Divina Machado Bufolo - Biblioteca Digital da Unicamp

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DIVINA MACHADO BUFOLO
UMA VIDA, MUITAS HISTÓRIAS
CAMPINAS
2008
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DIVINA MACHADO BUFOLO
UMA VIDA, MUITAS HISTÓRIAS.
Memorial apresentado ao Curso de Pedagogia Programa Especial de Formação de Professores
em
Exercício
nos
Municípios
da
Região
Metropolitana de Campinas, da Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas,
como um dos pré-requisitos para conclusão da
Licenciatura em Pedagogia.
CAMPINAS
2008
© by Divina Machado Bufolo, 2008.
Ficha catalográfica elaborada pela biblioteca
da Faculdade de Educação/UNICAMP
B864v
Bufolo, Divina Machado.
Uma vida, muitas histórias: memorial de formação / Divina Machado
Bufolo. -- Campinas, SP :[s.n.], 2008.
Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Universidade Estadual
de Campinas, Faculdade de Educação, Programa Especial de Formação de
Professores em Exercício da Região Metropolitana de Campinas (PROESF).
1. Trabalho de conclusão de curso. 2. Memorial. 3. Experiência de vida.
4. Prática docente. 5. Formação de professores. I. Universidade Estadual de
Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.
08-236-BFE
A todos que de uma forma ou de outra, fizeram
de mim a pessoa que sou.
AGRADECIMENTOS
A meus irmãos pelo apoio e incentivo,
Às minhas filhas Lídia e Elisa, pela compreensão,
À minha sobrinha e mais que amiga Ana pela força que me deu em todos os momentos
pessoais e profissionais,
Ao meu marido Odair, que mesmo sem querer, fez com que me tornasse uma vitoriosa,
Às minhas colegas de classe, pessoas a quem aprendi a respeitar e valorizar a cada dia
durante o curso.
Quanto mais gastarmos o tempo em realizações,
mais o guardaremos em recordações.
Gonçalves Ribeiro.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
01
1. MINHA INFÂNCIA
03
2. OS PRIMEIROS ANOS ESCOLARES
05
3. DE VOLTA AOS ESTUDOS
10
4. MINHA CARREIRA
12
5. QUAIS CONTRIBUIÇÕES O PROESF TROUXE PARA MINHA VIDA
19
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
22
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
23
APRESENTAÇÃO
Não podemos imaginar a infância sem os seus
risos e os seus jogos. Imaginai que, de repente,
as crianças deixavam de jogar, que os recreios
das nossas escolas se tornavam silenciosos, que
já não éramos distraídos pelos gritos ou até
pelos choros que vêm do jardim ou do pátio do
recreio.
(J. Chateau).
Inicio contando a minha vida, pois nasci num momento em que o país vivia
numa ditadura militar, onde o povo oprimido não tinha vez nem voz Minha família
desprovida de bens materiais vivia mudando de um lugar para outro à procura de
melhores condições de vida.
Para relatar minhas memórias, precisei voltar no tempo e reviver a minha
infância, onde vivi num mundo mágico de sonhos, fantasias e muitas brincadeiras.
Mas, como em todo conto de fadas, na minha vida também teve momentos bons
e momentos ruins. Foram inúmeras as dificuldades encontradas em todos os lugares por
onde passamos.
Relato em meu memorial os meus primeiros anos escolares fazendo uma ponte
com os dias atuais e com a minha prática enquanto educadora, pois percebo que houve
uma grande mudança.
Embora esteja feliz com a escolha pela profissão de professora, não foi nada
fácil o início da minha carreira, pois saí do magistério com uma pequena base teórica.
Tinha muitos sonhos e vontade de trabalhar, porém, as dificuldades encontradas foram
muitas.
E como o profissional precisa sempre estar se atualizando, aproveitei-me da
chance que a vida me oferecia, vindo para o PROESF, onde além de conhecer pessoas
incríveis, aumentou também o conhecimento teórico para que eu pudesse melhorar
minha prática pedagógica.
Meu olhar para as atividades e brincadeiras na Educação Infantil mudou,
fazendo com que eu as veja agora de outro ângulo, por isso, escolhi como eixo
brincadeiras e afetividade.
Ao refletir sobre minha prática após o curso de Pedagogia do PROESF, tenho
condições de repensar algumas ações, possibilitando mudanças quando for necessário.
1
Descrevo algumas experiências realizadas em sala de aula, pois acredito que tais
registros são muito importantes, para outras pessoas que venham a ter contato com meu
trabalho.
A preferência em trabalhar na Educação Infantil é uma forma de me encontrar
com o meu passado onde o brincar foi extremamente relevante, os cuidados que tive no
grupo escolar, o afeto recebido em forma de repreensão.
Seria injusta se não mencionasse as experiências e todas as aprendizagens e
conhecimentos adquiridos neste curso de graduação, o PROESF, experiências que
levarei comigo para a minha prática pedagógica.
2
1-MINHA INFÂNCIA.
A vida é feita de momentos. E para que esses momentos sejam
bons ou maus dependem de nós mesmos. Feliz é aquele que
esculpindo, pintando ou escrevendo registra seus momentos,
pois eles talvez possam ser úteis a alguém ou a si mesmo.
(Perez Filho)
Escrever minhas memórias, relatar fatos da minha história, nunca imaginei que
isso seria possível. Quando ingressei no PROESF, algumas amigas que já estavam
terminando o curso, falaram-me na dificuldade que estavam tendo em escrever seus
memoriais, confesso ter achado exagero, porém, posso constatar que realmente não é
fácil. O nosso cérebro embora guarde milhões de informações, parece falhar nesse
momento.
Inicio aqui a minha história, procurando no tempo, vestígios de um passado
simples, sem grandes acontecimentos, história que para muitos pode ser comum, mas é
a trajetória de uma vida, a minha vida.
Nasci em 1965, em São João do Ivaí, uma pequena cidade, no Estado do
Paraná, a sétima numa família de oito irmãos. Família simples e humilde, mas com
valores e princípios morais, única herança deixada por meu pai.
