UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO DIVINA MACHADO BUFOLO UMA VIDA, MUITAS HISTÓRIAS CAMPINAS 2008 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO DIVINA MACHADO BUFOLO UMA VIDA, MUITAS HISTÓRIAS. Memorial apresentado ao Curso de Pedagogia Programa Especial de Formação de Professores em Exercício nos Municípios da Região Metropolitana de Campinas, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, como um dos pré-requisitos para conclusão da Licenciatura em Pedagogia. CAMPINAS 2008 © by Divina Machado Bufolo, 2008. Ficha catalográfica elaborada pela biblioteca da Faculdade de Educação/UNICAMP B864v Bufolo, Divina Machado. Uma vida, muitas histórias: memorial de formação / Divina Machado Bufolo. -- Campinas, SP :[s.n.], 2008. Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Programa Especial de Formação de Professores em Exercício da Região Metropolitana de Campinas (PROESF). 1. Trabalho de conclusão de curso. 2. Memorial. 3. Experiência de vida. 4. Prática docente. 5. Formação de professores. I. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título. 08-236-BFE A todos que de uma forma ou de outra, fizeram de mim a pessoa que sou. AGRADECIMENTOS A meus irmãos pelo apoio e incentivo, Às minhas filhas Lídia e Elisa, pela compreensão, À minha sobrinha e mais que amiga Ana pela força que me deu em todos os momentos pessoais e profissionais, Ao meu marido Odair, que mesmo sem querer, fez com que me tornasse uma vitoriosa, Às minhas colegas de classe, pessoas a quem aprendi a respeitar e valorizar a cada dia durante o curso. Quanto mais gastarmos o tempo em realizações, mais o guardaremos em recordações. Gonçalves Ribeiro. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 01 1. MINHA INFÂNCIA 03 2. OS PRIMEIROS ANOS ESCOLARES 05 3. DE VOLTA AOS ESTUDOS 10 4. MINHA CARREIRA 12 5. QUAIS CONTRIBUIÇÕES O PROESF TROUXE PARA MINHA VIDA 19 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 22 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 23 APRESENTAÇÃO Não podemos imaginar a infância sem os seus risos e os seus jogos. Imaginai que, de repente, as crianças deixavam de jogar, que os recreios das nossas escolas se tornavam silenciosos, que já não éramos distraídos pelos gritos ou até pelos choros que vêm do jardim ou do pátio do recreio. (J. Chateau). Inicio contando a minha vida, pois nasci num momento em que o país vivia numa ditadura militar, onde o povo oprimido não tinha vez nem voz Minha família desprovida de bens materiais vivia mudando de um lugar para outro à procura de melhores condições de vida. Para relatar minhas memórias, precisei voltar no tempo e reviver a minha infância, onde vivi num mundo mágico de sonhos, fantasias e muitas brincadeiras. Mas, como em todo conto de fadas, na minha vida também teve momentos bons e momentos ruins. Foram inúmeras as dificuldades encontradas em todos os lugares por onde passamos. Relato em meu memorial os meus primeiros anos escolares fazendo uma ponte com os dias atuais e com a minha prática enquanto educadora, pois percebo que houve uma grande mudança. Embora esteja feliz com a escolha pela profissão de professora, não foi nada fácil o início da minha carreira, pois saí do magistério com uma pequena base teórica. Tinha muitos sonhos e vontade de trabalhar, porém, as dificuldades encontradas foram muitas. E como o profissional precisa sempre estar se atualizando, aproveitei-me da chance que a vida me oferecia, vindo para o PROESF, onde além de conhecer pessoas incríveis, aumentou também o conhecimento teórico para que eu pudesse melhorar minha prática pedagógica. Meu olhar para as atividades e brincadeiras na Educação Infantil mudou, fazendo com que eu as veja agora de outro ângulo, por isso, escolhi como eixo brincadeiras e afetividade. Ao refletir sobre minha prática após o curso de Pedagogia do PROESF, tenho condições de repensar algumas ações, possibilitando mudanças quando for necessário. 1 Descrevo algumas experiências realizadas em sala de aula, pois acredito que tais registros são muito importantes, para outras pessoas que venham a ter contato com meu trabalho. A preferência em trabalhar na Educação Infantil é uma forma de me encontrar com o meu passado onde o brincar foi extremamente relevante, os cuidados que tive no grupo escolar, o afeto recebido em forma de repreensão. Seria injusta se não mencionasse as experiências e todas as aprendizagens e conhecimentos adquiridos neste curso de graduação, o PROESF, experiências que levarei comigo para a minha prática pedagógica. 2 1-MINHA INFÂNCIA. A vida é feita de momentos. E para que esses momentos sejam bons ou maus dependem de nós mesmos. Feliz é aquele que esculpindo, pintando ou escrevendo registra seus momentos, pois eles talvez possam ser úteis a alguém ou a si mesmo. (Perez Filho) Escrever minhas memórias, relatar fatos da minha história, nunca imaginei que isso seria possível. Quando ingressei no PROESF, algumas amigas que já estavam terminando o curso, falaram-me na dificuldade que estavam tendo em escrever seus memoriais, confesso ter achado exagero, porém, posso constatar que realmente não é fácil. O nosso cérebro embora guarde milhões de informações, parece falhar nesse momento. Inicio aqui a minha história, procurando no tempo, vestígios de um passado simples, sem grandes acontecimentos, história que para muitos pode ser comum, mas é a trajetória de uma vida, a minha vida. Nasci em 1965, em São João do Ivaí, uma pequena cidade, no Estado do Paraná, a sétima numa família de oito irmãos. Família simples e humilde, mas com valores e princípios morais, única herança deixada por meu pai. Meu pai nasceu em Minas Gerais, por isso, fez questão de registrar a todos os filhos, como se também fossem mineiros. Comigo não foi diferente, portanto sou mineira, mesmo que seja só no papel, mas com muito orgulho. Lavrador, sem estudos, sabia escrever e ler alguma coisa, graças à sua vontade de aprender, pois nunca foi à escola. Trabalhava como meeiro1, nos muitos lugares em que moramos, mas o maior sonho dele era ter “um pedaço de terra”, infelizmente não conseguiu concretizá-lo. As dificuldades eram tantas, que muitas vezes, vi minha mãe chorando, preocupada com o que faria para comermos. Naquela época ela não dizia que era esse o motivo. E em minha cabeça infantil, não existiam problemas, aquele era o momento de brincar, brincar e mais nada. Que importância teria para mim, o momento histórico pelo qual o país estava passando? 