“INCIDÊNCIA DE CLEARANCE DE CREATININA COM VALORES REDUZIDOS: UMA FERRAMENTA PARA O DIAGNÓSTICO DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA” Felipe Gonçalves de Godoy ¹, Adriano Moraes da Silv a ² ¹ Universidade do Vale do Paraíba, Faculdade de Ciências da Saúde, Av. Shishima Hifumi, 2911 – Urbanova – São José dos Campos – SP, [email protected] ² Hospital Pio XII, Rua Paraguassú, 51 – Bairro Santana – São José dos Campos – SP, [email protected] Resumo- A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma doença de elevada morbidade e mortalidade. Seu diagnóstico é baseado em avaliações laboratoriais do ritmo de filtração glomerular (RFG), que empregam a creatinina (Cr) como substância teste e pode ser obtido pela determinação das concentrações sérica e urinária. Uma dificuldade encontrada para mensuração do RFG é a obtenção da urina total, coletada durante um período de 24 horas. O objetivo deste trabalho foi realizar um levantamento estatístico da incidência de Clearance de Creatinina (CLCR) com valores menores que os de referência, indicando uma diminuição do RFG. Foram estudados 1.516 pacientes de ambos os sexos, que deram entrada em uma rotina de um laboratório de análises clínicas de São José dos Campos – SP. Destes pacientes analisados, 62,2% apresentaram CLCR com valores menores ou iguais a 70 ml/min/1,73m², sendo que apenas 35,8% destes pacientes, apresentavam valores de Cr sérica alterados em seu histórico clínico. Este trabalho indica que a medida de CLCR, deve ser empregada na rotina laboratorial, pois consegue detectar estágios iniciais da diminuição do RFG, tendo assim um diagnóstico precoce de IRC. Palavras-chave: Insuficiência Renal Crônica; Diagnóstico; Clearance de Creatinina. Área do Conhecimento: Ciências da Saúde. Introdução A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma doença de elevada morbidade e mortalidade. Sua incidência e prevalência tem aumentado progressivamente, a cada ano, em “proporções endêmicas”, no Brasil e em todo o mundo. (SODRE et al., 2007). Estima-se que existam mais de 2 milhões de brasileiros portadores de algum grau de disfunção renal (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). A presença de disfunção renal eleva o risco de morte prematura por doença cardiovascular em cerca de 10 vezes em comparação à população normal. Porém, cerca de 70% desta população desconhecem o diagnóstico. As causas de IRC são diversas, conduzindo a uma rápida ou gradual diminuição da função renal. (KIRSZTAJN, 2007) Os principais fatores de risco para o desenvolvimento desta desordem são: diabetes mellitus, hipertensão arterial, histórico familiar, entre outros. Vale à pena ressaltar que independentemente da causa da IRC, a presença de obesidade, dislipidemia e tabagismo acelera a sua progressão culminando com a necessidade de Terapia Renal Substitutiva. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). As avaliações laboratoriais de rotina do RFG empregam a creatinina (Cr) como substância teste e pode ser obtido pela determinação das concentrações sérica e urinária. Outro fator importante é a dificuldade da mensuração do ritmo de filtração glomerular (RFG), pois necessita da obtenção da urina total, que deve ser coletada durante um período de 24 horas. Apesar de seus inúmeros interferentes e de superestimar o RFG, o Clearance de Creatinina (CLCR) continua sendo um dos marcadores mais usados na avaliação da função renal. Com isso, o objetivo do trabalho é realizar um levantamento estatístico da incidência de CLCR com valores menores que os de referência, indicando uma diminuição do RFG, em uma rotina laboratorial e verificar a importância do método de diagnóstico na prática clínica. Metodologia