Meu pai nasceu em Minas Gerais, por isso, fez questão de registrar a todos os
filhos, como se também fossem mineiros. Comigo não foi diferente, portanto sou
mineira, mesmo que seja só no papel, mas com muito orgulho.
Lavrador, sem estudos, sabia escrever e ler alguma coisa, graças à sua vontade
de aprender, pois nunca foi à escola. Trabalhava como meeiro1, nos muitos lugares em
que moramos, mas o maior sonho dele era ter “um pedaço de terra”, infelizmente não
conseguiu concretizá-lo.
As dificuldades eram tantas, que muitas vezes, vi minha mãe chorando,
preocupada com o que faria para comermos. Naquela época ela não dizia que era esse o
motivo. E em minha cabeça infantil, não existiam problemas, aquele era o momento de
brincar, brincar e mais nada.
Que importância teria para mim, o momento histórico pelo qual o país estava
passando?
1
Meeiro é aquele que planta em terreno alheio, repartindo o resultado das plantações com o dono das
terras.
3
Ouvia meu pai falando de um tal de “comunismo”, dos anarquistas, como se
fossem uns bichos papões que comiam criancinhas. Na verdade, como era um semianalfabeto, ele só repetia o que os patrões falavam.
Meus irmãos maiores ajudavam como podiam, na plantação e na colheita, por
causa disso, não conseguiram concluir, sequer a quarta série primária, hoje, séries
iniciais do Ensino Fundamental, as escolas eram poucas e distantes do lugar onde
vivíamos.
Vivíamos como ciganos, tentando melhorar de vida, mudávamos de um lugar para
outro. Quando minha família mudou-se para o Estado do Paraná, minha mãe estava
grávida de quase seis meses, portanto três meses depois, eu nasci.
Mas como já era de se esperar, as coisas não aconteceram como meu pai havia
planejado, e mais uma vez estávamos prontos para mudar.
Desta vez, minha família resolveu tentar a sorte na cidade de Socorro, interior de
São Paulo, onde o sofrimento e a falta de maiores recursos, fizeram com que mais uma
vez (a última), mudássemos de cidade. Viemos então para Itatiba, de onde nunca mais
mudamos somente de uma casa para outra.
E hoje, dando aulas, vejo que muitos alunos têm vidas parecidas com a que eu tive.
Mudam de escola, como se mudassem de roupa. Seus familiares à procura de melhores
condições de sobrevivência, de estabilidade, e a educação dos filhos vai ficando em
segundo plano.
4
2-OS PRIMEIROS ANOS ESCOLARES.
Nossa vida é uma jornada, e às vezes, as estradas
em que viajamos são mais misteriosas e mágicas
do que jamais imaginamos.
(Deanna Beisser).
Morávamos em um sítio alguns quilômetros distantes do centro, por isso era
difícil fazer compras com meu pai. Não conhecia quase nenhum tipo de guloseima,
somente as que raramente ele trazia, (o dinheiro era pouco).
As dificuldades eram tantas, que minha mãe tinha receio em me colocar na
escola.
Mas, como tudo sempre se ajeita, ela foi até a escola e conversou com a diretora,
e esta disse para que não se preocupasse que a escola, iria me dar todo o material
necessário e também o uniforme.
Como era bonito meu uniforme! Saia azul marinho de pregas, uma camisa
branca com o nome da escola escrito no bolso, meias brancas e sapato colegial preto,
não pude ter esses sapatos, pois custavam muito caro, minha mãe me comprou
“congas”.
Nesta época a escola estava deixando de ser somente para a elite, onde o pobre
era excluído e de acordo com Ribeiro;
É lutando para que todos ingressem e permaneçam na
escola, é lutando, portanto, para que os obstáculos
escolares e sociais mais gerais que dificultam ou
impossibilitam tal ingresso e permanência deixem de
existir, que será possível construir uma organização
escolar de qualidade. (2003, p. 200.)
Poucas eram as crianças que freqüentavam a pré-escola, por isso fui matriculada
na primeira série, e fui alfabetizada através da saudosa cartilha. Isso não quer dizer que
eu a considere como o melhor método, mas na época era só o que tínhamos.
As carteiras eram duplas e enfileiradas uma atrás da outra, dificultando todo e
qualquer trabalho em grupo, tinham os pés de ferro que as tornavam pesadas, não sendo
possível mudá-las de lugar. Essas carteiras eram tão próximas, que os pés e os cotovelos
dos alunos se tocavam a todo instante.
Era uma verdadeira tortura os dias de prova, quando não podíamos sequer olhar
do lado, e como não olhar, estando tão próximos?
5
Quando comecei a estudar, a criança não era vista como hoje, naquele tempo a
única preocupação do professor era de ensinar, passar os conteúdos. Já a vida familiar
da criança, os conhecimentos trazidos por ela, não tinham o menor valor para seu
aprendizado escolar.
As brincadeiras só aconteciam no recreio, muitas vezes, ouvia-se os professores
dizerem: “Se quiserem brincar, fiquem em casa, lá é o lugar certo”.
Graças a Deus que muita coisa mudou a esse respeito, hoje atuando como
professora da Educação Infantil, permito que as crianças brinquem, pois entendo que
aprendem mais. Acredito que isso seja possível também no Ensino Fundamental.
Na minha infância, os comerciais anunciados na TV não tinham tanto apelo
como os de hoje. Televisão era artigo de luxo, e poucas pessoas tinham poder aquisitivo
para ter uma em casa, na minha não tinha, e as poucas vezes que quisesse assistir
precisava ir à casa da vizinha. Mas como eu tinha um espaço bem grande para brincar,
porque perder tempo na frente de uma TV?
Para irmos até a cidade, era preciso andar bastante, pois não tínhamos
“condução”, como dizia meu pai. Ter carro, naquele tempo era praticamente impossível,
somente os “mais afortunados” é que tinham se não tínhamos televisão, imagine ter um
carro, então.
