Geopolítica e Diplomacia Económica

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SOUSA GALITO, Maria (2003). Geopolítica e Diplomacia Económica. CI-CPRI,
A2003-3, pp. 1-6.
CI-CPRI
Geopolítica e Diplomacia Económica
1. Geopolítica
A geopolítica implica uma cosmovisão, uma perspectiva do mundo face da evolução da
própria conjuntura, que visa a obtenção ou salvaguarda de propósitos nacionais
permanentes.
«(...) é a estática da configuração actual das Grandes Potências e dos Estados secundários na
superfície terrestre, assim como a Geografia Histórica é a Geografia Política de cada uma das
épocas passadas (...) A Geopolítica é sempre vida e movimento, alteração e transformação: a
actualidade geopolítica só interessa em função das forças que actuaram ontem e como plataforma
dos sucessos que acontecerão amanhã. Aqui se expressa em duas palavras a essência estrita da
Geopolítica: síntese e vida»1.
A geopolítica envolve uma abordagem multi-dimensional. Articula a dimensão humana
com quatro vectores estratégicos: o tempo, o espaço, os recursos e, necessariamente, o
poder. A noção de espaço, por exemplo, extravasa o conceito tradicional de território
(que inclui a terra, o mar, o ar, o ciberespaço). Veja-se a Figura 12.
Figura 1: Geopolítica Multi-Dimensional
Mobilidade radical da informação
Mobilidade básica das tecnologias
Mobilidade especulativa dos
recursos financeiros
Mobilidade estratégica das empresas
Mobilidade complementar,
por redução nos custos de
transporte
Mobilidade mecânica das populações
Mobilidade complementar, por
desmantelamento de barreiras ideológicas
Fonte: Ernâni Lopes
1
2
Cf. VICENS VIVES, J. (1950). Tratado General de Geopolítica. Barcelona: Ed. Vicens Vives.
Cf. LOPES, Ernâni. Geopolítica. (Manual não publicado). Lisboa: IEP-UCP.
A geopolítica preocupa-se com os centros de decisão política. É uma variável de poder,
responsável pela geometria variável das fronteiras e dos centros de decisão. O objectivo
é optimizar a relação entre geografia e poder, para beneficiar das vantagens de
localização, da distribuição e posse dos recursos, pelo que os governos acabam por
optar por uma acção planificada, em função dos seus interesses estratégicos3.
As potências, económicas ou militares, jogam paciente (ou impacientemente) o Xadrez
mundial, redefinindo a sua acção no controlo de territórios e mercados à escala mundial.
É preciso compreender que, se o Direito Internacional se afirma igual para todos os
países, o legado maquiavélico da Balança de Poderes envolve uma hierarquia de
potências que ordena os Estados em Superpotências, Grandes Potências, Médias e
Pequenas Potências4, Micro Estados ou Estados Exíguos.
Reporta-se a um estatuto político que não é rígido. Pode ganhar-se ou perder-se com o
passar do tempo. O critério de distinção está estritamente ligado ao poder económico, à
posse de armas nucleares e à autonomia ou dependência relativamente à tecnologia
externa.
Desse ponto de vista, Superpotências eram duas até ao fim da Guerra Fria: os EUA e a
URSS. Mas se ainda possuem uma força nuclear significativamente superior aos
demais, a Rússia, herdeira directa da URSS, enfrenta uma fragilidade económica que
lhe tem limitado ambições e poder.
Os EUA afirmam a sua pujança. São capazes de projectar, à escala global, um poder
estruturado que concilia as macro-políticas indispensáveis para o efeito (uma económica
e monetária, outra de negócios estrangeiros, e uma terceira de segurança e defesa).
Reivindicam a categoria de Grandes Potências outros três países do Conselho de
Segurança da ONU, ou seja, a China, o Reino Unido e a França. Possuem armas
nucleares, supostamente numa quantidade inferior, mas movimentam-se a uma escala
mais regional.
A China afirma-se gradualmente, ao delinear uma estratégia prudente mas firme e
planeada. Em especial, depois da sua entrada na OMC (Organização Mundial do
Comércio), responsável pela mudança que houve na ordem económica mundial5. A
China possui baixos custos de produção que atraem o investimento directo estrangeiro.
Tornou-se na linha de montagem do mundo, dada a sua elevada produtividade e
3
Há uma «(...) noção de que os Estados – mesmo os Estados amigos ou vizinhos – seguem interesses
definidos, particularistas, e que o egoísmo não é um pecado em política internacional. Poderia até dizer-se
que só podem dar-se ao luxo de não serem egoístas – pontualmente – em política externa os países
longamente habituados a sê-lo.» [Rogeiro, Nuno (2002). Guerra em Paz – A Defesa Nacional na Nova
Desordem Mundial. Lisboa: Hugin Editores; p. 34].
