EXMO - Defensoria Pública

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EXMO. SR. DR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
O DEFENSOR PÚBLICO abaixo assinado, no uso de suas
atribuições legais, com fundamento no artigo 5º, LXV e LXVIII, da CR/88 e
artigo 648, II, do CPP, vem, por meio desta, impetrar ordem de
HABEAS CORPUS
(COM EXPRESSO PEDIDO DE CONCESSÃO LIMINAR DA ORDEM)
em
favor
de
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX,
portadora
do
RG
nº
21.235.847-7, atualmente custodiada na Penitenciária Talavera Bruce,
localizada no Complexo de Gericinó (Bangu, Rio de Janeiro), apontando como
autoridade coatora o JUÍZO DA Xª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE
VOLTA REDONDA, nos autos do processo nº 000000-00.0000.8.19.0000,
pelos fatos e fundamentos que passa a expor.:
I. INTRÓITO:
1.
A paciente se encontra presa desde xx de xx de 2015,
tendo em vista que fora decretada sua prisão temporária por 30 dias
(10.08.2015), prorrogada por igual período (em 10.09.2015) e posteriormente
decretada a prisão preventiva (8.10.2015) em persecução penal que pretende
ver a paciente condenada nas penas do crime do art. 35 da Lei 11.343/06.
2.
Em 24/11/2015 restou indeferido o pedido de conversão da
prisão preventiva em prisão domiciliar (art. 318, IV do Código de Processo
Penal), nos seguintes termos:
“(transcrever o conteúdo essencial da decisão de indeferimento)”
3.
Destaque-se, de plano, a evidente incompreensão da
autoridade coatora no que diz respeito aos interesses em jogo. Apesar de
reconhecer o evidente enquadramento da situação da paciente na
fattispecie do art. 318, IV do Código de Processo Penal, fundamenta o
indeferimento do pleito defensivo em ponderações que dizem respeito
apenas à chamada “gravidade do delito” e sua repercussão na Comarca.
Distancia-se, assim, de todo, da inspiração que enseja a previsão legal e
aplicação da prisão domiciliar à gestante.
4.
Para que se compreendam os feixes principiológicos
que devem atravessar a análise do pleito de concessão da prisão domiciliar –
notadamente afastando do juízo as quase automatizadas considerações acerca
da “gravidade do fato” objeto do processo – passamos a aduzir os seguintes
aspectos inafastáveis e que devem permanecer sobranceiros na apreciação do
presente.
ENCARCERAMENTO DE MULHERES GRÁVIDAS NO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECRUDESCIMENTO
PUNITIVO VINCULADO AO GÊNERO:
5.
A paciente, como já se sabe, encontra-se na 32ª
semana de gestação, podendo entrar em trabalho de parto a qualquer
momento. Além disso, teve indicação de dieta hipossódica por ser
portadora de “DHEG (Doença Hipertensiva Específica da Gravidez)”, o que
exige acompanhamento detido. Tal circunstância é de extrema importância na
análise da pretensão ora deduzida e deve ser levada em consideração na
busca de alternativas ao encarceramento da mulher gestante. Além disso,
sublinhe-se o teor de seu prontuário, onde, em 13.11.2015 diagnostica-se
expressamente “alto risco” na gestação da paciente:
“Reenviado fax para p Dr. Ituan Coordenação de Saúde, reiterando Pré-Natal
de alto risco para pauta pela SISREG.” (doc. anexo) – grifamos.
6.
São
notórias
as
condições
deploráveis
de
encarceramento das mulheres no Estado do Rio de Janeiro. O cenário de
omissão sistemática do Estado na garantia da integridade das presas ensejou,
inclusive, a propositura de ação coletiva por parte da Defensoria Pública
(0220470-75.2014.8.19.0001),
no
intuito
de
assegurar
minimamente
atendimento médico especializado às mulheres privadas de liberdade
(ginecológico e obstétrico).