Comecei a estudar em 1972, quando o país ainda era governado por militares e
o “povo não tinha vez nem voz”. O presidente era o General Emílio Garrastazu Médice,
que dispunha de instrumentos que permitiam usar a força para solucionar os conflitos
políticos.
Muitas pessoas foram perseguidas e torturadas, outras tiveram que deixar o país.
Em conseqüência dessa repressão política, muitas pessoas “desapareceram”. Muitos
foram torturados e exilados do país, dentre esses nomes estava o educador Paulo Freire,
que fora se refugiar no Chile.
Apesar desse episódio triste da sociedade brasileira tenho boas recordações das
professoras de 1ª a 4ª séries, em especial da Dona Lúcia, professora da 1ª série, foi ela
quem me alfabetizou. Era meiga, doce, não me lembro de tê-la visto perder a paciência
uma única vez.
Fui alfabetizada através da cartilha “Caminho Suave”, dona Lúcia ia de carteira
em carteira, se necessário, parava, pegava na minha mão que segurava firmemente em
um lápis e a conduzia pelas linhas do caderno.
6
Incentivava-nos a escrever cartinhas uns para os outros, e as que ela recebia,
respondia com muito carinho. Naquela época não sabia qual era a intenção dela ao fazer
isso, mas hoje, estando eu como educadora, vejo que o que ela pretendia era fazer-nos
escrever cada vez melhor.
Lembro-me também das aulas de Ciências e Saúde na 3ª série, quando a
professora falava de higiene, da importância dos animais em nossas vidas, de
alimentação, etc.
Em uma das aulas de Ciências, a professora através do livro didático, começou a
explicar sobre a importância dos alimentos. Citou várias coisas, entre elas, tudo o que a
vaca nos fornece, a carne, o couro, o leite e seus derivados. E quanto aos derivados, ela
citou um tal de “requeijão”, não fazia a menor idéia do que seria isso. Seria um doce ou
salgado, mole ou duro, que gosto teria? E eu me perguntava: “Derivado, o que será que
é isso?”.
Perguntar, nem pensar, pois morria de vergonha, e tinha também o medo da
professora me repreender na frente dos demais alunos. Mesmo a professora sendo muito
boa e gentil, não tinha com ela essa “abertura” para fazer perguntas, fiquei com essa
interrogação em minha cabeça por vários anos.
Naquela época os professores vinham com as aulas prontas. A maioria ou quase
todas as aulas eram apenas expositivas. Talvez se a professora sugerisse uma pesquisa,
através de outros livros, revistas, idas a supermercados, acredito que teria aprendido
mais rápido muitos assuntos que ficaram vagos. Muitas outras coisas ficaram vagas,
pois, as aulas eram dadas somente com o auxílio dos livros didáticos. Os alunos apenas
copiavam e resolviam as atividades dadas sem discussões, e em silêncio.
O professor detinha o saber e só podia falar sobre os assuntos por ele
predeterminados. Ficando comprovado, que não se tinha conhecimento do
construtivismo de Piaget, onde o educador não é o detentor do saber, mas sim o
facilitador do processo ensino aprendizagem. O aluno aprende ao mesmo tempo em que
também ensina. Através dessas e outras lembranças, percebo o quanto reprimido nós
fomos, não poder exercer a cidadania dentro da própria escola.
Por mais irônico que possa parecer, o Brasil vivia na época uma cruel ditadura e,
ingenuamente nossa querida professora parecia não ver e continuava nos ensinando as
vantagens do sistema democrático.
7
Diz o dicionário que democracia2 é o governo do povo, pelo povo, para o povo.
Velha definição que aprendemos nos bancos escolares nas aulas de Educação Moral e
Cívica e OSPB (Organização Social e Política do Brasil). Acredito sim na importância
de se falar em política, afinal ela faz parte do nosso dia a dia, mas não posso aceitar que
sejam impostos idéias de uma democracia que não existia.
A obrigatoriedade em decorar nomes de ministros, siglas e muitas outras coisas.
Cantar o hino nacional diariamente, sem ao menos saber o significado das palavras
neles contidas. Se na época, nossos professores soubessem trabalhar com os temas
transversais, a letra do Hino Nacional, teria conteúdos para pelo menos um mês.
A História do Brasil mudou e as lutas dos menos favorecidos por melhores
condições de vida e de trabalho continuam, porém, hoje vivemos em uma “quase” total
liberdade de expressão.
Comecei a trabalhar numa fábrica com treze anos, para não deixar a escola,
terminei o primeiro grau estudando à noite. Era muito cansativo, muitas vezes dormia
na carteira, fiquei para recuperação em algumas matérias, porém consegui passar sem
ser reprovada, naquela época havia reprovação em todas as séries para quem não atingia
a média.
As provas e as chamadas orais eram tão assustadoras que alguns amigos tinham
dor de barriga. O medo da reprovação, de não conseguir tirar a média, na hora dava um
branco e mesmo tendo decorado o conteúdo, não se conseguia realizar os exercícios.
As avaliações eram feitas em cima do conteúdo que os professores davam no
decorrer do bimestre. Não era levado em conta tudo o que o aluno já sabia, aquele
conhecimento trazido consigo de casa, simplesmente era ignorado.
Hoje em dia o modo de avaliar mudou bastante e assim afirma Hoffmann:
A avaliação deve ser entendida como uma prática investigativa
e não sentenciva, mediadora e não constatativa. Não são os
julgamentos que justificam a avaliação, as afirmações
inquestionáveis sobre o que a criança é ou não é capaz de fazer.
(2000, p.15).
Ao refletir sobre a minha trajetória de vida pessoal e profissional tenho a idéia de
que vivi momentos bons e ruins. Trabalhar com treze anos, por exemplo, parece ser a
coisa mais estranha nos dias de hoje para mim.
2
Democracia; governo do povo, regime político que se funda nos princípios da soberania popular e da
distribuição eqüitativa do poder.