4
Pequenas Potências serão todas as capazes de fazer uma guerra, ao menos defensiva, com os meios
ditos tradicionais (não possuem armas nucleares). Podemos ainda subdividir a categoria, para diferenciar
os países considerados independentes relativamente à tecnologia e/ou auxílio exterior, dos que não o são.
Seja como for, é difícil estabelecer um paralelo entre as Pequenas e Médias e Potências militares, e as
Pequenas e Médias Potências do ponto de vista económico.
5
« s tarifas comerciais para baixo, a participação da OMC reduziu os custos de produção e removeu os
obstáculos à venda de artigos nos mercados internacionais Isto tem vindo a atrair mais investimentos para
a China (...)» [Leggett, Karby e Wonacott, Peter (2002), The Wall Street Journal, artigo traduzido in
“China é ‘fábrica do mundo’ e potencial fonte de deflação global”, Jornal de Negócios, 17/10].
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produção, o que gera pressão global em muitos sectores. A sua ascensão da indústria da
manufactura pode ter o impacto global da industrialização dos EUA. Mas a sua
capacidade militar, pouco transparente internacionalmente, pode ser o seu trunfo
enquanto potência regional dominante ou como crescente player no xadrez global.
Por seu lado, o Reino Unido e a França, enquanto países soberanos, afirmam forças
militares em declínio. São igualmente Estados-membros da União Europeia. O Reino
Unido não entrou para a Zona Euro.
O Japão concilia as macro-políticas económica e a dos negócios estrangeiros, uma vez
que o seu forte não é a segurança e a defesa.
O processo de globalização implicou o crescimento exponencial de interdependências,
em especial nas últimas décadas, criando, por isso mesmo, a necessidade dos Estados
soberanos se apoiarem na subsidiariedade que regula o núcleo de poderes dos grandes
espaços.
Um bom exemplo dessa tendência é a construção europeia, projecto iniciado no pósguerra, sobretudo para assegurar o poder, através da unidade, das antigas metrópoles
imperiais, entretanto despromovidas de superpotências, a grandes ou médias potências.
Então embaraçadas, também geograficamente, entre dois colossos, os EUA e a URSS.
Com a unificação alemã, deu-se a queda do muro de Berlim em 1989. Ao que se seguiu
a desagregação do império soviético. O que, desde logo, implicou uma mudança
significativa nas configurações estratégicas existentes.
Nesta nova ordem internacional procura-se um equilíbrio global entre os poderes
marítimo e continental. Uma forma de cada país apoiar as empresas nacionais a
sobreviver num mundo progressivamente mais competitivo, é através da Diplomacia
Económica. Vejamos no que consiste.
2. Diplomacia Económica
A nova ordem mundial originou um novo quadro geopolítico, com o esgotamento do
modelo bipolar e a emergência de uma ordem mundial multipolar, que reflecte a
complexidade actual das relações internacionais. O que tem implicações sérias sobre os
modelos de Diplomacia Económica e os desafios que a esperam.
Durante séculos, a diplomacia alicerçou a sua actividade no xadrez político-estratégico
interestadual. As relações diplomáticas entre Estados ou entidades que, não sendo
Estados, possuem direito de legação, surgiram da necessidade de estabelecer relações
oficiais entre si, em nome de interesses mútuos.
Em missões diplomáticas permanentes, a actividade diplomática adopta um carácter
representativo e de protecção de certos interesses do Estado e dos seus cidadãos no
estrangeiro. Constitui a extensão externa do serviço público. Visa em recolher e
examinar informação sobre o país receptor, que prontamente reenviará aos serviços
nacionais; mas também em negociar e promover os melhores interesses nacionais no
exterior, funções especialmente importantes num contexto de Diplomacia Económica.
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Hoje em dia, a diplomacia assumir uma postura mais conforme às exigências dum
mundo globalizado; mais complexa, porque exigente e especializada. Ou seja, passou a
falar-se menos em diplomacia no seu todo e mais nas suas áreas de especialização, entre
as quais a chamada Diplomacia Económica (aqui entendida na sua acepção mais ampla,
que inclui a Diplomacia comercial).
Acontece que a Diplomacia Económica se edifica sobre três esferas de influência:
Poder, Diplomacia e Economia. As quais se inter-relacionam em nome de uma
concepção estratégica, cuja compreensão deverá passar primeiro pela avaliação das
esferas que a compõem, para depois explorar o conceito; além dos seus vectores
estratégicos, capazes de levar a teoria à prática, e elevar uma afirmação nacional coesa,
dinâmica e eficiente. Vejamos a Figura 2.
Figura 2: Diplomacia Económica – Poder/Diplomacia/Economia
Diplomacia
DE
Economia
Poder
Fonte: Autora
O objectivo geral da geopolítica é optimizar a relação entre geografia e poder. O da
geoeconomia é avaliar o quanto a geografia e a economia se inter-relacionam, de forma
a maximizarem as vantagens de localização, de distribuição e posse de recursos, tanto a
geopolítica como a geoeconomia implicam uma cosmovisão necessariamente adaptada
ao contexto histórico e às especificidades de cada País.
