na primeira semana de tratamento. A maioria dos pacientes apresentou clareamento da parasitemia assexuada em D3, em torno de 72 horas após o início do tratamento, porém, 20% dos pacientes ainda apresentaram parasitemia positiva neste intervalo de tempo. Contudo, todos tiveram a negativação da parasitemia confirmada em D7, em torno de 168 horas após o início do tratamento, (figura 11). Houve diferença estatística entre o tempo de clareamento e a média da parasitemia dos indivíduos, uma vez que, pacientes com média de parasitemia mais alta, apresentaram clareamento após o D3 (Test Z; p=0.0284). Figura 11: Tempo de clareamento da parasitemia em horas dos pacientes com P. vivax em Oiapoque. Fonte: dados primários. 58 3.2.4 Números de Episódios Prévios de Malária O maior relato foi de quatro ou mais episódios anteriores da doença, representando 46% do total. Já os primoinfectados corresponderam a 19% (figura 12). Houve diferença significativa entre o tempo de clareamento da parasitemia e a ocorrência ou não de episódios anteriores de malária (Teste X2, p < 0.0001), sendo que, 33,3% (6/18) dos primoinfectados apresentaram clareamento posterior ao terceiro dia, enquanto que, somente 15,6% (12/77) daqueles com relatos de episódios anteriores da doença tiveram clareamento posterior ao terceiro dia. Figura 12: Distribuição dos pacientes quanto ao número de infecções maláricas. Fonte: Dados primária. 3.2.5 Classificação da Resposta e Adesão ao Tratamento Dos 103 pacientes incluídos no estudo, 95 aderiram integralmente ao esquema de tratamento da cloroquina por 03 dias e primaquina por 07 a 10 dias. Ao longo da pesquisa, oito pacientes foram excluídos, seis por perdas no seguimento do tratamento e dois por terem sido reinfectados por Plasmodium falciparum. Noventa e quatro (99,0%) participantes acompanhados no estudo tiveram resposta clínica adequada (RCA) ao tratamento, com o completo desaparecimento dos sinais e sintomas, e completo clareamento dos parasitos, sendo classificados parasitologicamente como sensíveis (S). Um participante (1,0%) apresentou fracasso tardio do tratamento (FTT), com a resposta parasitológica classificada no padrão de resistência tipo RI, tabela 2. Este paciente recebeu tratamento com esquema profilático de cloroquina semanal por 12 semanas, na dose de 5 mg/kg/semana. O Perfil parasitológico do único paciente (1,0%) que apresentou Lâmina de verificação de Cura (LCV) positiva para o P. vivax em D28 encontra-se demonstrado na figura 13. 59 Tabela 2 – Classificação da Resposta Parasitológica e Terapêutica Resposta clínica RCA FTT S RI RII RIII Nº % Nº % Nº % 01 1.0 -- -- -- -- Resposta parasitológica Esquema Cloroquina + Primaquina Nº % 94 99.0 FPT Total 95 Legenda: RCA = Resposta clínica adequada, FTT = Fracasso tardio do tratamento, FPT = Fracasso precoce de tratamento, S = Sensível, RI = Resistência tipo I, RII = Resistência tipo II, RIII = Resistência tipo III, Nº = Número absoluto. Fonte primária. Figura 13: Perfil parasitológico do paciente com fracasso tardio ao tratamento da malária por P.vivax. Fonte primaria. 3.2.6 Ajuste Peso/Dose/Tempo de Administração da Primaquina Apenas um terço dos pacientes (32.6%) apresentou peso igual ou superior a 70 kg e recebeu ajuste da dose e do tempo de administração da primaquina de acordo com esquema curto do Ministério da Saúde. Dois terços dos pacientes (67,4%) com peso menor que 70 kg não necessitaram deste ajuste. Ressalta-se que, o paciente com recaída não necessitou de ajuste de dose da primaquina, visto que, seu peso foi de 45,000 kg. A distribuição por peso dos dois grupos está descrita na tabela 3. O tempo de tratamento do esquema curto foi ampliado variado de oito a dez dias para alcançar a dose total de primaquina nos pacientes com peso corporal superior a 70kg. As doses foram ajustadas com administração de 2 comprimidos de 15mg para cada dia, em torno de 0,30mg/dia. A dose total de primaquina variou de 240mg até 304mg naqueles pacientes que necessitaram de ajuste das doses em 60 função do peso. Contudo, as concentrações plasmáticas de primaquina foram semelhantes entre os pacientes com peso inferior a 70 kg e aqueles com peso igual ou superior a 70 kg (Teste Z = 1.5195; p= 0.0643), nos quais o ajuste de doses foi realizado. Tabela 3 – Descrição dos pacientes em relação ao peso. Descrição Peso < 70 kg Peso = ou > 70kg 64 31 Mínimo 31,000 70,100 Máximo 68,800 92,000 Média Aritmética 56,341 77,842 9,130 5,346 45,000 - Tamanho da amostra Desvio Padrão Paciente com recaída Fonte: Dados primários. 3.2.7 Qualidade Físico-química dos Antimaláricos O peso médio dos comprimidos para o difosfato de cloroquina foi de 412 mg, com variação unitária de -2,50% a 3,30% e para o difosfato de primaquina o peso médio foi de 128 mg, com os variação unitária de -5,30% a 4,25%. Nenhuma unidade de comprimidos estava acima ou abaixo do dobro das porcentagens de peso recomendado pela Farmacopeia Brasileira, e todas estavam dentro dos limites (-7,5% a 7,5%) de aceitação de comprimidos no teste de determinação de peso em formas farmacêuticas. O teste de dissolução dos comprimidos de difosfato de cloroquina apresentou valor de cedência de 78% (± 2,4 I.C) em 45 minutos, superiores ao valor de tolerância mínima de 70%. Os comprimidos de difosfato de primaquina apresentaram valor de cedência de 85% (± 3,2 I.C) em 45 minutos, superiores ao valor de tolerância mínima de 80%, e assim, aprovados no referido teste. O teste de teor para os comprimidos de difosfato de cloroquina apresentou valores entre 96,33% a 103,45%, do valor rotulado com média de 98,31% e desvio padrão relativo de 2,11%. Já os comprimidos de difosfato de primaquina apresentaram valores entre 98,12% a 101,13%, do valor rotulado com média de 99,87% e desvio padrão relativo de 2,28%. Portanto, os comprimidos de ambos os 61 fármacos se encontraram na faixa de aceitabilidade de 93,0% a 107,0% do valor rotulado, segundo recomendações da Farmacopeia Brasileira. 