Nota Técnica - Leptospirose 01.07.2009 A Secretaria da Saúde do Estado do Ceará por meio da Coordenadoria de Promoção e Proteção à Saúde / Núcleo de Vigilância Epidemiológica / Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde - CIEVS alerta para o risco da ocorrência de casos de Leptospirose após as chuvas e inundações. LEPTOSPIROSE - A DOENÇA A Leptospirose é uma doença infecciosa aguda causada por uma bactéria chamada de Leptospira, presente na urina de animais infectados. A infecção humana resulta do contato direto da pele ou mucosa com a urina dos animais, principalmente roedores, diluída em coleções hídricas ou águas e lama de enchente. Os roedores (ratos) peridomiciliares e silvestres são os principais da doença. Outros reservatórios de menor importância são cães, porcos, bois, cavalos, ovelhas e cabras. A doença está, freqüentemente, relacionada a aglomerações urbanas com precárias condições de infra-estrutura sanitária e alta infestação de roedores. As inundações propiciam a disseminação e persistência das leptospiras no ambiente, facilitando a eclosão de surtos. Toda a população é suscetível e as situações de exposição ao risco podem ocorrer em atividades profissionais e/ou ocupacionais, recreativas ou esportivas e acidentais: agricultores, pescadores, mineiros, trabalhadores de limpeza e desentupimento de esgotos, catadores de lixo, veterinários, biólogos, tratadores de animais, açougueiros, magarefes, laboratoristas, bombeiros, nadadores e militares em manobras, dentre outras. A Leptospirose pode ser assintomática ou manifestar-se como uma doença infecciosa febril de início abrupto, que pode variar desde um processo leve a moderado ou grave, podendo até ser fatal. O período de incubação é de 1 a 2 semanas podendo variar de 1 a 30 dias. A forma anictérica, geralmente branda e autolimitada, é responsável por 90% a 95% dos casos. Manifesta-se com febre, cefaléia, dores musculares, anorexia, náuseas e vômitos e pode mimetizar outras doenças como influenza (gripe) ou dengue. A febre geralmente é alta, contínua e com calafrios. A cefaléia costuma ser intensa e algumas vezes acompanhada de confusão mental. A mialgia é generalizada e intensa e notavelmente acomete as panturrilhas. Outro sinal que pode estar presente é a hiperemia conjuntival, eventualmente com sufusões hemorrágicas subconjuntivais. Sintomas gastrintestinais como dor abdominal e diarréia também podem ocorrer. Os sintomas pulmonares geralmente são tosse e dor torácica, e ocasionalmente, hemoptise. Outras manifestações que podem ocorrer são faringite, hepatomegalia, esplenomegalia e rash cutâneo. Esta fase pode apresentar curso caracteristicamente bifásico. A primeira fase, ou fase de bacteremia (fase leptospirêmica) com duração de 4 a 7 dias, que corresponde à disseminação das bactérias no sangue e outros líquidos corporais. A segunda fase (fase imune) inicia-se com o aparecimento de anticorpos tem duração de 1 a 3 semanas (4 a 30 dias) e geralmente ocorre recrudescimento dos sintomas são mais brandos. O desenvolvimento de meningite asséptica ocorre nesta fase. Já a forma ictérica ou ictero-hemorrágica (doença de Weil) pode apresentar doença grave com disfunção renal, fenômenos hemorrágicos, alterações hemodinâmicas, cardíacas, pulmonares e de consciência, com taxas de letalidade que pode chegar a Nota técnica - Leptospirose - 01.07.2009 1 40%. A apresentação clínica inicial é semelhante à fase anictérica, porém após 4 a 9 dias, o paciente desenvolve icterícia e o comprometimento renal e vascular. A icterícia geralmente é de tonalidade alaranjada (icterícia rubínica), bastante intensa e característica. A insuficiência hepática não constitui importante causa de óbito. A hepatomegalia é comum e a esplenomegalia é rara. A insuficiência renal aguda (IRA) e a desidratação acometem na maioria dos pacientes. Ocorre geralmente durante a 2ª semana da doença. A forma oligúrica é menos freqüente que a forma nãooligúrica, mas está associada a pior prognóstico. Diferentemente de outras formas de insuficiência renal aguda, os níveis de potássio plasmático estão normais ou diminuídos, raramente elevados. Os fenômenos hemorrágicos são freqüentes, podendo ocorrer na pele, nas mucosas ou nos órgãos internos, sob a forma de petéquias, equimoses e sangramento nos locais de venopunção, e também em qualquer estrutura orgânica, inclusive no sistema nervoso central. As