1 Meeiro é aquele que planta em terreno alheio, repartindo o resultado das plantações com o dono das terras. 3 Ouvia meu pai falando de um tal de “comunismo”, dos anarquistas, como se fossem uns bichos papões que comiam criancinhas. Na verdade, como era um semianalfabeto, ele só repetia o que os patrões falavam. Meus irmãos maiores ajudavam como podiam, na plantação e na colheita, por causa disso, não conseguiram concluir, sequer a quarta série primária, hoje, séries iniciais do Ensino Fundamental, as escolas eram poucas e distantes do lugar onde vivíamos. Vivíamos como ciganos, tentando melhorar de vida, mudávamos de um lugar para outro. Quando minha família mudou-se para o Estado do Paraná, minha mãe estava grávida de quase seis meses, portanto três meses depois, eu nasci. Mas como já era de se esperar, as coisas não aconteceram como meu pai havia planejado, e mais uma vez estávamos prontos para mudar. Desta vez, minha família resolveu tentar a sorte na cidade de Socorro, interior de São Paulo, onde o sofrimento e a falta de maiores recursos, fizeram com que mais uma vez (a última), mudássemos de cidade. Viemos então para Itatiba, de onde nunca mais mudamos somente de uma casa para outra. E hoje, dando aulas, vejo que muitos alunos têm vidas parecidas com a que eu tive. Mudam de escola, como se mudassem de roupa. Seus familiares à procura de melhores condições de sobrevivência, de estabilidade, e a educação dos filhos vai ficando em segundo plano. 4 2-OS PRIMEIROS ANOS ESCOLARES. Nossa vida é uma jornada, e às vezes, as estradas em que viajamos são mais misteriosas e mágicas do que jamais imaginamos. (Deanna Beisser). Morávamos em um sítio alguns quilômetros distantes do centro, por isso era difícil fazer compras com meu pai. Não conhecia quase nenhum tipo de guloseima, somente as que raramente ele trazia, (o dinheiro era pouco). As dificuldades eram tantas, que minha mãe tinha receio em me colocar na escola. Mas, como tudo sempre se ajeita, ela foi até a escola e conversou com a diretora, e esta disse para que não se preocupasse que a escola, iria me dar todo o material necessário e também o uniforme. Como era bonito meu uniforme! Saia azul marinho de pregas, uma camisa branca com o nome da escola escrito no bolso, meias brancas e sapato colegial preto, não pude ter esses sapatos, pois custavam muito caro, minha mãe me comprou “congas”. Nesta época a escola estava deixando de ser somente para a elite, onde o pobre era excluído e de acordo com Ribeiro; É lutando para que todos ingressem e permaneçam na escola, é lutando, portanto, para que os obstáculos escolares e sociais mais gerais que dificultam ou impossibilitam tal ingresso e permanência deixem de existir, que será possível construir uma organização escolar de qualidade. (2003, p. 200.) Poucas eram as crianças que freqüentavam a pré-escola, por isso fui matriculada na primeira série, e fui alfabetizada através da saudosa cartilha. Isso não quer dizer que eu a considere como o melhor método, mas na época era só o que tínhamos. As carteiras eram duplas e enfileiradas uma atrás da outra, dificultando todo e qualquer trabalho em grupo, tinham os pés de ferro que as tornavam pesadas, não sendo possível mudá-las de lugar. Essas carteiras eram tão próximas, que os pés e os cotovelos dos alunos se tocavam a todo instante. Era uma verdadeira tortura os dias de prova, quando não podíamos sequer olhar do lado, e como não olhar, estando tão próximos? 5 Quando comecei a estudar, a criança não era vista como hoje, naquele tempo a única preocupação do professor era de ensinar, passar os conteúdos. Já a vida familiar da criança, os conhecimentos trazidos por ela, não tinham o menor valor para seu aprendizado escolar. As brincadeiras só aconteciam no recreio, muitas vezes, ouvia-se os professores dizerem: “Se quiserem brincar, fiquem em casa, lá é o lugar certo”. Graças a Deus que muita coisa mudou a esse respeito, hoje atuando como professora da Educação Infantil, permito que as crianças brinquem, pois entendo que aprendem mais. Acredito que isso seja possível também no Ensino Fundamental. Na minha infância, os comerciais anunciados na TV não tinham tanto apelo como os de hoje. Televisão era artigo de luxo, e poucas pessoas tinham poder aquisitivo para ter uma em casa, na minha não tinha, e as poucas vezes que quisesse assistir precisava ir à casa da vizinha. Mas como eu tinha um espaço bem grande para brincar, porque perder tempo na frente de uma TV? Para irmos até a cidade, era preciso andar bastante, pois não tínhamos “condução”, como dizia meu pai. Ter carro, naquele tempo era praticamente impossível, somente os “mais afortunados” é que tinham se não tínhamos televisão, imagine ter um carro, então. Comecei a estudar em 1972, quando o país ainda era governado por militares e o “povo não tinha vez nem voz”. O presidente era o General Emílio Garrastazu Médice, que dispunha de instrumentos que permitiam usar a força para solucionar os conflitos políticos. Muitas pessoas foram perseguidas e torturadas, outras tiveram que deixar o país. Em conseqüência dessa repressão política, muitas pessoas “desapareceram”. Muitos foram torturados e exilados do país, dentre esses nomes estava o educador Paulo Freire, que fora se refugiar no Chile. Apesar desse episódio triste da sociedade brasileira tenho boas recordações das professoras de 1ª a 4ª séries, em especial da Dona Lúcia, professora da 1ª série, foi ela quem me alfabetizou. Era meiga, doce, não me lembro de tê-la visto perder a paciência uma única vez. Fui alfabetizada através da cartilha “Caminho Suave”, dona Lúcia ia de carteira em carteira, se necessário, parava, pegava na minha mão que segurava firmemente em um lápis e a conduzia pelas linhas do caderno. 