3.2.8 Dosagem Sanguínea do Teor dos Antimaláricos As determinações das concentrações plasmáticas do difosfato de cloroquina encontram-se descritas na tabela 4. Os valores encontrados nos dias D0 (antes do início do tratamento), D1, D3, e D28 (para o paciente com recaída) foram expressos como média e desvio padrão. Destaca-se que, as concentrações no sangue total de cloroquina de todos os pacientes foram superiores a 100ng/mL (Baird et al., 2004), inclusive do paciente que apresentou recaída com parasitemia positiva no 28º dia de seguimento. Tais achados caracterizaram a absorção adequada do medicamento. As concentrações plasmáticas do difosfato de primaquina nos dias D0 (antes do tratamento), D1, D3, e D28 foram expressas como média e desvio padrão (tabela 4). Após administração por via oral da primaquina, todos os pacientes alcançaram níveis de concentrações plasmáticas superiores a 13.1 ng/mL, valor de base para adequada absorção em D3 (Bathia et al., 1986). Tabela 4 – Concentração sanguínea de difosfato de cloroquina e de primaquina. DESCRIÇÃO DIFOSFATO DE CLOROQUINA EM ng/mL DIFOSFATO DE PRIMAQUINA Em ng/mL Dias de seguimento D0 D1 D3 D28 D0 D1 D3 D28 No de pacientes 95 95 95 1 95 95 95 1 Teor Médio ND 461.1 119.6 - ND 32.47 50.8 - Desvio Padrão ND 224.9 495.9 - ND 17.63 22.1 - Teor Mínimo ND 209 286 - ND 13.6 18.0 - Teor Máximo ND 992 2213 - ND 99.5 98.3 - Paciente com recaída ND 324 1120 210 ND 58.9 26.2 ND Fonte: Dados Primários. ND: Não detectado. 62 3.3 GENÓTIPOS DA CS DO P. vivax NA FRONTEIRA FRANCO-BRASILEIRA As frequências genotípicas da CS do P. vivax de amostras sanguíneas de 91 pacientes estão demonstradas na figura 14. Nas infecções simples o genótipo VK210 foi o mais comum, seguido pelo P. Vivax-like e VK247. Foram detectados todos os três genótipos CS em infecções mistas. O VK210 com VK247 e o VK210 com P. vivax-like, no entanto, a distribuição do genótipo VK247 pareceu ser mais homogênea que P. vivax-like na área de estudo, prevalecendo em 26.4% das amostras (análise de dependência, p = 0,030). Os genótipos P. Vivax-like e VK247 foram mais freqüentemente encontradas em associação com um dos outros dois genótipos do que em infecções simples. No geral o genótipo menos frequentemente encontrado tanto em infecções simples, quanto em associação com um dos outros dois genótipos foi o P. vivax-like. A amostragem dos parasitos realizada em Oiapoque seguiu um padrão similar de genótipos da CS do P. vivax observadas em outras áreas da região amazônica brasileira em que os três genótipos foram encontrados como infecção simples e mista, sendo o VK 210 e VK247 mais associado com uma das infecções mistas (Machado & Póvoa, 2000). Figura 14: frequência em percentual dos genótipos da CS do P. vivax nas amostras sanguíneas em Oiapoque. Fonte primaria. A distribuição das variantes dos genótipos da CS do P. vivax por provável local de infecção P. vivax diagnosticado em Oiapoque, no Brasil, na fronteira com a Guiana Francesa, estão descritas na tabela 5. O mesmo genótipo nas infecções simples o VK210 foi o mais prevalente, tanto em Oiapoque, quanto nos garimpos da Guiana Francesa. Os mesmos genótipos nas infecções mistas o VK210 + VK247, 63 também foram os mais prevalentes para os ambos locais de infecção. Não houve diferenças estatisticamente significativas para os genótipos da CS e o provável local de infecção entre as amostras de sangue infectadas com P. vivax coletadas dos pacientes oriundos dos garimpos da Guiana Francesa, e as amostras coletadas dos pacientes residentes no município de Oiapoque (Teste Qui-Quadrado, p = 0.1963 > 0.05). Tabela 5. Distribuição das variantes do P. vivax por local de infecção, de moradores de Oiapoque e infectados nos garimpos da Guiana Francesa. Fonte: Dados primários. A figura 15 demonstra os três genótipos da CS do P. vivax, pela análise do RFLP com a enzima AluI para identificação dos fragmentos das respectivas variantes: VK210 fragmentos de 54, 106, e 135 pb; VK247 fragmentos de 10, 38, e 673 pb; P.vivax-like mostrou um único fragmento de 10 e 726 pb. Figura 15: Restrições e digestão por PCR-RFLP com a enzima AluI para identificação dos fragmentos das variantes do P. vivax VK210, VK247 e P.vivax-like. Fonte primária. 