TÍTULO: A VELHA POLÊMICA SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE O RÉU SE RECOLHER À PRISÃO PARA RECORRER José Carlos de Oliveira Robaldo1 O Código de Processo Penal traz em seu artigo 594 a seguinte norma: O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão (...) O próprio STF, ao editar a Súmula 393 (PARA REQUERER REVISÃO CRIMINAL, O CONDENADO NÃO É OBRIGADO A RECOLHER-SE A PRISÃO), implicitamente concordava com a vedação estabelecida ao recurso de apelação sem o respectivo recolhimento à prisão. Não obstante, Turmas do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos Tribunais inferiores vinham se posicionando no sentido de que a vedação nos termos posto pela referida norma processual é inconstitucional ou incompatível com o ordenamento jurídico superior (Constituição e Tratados e Convenções sobre Direitos Humanos), por ferir princípios fundamentais, como o da presunção da inocência (da não culpabilidade), da motivação das decisões judiciais, do duplo grau de jurisdição. Esse entendimento era compartilhado por boa parte dos doutrinadores pátrios, dentre eles, Luiz Flávio Gomes, Afrânio Silva Jardim, Geraldo Prado e vários outros ilustres juristas. Contudo, não havia uma posição erga omnes (extensiva a todos) da Corte Suprema, o que ensejava, a muitos tribunais, a aplicação textual da norma. Afrânio Silva Jardim, no olhar crítico à norma do artigo 594, sempre afirmou que o Estado deveria ser o primeiro a motivar o réu a recorrer da sua decisão, para demonstrar a ele que o julgamento está correto. Ao revés, na medida em que se nega a possibilidade da interposição do recurso, dá-se a idéia de que seu julgamento está incorreto, daí o obstáculo. Há algum tempo, muitos Tribunais vêm se posicionando no sentido de que a prisão cautelar (sem sentença condenatória transitada em julgado) só se justifica quando presentes algumas das hipóteses previstas no artigo 312, do Código de Processo Penal (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal). Logo, nessa perspectiva, só se justifica o recolhimento à prisão do réu para recorrer da sentença que o condenou se presente algum desses requisitos. Aliás, a jurisprudência consolidada era no sentido de que “se o agente responde o processo em liberdade, pode, em princípio, recorrer solto. Se, no entanto, estava preso durante o transcorrer do processo em razão de flagrante ou preventiva, não tem, em princípio, direito a recorrer em liberdade” (Min. Peçanha Martins). Na mesma linha se posicionou o Min. Felix Fischer, também do STJ, “A CF/88 consagra os princípios da motivação das decisões judiciais e da presunção de inocência. Com isso, a prisão em decorrência de sentença penal condenatória recorrível se tornou uma exceção dentro do ordenamento jurídico brasileiro, cabível apenas quando justificada pela presença de uma das hipóteses do art. 312 do CPP. Assim, a regra é que o cidadão deve aguardar o julgamento em liberdade, a não ser 1 Procurador de Justiça aposentado. Professor Universitário. Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Diretor do Sistema Telepresencial LFG/ESUD-MS. E-mail [email protected]. que haja a necessidade de sua custódia cautelar, justificada a partir da verificação das hipóteses previstas no art. 312 do CPP” (HC. Nº. 31.158/RS). A polêmica chegou ao fim com a recente decisão do STF. No dia 11.02.2008, o Plenário do STF, por unanimidade, concedeu liminar em um Hábeas Corpus (HC nº 90.279), em favor do réu, permitindo-lhe o direito de recorrer de sua condenação sem se recolher à prisão. Em síntese, o que originou a impetração da referida ordem perante o STF foi o seguinte: um réu que se encontrava em liberdade foi condenado e seu recurso não foi conhecido (aceito) pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal apenas porque o acusado não se encontrava preso, isto é, deveria se recolher à prisão para ter o direito ao recurso. Como o tema estava sendo discutido em diversas ações em curso naquela Casa Suprema, o relator Min. Marco Aurélio trouxe o julgamento para o Pleno (julgamento envolvendo todos os Ministros), no qual todos entenderam que o referido artigo 594, não obstante em vigor, não tem validade em face da ordem constitucional vigente. Vale dizer, em outras palavras, que aludida norma processual penal não foi recepcionada pela atual Constituição Federal (1988). Portanto sua vedação não tem validade. Isso não significa, entretanto, como destacado acima, que o juiz não possa decretar cautelarmente a prisão do indiciado ou acusado. Ele pode, porém, como exceção, isto é, se presentes algum dos requisitos enumerados no artigo 312, do CPP.