8
Imaginem uma criança levantando às 6 da manhã, ainda sonolenta, tomar um
café bem rápido, e sair correndo para “bater cartão”.
Mas ao assistir a aula magna do dia 03 de julho de 20073, entendi que já no
século XVIII, na França, as crianças começavam a trabalhar por volta de onze anos, até
então viviam em asilos, eram deixadas nesse lugar por mães que precisavam trabalhar.
Nesse mesmo século a criança tinha o lar como lugar social, só no século seguinte é que
a escola passaria a ter essa função.
Percebe-se então, que a questão do trabalho infantil é algo que há muito tempo
tem sido tema de discussões. O trabalho infantil existe desde a antiguidade e apesar de
hoje ser uma prática condenável, ainda há quem justifique a necessidade do trabalho
infantil que ocorre de maneira exploratória.
Na minha época era comum começar a trabalhar por volta dos treze anos,
principalmente nas classes mais pobres, pois, a renda familiar era baixa, daí a
necessidade de todos os membros da família trabalharem.
Infelizmente não tive incentivo dos meus pais para continuar estudando, ao
contrário, muitas vezes, minha mãe dizia que eu deveria parar. Ela sentia pena de me
ver fazendo aquele sacrifício, e como trabalhar era mais importante (na concepção deles
é claro), abandonei os estudos, concluindo apenas o primeiro grau, hoje séries iniciais
do Ensino Fundamental.
3
Aula magna com a Professora Doutora Maria Evelyna Pompeu do Nascimento.
9
3-DE VOLTA AOS ESTUDOS
Quanto mais qualificado for um
profissional, maior deverá ser sua
capacidade de enfrentar o imprevisível.
Isso se aprende.
(PHILIPPE PERRENOUD).
Casei-me algum tempo depois, porém não me sentia completa, meu mundo era
restrito, e isso me deixava angustiada. Decidi retomar meus estudos e para isso, travei
uma briga com meu marido.
Ele achava que naquele momento eu tinha que cuidar da nossa casa e das nossas
filhas, mesmo assim, matriculei-me na EEPG “Manuel Euclides de Britto”, para fazer o
curso de magistério.
Já estava com trinta anos, quando voltei a estudar, minhas filhas tinham dez e
três anos, confesso que foi extremamente doloroso, ter que deixá-las sob os cuidados de
pessoas estranhas.
Muitas vezes fui para a escola chorando, porque até então, eu ficava todo o
tempo com elas, nunca as havia deixado com ninguém, exceto com meu marido, fui
educada para ser esposa e mãe, como aconteceu com todas as mulheres da minha
família.
Na volta, quando descia do ônibus, ia até o portão da escola onde minha filha
estudava e ficava olhando-a de longe, às vezes, eu conseguia dar um beijo nela. Depois
ia correndo pegar a mais nova que ficava na casa de uma vizinha.
Meu marido dizia que se eu tivesse estudado antes do casamento, as coisas
seriam diferentes, e as meninas não sofreriam tanto. Ele tinha razão, e isso, fazia com
que eu me sentisse pior, ainda mais culpada.
Mas, me pergunto: “Será que eu estaria lecionando? E se tivesse, seria eu uma
boa professora?”.
Acredito que se eu tivesse estudado quando era mais nova, não estaria dando
aulas. Eu não tinha paciência alguma com crianças, simplesmente as achava
engraçadinhas.
Aprendi com o passar dos anos que as coisas acontecem no seu tempo certo, e
esse é o meu tempo de ser e fazer o melhor que sei: lecionar.
10
A opção pelo curso de magistério foi por vários motivos, mas o maior deles
com certeza foi pela lembrança da minha querida professora da primeira série. Penso
que, como educadores, todos os dias, influenciamos a vida de outras pessoas. Cada
aprendizado ou fracasso, tudo é construção para sermos melhores sempre.
Através do magistério conheci autores como: Wallon, Piaget, Vygotsky, Emília
Ferreiro, infelizmente, o contato com os mesmos esses foi pouco, mas o suficiente para
aprender que, todos eles contribuíram com a educação, cada um com o seu modo, sua
concepção a respeito da Educação.
Wallon baseou suas idéias em quatro elementos básicos que estão todo o tempo
em comunicação e são eles: afetividade, emoções, movimento e formação do “eu”, para
ele o estudo do desenvolvimento humano deve considerar o sujeito como
“geneticamente social” e estudar a criança contextualizada, nas relações com o meio.
Piaget acreditava que ao invés de ensinar, de dar as coisas já prontas, o
professor deveria criar situações onde a criança através de sua relação com o meio
pudesse construir o conhecimento de mundo que a cerca. Ainda segundo, Piaget, errar,
não deve ser visto como falha, mas como um momento necessário da aprendizagem.
Vygotsky tem a sua teoria baseada no desenvolvimento do indivíduo, para ele, o
sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a
partir das relações intra e inter-pessoais.
Emília Ferreiro acredita que as crianças possuem capacidades cognitivas e
lingüísticas, devendo-se assim, levar em consideração o conhecimento específico que
possuem antes de iniciar a aprendizagem escolar.
É claro que não existe uma verdade absoluta, e que não se pode ter uma teoria
como sendo a única. O conhecimento acerca dos fatos é sempre relativo, o que é
verdadeiro para mim, pode não ser para outro.
Estava aumentando em mim, uma vontade enorme de ser professora, de ensinar
não somente para as minhas filhas, mas para outras crianças também. Os quatro anos de
curso passaram tão rápidos que quando percebi, já estava formada.
Tinha em minhas mãos o diploma de professora, mais que isso, pois para mim,
aquele diploma era como se fosse um troféu. Estava alcançando o primeiro degrau, dos
muitos que ainda encontraria.
Agora só faltava começar a exercer a profissão, e estava bastante ansiosa para
que isso acontecesse.
11
4-
MINHA CARREIRA.
Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a
si mesmo, os homens se educam entre si
mediados pelo mundo.