7.
Além disso, em recente inspeção do Núcleo de
Direitos Humanos da Defensoria Pública no Presídio Talavera Bruce (DOC. 1),
realizada aos 11 de novembro de 2015, foi constatado, por exemplo, que (i) as
presas grávidas são alocadas em celas sem qualquer acomodação específica
para as suas necessidades; (ii) recebem a mesma alimentação, sem
diferenciação, do coletivo geral de presas; (iii) têm acesso limitado à água
potável; (iv) são transportadas às unidades de saúde na viatura comum do
SOE/SEAP, algemadas, e não em ambulância; (v) estão sujeitas ao isolamento
em cela infecta, escura e quente; (vi) dependem de um longo tempo de espera
e de muita insistência para receberem atendimento médico de urgência.
8.
A administração prisional, em suma, não destina
qualquer política específica de acolhimento às mulheres grávidas privadas de
liberdade, o que resulta nos abomináveis episódios de horror relatados à
equipe do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos na referida visita, dentre os
quais destacamos pelo menos dois partos realizados no interior das celas
da Penitenciária nos últimos meses: o primeiro, realizado pelas próprias
detentas, que acudiram a companheira de cela e tiveram de desenrolar o
cordão umbilical do pescoço do recém-nascido; e o segundo, divulgado
amplamente na mídia nacional1, o de uma gestante que foi colocada na
solitária e ali deu à luz, em total abandono, apesar dos gritos de socorro.
Não desconsideremos os relatos de partos que ocorreram no interior das
viaturas do SOE/SEAP.
9.
Ora, é inegável que as mulheres grávidas se
encontram em condição de superposição de vulnerabilidades2 (gênero,
privação de liberdade, situação de saúde, pobreza, pertencimento a grupo
étnico racial subalternizado etc.), o que resulta no reforço do dever estatal de
proteção destes sujeitos, como se extrai das Regras de Brasília sobre o
Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade.
10.
Apenas a partir do olhar atento do julgador, abraçando
sua função constitucional de garantidor de direitos fundamentais, é possível
combater a discriminação de gênero no sistema prisional e evitar que a
condição de mulher seja um fator de agravamento da sanção penal.
II. PROTEÇÃO DAS VIDAS EM JOGO (FETO E GESTANTE) NO DIREITO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO E NO DIREITO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS HUMANOS:
11.
Aprisionar
gestantes
em
condições
indignas
e
desumanas tal qual se tem observado no Estado do Rio de Janeiro representa,
sem dúvida alguma, violação da dignidade humana, da vida, da integridade
psicofísica e do direito a não ser submetido a tratamento cruel, desumano ou
degradante, em violação frontal do disposto na Constituição Cidadã de 1988,
1
Fato noticiado em http://oglobo.globo.com/rio/juiz-da-vep-pede-afastamento-de-diretora-do-talavera-bruce17882963, acesso aos 23/11/2015, às 16h20min.
2
Valemo-nos aqui do conceito de vulnerabilidade contido na seção 2 a das Regras de Brasília sobre Acesso à
Justiça das pessoas em situação de vulnerabilidade, documento elaborado no seio da Conferência Judicial Iberoamericana, no intuito de orientar a promoção de políticas públicas que garantam o acesso à justiça das pessoas
que encontram especiais dificuldades de exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos que lhes
são conferidos pelo ordenamento jurídico. As chamadas “100 Regras de Brasília” recomendam ainda uma série de
que erigiu a proteção da pessoa humana como finalidade última do Estado
Brasileiro (art. 1o, III, art. 5o, incisos III, X, XLVII, alínea “e”, e XLIX) e em
contrariedade ainda aos arts. 3o e 14 da Lei de Execução Penal.
12.