64 As características básicas dos indivíduos com malária de acordo com o Genótipo da CS do P. vivax na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, estão descritas na tabela 6. As médias geométricas da parasitemia foram de 1.323 parasitos/mm3 (1001-1750) para o VK210, 1205 parasitos/mm3 (744-1951) para o VK 210 + VK247 e 750 parasitos/mm3 (295 - 1890) para infecções do VK210 + P. vivax-like. Tabela 6. Características básicas e a parasitemia por Genótipo da CS do P. vivax. Variantes circunsporozoíta do P. vivax n Gênero, % Idade* Parasitos/ µLǂ ǂ VK210 VK210 + VK247 VK210 +P. vivax-like 57 63.1 26 (21.6 – 29) 1323 (1001 – 1750) 24 75.0 28 (21 – 34.8) 1205 (744 – 1951) 7 85.7 19 (15.4 – 25.2) 750 (295 – 1890) * Media (IQR); Média Geométrica (95% CI); Fonte: Dados primários. Apenas um caso de recidiva foi observado, e nestas duas amostras (D0 e D28) foi encontrado o VK210. No entanto, os produtos de PCR foram purificados e submetidos para a reação de sequenciamento. Nucleotídeos das sequências genéticas CS encontradas foram comparadas com as sequências disponíveis no banco de dados GenBank (VK 210, número de acesso 11926; VK247, número de acesso M69061; P. vivax-like, número de acesso L13724). Embora, o mesmo genótipo da CS do P. vivax tenha sido encontrado nas duas amostras, os dois seguimentos gênicos da CS produzidos diferiram em relação ao número de repetições, e em algumas alterações de nucleotídeos na região de repetição central. 65 4 DISCUSSÃO 4.1 Abordagem Epidemiológicos da Malária na Fronteira Franco-Brasileira As características socioeconômicas e culturais, bem como, as interferências do homem sobre o ambiente influenciam significativamente o adoecimento por malária, uma vez que podem favorecer o contato do homem com o vetor e consequentemente com o agente etiológico (Marques et al., 1982). No presente estudo, apesar dos casos de malária por P. vivax ocorrerem em ambos os gêneros, houve predominância em adultos do gênero masculino. As faixas etárias de maior incidência da doença, para ambos os gêneros, correspondem ao segmento principal da população economicamente ativa (IPEA, 2012). Estes resultados corroboram estudos realizados em outros Estados da Amazônia brasileira, os quais relacionaram a malária com o gênero, a idade, e a faixa-etária (Calvosa, 2005; Barbosa et al., 2006; Teixeira, 2011). Entretanto, o fato da doença acometer aos homens em maior proporção, permite estabelecer relação com um dos principais motivos de atração da população migrante masculina para essa área de fronteira do Brasil, que são os garimpos clandestinos, situados em áreas de elevada incidência de malária na Guiana Francesa. Parte da relação entre atividade ocupacional e a situação de saúde do indivíduo pode ser atribuída aos diferentes fatores de riscos nas condições de trabalho e a um menor suporte social nas classes menos favorecidas (Schrijvers et al., 1998). No presente estudo, a garimpagem ilegal foi a principal atividade ocupacional relatada. Partindo dessa premissa, há de se considerar o panorama da ocupação, nos garimpos clandestinos localizados na Guiana Francesa, os quais estão situados em locais de difícil acesso, no interior da floresta amazônica, com precárias condições de moradia e saneamento básico, com muitos casos de malária e grande risco de exposição ao vetor transmissor, somada a ausência de assistência à saúde. ou seja, a atividade ocupacional exercida por esses indivíduos em condições desfavoráveis, está atuando como fator de risco para manutenção e transmissão da malária nessa região. O nível de escolaridade é qualificado como um elemento fundamental a ser considerado tanto na análise dos determinantes da saúde quanto na abordagem da população para execução de práticas de promoção e recuperação da saúde (Batistella, 2007). Nos resultados deste estudo, observa-se a predominância de 66 indivíduos com baixo nível de ensino. Nesta perspectiva, a baixa escolaridade dos indivíduos tem contribuído como importante preditor social na incidência da doença na região, visto que, limita a procura por emprego formal no mercado de trabalho, levando-os a buscar alternativas econômicas comuns nessa região de fronteira, como os garimpos clandestinos, contribuindo assim, para a manutenção da enfermidade. No contexto da migração e saúde, existe uma tendência consensual para considerar que a migração populacional pode ou não representar fator de risco à saúde (Dias & Gonçalves, 2007; Carballo, 2007). No caso da malária, a mobilidade populacional se revela como um processo social determinante que influencia a densidade demográfica em determinadas áreas e que favorece a transmissão da doença (Souza et al., 1986; Costa, 2982). Os resultados encontrados demonstram primeiramente um considerável fluxo migratório para essa área de fronteira, constituído pela parcela significativa da população flutuante em constante deslocamento (76,24%), vindo de outros municípios do próprio Estado do Amapá ou dos Estados do Pará e Maranhão. Destacam-se também, os casos de malária importada da Guiana Francesa que corresponderam a 31% da casuística e corroboram com os dados informados pelo Sistema de Informação para Malária do Ministério da Saúde do Brasil, segundo o qual, em 2010, ocorreram 5.329 casos de malária em Oiapoque, destes 1.410 (26,5%) foram importados da Guiana Francesa (Brasil, 2012). Revelando assim, o papel da migração transfronteiriça na transmissão e manutenção da doença. Particularmente, quando se observa a disseminação de garimpos clandestinos na Guiana Francesa em locais de florestas densas, favoráveis à proliferação do vetor e da doença. Além disso, não há disponibilidade de tratamento gratuito e adequado, nesses assentamentos ilegais, fazendo com que as pessoas