Foram estudados, no período de Janeiro à Março de 2009, 1.516 pacientes de ambos os sexos, que deram entrada em uma rotina de um laboratório de análises Clínicas de São José dos Campos – SP. A idade dos pacientes variou de 1 a 96 anos. Neste grupo foram analisados, os dados da depuração da creatinina endógena medida com colheita de urina 24 horas (CLCR). XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 O valor de referência usado no estudo foi de: Homens: 75 a 130 ml/min/1,73 m²; Mulheres: 70 a 115 ml/min/1,73 m²; Crianças: 70 a 140 ml/min/1,73 m². Com isso valores menores que 70 ml/min/1,73m² foram considerados como valor de CLCR reduzido, verificando assim, os dados de Cr sérica realizados anteriormente nestes pacientes. O valor de referência utilizado para Cr sérica foi de 0,2 mg/dL a 1,40 mg/dL. As dosagens de creatininas sérica e urinária foram realizadas pelo método colorimétrico, em um aparelho de automação laboratorial, ADVIA® 1650 Chemistry System - Siemens®. A filtração glomerular ou RFG foi calculado pela fórmula da depuração da creatinina endógena na urina de 24 horas, a qual utiliza das variáveis ( Cr sérica, Cr Urinária, volume urinário e superfície corpórea – peso x altura) (Figura 1). Cr (urina) x Volume urinário (mL) x 1,73 Cr (soro) x 1440 min *A 70 anos, totalizando 312 (33,09%) indivíduos (Figura 2). Tabela 1- Resultados Anteriores de Cr sérica. • Pacientes com resultado anterior de Cr sérica menor que 1,40 mg/dL. • Pacientes com resultado anterior de Cr sérica Maior que 1,40 mg/dL. • Pacientes sem resultados anteriores para consulta. Nº de Pacientes % 530 pacientes 56,2% 338 pacientes 35,8% 75 pacientes 8,05% *A= Superfície Corpórea do Paciente. Fórmula: A = P 0,425 x H 0,725 x 0,007184 Onde: P = peso em Kg; H = Altura em cm. Figura 1- Fórmula da Depuração da Creatinina endógena na urina 24 horas. Dados como, idade, sexo e se o paciente possuía alguma doença pré-disponivel, como hipertensão arterial sistêmica e/ou Diabetes Mellitus, também foram analisados de forma separada e comparados a outros dados. Os resultados analisados foram dispostos em gráficos e tabelas, aos quais demonstraram uma maior ou menor incidência das alterações análisadas. Resultados Dos 1.516 pacientes que deram entrada no laboratório analisado, 943 (62,2%) pacientes apresentaram CLCR com valores menores ou iguais a 70 ml/min/1,73m². Também foi possível observar que dentre os 943 pacientes que apresentaram CLCR reduzido, apenas 338 (35,8%) pacientes, apresentavam histórico clínico de dosagens de Cr sérica superiores a 1,40 mg/dL, enquanto 530 (56,2%) não apresentavam resultados elevados de CR sérica em exames realizados anteriormente (Tabela 1). Em relação à idade dos pacientes, pôde-se verificar que a maior incidência de resultados abaixo do valor de referência, foi diagnosticado em pacientes de 61 a Figura 2 - Incidência de CLCR reduzido por idade. Quando foram considerados pacientes que tinham uma pré-disposição ao desenvolvimento de uma IRC, como pacientes hipertensos e diabéticos, constatou-se uma maior incidência pelos que possuíam as duas patologias, totalizando 360 (38,2%) pacientes. Aqueles pacientes que eram apenas hipertensos, um total de 314 (33,34%) pacientes, também tiveram uma significante representação no gráfico (Figura 3). XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 Discussão Figura 3 - Histórico Clínico dos Pacientes Analisando os pacientes por sexo, observou-se uma distribuição com discreta tendência para o sexo feminino, sendo 513 (54,7%) Mulheres e 430 (45,6%) Homens. Se juntarmos estas três variáveis, histórico clínico, idade e sexo, teremos os seguintes dados (Tabela 2): Tabela 2 - Análise Cruzada de Variáveis. Faixa