Como se não bastassem os direitos fundamentais da
mulher presa, o princípio constitucional da intranscendência das penas
(art. 5o, inciso XLV, CRFB/88) também resta indiscutivelmente vulnerado pelo
tratamento degradante dispensado às grávidas no sistema prisional, uma vez
que se impõe, por via reflexa, ofensa à integridade física e à vida do nascituro,
que também é tutelada no ordenamento jurídico brasileiro (inclusive por meio
do tipo penal do aborto).
13.
Já no plano do Direito Internacional dos Direitos
Humanos,
encontramos
vasto
arcabouço
normativo
para
a
proteção
diferenciada das mulheres grávidas privadas de liberdade, inclusive no que diz
respeito à excepcionalidade de sua prisão.
14.
Dentre as Regras Mínimas para o Tratamento dos
Reclusos da ONU, destacamos os itens 22.1 e 23.1:
22.1. Cada estabelecimento penitenciário terá à sua disposição os serviços de
pelo menos um médico qualificado, que deverá ter certos conhecimentos de
psiquiatria. Os serviços médicos deverão ser organizados em estreita ligação com a
administração geral de saúde da comunidade ou nação. Deverão incluir um serviço de
psiquiatria para o diagnóstico, e em casos específicos, para o tratamento de estados de
anomalia.
23.1. Nos estabelecimentos prisionais para mulheres devem existir instalações
especiais para o tratamento de presas grávidas, das que tenham acabado de dar
à luz e das convalescentes. Desde que seja possível, deverão ser tomadas
medidas para que o parto ocorra em um hospital civil. Se a criança nascer num
estabelecimento prisional, tal fato não deverá constar no seu registro de nascimento.
medidas relacionadas ao trabalho cotidiano de todos os operadores do sistema judiciário, com o fito de concretizar
a melhoria das condições de acesso à justiça das pessoas em condições de vulnerabilidade.
15.
Já as Regras de Bangkok (normas internacionais para
o tratamento de mulheres encarceradas extraídas da 65a Assembléia da
Organização das Nações Unidas) preconizam:
Regra 5
A acomodação de mulheres presas deverá conter instalações e materiais exigidos para
satisfazer as necessidades de higiene específicas das mulheres, incluindo absorventes
higiênicos gratuitos e um suprimento regular de água disponível para cuidados
pessoais das mulheres e crianças, em particular mulheres que realizam tarefas na
cozinha e mulheres gestantes, lactantes ou durante o período de menstruação.
Regra 22
Não se aplicarão sanções de isolamento ou segregação disciplinar a mulheres
gestantes, nem a mulheres com filhos/as ou em período de amamentação.
Regra 42
1. Mulheres presas deverão ter acesso a um programa amplo e equilibrado de
atividades que considerem as necessidades específicas de gênero.
2. O regime prisional deverá ser flexível o suficiente para atender às necessidades de
mulheres gestantes, lactantes e mulheres com filhos/as. Nas prisões serão oferecidos
serviços e instalações para o cuidado das crianças a fim de possibilitar às presas a
participação em atividades prisionais.
3. Haverá especial empenho na elaboração de programas apropriados para mulheres
gestantes, lactantes e com filhos/as na prisão.
Regra 48. 1.
Mulheres gestantes ou lactantes deverão receber orientação sobre dieta e saúde
dentro de um programa a ser traçado e supervisionado por um profissional da saúde
qualificado. Deverão ser oferecidos gratuitamente alimentação adequada e pontual um
ambiente saudável e oportunidades regulares de exercícios físicos para gestantes,
lactantes, bebês e crianças.
Regra 64
Penas não privativas de liberdade para as mulheres gestantes e mulheres com
filhos/as dependentes serão preferidas sempre que for possível e apropriado,
sendo a pena de prisão considerada apenas quando o crime for grave ou violento
ou a mulher representar ameaça contínua, sempre velando pelo melhor interesse
do/a filho/a ou filhos/as e assegurando as diligências necessárias para seu
cuidado.
16.