com sinais e sintomas de malária, retornem ao Oiapoque (Brasil) em busca de tratamento. Adicionalmente, este fluxo contribui para transmissão e propagação da doença entre os moradores do município, sugerindo um processo de automanutenção da malária nessa região. Os achados do presente estudo corroboram com Andrade (2005) e Peiter et. al. (2008) em referência a associação positiva entre os efeitos da migração sobre a distribuição e a incidência de malária na fronteira Franco-brasileira. Alguns estudos no Estado do Amapá e na Amazônia investigaram a relação entre precipitação e incidência de malária, e mostraram variada associação entre 67 número de casos de malária e precipitação pluviométrica (Andrade Filho et. al., 2008; Parente, 2008; Amanajás, et. al., 2011; Omena et al., 2011). Em Oiapoque, a incidência de casos aumentou quando ocorreu a diminuição da precipitação das chuvas intensas, e alcançou pico nos meses mais secos, sugerindo que esse aumento de incidência após período de chuvas intensas propicia o aumento da transmissão do parasito. Provavelmente pelo surgimento de criadouros propícios, que favorecem o aumento da biomassa de mosquitos vetores da doença. Em Oiapoque, o pico de malária vivax ocorreu em outubro e novembro, com padrões de transmissão similares aqueles observados no município francês de Saint-Georges, na margem oposta do rio Oiapoque, enquanto que em Camopi, na Guiana Francesa, um grupo rural de aldeias indígenas ao longo do Rio Oiapoque, situada a 92,5 km do município do Oiapoque, esses meses corresponderam ao período de menor incidência (Stefani, et al., 2011). Apesar da característica urbana de Oiapoque e rural de Camopi, e a população de estudo em Oiapoque ter sido constituída por adultos enquanto que em Camopi por crianças (Stefani, et al., 2011), os ambientes são geograficamente próximos e com características semelhantes, esperando-se que os padrões sazonais fossem similares. Uma hipótese para justificar tal discrepância seria fundamentada no fato de que as migrações sazonais dos garimpeiros influenciam a distribuição epidemiológica da malária em Oiapoque, criando assim, uma diferença sazonal entre os dois locais. Outra possibilidade seria a possível diversidade de ecologia e comportamento das populações de vetores. Em Oiapoque, os locais de reprodução dos vetores dependem das chuvas. Há muitas várzeas e áreas úmidas na cidade e seus arredores, em Camopi, os locais de reprodução estão ligados aos rios e riachos (Stefani, et al., 2011; Girod, et al., 2011). As diferenças geográficas entre o rural e os sítios urbanos também contribuem para este quadro. Contudo, os padrões migratórios sazonais de pacientes com malária devem ser investigados associados a estudos entomológicos e ambientais nesta área de fronteira, e carecem de avaliação mais detalhada. Além do que, estudos posteriores mostraram relações significativas entre o risco de transmissão da malária e a cobertura do solo e/ou seu uso na região (Stefani, et al., 2013). Diferenças de cobertura e formas de uso do solo podem modificar a dinâmica de transmissão. Um maior tempo de estudo e de acompanhamento seria necessário para compreender a dinâmica de transmissão da malária nesses dois ambientes. 68 4.2 A Eficácia da Terapêutica na Malária Vivax No que se refere à densidade parasitária, a maioria dos pacientes apresentou baixa parasitemia, com média geométrica de 1.168 (± 3,32) parasitos/mm 3, evidenciando a eficácia da rede de diagnóstico e a rápida procura do paciente pelo diagnóstico e tratamento. Não houve casos de hiperparasitemia, visto que, esta é um achado laboratorial de malária grave, e foi considerado critério de exclusão no presente estudo. A cura parasitológica é avaliada convencionalmente pelo clareamento da parasitemia no esfregaço de sangue periférico (White & Krishna, 1989). O tempo de clareamento da parasitemia (TCP) observado neste estudo evidenciou a manutenção da sensibilidade do P. vivax à cloroquina, visto que, foi observado o clareamento em D3 para maioria (80%) dos pacientes, e todos (100%) apresentaram clareamento até D7. Na região Amazônica brasileira, vários estudos e relatos têm abordado a avaliação da eficácia de tratamento para a malária por P. vivax (Da Silva et al., 1989; Garavelli; Corti, 1992; Ventura, 1997; Alecrim; Alecrim; Macêdo 1999; Alecrim, 2000; Villalobos-Salcedo et al., 2000; Abdon et al., 2001; Soto et al., 2001; Castillo et al., 2002; Calvosa, 2005; Filho-Franklin et al., 2007). Entretanto as diferenças nos critérios metodológicos dificultam as comparações com os dados deste estudo, tanto pelos diferentes esquemas terapêuticos utilizados, quanto pela ausência de relatos dos níveis plasmáticos ou sanguíneos dos antimaláricos. No Estado Amapá, Couto e colaboradores (1993) avaliaram a evolução temporal da resistência in vitro do Plasmodium falciparum a antimaláricos em área de prospecção de ouro entre 1983 e 1990, e depois Couto, (2001) estudou a evolução temporal da resistência in vitro do Plasmodium falciparum aos antimaláricos cloroquina, amodiaquina, quinino e mefloquina no Lourenço-AP. Posteriormente, Calvosa (2005), analisou no período de 2001 a 2005, a resistência e eficácia ao tratamento da malária vivax usando a cloroquina como monoterapia, avaliando os aspectos clínicos, parasitológicos e terapêuticos. Entretanto, este é o primeiro estudo no Estado, que avaliou a resposta parasitológica e terapêutica dos pacientes com malária por P. vivax usando esquema padrão de cloroquina e primaquina, conforme recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil, considerando a integralidade dos determinantes externos da falha terapêutica, no contexto das interações transfronteiriças do Brasil com a Guiana Francesa. 