Etária • • • < 20 anos: 1,69% (1*) 20-40 anos: 6,78% (4*) 41-60anos: 32,21% (19*) 61-80anos: 54,24% (32*) > 81 anos: 5,08% (3*) H: 44,6 % Pacientes Diabéticos < 20 anos: 0 % (0*) 20-40 anos: 7,41% (24*) 41-60anos: 35,81% (116*) 61-80anos: 53,08% (172*) > 81 anos: 3,70% (12*) H: 62,7 % Pacientes Hipertensos < 20 anos: 0,28% (1*) 20-40 anos: 11,96% (43*) 41-60anos: 30,83% (111*) 61-80anos: 54,71% (197*) > 81 anos: 2,22% (8*) H: 57,1 % < 20 anos: 10,47% (22*) 20-40 anos: 8,10% (17*) 41-60anos: 27,15% (57*) 61-80anos: 32,38% (68*) > 81 anos: 21,90% (46*) H: 40,8 % Pacientes Diab. e Hip. • Sexo Pac. NÃO Diab e/ou Hip. * número de pacientes M: 55,4% M: 37,3% M: 42,9% M: 59,2% O número de pacientes com falência funcional renal vem crescendo a cada ano, em todo o mundo. Nos Estados Unidos, Canadá e países da Europa estima-se um aumento anual de 4,1%, 5,8% e 8%, respectivamente (BASTOS et al., 2007). Também nos países em desenvolvimento esta tendência se confirma. As causas da IRC são diversas, e ainda muito discutidas. Sabe-se que fatores como Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus (DM), Obesidade, entre outros, elevam e muito a probabilidade do individuo desenvolver uma falência renal (LESSA, 2004). Estima-se que pelo menos 25% da população brasileira tenham hipertensão arterial, ou seja, cerca de 26 milhões de indivíduos. Levando-se em conta que não mais do que 15% teriam a pressão arterial devidamente controlada, podemos concluir que 85% tem potencial para evoluir com algum grau de insuficiência renal (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). A situação não se difere ao se analisar quadros de pacientes portadores de DM. O DM é a principal causa de insuficiência renal crônica terminal, em países desenvolvidos. Uma das explicações para esse incremento na incidência de nefropatia diabética é o aumento progressivo de DM tipo 2 na população geral, decorrente da epidemia de obesidade (PERES et al., 2006). Analisando a Figura 3, foi possível observar a prevalência de CLCR reduzido em pacientes portadores de DM e Hipertensão arterial, seguido pelos que são apenas hipertensos. Quando fazemos uma análise mais detalhada dos dados clínicos dos pacientes, Tabela 2, é possível verificar que dos pacientes que eram apenas diabéticos, houve uma frequência maior nos pacientes do sexo feminino e entre 61 a 80 anos. Dentre os que eram portadores apenas de hipertensão arterial, nota-se um predomínio no sexo masculino, porém a faixa etária onde há maior concentração de indivíduos continua a mesma. O estudo da função e dos diversos processos patológicos renais tem despertado o interesse de muitos pesquisadores, principalmente no campo do desenvolvimento de testes que auxiliem os médicos a estabelecer o diagnóstico precoce, classificarem a doença base, obter prognóstico seguro e monitorar uma terapêutica medicamentosa. (SODRE et al., 2007). O RFG é considerado o melhor e o mais amplamente utilizado para avaliação da função renal. Isso decorre da observação que a capacidade de filtração mantém excelente correlação com as várias outras funções do néfron (ROSENBAUM,1997). A medida do RFG é através XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 da depuração de insulina, iohexol, iotalamato ou do radiofármaco DTPA, por serem substâncias que mantêm concentração estáveis no plasma, e são livremente filtradas no glomérulo renal e não são secretadas, reabsorvidas, metabolizadas ou sintetizadas pelo rim. Contudo, além de apresentarem alto custo, estes agentes não são encontrados normalmente na circulação e a realização dos estudos de suas depurações demanda infusão venosa constante e coleta de urina por um período de tempo determinado, tornando-os