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Amicus Curiae V.9, N.9 (2012), 2012
ISSN 2237-7395
O princípio da proporcionalidade e as colisões entre direitos constitucionais
Jônatas Davi De Souza1
Resumo
O texto constitucional reflete a multiplicidade de idéias em nossa sociedade. Por conseguinte,
é habitual que ocorra colisões entre os direitos ali elencados. Sendo assim, busca-se no
princípio da proporcionalidade uma importante ferramenta de integração na busca da melhor
solução entre conflitos entre direitos fundamentais. É neste contexto que se insere o presente
trabalho, que discute a noção de direitos fundamentais e o contexto teórico que lhe é peculiar,
vale dizer a análise das noções de princípios e regras, para, posteriormente tratar, segundo a
doutrina, de colisões existentes no ordenamento jurídico. Em seguida, tratar do princípio da
proporcionalidade, sua origem e peculiaridades. O método utilizado para a concepção do
presente trabalho foi o método dedutivo, associada a técnica de pesquisa bibliográfica e
documental. Para angariar os dados disponíveis buscou-se nos acervos das bibliotecas,
materiais dentre os quais: artigos científicos, livros, teses, monografias, revistas, que
versassem sobre o tema proposto. Empregou-se, além disso, a Internet como ferramenta na
busca de complementos de artigos científicos que tivessem relação com o tema.
Palavras-chave: princípios; proporcionalidade; direitos fundamentais.
Abstract
The Constitution reflects the multiplicity of ideas in our society. Therefore, it is customary
collisions occurring between the rights listed therein. So search on the principle of
proportionality, an important tool in the quest for better integration solution between
conflicting fundamental rights. It is in this context that the present work, which discusses the
notion of fundamental rights and the theoretical context that is peculiar, that is the analysis of
the notions of principles and rules, to thereafter treat, according to the theory of collisions in
the existing planning Legal. Then treat the principle of proportionality, its origin and
peculiarities. The method used for the design of this study was the deductive method,
combined with technical research literature and documents. To gather the data sought is
1
Oficial da Polícia Militar. Comandante da Polícia Militar Ambiental de Maracajá. Bacharel em Segurança
Pública pela UNIVALI-2008. Graduando em Direito pela UNESC. Pós-Graduado em Direito Constitucional
pela UNIDERP – Anhanguera – 2010. Endereço eletrônico: [email protected].
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Amicus Curiae V.9, N.9 (2012), 2012
ISSN 2237-7395
available in the collections of libraries, materials including: scientific articles, books, theses,
monographs, magazines, which focus on the theme. Was employed, in addition, the Internet
as a tool in seeking complementary scientific articles that have bearing on the matter.
Kkeywords: principles; proportionality; fundamental rights.
Introdução
O modelo constitucional moderno é marcado pela incorporação de Princípios jurídicos
no bojo das Cartas Constitucionais, sobretudo na Constituição Brasileira de 1988. Neste
sentido, não se pode intuir as Normas Constitucionais como preceitos idealizarias, sem força
vinculante. Uma vez que, a Constituição compõe-se de um corpo de normas de posição
superior às demais normas que ocupam o corpo normativo. É, portanto, a Lei máxima onde as
demais devem guardar relação de subordinação. É a fonte de todo o Direito e matriz de
validade de qualquer ato jurídico.
Neste sentido, com a constitucionalização de princípios e a materialização de uma
noção de eficácia vinculante dos princípios constitucionais, enseja-se maior preocupação com
os mecanismos de resolução de colisões entre valores constitucionais. Ademais, os métodos
clássicos de resolução de conflitos, não são suficientes para solucionar de plano, situações de
colisão entre princípios constitucionais.
Sendo assim, ganha relevância o estudo da resolução de conflitos constitucionais, sendo
que, faz-se necessário a redefinição da hermenêutica constitucional com uma aplicação do
raciocínio tópico e pelo emprego da máxima da proporcionalidade.
Para a consecução da presente obra, utiliza-se o método dedutivo associado à técnica de
pesquisa bibliográfica. Buscou-se em artigos científicos, livros, teses, monografias, revistas,
que versassem sobre o tema em comento. Ainda utilizou-se a internet como ferramenta
complementar para a formação o presente trabalho.
