Ultratividade das Normas Coletivas Uma mudança empreendida em setembro do ano passado pelo Tribunal Superior do Trabalho, quase silenciosa, para os incautos de plantão, até inocente em que pese realizada sem muito alarde ou qualquer sinalização prévia do que viria a acontecer -- e que de fato aconteceu --, pode e certamente irá a curto prazo trazer muita dor de cabeça para as empresas se estas e/ou os sindicatos econômicos a que pertencem não ficarem extremamente atentos aos seus efeitos. Tudo isso por conta da chamada "ultratividade das normas coletivas". A ultratividade é um principio legal que trata da aplicação de uma lei para além da sua vigência. Ou seja, diz-se ultrativa uma lei quando esta é aplicada depois do fim de sua vigência. Durante a realização no ano passado da chamada "II Semana do TST", o Tribunal Superior do Trabalho alterou a redação da Súmula número 277 de sua lavra para determinar serem ultrativas as cláusula mais benéficas aos empregados inseridas no bojo dos instrumentos normativos do trabalho: acordos coletivos de trabalho e convenções coletivas de trabalho. Os acordos e as convenções são contratos celebrados (i) entre empregador e sindicato de classe, ou entre (ii) o sindicato econômico e o sindicato de classe, com vigência limitada no tempo -- o prazo de duração pode ser de 01 (um) ou 02 (dois) anos --, usados para fixar regras de convivência paralelas e complementares àquelas previstas na legislação trabalhista. Os acordos coletivos de trabalho a as convenções coletivas de trabalho têm poder normativo, estabelecendo, entre as partes a que alcançam, regras de convivência que devem ser tratadas como se lei fossem. Até antes da alteração do Enunciado número 277 do Tribunal Superior do Trabalho, o consenso que existia sobre as referidas regras era no sentido que elas vigeriam apenas pelo prazo de duração da norma que as estatuiu, não incorporando em definitivo, deste modo, o patrimônio jurídico do empregado. Logo, a norma posterior precisava repetir a anterior para que aqueles benefícios conquistados fossem mantidos, acrescentando, se fosse o caso, novos benefícios conquistados por essa ou aquela categoria. Do contrário, entendia-se que a obrigação em relação àqueles benefícios não tratados na nova norma deixava de existir. Com a alteração do Enunciado número 277 do Tribunal Superior do Trabalho, uma verdadeira guinada ocorreu. Uma guinada de 360° (trezentos e sessenta graus) na forma de se enxergar a questão. As normas que para aquele Tribunal Superior do Trabalho vigiam apenas pelo período de duração do instrumento normativo que as estatuiu, passaram, de um momento para o outro, a serem consideradas ultrativas. Em outras palavras, o Tribunal Superior do Trabalho, órgão máximo da Justiça do Trabalho em nosso pais, sinalizou para todos em setembro do ano passado que daquele momento em diante as normas coletivas mais benéficas aos empregados deveriam ser encaradas como normas de aderência aos contratos de trabalho, incorporando de forma definitiva, consequentemente , o patrimônio jurídico do empregado e vigendo para além do limite do instrumento que as estatuiu. Assim, se por exemplo a norma coletiva de 2012/2013 de determinada categoria, ou mesmo as que se seguirem, contiver cláusula determinando o pagamento de horas extras com determinado percentual melhor que aquele previsto na legislação, garantias de emprego provisórias diferentes ou em extensão maior do que previsto na legislação em vigor, concessão de anuênios, participação nos lucros com base em determinados critérios (e esse é um exemplo seríssimo dos problemas que poderão advir da mudança de postura do Tribunal Superior do Trabalho) ou outro beneficio qualquer que se possa imaginar, no caso de não haver norma posterior, ou, havendo, esta quedar silente sobre todos ou qualquer dos benefícios usados acima como exemplo, as regras negociadas antes permanecerão exigíveis. Em outras palavras, a participação nos lucros negociada em determinado instrumento normativo em condições mais favoráveis aos empregados por conta de fatores conjunturais macros benéficos no momento da negociação que a estatuiu, como a situação da economia global, maior ingresso de recurso financeiros no pais, maior estabilização da economia, dentre outros tantos fatores e ponderáveis que influenciam algo do gênero, poderá prevalecer mesmo em tempos de crise ou quando a conjuntura global for diferente da que experimentada anteriormente. Basta que não se inicie nenhuma negociação nova ou, mesmo esta tendo sido iniciada, a nova norma nada diga a respeito do assunto, não crie novos parâmetros de concessão do benéfico ou não o revogue expressamente, para que a obrigação permaneça como concebida alhures. Na pratica, a mudança empreendida altera de forma radical e definitiva a relação mantida entre empregador e empregados em relação ao tema "negociação coletiva". Se o interesse no estabelecimento da negociação coletiva era premente, antes, do lado do empregado, sempre ávido por novas conquistas, novos avanços, desde a mudança implementada pelo Tribunal Superior do Trabalho o referido interesse passou a ser maior para empregador. Pelo menos para aqueles que convivem com instrumentos normativos que precisam ser modificados. Neste cenário, A perda do período para fixação da negociação coletiva estabelecido na lei (conhecido como "data-base") pode ser fatal por implicar na perpetuação indesejada de determinados. Por isto, empresas e sindicatos econômicos precisam ficar atentos. Uma simples "papada de mosca" pode custar caro. Muito caro. Abraços, Mário de Castro Silva