69 No Presente estudo 99,0% dos pacientes apresentaram resposta parasitológica adequada ao final do seguimento clínico laboratorial, demonstrando a eficácia da associação primaquina e cloroquina nesta região fronteiriça FrancoBrasileira. Dado similar foi obtido por Teixeira (2011) em pacientes oriundos da Cidade de Belém-PA, ao empregar esquema terapêutico semelhante e comprovar adesão mediante o atendimento das concentrações sanguíneas adequadas de cloroquina e primaquina, no qual, obteve taxa de cura de 100%. Entretanto, discordam dos registros epidemiológicos do SIVEP-Malária/MS de Oiapoque, visto que, no ano de 2009, foi observado 14,2% de positividade das lâminas de verificação de cura (LVC) e 13,5% em 2010. Deve-se considerar o tempo de realização da LCV, que neste estudo foi de 28 dias, em contraponto aos 60 dias preconizados pelo Ministério da Saúde após tratamento de P.vivax. Neste sentido, os dados deste estudo indicam alta efetividade da cloroquina contra os estágios sanguíneos do P. vivax, não assegurando, entretanto, a cura radical, visto que a recaída com o tratamento no Brasil pode ocorrer até seis meses após o término do tratamento. Contudo, o ajuste da dose, em função do peso dos pacientes, modificando a dose diária e o tempo de administração, certamente contribuiu para cura da infecção em até vinte e oito dias, pois é notória a associação entre a eficácia hipnozoiticida e as doses de primaquina ajustadas ao peso Corporal (Schwartz, et al., 2000; Libonati & Ventura, 2007; Santos, et al., 2010; Fernando, et al., 2011). O controle de outros fatores responsáveis pela falha terapêutica, não diretamente relacionada à resistência do parasito, também pode ter contribuído positivamente para resposta adequada ao tratamento. A qualidade intrínseca do medicamento fora dos padrões ideias para consumo humano ou o acondicionamento inadequado são relevantes em algumas áreas endêmicas no mundo (Nogueira, 2011; Pribluda et al., 2012, Evans et al., 2012). No entanto, neste estudo os antimaláricos receberam cuidadosa observação do prazo de validade, concentração e definição de lotes específicos. Ademais, o prévio controle de qualidade físico-química apresentou concentração dos princípios ativo que asseguraram sua qualidade. A adesão é fundamental para o sucesso terapêutico. A orientação quanto a quantidade e horário da administração dos antimaláricos são indispensáveis (Fogg et al., 2004; Conteh, et al., 2007, Pereira, et al., 2011). Como estratégia para melhorar a capacidade de compreensão dos pacientes e, por conseguinte aumentar 70 a adesão ao tratamento foram utilizadas figuras simplificadas do ciclo biológico do P. vivax, e os respectivos sítios de ação de cada fármaco, para contornar a dificuldade do entendimento, devido ao baixo nível de escolaridade percebido durante as entrevistas de inclusão dos participantes. Dar a certeza aos pacientes de que eles seriam acompanhados até o termino do seu tratamento, foi o principal argumento utilizado para convencê-los. A adesão ao tratamento também foi confirmada por seguimento do tratamento, com verificação e contagem dos números de comprimidos ingeridos e entrevista de acompanhamento dos pacientes nos dias D0, D1, D3, D7, D14, D21 e D28 e posteriormente pela e dosagem sanguínea de teor adequada dos antimaláricos. As concentrações sanguíneas de cloroquina podem ser utilizadas como métricas nos estudos de adesão no tratamento de malária por P. vivax, auxiliando na interpretação das falhas terapêuticas. As concentrações de cloroquina determinadas neste estudo corroboram achados prévios em outros grupos populacionais (FilhoFrankiln et al., 2007; Teixeira, 2011, Marques et al., 2013). Na avaliação da resposta terapêutica à cloroquina no tratamento de malária por P. vivax tem especial importância à medição dos níveis sanguíneos do medicamento para confirmação dos casos de falha terapêutica ou resistência do parasito (Baird, 2004; 2009) Baseando-se nos critérios para a classificação da resposta terapêutica da malária por P. vivax em sensíveis ou resistentes, percebe-se que o paciente com recaída em D28 apresentou concentração sanguínea de cloroquina superior a 100 ng/mL, comprovando a adequada absorção do medicamento, indicando provável resistência desta cepa à cloroquina. As concentrações sanguíneas de primaquina observadas no decorrer do tratamento, se assemelham àquelas previamente reportadas em Indianos com malária vivax. (Bathia et al, 1986). Em relação ao paciente que apresentou insucesso no tratamento, verificou-se que este não foi em decorrência da falta de controle sobre os fatores não biológicos (adesão e dosagem adequada), mas provavelmente, pela presença de cepas do P. vivax geneticamente diferentes, caracterizadas pelos genótipos da proteína circumsporozoítica e por microssatélites. Este fato deve ser mais bem investigado pela busca de marcadores genéticos de resistência e pela caracterização de que diferentes genótipos parasitários circulam na região (Souza-Neiras et al., 2010). 