hemorragias gastrointestinais e pulmonares são os principais mecanismos implicados com o óbito dos pacientes. O comprometimento pulmonar manifesta-se com tosse, dispnéia, dor torácica e hemoptise. O envolvimento cardíaco comum é a miocardite, pericardite, arritmias e insuficiência cardíaca congestiva ou choque cardiogênico. Rabdomiólise e hemólise também podem ocorrer. Nos últimos anos, têm sido descritos casos da forma pulmonar grave da leptospirose, com quadros respiratórios evoluindo para insuficiência respiratória aguda, com hemorragia pulmonar maciça ou síndrome de angústia respiratória do adulto, levando à insuficiência respiratória e à morte por asfixia. Muitas vezes precede o quadro de icterícia e insuficiência renal. O óbito pode ocorrer nas primeiras 24 horas de internação. O diagnóstico diferencial inclui várias doenças: dengue e dengue hemorrágica, influenza, hantavirose, arboviroses, febre amarela, apendicite aguda, sepse, febre tifóide, pneumonias da comunidade, malária, pielonefrite aguda, riquetsioses, toxoplasmose, meningites, sepse com icterícia, hepatites virais agudas, malária grave, riquetsioses, colangite, colecistite aguda, coledocolitíase, síndrome hemolítico-urêmico grave 2 com icterícia, síndrome hepatorrenal, esteatose aguda da gravidez, brucelose e mononucleose infecciosa. A suspeita clínica deve ser confirmada por métodos laboratoriais específicos. Na fase de bacteremia a cultura de leptospiras e a reação da polimerase em cadeia (PCR) são positivas. A partir do quinto dia do início dos sintomas, os métodos sorológicos são mais adequados. Os testes mais utilizados são os testes de Elisa-IgM e de aglutinação microscópica de leptospiras (microaglutinação). São relevantes para o diagnóstico e acompanhamento clínico da leptospirose: hemograma, , VHS, Tempo e Atividade de Protrombina (TAP), transaminases, bilirrubinas, uréia, creatinina e eletrólitos, gasometria, elementos anormais e sedimentos no exame sumário de urina, raios X de tórax e eletrocardiograma. A conduta terapêutica inclui hidratação para todos os casos. A internação hospitalar é necessária para os casos mais graves, com terapia de suporte intensiva para a manutenção do balanço de fluídos e eletrólitos. Diálise peritoneal ou hemodiálise podem ser necessários em casos de insuficiência renal. O tratamento é feito com antimicrobiano. A droga de escolha é a Penicilina Cristalina (adultos: 6 a 12 milhões de unidades/dia, 7 a 10 dias; crianças: 50.000 a 100.000 unidades/kg/dia, pelo mesmo período). Como alternativas podem ser utilizadas a ampicilina (4 g/dia para adultos e 50 a 100 mg/ kg/dia para crianças) ou a doxiciclina (100mg de 12/12horas). ATENÇÃO NO ESTADO DE CEARÁ, TODOS OS MUNICÍPIOS, PRINCIPALMENTE AQUELES ATINGIDOS POR INUNDAÇÕES, DEVEM FICAR EM ALERTA PARA A OCORRÊNCIA DA LEPTOSPIROSE. ATENÇÃO NO ATENDIMENTO DE PACIENTE COM DOENÇA FEBRIL, DURANTE A ANAMNESE É IMPORTANTE A HISTÓRIA DE EXPOSIÇÃO A COLEÇÕES HÍDRICAS DEVE SER CONSIDERADO CASO SUSPEITO DE LEPTOSPIROSE: Secretaria da Saúde do Estado do Ceará - Nota técnica - Leptospirose Indivíduo com febre de início súbito, mialgias, cefaléia, mal-estar e/ou prostração, associados a um ou mais dos seguintes sinais ou sintomas: sufusão conjuntival ou conjuntivite, náuseas e/ou vômitos, calafrios, alterações do volume urinário, icterícia, fenômeno hemorrágico e/ou alterações hepáticas, renais e vasculares compatíveis com leptospirose ictérica (síndrome de Weil) ou anictérica grave, ou indivíduo que apresente sinais e sintomas de processo infeccioso inespecífico com antecedentes epidemiológicos sugestivos, nos últimos 30 dias anteriores à data de início dos primeiros sintomas. Considera-se como antecedentes epidemiológicos sugestivos: exposição a enchentes, lama ou coleções hídricas potencialmente contaminadas; exposição a esgoto e fossas; atividades que envolvam risco ocupacional (coleta de lixo, limpeza de córregos, trabalho em água ou esgoto, manejo de animais, agricultura em áreas alagadas, dentre outras), presença de animais infectados nos locais freqüentados pelo paciente. CASO CONFIRMADO: Todo caso suspeito com confirmação laboratorial da doença (critério clínico-laboratorial) ou com clara evidência de associação epidemiológica que, por algum motivo, não tenha realizado o diagnóstico laboratorial ou esse apresente resultado sorológico não-reagente, com amostra única coletada