Acontece que os interesses político-estratégicos e os interesses económicos nem sempre
coincidem. É, pois, na tentativa de identificar, seleccionar e prosseguir a melhor acção
estratégica, que os governos recorrem a um conjunto de directrizes, que visam orientar
as principais linhas de manobra e salvaguardar interesses e fins nacionais permanentes.
Em nome de uma avaliação dinâmica e prospectiva com futuro.
O que implica uma abordagem multi-dimensional, no xadrez atlântico, que relacione
quatro vectores estratégicos – o tempo, o espaço, mas também os recursos e,
necessariamente, o poder. Vejamos a Figura 3.
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Figura 3: Geopolítica/Geoeconomia
Geopolítica
Geoeconomia
Fonte: Autora
O crescimento das interdependências foi significativo. Estados soberanos como
Portugal actuam em conjunto noutras organizações internacionais, das quais destaco
neste projecto, a Organização Mundial de Comércio (OMC), o Banco Mundial (BM), o
Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Económicos (OCDE) e a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP).
A Diplomacia Económica visa um plano de acção na área de convergência/divergência,
sobreposição/dispersão da Diplomacia, da Negociação Económica e Financeira
Internacional, da Economia Internacional, da Política Económica Internacional, da
Economia Política Internacional, da Teoria das Relações Internacionais e das Finanças
Internacionais. Veja-se a Figura 1:
Figura 4: Diplomacia Económica – Enquadramento
Teoria das Relações
Internacionais
Economia Internacional
Diplomacia
Negociação Económica e
Financeira Internacional
Diplomacia
Económica
Finanças Internacionais
Economia Política
Internacional
Política Económica
Internacional
Fonte: Autora
As economias são cada vez mais abertas ao exterior, pelo que é essencial investir no
mercado de exportações, em IDE e no turismo; em nome do futuro bem-estar da
população nacional.
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5
Ao Estado compete apoiar (e não substituir-se a) esse esforço empresarial. Uma das
hipóteses de o conseguir é através da Diplomacia Económica. O que pode incluir o
investimento em departamentos especializados no âmbito do Ministério de Negócios
Estrangeiros, numa mais estreita coordenação ministerial, numa maior formação de
diplomatas na área comercial, no desenvolvimento de commercial intelligence.
Portanto, a Diplomacia Económica dos Estados não visa substituir o esforço que
compete à iniciativa privada mas preocupa-se em ajudar a criar mercados mais amplos e
estáveis para as exportações (de bens, serviços, capital, conhecimentos,...), no sentido
de ajudar as empresas nacionais na penetração do mercado global.
Mais do que o papel das embaixadas no auxílio das empresas nacionais nos vários
mercados (que poderá descorar as expectativas, na prática), celebra-se o reconhecimento
da função determinante que o governo pode desempenhar em certas áreas de comércio
internacional (sobretudo os mega-deals) que requerem negociações interestaduais; pelo
menos, se os custos da intervenção não superarem os seus benefícios.
Sendo assim, importa analisar questões estratégicas de política económica. Urge avaliar
e coordenar estudos de mercado nacionais e estrangeiros, cumprir funções de promoção
de exportações de bens e serviços, e apoiar actividades relacionadas com o comércio
externo (tais como joint ventures, franchising, em feiras e exposições internacionais,...).
Portanto, são necessários diplomatas activos, capazes de reformar as embaixadas e os
consulados. Em especial se os empresários não possuem uma relação estreita com as
embaixadas, por as entenderem burocráticas e pouco dinâmicas, parcamente
informatizadas ou com os dados desactualizados. O que limita o seu âmbito de acção.
A plena integração do mercado da inovação exige a protecção da propriedade
individual. O sistema de patentes não deve continuar a ser concebido de forma isolada
em relação à realidade económica e industrial nacional. Deve ser entendida enquanto
prioridade, baseada num sistema eficiente; em função dos seus efeitos sobre a
competitividade das empresas e das vantagens a longo prazo para o país. A Diplomacia
Económica fornecida no exterior pelo Estado disponibiliza apoio jurídico em caso de
necessidade.
Seja como for, a Diplomacia Económica estadual e os seus agentes são da máxima
importância no auxílio prestado às empresas nacionais no seu processo de
internacionalização. Ajudam a penetrar em novos mercados, cada vez mais
competitivos, em que a rapidez e a informação são palavras-chave.
A existência de um modelo de Diplomacia Económica estruturado, funcional e eficiente
pode constituir a diferença entre as empresas nacionais agarrem as oportunidades antes
das suas concorrentes. Ou não.
Maria Sousa Galito
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