Dos Princípios e Boas Práticas para a Proteção das
Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas – Resolução n.º 01/08 da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos – extraímos o dever estatal de
dispensar proteção especial às presas gestantes, como decorrência do direito à
igualdade como não discriminação:
Princípio II
Igualdade e não discriminação
Em nenhuma circunstância as pessoas privadas de liberdade serão discriminadas por
motivos de raça, origem étnica, nacionalidade, cor, sexo, idade, idioma, religião,
opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica,
nascimento, deficiência física, mental ou sensorial, gênero, orientação sexual ou
qualquer outra condição social. Será, por conseguinte, proibida qualquer distinção,
exclusão ou restrição que tenha por objetivo ou promova a redução ou anulação do
reconhecimento, gozo ou exercício dos direitos internacionalmente reconhecidos às
pessoas privadas de liberdade. Não serão consideradas discriminatórias as
medidas que se destinem a proteger exclusivamente os direitos das mulheres,
em especial as mulheres grávidas ou as mães lactantes; das crianças; dos idosos;
das pessoas doentes ou com infecções, como o HIV/AIDS; das pessoas com
deficiência
física,
mental
ou
sensorial;
bem
como
dos
povos
indígenas,
afrodescendentes e minorias. Essas medidas serão aplicadas no âmbito da lei e do
Direito Internacional dos Direitos Humanos e estarão sempre sujeitas ao exame de um
juiz ou outra autoridade competente, independente e imparcial.
Princípio X
Saúde
As mulheres e as meninas privadas de liberdade terão direito de acesso a
atendimento médico especializado, que corresponda a suas características físicas e
biológicas e que atenda adequadamente a suas necessidades em matéria de saúde
reprodutiva. Em especial, deverão dispor de atendimento médico ginecológico e
pediátrico, antes, durante e depois do parto, que não deverá ser realizado nos
locais de privação de liberdade, mas em hospitais ou estabelecimentos
destinados a essa finalidade. Caso isso não seja possível, não se registrará
oficialmente que o nascimento ocorreu no interior de um local de privação de
liberdade.
Os estabelecimentos de privação de liberdade para mulheres e meninas
deverão dispor de instalações especiais bem como de pessoal e recursos
apropriados para o tratamento das mulheres e meninas grávidas e das que tenham
recém dado à luz.
III. DAS ALTERNATIVAS AO APRISIONAMENTO DA MULHER GRÁVIDA.
DEVER
ESTATAL
DE
PROTEÇÃO
DIFERENCIADA
DAS
ESPECIFICIDADES DE GÊNERO:
17.
Na busca por reverter a dramática realidade carcerária
nacional, o Conselho Nacional de Justiça, o Ministério da Justiça e o próprio
Supremo Tribunal Federal3 têm adotado medidas integradas para minimizar os
danos do encarceramento em massa, com a adoção de relevantes medidas,
tais como as audiências de custódia, que têm possibilitado maior apuro na
análise da necessidade-adequação da prisão preventiva, ampliando a
aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
18.
No tocante às presas gestantes, mais do que nunca,
exige-se do Poder Judiciário que deixe o lugar contemplativo e asséptico que
sugere a dogmática processual penal tradicional, para assumir definitivamente
o nobre papel de guardião dos direitos fundamentais da pessoa humana.
19.
Para tanto, prescinde-se de esforço interpretativo, uma vez
que o próprio legislador, na reforma processual promovida pela Lei n.º
12.403/11, aumentou o rol de medidas cautelares substitutivas da prisão e
previu, inclusive, hipótese expressa destinada à gestante. Com o advento da
Lei nº 13.257/16, o conteúdo normativo do inciso IV passou a ser ainda
mais incisivo, não se exigindo mais nada além da comprovação da
gestação. Eis o atual teor do art. 318 do Código de Processo Penal no
ponto em análise:
3
No julgamento da cautelar solicitada na ADPF 347, a Corte concedeu parcialmente as providências requeridas
para combater a crise prisional do país e determinou que juízes e tribunais passem a realizar audiências de
custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade
judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão. Os ministros também entenderam que deve ser
liberado, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização na
finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos. Fonte: portal de notícias do
STF http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299385, acesso em 23/11/2015, às
16h27min.