antes do 7º dia de doença (critério clínico-epidemiológico). • Iniciar hidratação e tratamento antibiótico adequado com Penicilina Cristalina (adultos: 6 a 12 milhões de unidades/dia, 7 a 10 dias; crianças: 50.000 a 100.000 unidades/kg/dia, pelo mesmo período); • Casos que apresentarem também outros sinais e sintomas, considerados SINAIS DE ALERTA, como alterações do volume urinário, hipotensão, icterícia, sangramentos ou alterações neurológicas, deverão ser encaminhados imediatamente para uma unidade hospitalar de referência (Hospital São José); • Promover ações de informação, comunicação e educação em saúde para a população; • As equipes de vigilância epidemiológica e de saúde da comunidade (saúde da família, agentes comunitários, agentes de endemias) devem fazer busca e confirmação de dados do paciente, busca ativa de casos, investigação e determinação das características da área com casos da doença e detecção de áreas de risco. MEDIDAS DE PREVENÇÃO E CONTROLE RELATIVAS ÀS FONTES DE INFECÇÃO • • • • CONDUTA RECOMENDADA FRENTE A CASO SUSPEITO: • Notificação imediata ao sistema de vigilância epidemiológica municipal e estadual com preenchimento da ficha de notificação e de investigação; • Coleta de amostra sangüínea para exame sorológico de leptospirose e envio para o Laboratório Central do Estado (LACEN) • Realização de outros exames como hemograma completo, uréia, creatinina, bilirrubinas, transaminases, plaquetas, eletrólitos, TAP, gasometria arterial, sumário de urina, raio X de tórax e eletrocardiograma. • • • • Manter limpos os utensílios domésticos e vasilhames de alimentação animal logo após as refeições, evitando resíduos alimentares que são atrativos para os roedores; Manter os alimentos armazenados em recipientes bem fechados e à prova de roedores; Manter os terrenos baldios e margens de córregos limpos e desmatados; Evitar entulhos e acúmulo de objetos inúteis nos quintais, pois servirão de abrigo ao roedor; Manter os gramados aparados; Não jogar lixo em esgotos, córregos e terrenos baldios; Acondicionar devidamente o lixo em sacos plásticos, armazenando-os em locais elevados do solo até que seja coletado; nos locais onde não haja coleta permanente, quando em pequena quantidade, poderá ser queimado e/ou enterrado; se em grande quantidade, deve ser levado a usinas de tratamento ou depositado em aterros sanitários; Fechar buracos e vãos nas paredes e Nota técnica - Leptospirose - 01.07.2009 3 rodapés, para evitar a entrada de roedores nas habitações; • Manter as caixas dágua, ralos e vasos sanitários bem fechados, com tampas pesadas; • segregação e tratamento de animais doentes (de produção ou companhia); cuidados com suas excretas e desinfecção permanente dos locais de criação. • _____. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS). Plano de contingência de vigilância em saúde frente a inundações. 2005. 48p. • COURA, J. R. Dinâmica das Doenças Infecciosas e Parasitárias. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2005. v. 02. 2025 p. RELATIVAS ÀS VIAS DE TRANSMISSÃO • Utilização de água potável, filtrada, fervida ou clorada para consumo humano; • Vigilância sanitária de alimentos: produção, armazenamento, transporte e conservação; descarte de alimentos que entraram em contato com águas contaminadas; • Limpeza e desinfecção de áreas domiciliares potencialmente contaminadas, com solução de hipoclorito de sódio a 2,5% (um copo de água sanitária para um balde de 20 litros de água); • Construção e manutenção das galerias de águas pluviais e esgotos; desassoreamento, limpeza e canalização de córregos; emprego de técnicas de drenagem de águas livres. RELATIVAS AO SUSCETÍVEL: • Assistência médica adequada e oportuna; • Medidas de proteção individual para trabalhadores ou indivíduos expostos a risco, através do uso de equipamentos de proteção individual como luvas e botas; • Redução do risco de exposição de ferimentos às águas/lama de enchentes ou outra situação de risco; • Imunização de animais domésticos (cães, bovinos e suínos) com vacinas de uso veterinário. Não existe vacina para uso humano disponível no Brasil e as ações de educação em saúde são expressivas na prevenção da doença. REFERÊNCIA S BIBLIOGRÁFICAS • 4 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS). Guia de Vigilância Epidemiológica. 6ed. 2005. 815p. Secretaria da Saúde do Estado do Ceará - Nota técnica - Leptospirose