(PAULO FREIRE)
Conclui o curso de magistério em 1999, e no ano seguinte, comecei a lecionar
eventualmente. Até aquele ano, bastava que nos inscrevêssemos na secretaria de
Educação, pois não havia processo seletivo.
A secretaria enviava para as escolas a lista com os nomes de quem queria
substituir, e então fui chamada.
Entrar numa sala de aula como professora pela primeira vez, não foi nada
agradável. Era uma sala de terceira série, com crianças indisciplinadas, sem limites, sem
interesse pelo aprendizado. Ao terminar a aula daquele dia, saí em pânico, dizendo ao
meu marido que não voltaria mais.
Tinha uma restrita base teórica e nenhuma experiência. Eu sempre achei que as
professoras já saiam sabendo tudo o que ensinavam, ledo engano!
Pude sentir na pele, foi uma estranha sensação aquele medo de fracassar.
Minhas pernas tremiam, as mãos suavam, gaguejei, o giz caiu várias vezes. Percebi que
não existem fórmulas mágicas para serem empregadas, e que é no cotidiano com
diferentes alunos que ensinamos e aprendemos. E fui percebendo com o tempo, que
todo aquele medo, era pura insegurança.
Aquela foi uma sala que substitui eventualmente algumas vezes, confesso que
não sei se daria conta se fosse durante o ano todo.
No ano seguinte comecei a substituir classes de Educação Infantil, e foi paixão
à primeira vista. Identifiquei-me com as crianças dessa faixa etária, pela maneira que
encontram para se expressar, pelo jeito de ser de cada um. O modo de se relacionar
com todas as pessoas que as rodeiam, suas descobertas e a enorme curiosidade que
possuem.
A curiosidade presente nas crianças faz com que a aprendizagem ocorra com
mais facilidade, pois o interesse aumenta em cada descoberta.
Para Freire: “O exercício da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mais
metodicamente “perseguidora” do seu objeto”. (1996, p. 87.)
12
Muitas delas fazem-me recordar a criança que fui, das coisas que fazia, e do que
gostaria que tivessem feito por mim. A profissional que sou está diretamente ligada com
tudo que aprendi na minha infância.
Interagir com as crianças é uma atividade bastante prazerosa, vê-los estimulados
de forma significativa, considerando a história familiar e o conhecimento que trazem
consigo.
O mundo imaginário em que vivem as crianças pequenas me fascina, aprendem
tudo o que lhe ensinam, tudo mesmo, coisas boas e coisas ruins.
Preparar aulas para essa faixa etária não é uma tarefa tão fácil como algumas
pessoas pensam.
Como em todas as disciplinas faz-se necessário um bom planejamento, uma vez
que, planejar as aulas torna-se mais fácil a rotina dos alunos.
No meu planejamento diário a música, as brincadeiras e a leitura são atividades
constantes. É fascinante ver a interação das crianças nestes momentos.
Em várias disciplinas do PROESF, ficou claro que na educação infantil, a
criança aprende muito mais através de brincadeiras.
Strazzacappa, afirma que:
A criança precisa de tempo ocioso. Ela precisa brincar. Precisa
do tempo de não fazer nada, tempo de sonhar. Precisa aprender
a organizar suas próprias brincadeiras, sua utilização pessoal do
tempo. Tudo isso é importante para um desenvolvimento
equilibrado e sadio. Ocupar todo o tempo da criança com
atividades dirigidas é impedir que ela aprenda a administrar sua
própria vida. (2004, p.51).
Brincando, a criança desenvolve a imaginação, fundamenta a afetividade,
(quando brinca de papai e mamãe), explora diferentes habilidades, estimula a memória.
As crianças brincam porque gostam de brincar, a brincadeira é o melhor
instrumento para a satisfação das necessidades que surgem no convívio diário com a
realidade em que vivem.
De acordo com Macedo, “brincar é mais que aprender, é uma experiência
essencial, um modo de decidir como percorrer a própria vida com responsabilidade”.
(2007, p.31)
13
As brincadeiras deveriam fazer parte da rotina diária em Educação infantil, e
deveriam ser consideradas as atividades mais sérias. Infelizmente a efetiva brincadeira
está ausente na maior parte das classes de Educação Infantil.
Aqui, na cidade de Itatiba, a brincadeira é “coisa séria”, para tanto a secretaria
municipal de ensino criou o projeto Tempo de Brincar. O projeto foi criado para atender
as crianças de quatro a seis anos que já não tinham mais idade, para permanecer na
creche em período integral, mas não tinham onde ficar enquanto as mães trabalham.
Com o projeto as mães podem trabalhar tranqüilas, as crianças são cuidadas e
fazem aquilo que mais gostam que é brincar, ao mesmo tempo interagem com outras
crianças, promovendo a aprendizagem e a socialização. O projeto acontece nas Escolas
de Educação Infantil, onde, as crianças permanecem o dia todo, ficando meio período
com atividades pedagógicas e o outro com atividades lúdicas, para tanto a secretaria
dispõe de duas professoras, uma para cada período.
Para muitos adultos, a brincadeira não é considerada uma atividade
legitimamente escolar. Mas para Wajskop, (1995) é através do brincar que a criança
desenvolve a coordenação motora, suas habilidades visuais e auditivas, seu raciocínio
criativo e a inteligência. O brincar pode ainda funcionar como um espaço através do
qual a criança deixa sair sua angústia, aprende a lidar com suas dores, seus medos, com
a separação de um ente querido.
Lembrando as palavras de Winnicott, (1975): “é no brincar que o indivíduo
criança ou adulto pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral; e é somente
sendo criativo que o indivíduo descobre o eu”.
Embora não tenha freqüentado a pré-escola, pois somente uma minoria tinha
esse privilégio, sei da importância dessa fase escolar na vida de uma criança.
Recentemente quando estava separando algumas atividades para esse ano letivo,
(2008), encontrei um texto de Fulghum, o qual dizia:
“(...) Tudo que eu preciso mesmo saber sobre como viver, o que
fazer, e como ser, aprendi no jardim-de-infância. A sabedoria
não estava no topo da montanha mais alta, no último ano de um
curso superior, mas no tanque de areia do pátio da escolinha
maternal”. (1991, p.10)
14
De acordo com a LDB4, “a Educação Infantil, primeira etapa da educação
básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de
idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da comunidade”.