6 Incentivava-nos a escrever cartinhas uns para os outros, e as que ela recebia, respondia com muito carinho. Naquela época não sabia qual era a intenção dela ao fazer isso, mas hoje, estando eu como educadora, vejo que o que ela pretendia era fazer-nos escrever cada vez melhor. Lembro-me também das aulas de Ciências e Saúde na 3ª série, quando a professora falava de higiene, da importância dos animais em nossas vidas, de alimentação, etc. Em uma das aulas de Ciências, a professora através do livro didático, começou a explicar sobre a importância dos alimentos. Citou várias coisas, entre elas, tudo o que a vaca nos fornece, a carne, o couro, o leite e seus derivados. E quanto aos derivados, ela citou um tal de “requeijão”, não fazia a menor idéia do que seria isso. Seria um doce ou salgado, mole ou duro, que gosto teria? E eu me perguntava: “Derivado, o que será que é isso?”. Perguntar, nem pensar, pois morria de vergonha, e tinha também o medo da professora me repreender na frente dos demais alunos. Mesmo a professora sendo muito boa e gentil, não tinha com ela essa “abertura” para fazer perguntas, fiquei com essa interrogação em minha cabeça por vários anos. Naquela época os professores vinham com as aulas prontas. A maioria ou quase todas as aulas eram apenas expositivas. Talvez se a professora sugerisse uma pesquisa, através de outros livros, revistas, idas a supermercados, acredito que teria aprendido mais rápido muitos assuntos que ficaram vagos. Muitas outras coisas ficaram vagas, pois, as aulas eram dadas somente com o auxílio dos livros didáticos. Os alunos apenas copiavam e resolviam as atividades dadas sem discussões, e em silêncio. O professor detinha o saber e só podia falar sobre os assuntos por ele predeterminados. Ficando comprovado, que não se tinha conhecimento do construtivismo de Piaget, onde o educador não é o detentor do saber, mas sim o facilitador do processo ensino aprendizagem. O aluno aprende ao mesmo tempo em que também ensina. Através dessas e outras lembranças, percebo o quanto reprimido nós fomos, não poder exercer a cidadania dentro da própria escola. Por mais irônico que possa parecer, o Brasil vivia na época uma cruel ditadura e, ingenuamente nossa querida professora parecia não ver e continuava nos ensinando as vantagens do sistema democrático. 7 Diz o dicionário que democracia2 é o governo do povo, pelo povo, para o povo. Velha definição que aprendemos nos bancos escolares nas aulas de Educação Moral e Cívica e OSPB (Organização Social e Política do Brasil). Acredito sim na importância de se falar em política, afinal ela faz parte do nosso dia a dia, mas não posso aceitar que sejam impostos idéias de uma democracia que não existia. A obrigatoriedade em decorar nomes de ministros, siglas e muitas outras coisas. Cantar o hino nacional diariamente, sem ao menos saber o significado das palavras neles contidas. Se na época, nossos professores soubessem trabalhar com os temas transversais, a letra do Hino Nacional, teria conteúdos para pelo menos um mês. A História do Brasil mudou e as lutas dos menos favorecidos por melhores condições de vida e de trabalho continuam, porém, hoje vivemos em uma “quase” total liberdade de expressão. Comecei a trabalhar numa fábrica com treze anos, para não deixar a escola, terminei o primeiro grau estudando à noite. Era muito cansativo, muitas vezes dormia na carteira, fiquei para recuperação em algumas matérias, porém consegui passar sem ser reprovada, naquela época havia reprovação em todas as séries para quem não atingia a média. As provas e as chamadas orais eram tão assustadoras que alguns amigos tinham dor de barriga. O medo da reprovação, de não conseguir tirar a média, na hora dava um branco e mesmo tendo decorado o conteúdo, não se conseguia realizar os exercícios. As avaliações eram feitas em cima do conteúdo que os professores davam no decorrer do bimestre. Não era levado em conta tudo o que o aluno já sabia, aquele conhecimento trazido consigo de casa, simplesmente era ignorado. Hoje em dia o modo de avaliar mudou bastante e assim afirma Hoffmann: A avaliação deve ser entendida como uma prática investigativa e não sentenciva, mediadora e não constatativa. Não são os julgamentos que justificam a avaliação, as afirmações inquestionáveis sobre o que a criança é ou não é capaz de fazer. (2000, p.15). Ao refletir sobre a minha trajetória de vida pessoal e profissional tenho a idéia de que vivi momentos bons e ruins. Trabalhar com treze anos, por exemplo, parece ser a coisa mais estranha nos dias de hoje para mim. 2 Democracia; governo do povo, regime político que se funda nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder. 8 Imaginem uma criança levantando às 6 da manhã, ainda sonolenta, tomar um café bem rápido, e sair correndo para “bater cartão”. Mas ao assistir a aula magna do dia 03 de julho de 20073, entendi que já