Discurso Emerência, 6/11/14 Mario Luiz Possas Exmo. Sr. Reitor da

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Discurso Emerência, 6/11/14
Mario Luiz Possas
Exmo. Sr. Reitor da UFRJ,. Prof. Carlos Antônio Levi da Conceição; Exmos.
Srs. Decano do CCJE, Prof. Vitor Iorio; o Diretor do Instituto de Economia, Prof.
Carlos Frederico Leão Rocha; prezados colegas presentes à mesa, demais colegas,
amigos e familiares que me honram com sua presença.
Pretendo ser muito breve. Não quero falar de mim mesmo, e de qualquer forma
já fui alvo de falas anteriores, excessivamente generosas.
Inicialmente, quero prestar meu profundo agradecimento aos colegas do Instituto
de Economia pela iniciativa e ao Conselho Universitário da UFRJ pela outorga desse
muito honroso título que hoje recebo das mãos do Magnífico reitor.
Gostaria também de agradecer aos muitos que contribuíram para a minha
carreira. Sem poder fazer justiça a todos, destaco:
- Em primeiro lugar, minha família, com referência especial para minha mãe,
aqui presente, lúcida e saudável aos 93, a quem devo muito mais do que os 50% dos
genes - o que já não seria pouco. Devo em particular a ela, por palavras e ações a um
tempo generosas e firmes, o princípio inflexível de colocar os valores sempre em
primeiro plano. E para Tereza, minha querida companheira, de quem recebo uma
permanente solidariedade crítica e com quem sempre tenho muito a aprender.
- Em segundo lugar, os professores, colegas e ex-alunos, pelo aprendizado de
que pude usufruir, às vezes de modo unilateral, mas quase sempre de forma interativa, o
que a meu ver caracteriza a essência da produção e difusão do conhecimento.
Em seguida passo a propor uma compacta síntese pessoal de três – podiam ser
mais – lições que pude extrair da vida acadêmica, com respectivos títulos sugestivos,
para atenuar o eventual conteúdo maçante.
- Primeira lição: “É ensinando que se aprende...”
Essa frase, dita por um professor no meu mestrado, me ficou marcada desde que
comecei a dar aulas, e sempre se mostrou verdadeira. Afinal, ensinar é explicar, e uma
explicação só se completa quando confrontada com todas as alternativas, desafios e
dúvidas possíveis, que só colegas e alunos interessados podem oferecer. Desde cedo me
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insurgi contra a imagem corriqueira de que seria “didático” apresentar algo de forma
simples e sem ambiguidades, ao estilo dos livros-texto americanos. Sempre entendi – e
pratiquei – o oposto: busquei ser didático justamente desconfiando da aparência simples
e tratando o complexo como tal, sem rodeios; assim como indicando autores que fazem
o mesmo, embora correndo o risco de marginalização frente ao mainstream da Ciência
Econômica. E assim deve ser, tão logo se reconheça a economia como uma ciência – ou
um conhecimento que almeja sê-lo – que tem como objeto um sistema complexo.
Objetos de uma ciência da complexidade podem ser tudo, menos simples... Daí a
relevância do permanente esforço de interagir, fazer com que as ideias sejam trocadas,
inclusive no âmbito da sala de aula.
- Segunda lição: “Aprendendo a dizer não...”, ou “O ceticismo como método”.
Ao longo da minha vida acadêmica vi reforçada a forte impressão inicial, desde
quando vim da Engenharia para a Economia, há 40 anos, de que a maioria dos
economistas – especialmente, mas não exclusivamente, no mainstream da Economia forma uma curiosa espécie em comparação com os praticantes de outras ciências, pois
parecem nunca ter muitas dúvidas. No ensino, basta repetir o que está nos manuais de
graduação ou de pós-graduação (aliás, um “manual” de pós-graduação é quase uma
contradição em termos); ou, no máximo, em livros clássicos, sejam ortodoxos ou
mesmo heterodoxos. Na pesquisa, raramente fazem perguntas cuja resposta já não
suponham conhecer previamente, talvez ajustando as perguntas e o modelo a ser
testado, de forma a obter a resposta desejada. Aliás, não surpreende que o hard core da
Ciência Econômica atual seja uma construção totalmente axiomática, o assim chamado
Modelo de Equilíbrio Geral, uma peça teórica de conteúdo essencialmente matemático,
cujas premissas não foram construídas pela busca de abstrações representativas da
realidade histórica, factual e comportamental, mas sim com o único objetivo de encurtar
o caminho para o ponto de chegada visado – a demonstração da existência, unicidade e
estabilidade de um equilíbrio geral estático e atemporal. Economistas não gostam de
surpresas, muito menos de serem desmentidos pelos fatos ou por explicações
alternativas - e talvez melhores...