71 4.3 As Variantes do Gene CS do P. vivax na Fronteira Franco-Brasileira Abordagens epidemiológicas e genéticas que abrangem áreas endêmicas de malária de fronteira no Brasil podem promover o conhecimento da transmissão do parasito e da dispersão. A diversidade genética do gene CS tem sido útil em estudos epidemiológicos moleculares, para compreender a transmissão, nas dinâmicas e nas relações evolutivas (Souza-Neiras et al., 2010). Além disso, as características biológicas e genéticas do parasito, a imunidade do hospedeiro e dos vetores locais pode ser capaz de influenciar os diferentes padrões de expansão demográfica, que também é modulada pela condição eco-epidemiológica (GonzalesCeron et al, 2013; Stefani et al, 2013). A amostragem dos parasitos realizada em Oiapoque seguiu um padrão similar de genótipos da CS do P. vivax observados em outras áreas da região Amazônica brasileira. Os três genótipos foram encontrados como infecção simples e mista, com VK 210 e VK247 mais associado com uma das infecções mistas (Machado & Póvoa, 2000). Curiosamente, na Guiana Francesa, Volney e colaboradores (2002) observaram em um estudo soro-epidemiológico de reações positivas de malária para todos os peptídeos da CS do P. vivax em pacientes com malária, foram verificadas áreas costeiras da região do Rio Maroni e Oiapoque. Os anticorpos foram dirigidos contra o VK210, o VK247 e P. vivax -like. Adicionalmente, não houve diferenças estatisticamente significativas para os genótipos da CS e o provável local de infecção entre as amostras de sangue infectadas com P. vivax coletadas dos pacientes oriundos dos garimpos da Guiana Francesa, e as amostras coletadas dos pacientes residentes no município de Oiapoque. Nossos resultados sugerem que esta pode ser uma característica comum de malária de fronteira. Em outras palavras, os mesmos genótipos da CS do P. vivax VK210, VK247 e P. vivax-like, circulantes nos garimpos da Guiana Francesa são encontrados no município de Oiapoque, no Brasil. Estes resultados indicam a possível ocorrência da dispersão das populações de parasitos entre os dois países. Provavelmente, essa distribuição está associada a padrões de transmissão prolongados e/ou mais complexas destes genótipos no Brasil, na fronteira com a Guiana Francesa. Isto também corrobora com os aspectos epidemiológicos da malária vivax encontrados nesta fronteira Franco-Brasileira, a qual tem como principal característica a intensa mobilidade da população em fluxo contínuo para ambos os lados. 72 Outro ponto que deve ser considerado é a detecção de subtipos VK210 que circulam no município do Oiapoque. Nossos resultados demonstraram gene CS com diferentes repetições e alteração do nucleotídeo na região de repetição central. Recentemente, seis subtipos diferentes (VK210a, VK210b, VK210c, VK210d, VK210e o VK210f) foram identificados em cepas de P. vivax isoladas na Nicarágua e México. O subtipo VK210a foi detectado em ambos os países e foi o mais frequente e VK210f, menos frequente, foi encontrado apenas na Nicarágua (Gonzalez - Ceron et al., 2013). De fato, estudos anteriores demonstram que a migração das populações humanas entre os países da América Latina é muito ativa. Isto pode facilitar a introdução de novas cepas do parasito em diferentes regiões (SouzaNeiras et al., 2010). Estes resultados podem sugerir que a dispersão das populações do parasito ocorre entre os dois países. Provavelmente, essa distribuição está associada a padrões de transmissão prolongados e/ou mais complexas destes genótipos em Oiapoque, Estado do Amapá. Esta hipótese pode ser confirmada com análise de genética de população do P. vivax recolhidos em ambos os países, para proporcionar uma melhor compreensão da transmissão do parasito e dispersão nessa região. Este padrão de distribuição de genótipos CS na fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa pode ter sérias implicações no desenho de estratégias para o controle efetivo da malária. Em primeiro lugar, cerca de 40% dos casos de malária P. vivax detectado em Oiapoque são da Guiana Francesa (Brasil, 2012). Outro ponto de vista a ser avaliado é que a prescrição do tratamento P. vivax utilizado no Brasil não é a mesma aplicada na Guiana Francesa. No Brasil, os tratamentos padrões recomendados pelo Ministério da Saúde brasileiro são cloroquina 25 mg/kg durante 3 dias ( 10 mg/kg no dia 1 e 75 mg/kg nos dias 2 e 3 ), mais primaquina 0,50 mg/kg durante 7 dias. Na Guiana Francesa, quando o diagnóstico é confirmado, o paciente recebe um tratamento de três dias de cloroquina (25 mg/Kg). Para prescrição da primaquina, o indivíduo requer um teste de deficiência de glicose 6-fosfato desidrogenase (G6PD) realizado em Caiena e uma autorização de uso temporário nominativo do fármaco pelas autoridades competentes e, portanto, este procedimento provoca atraso na administração de primaquina, consequentemente, cerca de metade da população infectada por P. vivax tem recaídas (Nacher et al., 2013). 