inconvenientes e de aplicabilidade clínica limitada (KIRSTAJN, 2007). A depuração da creatinina com urina de 24 horas e a creatinina sérica foram os métodos mais usados nos últimos anos para estimar o RFG. Esse teste tem a seu favor, o fato de ser realizado em todo e qualquer laboratório clínico, por métodos rotineiros, desta forma tendo preço e custo adequados (GASPARI, 1998). Os valores de referência da Cr variam com a massa muscular, já que ela é derivada da creatina dos músculos. Em consequência disso, seus valores são diferentes para crianças, mulheres e homens adultos (KIRSTAJN, 2007). Apesar de superestimar o RFG e depender da massa muscular, o CLCR continua sendo um dos marcadores mais utilizado na avaliação da função renal. Outro sério problema, comum a todos os serviços de medicina laboratorial, é a dificuldade por parte do paciente em manter o hábito cotidiano ao longo do dia da dosagem e coletar corretamente a urina de 24 horas. Muitas aberrações já foram encontradas nesse aspecto, entre elas o uso de medicamentos que modificam as taxas de secreção tubular de creatinina, alterações na ingestão hídrica e, principalmente, a incompreensão das orientações laboratoriais para a coleta adequada (SODRE et al., 2007) Afim de minimizar esses interferentes, mais recentemente, equações baseadas na creatinina sérica tem sido analisadas e testadas em grandes estudos. O uso destas equações tem como vantagem fornecer ajuste para variações substanciais em sexo, idade, superfície corporal e raça, variáveis que interferem na produção de creatinina (SODRE et al., 2007). Várias equações foram desenvolvidas para estimar o RFG. As mais comumente usadas são as fórmulas de Cockcroft Gault (C-G) e a desenvolvida para o estudo MDRD (Modification of Diet in Renal Disease) (GUSHI et al., 2004). Todavia quando se verifica a eficácia destas fórmulas no âmbito nacional, percebe-se a possibilidade de se estar subestimando os valores, uma vez que as fórmulas utilizam da variável raça, como um dos fatores de multiplicação. Como o Brasil é um país, onde a mistura de raças é muito grande, se torna inviável a aplicabilidade destas fórmulas (KIRSZTAJN, 2007). Para isso, os laboratórios de análises clínicas no Brasil, de um modo geral, utilizam de uma fórmula denominada de fórmula para Depuração da Creatinina, onde utilizam variáveis como, Cr sérica e urinária, volume total urinário em um período de 24 horas, e a superfície corpórea do paciente, através do peso e da altura do mesmo. A dosagem de Cr sérica normal, não exclui presença de IRC, sendo necessário o cálculo do RFG, por ser uma medida direta da função renal e que diminui e muito antes do inicio dos sintomas (LEVEY et al., 1999). A Cr sérica só atingirá valores acima do normal após o paciente perder cerca de 60 a 70% do RFG (BASTOS et al., 2007). Analisando os resultados estatísticos, observou-se a quantidade significativa de pacientes que não tinham histórico de Cr sérica elevadas, mais tinham valor do CLCR reduzido, confirmando assim os relatos da literatura. Conclusão Com o trabalho, foi possível concluir que o CLCR, apesar de seus interferentes, ainda é um bom instrumento diagnóstico. Com isso é interessante avaliar, a importância de incluir o CLCR na rotina de exames laboratoriais de pacientes pré-dispostos a ter uma diminuição do RFG, uma vez que cada vez mais pacientes tem apresentado um RFG abaixo do esperado mesmo tendo valores de Cr sérica dentro dos valores normais. Com um diagnóstico precoce, é possível determinar uma terapêutica e uma melhora na qualidade de vida destes pacientes. Referências - BASTOS, R. M; MONTEIRO, C. S.; MARTINS, A.V; Duarte, J; BASTOS, M.G. 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