no século XVIII, na França, as crianças começavam a trabalhar por volta de onze anos, até então viviam em asilos, eram deixadas nesse lugar por mães que precisavam trabalhar. Nesse mesmo século a criança tinha o lar como lugar social, só no século seguinte é que a escola passaria a ter essa função. Percebe-se então, que a questão do trabalho infantil é algo que há muito tempo tem sido tema de discussões. O trabalho infantil existe desde a antiguidade e apesar de hoje ser uma prática condenável, ainda há quem justifique a necessidade do trabalho infantil que ocorre de maneira exploratória. Na minha época era comum começar a trabalhar por volta dos treze anos, principalmente nas classes mais pobres, pois, a renda familiar era baixa, daí a necessidade de todos os membros da família trabalharem. Infelizmente não tive incentivo dos meus pais para continuar estudando, ao contrário, muitas vezes, minha mãe dizia que eu deveria parar. Ela sentia pena de me ver fazendo aquele sacrifício, e como trabalhar era mais importante (na concepção deles é claro), abandonei os estudos, concluindo apenas o primeiro grau, hoje séries iniciais do Ensino Fundamental. 3 Aula magna com a Professora Doutora Maria Evelyna Pompeu do Nascimento. 9 3-DE VOLTA AOS ESTUDOS Quanto mais qualificado for um profissional, maior deverá ser sua capacidade de enfrentar o imprevisível. Isso se aprende. (PHILIPPE PERRENOUD). Casei-me algum tempo depois, porém não me sentia completa, meu mundo era restrito, e isso me deixava angustiada. Decidi retomar meus estudos e para isso, travei uma briga com meu marido. Ele achava que naquele momento eu tinha que cuidar da nossa casa e das nossas filhas, mesmo assim, matriculei-me na EEPG “Manuel Euclides de Britto”, para fazer o curso de magistério. Já estava com trinta anos, quando voltei a estudar, minhas filhas tinham dez e três anos, confesso que foi extremamente doloroso, ter que deixá-las sob os cuidados de pessoas estranhas. Muitas vezes fui para a escola chorando, porque até então, eu ficava todo o tempo com elas, nunca as havia deixado com ninguém, exceto com meu marido, fui educada para ser esposa e mãe, como aconteceu com todas as mulheres da minha família. Na volta, quando descia do ônibus, ia até o portão da escola onde minha filha estudava e ficava olhando-a de longe, às vezes, eu conseguia dar um beijo nela. Depois ia correndo pegar a mais nova que ficava na casa de uma vizinha. Meu marido dizia que se eu tivesse estudado antes do casamento, as coisas seriam diferentes, e as meninas não sofreriam tanto. Ele tinha razão, e isso, fazia com que eu me sentisse pior, ainda mais culpada. Mas, me pergunto: “Será que eu estaria lecionando? E se tivesse, seria eu uma boa professora?”. Acredito que se eu tivesse estudado quando era mais nova, não estaria dando aulas. Eu não tinha paciência alguma com crianças, simplesmente as achava engraçadinhas. Aprendi com o passar dos anos que as coisas acontecem no seu tempo certo, e esse é o meu tempo de ser e fazer o melhor que sei: lecionar. 10 A opção pelo curso de magistério foi por vários motivos, mas o maior deles com certeza foi pela lembrança da minha querida professora da primeira série. Penso que, como educadores, todos os dias, influenciamos a vida de outras pessoas. Cada aprendizado ou fracasso, tudo é construção para sermos melhores sempre. Através do magistério conheci autores como: Wallon, Piaget, Vygotsky, Emília Ferreiro, infelizmente, o contato com os mesmos esses foi pouco, mas o suficiente para aprender que, todos eles contribuíram com a educação, cada um com o seu modo, sua concepção a respeito da Educação. Wallon baseou suas idéias em quatro elementos básicos que estão todo o tempo em comunicação e são eles: afetividade, emoções, movimento e formação do “eu”, para ele o estudo do desenvolvimento humano deve considerar o sujeito como “geneticamente social” e estudar a criança contextualizada, nas relações com o meio. Piaget acreditava que ao invés de ensinar, de dar as coisas já prontas, o professor deveria criar situações onde a criança através de sua relação com o meio pudesse construir o conhecimento de mundo que a cerca. Ainda segundo, Piaget, errar, não deve ser visto como falha, mas como um momento necessário da aprendizagem. Vygotsky tem a sua teoria baseada no desenvolvimento do indivíduo, para ele, o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir das relações intra e inter-pessoais. Emília Ferreiro acredita que as crianças possuem capacidades cognitivas e lingüísticas, devendo-se assim, levar em consideração o conhecimento específico que possuem antes de iniciar a aprendizagem escolar. É claro que não existe uma verdade absoluta, e que não se pode ter uma teoria como sendo a única. O conhecimento acerca dos fatos é sempre relativo, o que é verdadeiro para mim, pode não ser para outro. Estava aumentando em mim, uma vontade enorme de ser professora, de ensinar não somente para as minhas filhas, mas para outras crianças também. Os quatro anos de curso passaram tão rápidos que quando percebi, já estava formada. Tinha em minhas mãos o diploma de professora, mais que isso, pois para mim, aquele diploma era como se fosse um troféu. Estava alcançando o primeiro degrau, dos muitos que ainda encontraria. Agora só faltava começar a exercer a profissão, e estava bastante ansiosa para que isso acontecesse. 11 4- MINHA CARREIRA. Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si mediados pelo mundo. (PAULO FREIRE) Conclui o curso de magistério em 1999, e no ano seguinte, comecei a lecionar eventualmente. Até aquele ano, bastava que nos inscrevêssemos na secretaria de Educação, pois não havia processo seletivo. A secretaria enviava para as escolas a lista com os nomes de quem queria substituir, e então fui chamada. Entrar numa sala de aula como professora pela primeira vez, não foi nada agradável. Era uma sala de terceira série, com crianças indisciplinadas, sem limites, sem interesse pelo aprendizado. Ao terminar a aula daquele dia, saí em pânico, dizendo ao meu marido que não voltaria mais. Tinha uma restrita base teórica e nenhuma experiência. Eu sempre achei que as professoras já saiam sabendo tudo o que ensinavam, ledo engano! Pude sentir na pele, foi uma estranha sensação aquele medo de fracassar. Minhas pernas tremiam, as mãos suavam, gaguejei, o giz caiu várias vezes. Percebi que não existem fórmulas mágicas para serem empregadas, e que é no cotidiano com diferentes alunos que ensinamos e aprendemos. E fui percebendo com o tempo, que todo aquele medo, era pura insegurança. Aquela foi uma sala que substitui eventualmente algumas vezes, confesso que não sei se daria conta se fosse durante o ano todo. No ano seguinte comecei a substituir classes de Educação Infantil, e foi paixão à primeira vista. Identifiquei-me com as crianças dessa faixa etária, pela maneira que encontram para se expressar, pelo jeito de ser de cada um. O modo de se relacionar com todas as pessoas que as rodeiam, suas descobertas e a enorme curiosidade que possuem. A curiosidade presente nas crianças faz com que a aprendizagem ocorra com mais facilidade, pois o interesse aumenta em cada descoberta. Para Freire: “O exercício da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mais metodicamente “perseguidora” do seu objeto”. (1996, p. 87.) 12 Muitas delas fazem-me recordar a criança que fui, das coisas que fazia, e do que gostaria que tivessem feito por mim. A profissional que sou está diretamente ligada com tudo que aprendi na minha infância. Interagir com as crianças é uma atividade bastante prazerosa, vê-los estimulados de forma significativa, considerando a história familiar e o conhecimento que trazem consigo. O mundo imaginário em que vivem as crianças pequenas me fascina, aprendem tudo o que lhe ensinam, tudo mesmo, coisas boas e coisas ruins. Preparar aulas para essa faixa etária não é uma tarefa tão fácil como algumas pessoas pensam. Como em todas as disciplinas faz-se necessário um bom planejamento, uma vez que, planejar as aulas torna-se mais fácil a rotina dos alunos. No meu planejamento diário a música, as brincadeiras e a leitura são atividades constantes. É fascinante ver a interação das crianças nestes momentos. Em várias disciplinas do PROESF, ficou claro que na educação infantil, a criança aprende muito mais através de brincadeiras. Strazzacappa, afirma que: A criança precisa de tempo ocioso. Ela precisa brincar. Precisa do tempo de não fazer nada, tempo de sonhar. Precisa aprender a organizar suas próprias brincadeiras, sua utilização pessoal do tempo. Tudo isso é importante para um desenvolvimento equilibrado e sadio. Ocupar todo o tempo da criança com atividades dirigidas é impedir que ela aprenda a administrar sua própria vida. (2004, p.51). Brincando, a criança desenvolve a imaginação, fundamenta a afetividade, (quando brinca de papai e mamãe), explora diferentes habilidades, estimula a memória. As crianças brincam porque gostam de brincar, a brincadeira é o melhor instrumento para a satisfação das necessidades que surgem no convívio diário com a realidade em que vivem. De acordo com Macedo, “brincar é mais que aprender, é uma experiência essencial, um modo de decidir como percorrer a própria vida com responsabilidade”. (2007, p.31) 13 As brincadeiras deveriam fazer parte da rotina diária em Educação infantil, e deveriam ser consideradas as atividades mais sérias. Infelizmente a efetiva brincadeira está ausente na maior parte das classes de Educação Infantil. Aqui, na cidade de Itatiba, a brincadeira é “coisa séria”, para tanto a secretaria municipal de ensino criou o projeto Tempo de Brincar. O projeto foi criado para atender as crianças de quatro a seis anos que já não tinham mais idade, para permanecer na creche em período integral, mas não tinham onde ficar enquanto as mães trabalham. Com o projeto as mães podem trabalhar tranqüilas, as crianças são cuidadas e fazem aquilo que mais gostam que é brincar, ao mesmo tempo interagem com outras crianças, promovendo a aprendizagem e a socialização. O projeto acontece nas Escolas de Educação Infantil, onde, as crianças permanecem o dia todo, ficando meio período com atividades pedagógicas e o outro com atividades lúdicas, para tanto a secretaria dispõe de duas professoras, uma para cada período. Para muitos adultos, a brincadeira não é considerada uma atividade legitimamente escolar. Mas para Wajskop, (1995) é através do brincar que a criança desenvolve a coordenação motora, suas habilidades visuais e auditivas, seu raciocínio criativo e a inteligência. O brincar pode ainda funcionar como um espaço através do qual a criança deixa sair sua angústia, aprende a lidar com suas dores, seus medos, com a separação de um ente querido. Lembrando as palavras de Winnicott, (1975): “é no brincar que o indivíduo criança ou adulto pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral; e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu”. Embora não tenha freqüentado a pré-escola, pois somente uma minoria tinha esse privilégio, sei da importância dessa fase escolar na vida de uma criança. Recentemente quando estava separando algumas atividades para esse ano letivo, (2008), encontrei um texto de Fulghum, o qual dizia: “(...) Tudo que eu preciso mesmo saber sobre como viver, o que fazer, e como ser, aprendi no jardim-de-infância. A sabedoria não estava no topo da montanha mais alta, no último