Mas se a Economia deve ser mesmo uma ciência da complexidade, como
suponho, a quantidade de perguntas sem resposta; de hipóteses rejeitadas ou não
confirmadas; e de proposições extremamente sensíveis ao contexto e aos parâmetros dos
modelos deveriam ser extraordinariamente mais frequentes do que se constata nos
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livros-texto que perpetuam a sabedoria convencional – especialmente, mas não
exclusivamente, a ortodoxa -, assim como na miríade de artigos que apresentam
resultados de pesquisa empírica.
Nas ciências da natureza, teorias científicas que se prezam são refutáveis, e a
cada ano grande quantidade delas é rejeitada pelas evidências, sem que seus autores se
sintam inferiorizados ou humilhados. Errar e/ou ser superado é parte não só inevitável,
mas necessária do avanço do conhecimento. Não é, creio, o que um observador isento
pode constatar em Economia. Isso se deve a vários motivos que não é possível
aprofundar aqui, mas gera uma conclusão clara e constrangedora: os economistas, para
estarem mais à altura dos desafios imensos de sua área de conhecimento, deveriam ser
mais modestos e menos apriorísticos. De um ponto de vista metodológico, suas
proposições deveriam ser mais claramente refutáveis à luz de algum ou alguns
protocolos de verificação em torno dos quais seja possível um razoável consenso. Em
suma, precisamos mais de Karl Popper e menos de Milton Friedman ou Robert Lucas...
- Terceira lição: “Nada se cria do Nada”, ou “A destruição criativa”.
A famosa “destruição criativa” (ou criadora) do economista austríaco Joseph
Schumpeter, destinada a expressar o essencial da dinâmica da economia capitalista,
deveria ser estendida à natureza do trabalho científico, especialmente em Economia.
Afinal, como acabei de propor, nada se cria do Nada. Não é preciso sempre recomeçar
do zero, mas, sim, é preciso reciclar cuidadosa e criativamente o material preexistente; o
que passa necessariamente por revisões, correções e até mutilações. Os grandes
pensadores econômicos agradeceriam se fossem tratados como matéria-prima a ser
trabalhada em benefício do progresso da ciência, e não como ícones intocáveis ou ver
suas obras transformadas em textos sagrados, objeto de zelo fundamentalista ou
instrumentos de doutrinação.
Esses irmãos siameses – o sectarismo e o fundamentalismo, que no fundo
expressam o mesmo conservadorismo mental - são a meu ver o principal obstáculo a ser
superado para o avanço do conhecimento em Economia. O objeto desta é desafiante
demais para nos darmos ao luxo, especialmente no campo heterodoxo, de ignorar o que
os vizinhos estão fazendo, apenas porque pertencem a outra seita. Um debate
permanente é indispensável, assim como um grande esforço de síntese, para que cada
oportunidade de integração não seja bloqueada por querelas de escola.
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Enfim, urge a tarefa de construir pontes entre margens que pouco ou nunca se
comunicam. A principal dificuldade é que os encaixes não podem ser realizados de
imediato, mas requerem um trabalho preliminar de ajustamento, que em geral implica
alguma desconstrução – se me permitem a palavra desgastada pelos abusos recentes de ideias ou conceitos dos autores relevantes. Construir desconstruindo é o mote,
propondo conexões e reenquadramentos a partir das melhores peças que puderem ser
recuperadas da revisão dos grandes autores – essa a tarefa que sempre me propus, sem
maiores pretensões e sem receita prévia, mas apenas seguindo a intuição ou um faro
pessoal quanto à relevância de cada contribuição, tentando ao mesmo tempo evitar o
puro ecletismo, ou a aplicação ad hoc desta ou daquela ideia neste ou naquele contexto,
como se as teorias ou modelos pudessem simplesmente ser puxados das respectivas
gavetas e incorporados conforme a conveniência.
Se a Economia quer ser uma ciência - e essa aspiração, embora ainda algo
distante, é legítima e necessária -, deve abandonar o apriorismo e as simplificações
irrealistas, a pretexto de tornar mais “tratável” seu complexo objeto. O que é ainda mais
sério, deve resistir à tentação hoje dominante de se basear numa mera analogia
matemática, submetida em seu núcleo ao método axiomático, em troca de um verniz de
cientificidade enganosa e em detrimento do conteúdo próprio de uma ciência social. O
cientista praticante é um modesto servidor do conhecimento, vergado sob o peso da
ignorância compartilhada. Os economistas não podem se furtar a esta postura humilde e
corajosa, sob pena de permanecerem à margem da caminhada dos seus pares e aquém
de sua imensa responsabilidade e dos desafios que ela lhes impõe.
Muito Obrigado.
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