Ainda que, esteja incluído na lei, muitos pais só matriculam seus filhos na
primeira série, tirando delas (crianças), esse momento extremamente importante, visto
que, nas séries iniciais, o lúdico é deixado de lado.
Esses pais alegam que na pré-escola as crianças só brincam, e eles têm razão,
porém eles deveriam vir à escola e ver seus filhos brincando, interagindo com os
colegas, aprendendo, ensinando.
Utilizando regras simples de convivência, elas aprendem: a dividir tudo com os
companheiros, guardar cada coisa no seu lugar, respeitar as opiniões, esperar sua vez.
Muitos pais não entendem a importância da brincadeira nessa fase, não sabem o
quanto uma criança aprende enquanto brinca. Esses pais pensam na brincadeira somente
como diversão ou lazer, não acreditam no aprendizado e crescimento através do lúdico.
Reportando-me ao passado, vem a lembrança das muitas brincadeiras realizadas
quando criança, a maioria delas era inventada, utilizando todos os recursos que tinha ali
ao meu alcance, fosse um pedaço de tijolo, folhas de árvore, um cabo de vassoura velha,
um pano.
Com todo “esse material” em mãos, podia facilmente montar uma casa debaixo
de uma árvore. E ali eu recebia minhas “visitas” para um delicioso chá da tarde com
bolos de barro, suco de folhas espremidas em um pano e mais uma infinidade de coisas.
Não existia a variedade de brinquedos de hoje, e mesmo que existissem, meus pais não
teriam condições de me dar.
Os brinquedos eram “feitos” pelas próprias crianças, como por exemplo: a
peteca feita com palha de milho e penas de galinha, a perna de pau feita de bambu, o pé
de lata e muito mais.
Eu era uma criança muito feliz, embora não tivesse essa consciência, pois, para
mim, só era feliz quem tinha muitas coisas. Naquele tempo, não sabia a diferença entre
o “ser e o ter”. Em minhas aulas, tento resgatar algumas das brincadeiras de meu tempo
de criança, quando estamos no parque da escola, por exemplo, exploramos cada
centímetro de espaço a nossa volta, desde os pequenos animais até pedrinhas.
4
LDB, Lei de Diretrizes e Bases, para a Educação Nacional.
15
As crianças de hoje não conhecem as brincadeiras tradicionais, pois vivem num
mundo “televisivo”, de vídeo games, ou ainda de brinquedos eletrônicos. Esses
brinquedos não ajudam a criança em seu desenvolvimento motor, o controle remoto faz
tudo.
Tem também o agravante de que hoje as ruas são muito movimentadas e
perigosas, assim fica difícil, realizar as brincadeiras de rua, tão comuns em décadas
passadas.
Temo pelas crianças de seis anos que freqüentarão o Ensino Fundamental, penso
que esse decreto imposto pelo governo federal, está tirando delas o direito de brincar.
Há uma necessidade muito grande dos professores, serem preparados para
receberem esses novos alunos, caso contrário, o ensino pode não avançar. É claro que
existem muitos profissionais bons, que vão em busca de aperfeiçoamento.
Muitos professores diferem os alunos de Educação Infantil com os do Ensino
Fundamental, ou seja, para eles na Educação Infantil, as crianças vão à escola só para
brincar, no fundamental, tornam-se “alunos”, e vão à escola para aprender.
Será que a criança deixa de ser criança para tornar-se aluno? E na cabeça dessa
criança, o que será que acontece?
O aprendizado que foi transmitido até então, é descartado, já não serve para
nada?
Em uma reportagem Leite afirma:
Precisamos acabar com a ruptura que existe entre Educação
Infantil e o Ensino Fundamental, quando em boa parte das
escolas as brincadeiras são deixadas de lado para que os alunos
trabalhem individualmente em carteiras enfileiradas. Acabar
com a ruptura significa não apenas incorporar brincadeiras de
pré-escola na 1ª série, mas também trazer o trabalho pedagógico
estruturado para as crianças que antes estaria apenas brincando.
(2004, p.3).
Nas primeiras séries, as crianças já não podem mais brincar nos parques da
escola, nem levar brinquedos, como estavam acostumadas na pré-escola. Estou certa de
que essa ruptura causa confusão na cabeça dessas crianças.
O grande problema é que, à medida que as crianças crescem, diminuem os
espaços e horários para as brincadeiras, e quando acontecem, é na hora do lanche, no
pátio da escola, não sendo assim considerado uma atividade escolar.
16
Reportando-me mais uma vez, ao meu passado, tenho lembranças do imenso
espaço, que havia no meu querido Grupo Escolar.
Tudo para mim era enorme, hoje eu entendo que, as coisas eram grandes,
porque na verdade eu que era pequena.
Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a
cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente
descobre que o tamanho das coisas há de ser medido pela
intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece
com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre
maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo
da intimidade. 5
(BARROS 2003, s/p).
Quando se é criança, noções de tamanho e tempo são diferentes em comparação
com um adulto.
O prédio escolar era composto de cozinha, pátio interno, diretoria (bastante
temida por alguns alunos), sala dos professores, biblioteca, sala para atendimento
odontológico, banheiro feminino e masculino, e uma área verde onde meus amigos e eu
explorávamos durante o recreio.
Lá brincávamos de tudo um pouco, telefone sem fio, passar anel, roda-roda,
barra-manteiga e muitas outras até “bater o sino”, para avisar o fim do recreio.
Embora morasse na zona rural, onde tinha muito verde, rio, animais diversos, eu
amava ir à escola, andava quilômetros, mas não me importava.