ano de um curso superior, mas no tanque de areia do pátio da escolinha maternal”. (1991, p.10) 14 De acordo com a LDB4, “a Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. Ainda que, esteja incluído na lei, muitos pais só matriculam seus filhos na primeira série, tirando delas (crianças), esse momento extremamente importante, visto que, nas séries iniciais, o lúdico é deixado de lado. Esses pais alegam que na pré-escola as crianças só brincam, e eles têm razão, porém eles deveriam vir à escola e ver seus filhos brincando, interagindo com os colegas, aprendendo, ensinando. Utilizando regras simples de convivência, elas aprendem: a dividir tudo com os companheiros, guardar cada coisa no seu lugar, respeitar as opiniões, esperar sua vez. Muitos pais não entendem a importância da brincadeira nessa fase, não sabem o quanto uma criança aprende enquanto brinca. Esses pais pensam na brincadeira somente como diversão ou lazer, não acreditam no aprendizado e crescimento através do lúdico. Reportando-me ao passado, vem a lembrança das muitas brincadeiras realizadas quando criança, a maioria delas era inventada, utilizando todos os recursos que tinha ali ao meu alcance, fosse um pedaço de tijolo, folhas de árvore, um cabo de vassoura velha, um pano. Com todo “esse material” em mãos, podia facilmente montar uma casa debaixo de uma árvore. E ali eu recebia minhas “visitas” para um delicioso chá da tarde com bolos de barro, suco de folhas espremidas em um pano e mais uma infinidade de coisas. Não existia a variedade de brinquedos de hoje, e mesmo que existissem, meus pais não teriam condições de me dar. Os brinquedos eram “feitos” pelas próprias crianças, como por exemplo: a peteca feita com palha de milho e penas de galinha, a perna de pau feita de bambu, o pé de lata e muito mais. Eu era uma criança muito feliz, embora não tivesse essa consciência, pois, para mim, só era feliz quem tinha muitas coisas. Naquele tempo, não sabia a diferença entre o “ser e o ter”. Em minhas aulas, tento resgatar algumas das brincadeiras de meu tempo de criança, quando estamos no parque da escola, por exemplo, exploramos cada centímetro de espaço a nossa volta, desde os pequenos animais até pedrinhas. 4 LDB, Lei de Diretrizes e Bases, para a Educação Nacional. 15 As crianças de hoje não conhecem as brincadeiras tradicionais, pois vivem num mundo “televisivo”, de vídeo games, ou ainda de brinquedos eletrônicos. Esses brinquedos não ajudam a criança em seu desenvolvimento motor, o controle remoto faz tudo. Tem também o agravante de que hoje as ruas são muito movimentadas e perigosas, assim fica difícil, realizar as brincadeiras de rua, tão comuns em décadas passadas. Temo pelas crianças de seis anos que freqüentarão o Ensino Fundamental, penso que esse decreto imposto pelo governo federal, está tirando delas o direito de brincar. Há uma necessidade muito grande dos professores, serem preparados para receberem esses novos alunos, caso contrário, o ensino pode não avançar. É claro que existem muitos profissionais bons, que vão em busca de aperfeiçoamento. Muitos professores diferem os alunos de Educação Infantil com os do Ensino Fundamental, ou seja, para eles na Educação Infantil, as crianças vão à escola só para brincar, no fundamental, tornam-se “alunos”, e vão à escola para aprender. Será que a criança deixa de ser criança para tornar-se aluno? E na cabeça dessa criança, o que será que acontece? O aprendizado que foi transmitido até então, é descartado, já não serve para nada? Em uma reportagem Leite afirma: Precisamos acabar com a ruptura que existe entre Educação Infantil e o Ensino Fundamental, quando em boa parte das escolas as brincadeiras são deixadas de lado para que os alunos trabalhem individualmente em carteiras enfileiradas. Acabar com a ruptura significa não apenas incorporar brincadeiras de pré-escola na 1ª série, mas também trazer o trabalho pedagógico estruturado para as crianças que antes estaria apenas brincando. (2004, p.3). Nas primeiras séries, as crianças já não podem mais brincar nos parques da escola, nem levar brinquedos, como estavam acostumadas na pré-escola. Estou certa de que essa ruptura causa confusão na cabeça dessas crianças. O grande problema é que, à medida que as crianças crescem, diminuem os espaços e horários para as brincadeiras, e quando acontecem, é na hora do lanche, no pátio da escola, não sendo assim considerado uma atividade escolar. 16 Reportando-me mais uma vez, ao meu passado, tenho lembranças do imenso espaço, que havia no meu querido Grupo Escolar. Tudo para mim era enorme, hoje eu entendo que, as coisas eram grandes, porque na verdade eu que era pequena. Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há de ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. 5 (BARROS 2003, s/p). Quando se é criança, noções de tamanho e tempo são diferentes em comparação com um adulto. O prédio escolar era composto de cozinha, pátio interno, diretoria (bastante temida por alguns alunos), sala dos professores, biblioteca, sala para atendimento odontológico, banheiro feminino e masculino, e uma área verde onde meus amigos e eu explorávamos durante o recreio. Lá brincávamos de tudo um pouco, telefone sem fio, passar anel, roda-roda, barra-manteiga e muitas outras até “bater o sino”, para avisar o fim do recreio. Embora morasse na zona rural, onde tinha muito verde, rio, animais diversos, eu amava ir à escola, andava quilômetros, mas não me importava. Na minha casa não tinha livros, meus pais não sabiam ler, e embora fossem muito bons, não me davam aquele abraço gostoso que a dona Dalva costumava me dar todos os dias. Na minha casa não tinha aquela comida gostosa que eu comia na escola, nunca passamos fome, mas o cardápio da minha mãe era sempre o mesmo. Dona Dalva era a servente da escola, que fazia de tudo um pouco, era carinhosa, mas se fosse preciso chamar a atenção ou mandar para a diretoria, não pensava duas vezes. Nunca fiquei chateada por me chamar a atenção, ao contrário, isso fazia com que eu a respeitasse ainda mais. O afeto não precisa ser demonstrado só com beijos, abraços, ele se manifesta de diferentes maneiras através do respeito mútuo entre as pessoas. 