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar
quando o agente for:
(...)
IV – gestante (redação dada pela Lei 13.257/16)4;
(...)
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos
estabelecidos neste artigo. (redação dada pela Lei 13.257/16)
20.
Releva, quanto ao alcance do dispositivo transcrito,
mencionar a fundamentação de recente decisão monocrática proferida em
sede de Habeas Corpus pelo eminente Min. ROGERIO SCHIETTI na qual o
mesmo, amparado no escólio de GUSTAVO BADARÓ (ainda que com as
ressalvas declinadas na decisão) assim fundamenta a concessão da ordem em
caráter liminar:
“Vale registrar a doutrina de Gustavo Badaró, para quem, não obstante a redação do
art. 318 do CPP use o verbo "poderá", demonstrada a hipótese de incidência
desse dispositivo cujo ônus da prova recai sobre a defesa, é dever do juiz
determinar o cumprimento da prisão preventiva em prisão domiciliar. Confirase:
‘[...] A Lei 12.403/11 passou a prever a prisão domiciliar. Não se trata, porém, de uma
modalidade autônoma de medida cautelar pessoal, mas de uma forma especial de cumprir a
medida de prisão preventiva. Trata-se de uma "substituição" da medida cautelar de prisão
preventiva, como deixa claro do caput do art. 318 "Poderá o juiz substituir a prisão preventiva
pela domiciliar quando [...].
A questão não é meramente terminológica, havendo reflexos práticos em considerar a
prisão domiciliar verdadeira modalidade de prisão. Por exemplo, o tempo de prisão
domiciliar será considerado para fins de detração, nos termos do art. 42 do CP, que se
refere à "prisão provisória". A prisão domiciliar é, por certo, espécie de prisão provisória. No
máximo, poder-se-ia considerar que a prisão domiciliar (CPP, arts. 317 e 318) é uma medida
substitutiva da prisão preventiva, e não uma medida alternativa à prisão.
[...] As hipóteses de cabimento da prisão domiciliar, inspiradas em razões humanitárias, estão
previstas no art. 318 do CPP:
[...] Embora o art. 318 utilize o verbo "poderá", é de considerar que, demonstra a
hipótese de incidência do art. 318, o juiz deverá determinar o cumprimento da prisão
preventiva
em
prisão
domiciliar.
Trata-se
de
direito
subjetivo
do
preso,
independentemente de o preceito empregar o verbo "poder" a indicar inexistente poder
discricionário do juiz. Ou seja, deve-se ler o "poderá" como deverá.
Para a sua concessão, o ônus da prova incumbirá ao requerente, normalmente o investigado
ou acusado que tenha a prisão preventiva decretada contra si. Todavia, nada impede que,
desde que no momento em que se decrete a prisão preventiva, o juiz determine o seu
cumprimento em prisão domiciliar, caso a hipótese legal já esteja demonstrada (p. ex.: se no
inquérito policial já houve cópia da certidão de nascimento ou de documento de identidade,
comprobatório de que o investigado é maior de 80 anos).’ (Processo Penal. Rio de Janeiro:
Campus: Elsevier, 2012, p. 746-747)
Eu não chegaria, necessariamente, a tal conclusão, porquanto semelhante
interpretação acabaria por gerar uma vedação legal ao emprego da cautela máxima
em casos nos quais se mostre ser ela a única hipótese a tutelar, com eficiência,
situação de evidente e imperiosa necessidade da prisão. Outrossim, importaria em
assegurar a praticamente toda pessoa com prole na idade indicada no texto legal o
direito a permanecer sob a cautela alternativa.