Na minha casa não tinha livros, meus pais não sabiam ler, e embora fossem
muito bons, não me davam aquele abraço gostoso que a dona Dalva costumava me dar
todos os dias. Na minha casa não tinha aquela comida gostosa que eu comia na escola,
nunca passamos fome, mas o cardápio da minha mãe era sempre o mesmo.
Dona Dalva era a servente da escola, que fazia de tudo um pouco, era
carinhosa, mas se fosse preciso chamar a atenção ou mandar para a diretoria, não
pensava duas vezes.
Nunca fiquei chateada por me chamar a atenção, ao contrário, isso fazia com
que eu a respeitasse ainda mais.
O afeto não precisa ser demonstrado só com beijos, abraços, ele se manifesta de
diferentes maneiras através do respeito mútuo entre as pessoas.
5
A obra: Memórias Inventadas de Manoel de Barros, não está paginada.
17
O modo que meus pais me amavam era diferente, eles não demonstravam a
afetivamente, e hoje eu entendo que me amavam.
O “cuidar” deles também era diferente, porque naquele momento para mim,
somente o céu era o limite, podia fazer o que quisesse, até faltar às aulas, porque minha
mãe não falava nada. A preocupação maior deles era com a alimentação, se ficasse
doente, me davam um chá e pronto, o resto deixava-se nas mãos de Deus.
La Taille, fala sobre a afetividade como sendo “um conjunto de sentimentos
projetados sobre o objeto. Ele constitui uma ligação afetiva entre o objeto e o sujeito”.
(1996, p.161.)
A afetividade entre o adulto e a criança é algo necessário e imprescindível para o
desenvolvimento, é através da afetividade que se constitui o primeiro passo para uma
aprendizagem eficaz.
A escola era para mim o lugar que eu mais gostava, era uma escola acolhedora,
onde eu era respeitada, tinha limites e regras para cumprir, inconscientemente eu pedia
esses limites.
Abramowicz aponta:
A idéia de cuidar sempre esteve mais associada à educação das
crianças pobres, pois tal idéia faz parte do ideário construído,
sobretudo pelas ciências humanas, que vê os pobres como
aqueles a quem tudo falta. (2001, p.15).
Vejo-me em muitos de meus alunos, naquele que nunca falta, mesmo que esteja
doente, no que vai à escola para se alimentar, ou só para brincar, também naquele que
me desafia a todo o momento.
Procuro ser atenciosa, dando carinho, afeto e ouvi-los sempre. Sinto imenso
prazer quando alguma mãe me diz que seu filho não quer faltar às aulas por motivo
nenhum.
Uma frase que uso sempre é a seguinte: “Não sou a melhor professora do
mundo, mas, me esforço para fazer o melhor”.
18
5-QUAIS CONTRIBUIÇÕES O PROESF TROUXE PARA MINHA
VIDA.
Como seria admirável se o professor pudesse ser tão perfeito
que constituísse, ele mesmo, o exemplo amado de seus alunos!
(Cecília Meireles).
Confesso que, fazer um curso superior, não estava em meus planos, porém, não
podia deixar passar a oportunidade que me estava sendo oferecida. Sentia vontade de
estudar, mas, sabia das minhas condições financeiras, que não me permitiriam arcar
com tamanha despesa.
Minha filha mais velha, estava se preparando para entrar na faculdade, e a
prioridade naquele momento era dela.
Fiquei sabendo do curso em uma escola onde estava contratada, a diretora foi
muito atenciosa, passando-me o edital já impresso. Li atenciosamente o edital, e tinha
que fazer a inscrição imediatamente, pois era o último dia.
Após a inscrição, aguardei o dia da prova bastante ansiosa, parecia que o tempo
tinha voltado, e eu era novamente uma criança que estava fazendo os exames finais para
passar de ano. Não acreditei, quando vi o meu nome na lista dos aprovados. Sai
correndo pela casa, queria que todos participassem da minha alegria naquele momento.
Entrar para esse curso de graduação, o PROESF, foi para mim mais uma grande
conquista, dentre as muitas que, tenho certeza, que ainda terei. A ansiedade e o medo
estavam presentes ante aquela novidade, que acontecia em minha vida. Sempre fui
muita insegura em relação ao novo, o desconhecido.
Após o início do curso, a ansiedade e o medo foram sumindo gradativamente,
conheci novas amigas que se sentiam como eu. Houve muitas trocas de experiências,
pois, embora muitas trabalhassem com classes de Educação Infantil, o modo de
trabalhar é diferenciado, de uma cidade para outra.
Antes do meu ingresso no curso de Pedagogia, minhas aulas eram sempre as
mesmas, não tinha idéias de como melhorá-las. Não percebia que as crianças que eu
recebia, não eram as mesmas do ano anterior, portanto, as aulas deveriam ser diferentes.
Cada criança é única, e na sala de aula são mais de vinte crianças “únicas”,
convivendo no mesmo espaço, “(...) e é parte do meu trabalho, de como conseguir que
19
vinte pessoas se reconheçam como tais no ato de compartilhar entre elas e, comigo, um
espaço e um tempo durante 190 dias no ano”.( FARIA, 2007 p, 58).
Em 2006, lecionei para uma turma de seis anos (pré-escola), fiquei surpresa
quando, fizemos juntos várias experiências, relacionadas ao “projeto água”. Em uma
dessas experiências, fizemos a filtração da água, utilizando garrafa PET.
As crianças ficaram encantadas, até refizeram em casa para “ensinar” os pais,
fiquei muito orgulhosa da minha turma de pequenos “gênios”.
Através dessa atividade, enfatizei a importância de cuidar do meio ambiente, não
jogando lixos em lugares inadequados, porque posteriormente, irão para os esgotos e
“bocas de lobo”, retornando à superfície a qualquer momento, causando enchentes e
inundações assim que começarem as chuvas fortes.
Terminamos esse projeto com uma exposição aberta à comunidade, onde
expomos desenhos, cartazes e a confecção de um livro com registros de desenhos e
relatos feitos pelos alunos. Os cartazes foram feitos com a participação dos pais.