5 A obra: Memórias Inventadas de Manoel de Barros, não está paginada. 17 O modo que meus pais me amavam era diferente, eles não demonstravam a afetivamente, e hoje eu entendo que me amavam. O “cuidar” deles também era diferente, porque naquele momento para mim, somente o céu era o limite, podia fazer o que quisesse, até faltar às aulas, porque minha mãe não falava nada. A preocupação maior deles era com a alimentação, se ficasse doente, me davam um chá e pronto, o resto deixava-se nas mãos de Deus. La Taille, fala sobre a afetividade como sendo “um conjunto de sentimentos projetados sobre o objeto. Ele constitui uma ligação afetiva entre o objeto e o sujeito”. (1996, p.161.) A afetividade entre o adulto e a criança é algo necessário e imprescindível para o desenvolvimento, é através da afetividade que se constitui o primeiro passo para uma aprendizagem eficaz. A escola era para mim o lugar que eu mais gostava, era uma escola acolhedora, onde eu era respeitada, tinha limites e regras para cumprir, inconscientemente eu pedia esses limites. Abramowicz aponta: A idéia de cuidar sempre esteve mais associada à educação das crianças pobres, pois tal idéia faz parte do ideário construído, sobretudo pelas ciências humanas, que vê os pobres como aqueles a quem tudo falta. (2001, p.15). Vejo-me em muitos de meus alunos, naquele que nunca falta, mesmo que esteja doente, no que vai à escola para se alimentar, ou só para brincar, também naquele que me desafia a todo o momento. Procuro ser atenciosa, dando carinho, afeto e ouvi-los sempre. Sinto imenso prazer quando alguma mãe me diz que seu filho não quer faltar às aulas por motivo nenhum. Uma frase que uso sempre é a seguinte: “Não sou a melhor professora do mundo, mas, me esforço para fazer o melhor”. 18 5-QUAIS CONTRIBUIÇÕES O PROESF TROUXE PARA MINHA VIDA. Como seria admirável se o professor pudesse ser tão perfeito que constituísse, ele mesmo, o exemplo amado de seus alunos! (Cecília Meireles). Confesso que, fazer um curso superior, não estava em meus planos, porém, não podia deixar passar a oportunidade que me estava sendo oferecida. Sentia vontade de estudar, mas, sabia das minhas condições financeiras, que não me permitiriam arcar com tamanha despesa. Minha filha mais velha, estava se preparando para entrar na faculdade, e a prioridade naquele momento era dela. Fiquei sabendo do curso em uma escola onde estava contratada, a diretora foi muito atenciosa, passando-me o edital já impresso. Li atenciosamente o edital, e tinha que fazer a inscrição imediatamente, pois era o último dia. Após a inscrição, aguardei o dia da prova bastante ansiosa, parecia que o tempo tinha voltado, e eu era novamente uma criança que estava fazendo os exames finais para passar de ano. Não acreditei, quando vi o meu nome na lista dos aprovados. Sai correndo pela casa, queria que todos participassem da minha alegria naquele momento. Entrar para esse curso de graduação, o PROESF, foi para mim mais uma grande conquista, dentre as muitas que, tenho certeza, que ainda terei. A ansiedade e o medo estavam presentes ante aquela novidade, que acontecia em minha vida. Sempre fui muita insegura em relação ao novo, o desconhecido. Após o início do curso, a ansiedade e o medo foram sumindo gradativamente, conheci novas amigas que se sentiam como eu. Houve muitas trocas de experiências, pois, embora muitas trabalhassem com classes de Educação Infantil, o modo de trabalhar é diferenciado, de uma cidade para outra. Antes do meu ingresso no curso de Pedagogia, minhas aulas eram sempre as mesmas, não tinha idéias de como melhorá-las. Não percebia que as crianças que eu recebia, não eram as mesmas do ano anterior, portanto, as aulas deveriam ser diferentes. Cada criança é única, e na sala de aula são mais de vinte crianças “únicas”, convivendo no mesmo espaço, “(...) e é parte do meu trabalho, de como conseguir que 19 vinte pessoas se reconheçam como tais no ato de compartilhar entre elas e, comigo, um espaço e um tempo durante 190 dias no ano”.( FARIA, 2007 p, 58). Em 2006, lecionei para uma turma de seis anos (pré-escola), fiquei surpresa quando, fizemos juntos várias experiências, relacionadas ao “projeto água”. Em uma dessas experiências, fizemos a filtração da água, utilizando garrafa PET. As crianças ficaram encantadas, até refizeram em casa para “ensinar” os pais, fiquei muito orgulhosa da minha turma de pequenos “gênios”. Através dessa atividade, enfatizei a importância de cuidar do meio ambiente, não jogando lixos em lugares inadequados, porque posteriormente, irão para os esgotos e “bocas de lobo”, retornando à superfície a qualquer momento, causando enchentes e inundações assim que começarem as chuvas fortes. Terminamos esse projeto com uma exposição aberta à comunidade, onde expomos desenhos, cartazes e a confecção de um livro com registros de desenhos e relatos feitos pelos alunos. Os cartazes foram feitos com a participação dos pais. Ainda naquele ano fizemos uma atividade de registro e observação com a transformação da lagarta em borboleta, essa atividade foi mais rica, pois, pedi que pesquisassem e juntos descobrimos que cada lagarta só come um determinado tipo de planta, e leva contando desde os ovinhos mais ou menos quarenta e cinco dias para a total transformação. Considerando a metamorfose da borboleta, uma atividade bastante rica, resolvi repeti-la neste ano, porém, levando-se em conta que as crianças são outras e a reação observada também, visto que, os meus alunos são menores agora. Passaram todos os dias em vigília, observando cada mordida que a lagarta dava nas folhas, quando se tornou uma crisálida, uma das crianças disse que parecia uma bananinha, e a espera até que se tornasse borboleta, parecia uma tortura, pois todo dia perguntavam: “Ela não vai virar logo, não, prô?”