Feita a ressalva, entendo que, no caso ora examinado, a substituição da prisão
preventiva se justifica, em conformidade com as razões que passo a expor. (...)
Há que se ressaltar a posição central, em nosso ordenamento jurídico, da
doutrina da proteção integral e do princípio da prioridade absoluta, previstos
no art. 227 da Constituição Federal, no ECA e, ainda, na Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Decreto Presidencial n.
99.710/90.
Nessa quadra, constato a necessidade de, atendidos os requisitos legais, e em
nome da dignidade da pessoa humana e da proteção integral à criança, deferir
a tutela de urgência.
(STJ - HC nº 339.356 SP – Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Publicado em
20.10.2015) – grifamos.
21.
Forte ainda, na percuciente decisão da 3.ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cuja transcrição
se faz necessária para a demonstração da sensibilidade para com os
problemas estruturais do sistema penitenciário e de justiça que se mostram
cotidianos e sintetizados no caso analisado pela Preclara Relatora,
Desembargadora SUIMEI CAVALIERI. In verbis:
4
A redação anterior do inciso IV assim dispunha: “gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou
“HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE
DROGAS. PACIENTE GRÁVIDA DE 08 MESES. PEDIDO LIMINAR DEFERIDO
NO PLANTÃO JUDICIÁRIO, CONCEDENDO-SE SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO
PREVENTIVA
POR
PRISÃO
DOMICILIAR,
COM
MONITORAMENTO
ELETRONICO. ORDEM NÃO CUMPRIDA. FALTA DE TORNOZELEIRA.
PEDIDO
SUPERVENIENTE
DE
IMEDIATA
SOLTURA,
COM
COMPARECIMENTO MENSAL NO JUÍZO. DEFERIMENTO PARCIAL. 1) A
despeito de não constar dos autos cópia da inicial acusatória e nem mesmo o
decreto de prisão preventiva em face da paciente, o fato é que, além de suas
favoráveis condições pessoais, a Lei nº 12.403/2011, introduziu nova redação
ao artigo 318, do Código de Processo Penal, passando a admitir a prisão
domiciliar das mulheres recolhidas por força de prisão preventiva que se
encontram com mais de sete meses de gestação ou que tenham gravidez
de alto risco, como na espécie, sendo escorreita a decisão liminar proferida
em sede de Plantão Judiciário, concedendo à paciente a prisão domiciliar,
mediante uso de tornozeleira eletrônica. Precedentes. 2) A ordem, contudo,
não foi cumprida, em razão da falta de tornozeleira eletrônica na Unidade
no momento da diligência, pelo que, foi deferido, em parte, por esta
Relatoria, requerimento libertário, concedendo-se a substituição da
monitoração eletrônica pelo comparecimento mensal da paciente em juízo,
para informar e justificar suas atividades e pela proibição de ausentar-se da
Comarca e recolhimento domiciliar (artigo 319, I, IV e V do CPP). 3) De fato, a
falha do sistema carcerário estatal deve ser arrogada ao Poder Público,
sendo inadmissível que a paciente sofra, injustamente, as consequências
dessa deficiência, ainda mais considerando seu avançado estado de
gestação, devidamente comprovado por documentação idônea, sendo
certo que, no caso, o que se busca proteger é a integridade física, não só
da paciente, mas também do próprio nascituro. Constrangimento ilegal
evidente. Concessão parcial da ordem, consolidando-se a liminar.
(TJRJ - HC n.º 0035124-20.2015.8.19.0000. 3ª Câmara Criminal – Rel. Des.
Suimei Meira Cavalieri)
22.