73 Além disso, os relatos anteriores sugerem que em infecções mistas, uma espécie de Plasmodium pode suprimir a densidade do sangue de outro estágio (Scopel et al., 2004; Lorenzetti et al., 2008). Por isso, algumas interações entre espécies são tais que se pode afetar até mesmo por pequenas diferenças a manifestação clínica de outra, mais investigações são necessárias, a fim de esclarecer o papel das infecções mistas na severidade da doença e também nesta dinâmica de transmissão do parasito, que ocorre na Guiana Francesa e que podem influenciar na transmissão e disseminação do protozoário no lado brasileiro. 74 5 CONCLUSÕES O perfil sócio-econômico-demográfico dos pacientes constitui determinante importante na epidemiologia e dinâmica da malária por P. vivax no município de Oiapoque. A baixa escolaridade dos indivíduos acometidos, a predominância de casos em adultos do sexo masculino na faixa etária economicamente produtiva, com destaque, para a garimpagem ilegal como principal ocupação, tem relevante contribuição causal, tendo em vista, a elevada vulnerabilidade social da população envolvida, favorecendo assim, a sustentação e transmissão da doença. Ademais, as migrações populacionais interestaduais e transfronteiriça relacionadas com a mineração ilegal de ouro na Guiana Francesa foram evidenciadas como um importante propulsor da malária no contexto da fronteira Franco-Brasileira. A precipitação pluviométrica influencia a incidência de malária no município de Oiapoque. No trimestre de chuvas intensas de março a maio há menor incidência de casos, e nos meses mais secos, com pouca chuva, isto é, de setembro a novembro há maior incidência da doença, provavelmente pelo surgimento de criadouros propícios, que favorecem o aumento da biomassa de mosquitos vetores da doença. Esta tendência sazonal da malária é semelhante a do município francês de Saint-Georges, na margem oposta do Rio Oiapoque. No entanto, foram observadas diferenças significativas na sazonalidade dos casos, quando comparado com Camopi na Guiana Francesa, uma aldeia indígena localizada a margem do Rio Oiapoque, a 92,5 km da cidade de Oiapoque. No município do Oiapoque, desde que seja observado: a boa qualidade e armazenamento adequado dos medicamentos antimaláricos utilizados; o diagnostico correto e preciso do Plasmodium; as doses proporcionais da primaquina ao peso corporal do paciente; a adesão ao tratamento com a devida orientação e acompanhamento do paciente, e a adequada absorção sanguínea dos antimaláricos, o esquema terapêutico de primeira escolha preconizado pelo Ministério da Saúde do Brasil, para tratar malária causada por P. vivax utilizando difosfato de cloroquina em três dias com difosfato de primaquina em regime curto de sete a dez dias, a depender do peso, mantem-se altamente eficaz. O controle sobre os principais fatores de falha terapêutica, não diretamente relacionada ao fenômeno biológico da resistência do parasito, mostrou-se importante para a eficácia do tratamento da malária vivax em Oiapoque, no Brasil, fronteira com a Guiana Francesa. 75 Os mesmos genótipos da CS do P. vivax VK210, VK247 e P. vivax-like, circulantes nos garimpos da Guiana Francesa são encontrados no município de Oiapoque, no Brasil. Estes resultados indicam a possível ocorrência da dispersão das populações de parasitos entre os dois países. Os isolados de Plasmodium vivax circulantes nesta área de fronteira do Brasil, não apresentaram perfil significativo de resistência à terapêutica atualmente preconizada pelo Ministério da Saúde do Brasil; As conclusões aqui apresentadas sobre a malária na fronteira Brasil / Guiana Francesa se destinam a contribuir na compreensão do processo de transmissão da doença nesta região. 76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDON, N.P., PINTO, A.Y.N., SILVA, R.S.U., SOUZA, J.M.D. Avaliação da resposta aos esquemas de tratamento reduzidos para malária vivax. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 34: 343-348, 2001. ALECRIM, M.G.C. Estudo da Resistência do P. falciparum in vitro ein vivo na Amazônia brasileira. Tese de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília, DF,1981. ALECRIM, M.G.C., ALECRIM, W., MACÊDO, V. Plasmodium vivax resistance to chloroquine (R2) andmefloquine (R3) in Brazilian Amazon region. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 32: 67-68, 1999. 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Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizado (a) de forma alguma. Em caso de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade SEAMA pelo telefone (96) 3223-7393. INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA: Título do Projeto: “Avaliação da resposta terapêutica e medição dos níveis sanguíneos da cloroquina e primaquina em pacientes com malária vivax em correlação com as variantes da proteína circumsporozoítica do Plasmodium vivax no município de Oiapoque área de fronteira amazônica”. Pesquisador Responsável: Margarete do Socorro Mendonça Gomes Telefone para contato (inclusive ligações a cobrar): (096) 3222-1643 / 9974- 8383 Pesquisadores participantes: Álvaro Augusto R. D'Almeida Couto, José Luís Fernandez Vieira, Ricardo Luiz Dantas Machado e Jânio de Jesus Gonçalves Junior. Telefones para contato: 3212-6175 / 3222-1643 / 9974- 8383 DESCRIÇÃO DA PESQUISA Você tem um tipo de doença denominada Malária e está sendo convidado a participar do estudo nomeado “Avaliação da resposta terapêutica e medição dos níveis séricos da cloroquina e primaquina em pacientes com