. Trinta dias contados diariamente no calendário, (levei uma lagarta maior que da última vez), eis que quando entramos na sala, lá estava ela, linda, com as asas ainda molhadas, tentando a todo custo se libertar da casca que a envolveu por tanto tempo. Nunca os vi tão felizes como naquele momento, saíram chamando todas as pessoas para que viessem conhecer a Teca, (esse foi o nome dado por eles à borboleta, quando ainda era lagarta). Cantaram a música “borboletinha”, como se assim prestassem uma homenagem à nova “amiga". 20 Fizemos então, a conclusão do nosso registro, e decidimos relatar a história da Teca, em um livro, onde cada um terá a sua participação, e que depois de pronto cada um terá o seu, podendo levar para suas casas. Quero ressaltar o quanto importante foi o curso de Pedagogia do PROESF, em minha vida pessoal e profissional, acredito hoje que o estudo, a leitura, a pesquisa, tem que ser constante no meu cotidiano. Aprendi porque que nós da Educação Infantil somos polivalentes, e isso, comprovado em parte no registro feito acima, graças às aulas da disciplina de Teoria Pedagógica em Ciências e Meio Ambiente. Na Educação Infantil trabalhamos muitas disciplinas ao mesmo tempo sem que sejam fragmentadas. A faculdade me possibilitou crescimento e amadurecimento tanto social quanto cultural. Adquiri novas qualidades consideradas fundamentais para minha vida profissional. Contemplo aqui algumas que são: assumir outras responsabilidades, tomar iniciativas, ser mais crítica e mais comprometida. Hoje me tornei uma pessoa mais crítica no preparo das minhas aulas, procuro avaliar-me a todo instante, e quando percebo que uma atividade não está dando certo, mudo de estratégia refazendo-a. 21 CONSIDERAÇÕES FINAIS. O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher. (Cora Coralina). Rememorar os anos da minha vida fez-me refletir e então entender, que muitas coisas são passíveis de mudança, só depende de nós mesmos. A minha visão mudou não só como profissional, mas como pessoa no cotidiano, tornando-me mais maleável em muitas questões da vida, “procuro ser transparente o máximo possível e não agir segundo critérios incompreensíveis...” (FARIA, 2007, p.68). A oportunidade de fazer um curso superior foi para mim, a melhor forma de construção de aprendizado e conhecimento. Sei que tenho ainda muito a aprender e que o conhecimento adquirido, servirá de ponte para novos trabalhos e projetos. Aprendi através do PROESF, a gostar cada vez mais da minha profissão, pude entender também o quanto é importante o meu trabalho na Educação Infantil. Cada conquista de meus alunos em relação ao aprendizado, é para mim o reconhecimento de um trabalho que está dando certo. Tenho certeza de que hoje, sou mais crítica, mais autônoma, consigo tomar decisões sem ter que pedir ou ficar à espera que decidam por mim. Para Freire: “é importante salientar que o novo momento na compreensão da vida social não é exclusivo de uma pessoa”. (1996, p.82). Embora todas as disciplinas do curso, tenham sido extremamente relevantes, aumentando as minhas expectativas em relação ao meu trabalho, as relacionadas à Educação Infantil foram as que mais me envolveram. Senti não ter tempo para ler com mais calma e atenção os textos oferecidos, a maioria deles, eu não tinha conhecimentos. Alguns fáceis de entender e outros nem tanto, mas todos necessários à minha prática pedagógica. Errando ou acertando, sigo em frente tentando fazer o melhor sempre. 22 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOWICZ, Anete. O direito das crianças à educação infantil. PRÓ-POSIÇÕES. Revista da Faculdade de educação/Unicamp: vol.14, n.3(42) – jan/abr.2004. BARROS, Manoel de. Memórias Inventadas: A infância. São Paulo: Record, 2003. FARIA, Ana L. G., MELLO, Suely Amaral (org.) Territórios da Infância: linguagens, tempos e relações para uma pedagogia para as crianças pequenas. Araraquara, SP: Junqueira &Marin, 2007. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - saberes necessários à prática educativa. 27 ed., São Paulo: Paz e Terra, 1996. FULGHUM, Robert. Tudo que eu devia saber na vida aprendi no jardim de infância. Editora Best Seller, 1992. HOFFMANN, Jussara. Avaliação na pré-escola: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação, 2000. LA TAILE, Yves de. A educação Moral: Kant e Piaget, In: Lino de Macedo (org.), Cinco estudos de educação moral. São Paulo. Casa do Psicólogo, 1996. LEITE, Sérgio. Artigo: Nove anos de escolaridade, um avanço para o Brasil. Revista Nova Escola, ed. 176, 2004. MACEDO, Lino de. Artigo: Idéias e opiniões de quem faz a diferença. Revista Nova Escola, ed.15, 2007. RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da Educação brasileira - a organização escolar. 18 ed.rev. e ampl. – Campinas/SP: Autores Associados, 2003. STRAZZACAPPA, Márcia. Dançando na chuva... e no chão de cimento . In: Sueli Ferreira (org.), O ensino das artes construindo caminhos. Campinas/SP: Papirus, 2004. WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. São Paulo: Cortez, 1995. WINNICOTT, Donald. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975. 23