Neste
último
decisum,
vê-se
claramente
o
reconhecimento de pelo menos três mazelas do sistema penitenciário
sendo esta de alto risco”.
fluminense: (i) “a falha no sistema carcerário estatal” reconhecida lato sensu;
(ii) “a falta de tornozeleira eletrônica na Unidade no momento da diligência”, a
demonstrar que a insuficiência organizacional do Estado tem como
conseqüência real, a manutenção da privação de liberdade – circunstância que
desafiara imediatamente a impetração do habeas cuja ordem fora concedida
pela 3ª Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal e; (iii) por fim, mas não menos
importante, a consciência jurisdicional de que “o que se busca proteger é a
integridade física, não só da paciente, mas também do nascituro”, revelando
compreensão de que trata-se de aplicar o princípio da intranscendência da
pena.
23.
Somando-se aos fundamentos até aqui lançados o
princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5o, LVII, CRFB/88) –
que impede a imposição da prisão provisória como pena antecipada,
vinculando-a necessariamente aos estritos requisitos cautelares previstos no
art. 312 do codex –, deve estar presente no juízo de ponderação a ser
levado a efeito por Vossa Excelência o fato de que a prisão de gestantes
no atual estado de coisas no Estado do Rio de Janeiro tem se revelado
extremada e perniciosa.
24.
Nesse sentido, à luz das normas constitucionais e de
Direito Internacional de Direitos Humanos acima elencadas, deve ser afastada
a imposição de prisão preventiva à Defendente, tudo como medida de
preservação de sua vida e da vida do nascituro, sob pena de total banalização
da indignidade no sistema penal fluminense.
IV. CONCLUSÃO E POSTULAÇÃO, INCLUÍDO PLEITO PELA CONCESSÃO
LIMINAR DA ORDEM:
25.
O perigo da demora e a fumaça do bom direito estão
presentes no caso em análise. Como se extrai da documentação anexada, a
paciente é portadora de DHEG (Doença Hipertensiva Específica da
Gravidez), tendo sido diagnosticado ainda, em 13.11.2015, o alto risco no
pré-natal.
26.
Por outro lado, há perigo de demora, na medida em que
eventual delonga no processamento e julgamento deste habeas corpus
permitirá que a liberdade da paciente continue a ser cerceada, submetendo-o a
uma pena provisória análoga ao cumprimento de condenação em regime
fechado,
quando
está
evidenciada
a
presença
dos
requisitos
autorizadores da aplicação da prisão domiciliar na forma do art. 318, IV do
Código de Processo Penal.
27.
Assim,
o
perigo
de dano
irreparável é
patente,
mormente quando se aduz à trágica equação que se pretende resolver
com a concessão liminar da ordem o fato de que a paciente aproxima-se
do momento de dar à luz uma criança (considerada a margem de 2
semanas para mais ou para menos, é possível que a paciente esteja
entrando na 37ª semana de gestação). O nascituro – pelo princípio da
intranscendência da pena (CR, art. 5º, XLV) – nada necessita sofrer a título de
pena, sendo certo que a lei garante seus direitos, assim como os da criança
(Lei 8.069/90). E, como é notório, as condições de parto no cárcere e as
circunstâncias periféricas que estão a envolver a logística de transporte e
encaminhamento hospitalar da gestante são quase sempre insalubres,
impróprias e, por tudo isso, evidentemente arriscadas.
28.
Cumpre, portanto, ante a conduta ilegal da
autoridade coatora em manter a custódia cautelar (prisão preventiva)
repousa no indeferimento da prisão domiciliar mesmo estando presentes
os seus requisitos, deve-se conceder a ordem do presente habeas corpus:
29.
À conta de tais fundamentos, REQUER o impetrante
seja concedida a ordem no presente habeas corpus, inicialmente sob a forma
de LIMINAR independente do pedido de informações, confirmando-a ao
final para:
a) determinar-se a imediata expedição de ALVARÁ DE
SOLTURA para dar início ao cumprimento da prisão provisória em regime
de PRISÃO DOMICILIAR (CPP, art. 318, IV).
.
É o que se espera.
Nestes termos,
Pede Deferimento.
Rio de Janeiro, 9 de Março de 2016.
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