malária vivax em correlação com as variantes da proteína circumsporozoítica do Plasmodium vivax no município de Oiapoque área de fronteira amazônica”. Os avanços na área da saúde ocorrem através de estudos como este, por isso a sua participação é importante. O objetivo deste estudo é quantificar os níveis sanguíneos dos fármacos antimaláricos cloroquina e primaquina por cromatografia líquida de alta eficiência, correlacionando-os com a negativação da parasitemia, e caso você participe, será necessário fazer exames de sangue, consultas médicas semanais, fazer perguntas sobre seu estado de saúde. Você, ou a pessoa pela qual é responsável será tratada para malária com o mesmo medicamento que está sendo usado pelo serviço de saúde do seu município para o tratamento desta doença, seguindo o esquema terapêutico recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil. Com a sua autorização iniciaremos um acompanhamento do tratamento nos dias 0, 1, 3, 7, 14, 21, 28 após você ter recebido a primeira dose do medicamento. As visitas de acompanhamento serão feitas por um profissional da equipe, o qual ira pedir informações sobre o seu estado de saúde e coletará sangue da ponta do dedo e do seu braço para fazer exames de laboratório. Será coletado 5ml de sangue da veia no 0, 3º, 14º, 21º e 28º dias. Você poderá ter algum desconforto quando receber uma picada para colher o sangue do seu braço, poderá ficar uma mancha roxa que desaparecerá em um curto espaço de tempo. Depois que os resultados dos exames estiverem prontos, você poderá ver estes resultados. Você poderá ter todas as informações que quiser e poderá não participar da pesquisa ou retirar seu consentimento a qualquer momento, sem prejuízo no seu atendimento. Pela sua participação no estudo, você não receberá qualquer valor em dinheiro, mas terá a garantia de que todas as despesas necessárias para a realização da pesquisa não serão de sua responsabilidade. Seu nome não aparecerá em qualquer momento do estudo, pois você será identificado com um número. 100 CONSENTIMENTO LIVRE, APÓS ESCLARECIMENTO Eu, li e/ou ouvi o esclarecimento acima e compreendi para que serve o estudo e qual procedimento a que serei submetido. A explicação que recebi esclarece os riscos e benefícios do estudo. Eu entendi que sou livre para interromper minha participação a qualquer momento, sem justificar minha decisão e que isso não afetará meu tratamento. Sei que meu nome não será divulgado, que não terei despesas e não receberei dinheiro por participar do estudo. Eu, _____________________________________, RG/ CPF/ n.ºde prontuário/ n.ºde matrícula ______________________________, abaixo assinado, concordo em participar do estudo “Avaliação da resposta terapêutica e medição dos níveis séricos da cloroquina e primaquina em pacientes com malária vivax em correlação com as variantes da proteína circumsporozoítica do Plasmodium vivax no município de Oiapoque área de fronteira amazônica” como sujeito. Macapá, ............./ ................../................ Nº. do Prontuário Assinatura do voluntário (ou responsável legal): Número do RG / CPF ----------------------------------------------------------------------Assinatura do pesquisador responsável: ----------------------------------------------------------------------- Telefone de contato (96) 3222-1643 / (96) 99748383 Em caso de dúvida em relação a esse documento, você pode entrar em contato com o pesquisador responsável pelas informações contidas neste consentimento livre e esclarecido, cujo número de telefone encontra-se junto a sua assinatura. Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimentos sobre a pesquisa e aceite do sujeito em participar. Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisadores): Nome: ________________________________ Assinatura: _________________________ Nome: ________________________________ Assinatura: _________________________ 101 APÊNDICE – 02 FORMULÁRIO DE INCLUSÃO E ACOMPANHAMENTO DE PACIENTE NO PROJETO: Avaliação da resposta terapêutica e da concentração sanguínea de antimaláricos para o Plasmodium vivax no contexto das interações fronteiriças do Brasil com a Guiana francesa N0 Registro: Nome completo Sexo: Idade: Estado civil: Se mulher, está grávida? Endereço completo (com referência): Local de nascimento: Local de procedência (local provável infecção): Quantas malárias já teve? Quando foi a última malária? Medicamento usado na última malária? Há quantos dias iniciaram os sintomas? Sintomas antes do início deste tratamento ( ) febre ( ) dor de cabeça ( ) calafrio ( ) vômito ( ) Dor no corpo/ articular ( ) diarreia ( ) suor intenso ( ) olhos amarelados ( ) outros ______________________ PESO:_______ Resultado exame: ( ) Plasmodium vivax Parasitemia inicial: Data do início do tratamento Esquema de tratamento _____/______/_______ Acompanhamento do Tratamento Dia 0 1 3 7 14 21 28 Data Parasitemia Espécie de plasmódio Tomou o medicamento corretamente Algum Contagem de sintoma novo? medicamentos Caso sim, ingeridos qual? 102 ANEXOS Anexo 01: Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade SEAMA sob o número de protocolo CEP/SEAMA Nº. 079/08 de 27 de novembro de 2008, Macapá; Anexo 02: Ficha do SIVEP- Malária; Anexo 03: Financiamento do projeto pelo Edital/CNPq/PPSUS. 103 ANEXO – 01 104 ANEXO – 02 105 ANEXO - 03