Ainda naquele ano fizemos uma atividade de registro e observação com a
transformação da lagarta em borboleta, essa atividade foi mais rica, pois, pedi que
pesquisassem e juntos descobrimos que cada lagarta só come um determinado tipo de
planta, e leva contando desde os ovinhos mais ou menos quarenta e cinco dias para a
total transformação.
Considerando a metamorfose da borboleta, uma atividade bastante rica, resolvi
repeti-la neste ano, porém, levando-se em conta que as crianças são outras e a reação
observada também, visto que, os meus alunos são menores agora.
Passaram todos os dias em vigília, observando cada mordida que a lagarta dava
nas folhas, quando se tornou uma crisálida, uma das crianças disse que parecia uma
bananinha, e a espera até que se tornasse borboleta, parecia uma tortura, pois todo dia
perguntavam: “Ela não vai virar logo, não, prô?”.
Trinta dias contados diariamente no calendário, (levei uma lagarta maior que da
última vez), eis que quando entramos na sala, lá estava ela, linda, com as asas ainda
molhadas, tentando a todo custo se libertar da casca que a envolveu por tanto tempo.
Nunca os vi tão felizes como naquele momento, saíram chamando todas as
pessoas para que viessem conhecer a Teca, (esse foi o nome dado por eles à borboleta,
quando ainda era lagarta). Cantaram a música “borboletinha”, como se assim
prestassem uma homenagem à nova “amiga".
20
Fizemos então, a conclusão do nosso registro, e decidimos relatar a história da
Teca, em um livro, onde cada um terá a sua participação, e que depois de pronto cada
um terá o seu, podendo levar para suas casas.
Quero ressaltar o quanto importante foi o curso de Pedagogia do PROESF, em
minha vida pessoal e profissional, acredito hoje que o estudo, a leitura, a pesquisa, tem
que ser constante no meu cotidiano.
Aprendi porque que nós da Educação Infantil somos polivalentes, e isso,
comprovado em parte no registro feito acima, graças às aulas da disciplina de Teoria
Pedagógica em Ciências e Meio Ambiente. Na Educação Infantil trabalhamos muitas
disciplinas ao mesmo tempo sem que sejam fragmentadas.
A faculdade me possibilitou crescimento e amadurecimento tanto social quanto
cultural. Adquiri novas qualidades consideradas fundamentais para minha vida
profissional. Contemplo aqui algumas que são: assumir outras responsabilidades, tomar
iniciativas, ser mais crítica e mais comprometida.
Hoje me tornei uma pessoa mais crítica no preparo das minhas aulas, procuro
avaliar-me a todo instante, e quando percebo que uma atividade não está dando certo,
mudo de estratégia refazendo-a.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a
caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás
o que colher.
(Cora Coralina).
Rememorar os anos da minha vida fez-me refletir e então entender, que muitas
coisas são passíveis de mudança, só depende de nós mesmos.
A minha visão mudou não só como profissional, mas como pessoa no cotidiano,
tornando-me mais maleável em muitas questões da vida, “procuro ser transparente o
máximo possível e não agir segundo critérios incompreensíveis...” (FARIA, 2007,
p.68).
A oportunidade de fazer um curso superior foi para mim, a melhor forma de
construção de aprendizado e conhecimento. Sei que tenho ainda muito a aprender e que
o conhecimento adquirido, servirá de ponte para novos trabalhos e projetos.
Aprendi através do PROESF, a gostar cada vez mais da minha profissão, pude
entender também o quanto é importante o meu trabalho na Educação Infantil.
Cada conquista de meus alunos em relação ao aprendizado, é para mim o
reconhecimento de um trabalho que está dando certo.
Tenho certeza de que hoje, sou mais crítica, mais autônoma, consigo tomar
decisões sem ter que pedir ou ficar à espera que decidam por mim. Para Freire: “é
importante salientar que o novo momento na compreensão da vida social não é
exclusivo de uma pessoa”. (1996, p.82).
Embora todas as disciplinas do curso, tenham sido extremamente relevantes,
aumentando as minhas expectativas em relação ao meu trabalho, as relacionadas à
Educação Infantil foram as que mais me envolveram.
Senti não ter tempo para ler com mais calma e atenção os textos oferecidos, a
maioria deles, eu não tinha conhecimentos. Alguns fáceis de entender e outros nem
tanto, mas todos necessários à minha prática pedagógica.
Errando ou acertando, sigo em frente tentando fazer o melhor sempre.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOWICZ, Anete. O direito das crianças à educação infantil. PRÓ-POSIÇÕES.
Revista da Faculdade de educação/Unicamp: vol.14, n.3(42) – jan/abr.2004.
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FARIA, Ana L. G., MELLO, Suely Amaral (org.) Territórios da Infância: linguagens,
tempos e relações para uma pedagogia para as crianças pequenas. Araraquara, SP:
Junqueira &Marin, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - saberes necessários à prática educativa. 27
ed., São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FULGHUM, Robert. Tudo que eu devia saber na vida aprendi no jardim de infância.
Editora Best Seller, 1992.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação na pré-escola: um olhar sensível e reflexivo sobre a
criança. Porto Alegre: Mediação, 2000.
LA TAILE, Yves de. A educação Moral: Kant e Piaget, In: Lino de Macedo (org.),
Cinco estudos de educação moral. São Paulo. Casa do Psicólogo, 1996.
LEITE, Sérgio. Artigo: Nove anos de escolaridade, um avanço para o Brasil.
Revista Nova Escola, ed. 176, 2004.
MACEDO, Lino de. Artigo: Idéias e opiniões de quem faz a diferença.
Revista Nova Escola, ed.15, 2007.
RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da Educação brasileira - a organização
escolar. 18 ed.rev. e ampl. – Campinas/SP: Autores Associados, 2003.
STRAZZACAPPA, Márcia. Dançando na chuva... e no chão de cimento . In: Sueli
Ferreira (org.), O ensino das artes construindo caminhos. Campinas/SP: Papirus, 2004.
WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 1995.
WINNICOTT, Donald. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.
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