Os dados, após a coleta, foram analisados e posteriormente foram alvos de
interpretação, para que se consolidasse a fundamentação teórica desta pesquisa.
A metodologia empregada teve por desígnio a realização dos objetivos e problemas
deste trabalho, sendo esta empregada para que fosse possibilitada a organização e a escolha de
materiais e dados apropriados para a finalização desta pesquisa.
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1. Noções sobre normas, princípios e regras
Para melhor discussão do tema ora proposto, faz-se necessário tratarmos num primeiro
momento acerca destes três fenômenos jurídicos, suas conceituações e diferenças.
Assim, segundo Mello apud Diniz (1996, p.105) “norma jurídica é o instrumento que
regula comportamentos humanos na vida social, a fim de instaurar nela a paz e a afirmação de
determinados valores, coligidos pela forma legislativa, como sendo relevantes para o bem
estar de todos.”
Ainda, para Mello (2000, p.68) a norma jurídica é definida como sendo uma espécie do
gênero norma que tem como particularidade a coercibilidade e a exigibilidade.
Sobre princípios, Atienza e Manero (1996, p.20) os entende como “enunciados que
fazem possível uma descrição econômica de uma determinada realidade (nesse caso, o
Direito), e cumprem, portanto uma função didática, lato sensu, de grande importância.”
Reale (1995, p. 305) prefere definir os princípios como verdades fundantes de um
sistema de conhecimento condicionando a validade das asserções que fazem parte do campo
do saber.
Ao tratar da noção de regras, Barroso (1999, p. 30) é bastante esclarecedor quando
explana que estas são proposições normativas aplicáveis sob a forma de tudo ou nada, e,
portanto, se os fatos nela previstos ocorrerem, a regra deve incidir, de modo direto e
automático, produzindo seus efeitos.
E complementando, regras jurídicas no sentir de Guerra Filho (2001, p.52) são
esquemas estruturados nos moldes de previsão normativa e conseqüência jurídica.
Segundo o mestre Canotilho (1998, p. 1086) os princípios hierarquicamente superiores,
são normas com grau de abstratividade elevada (generalidade), por conseguinte, as regras,
hierarquicamente inferiores, são normas com grau de abstração reduzidas (especificidade).
Concluindo, portanto, Grau (1990, p.76) frisa que “os princípios são normas jurídicas,
ao lado das regras – o que converte norma jurídica em gênero, do qual são espécies os
princípios e as regras jurídicas”.
1.1. Classificação e função dos princípios
Considerando que os princípios podem ser compreendidos como hermenêuticos e
jurídicos, Canotilho (1998, p. 1087), aborda sobre estes que:
Hermenêuticos: são aqueles que desempenham uma função argumentativa,
permitindo, por exemplo, denotar a ratio legis de uma disposição ou relevar normas
que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas,
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sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito e
Jurídicos: verdadeiras normas, qualitativamente distintas das Regras Jurídicas.
Também, Atienza e Manero (1996, p. 5-6) classificam os princípios como:
(1ª) Princípios em sentido estrito e diretrizes versos princípios como normas
programáticas; (2ª) princípios no contexto do sistema primário ou sistema súbdito
(pautado e dirigido à gente em geral: cuida das condutas dos súditos) x princípios no
contexto do sistema secundário ou sistema do juiz (encarregam-se de guiar o
exercício de poderes normativos públicos - criação e aplicação do direito – dos
órgãos jurídicos – órgãos primários) e (3ª) Princípios implícitos e explícitos
conforme sua formulação no ordenamento jurídico.
Para complementar, tem-se a classificação de Grau (2005, p.43) que qualifica os
princípios em três tipos, quais sejam:
(1º) princípios explícitos: são os expressamente complementados no texto da
Constituição ou da lei ou de um conjunto de textos normativos da legislação
infraconstitucional, resultam como inferidos. Em que pese sua latência, são
princípios de direito positivo e (3º) princípios gerais de direito: também implícitos,
são coletados no direito pressuposto.
No entender de Manero e Atienza (1996, p.6) os princípios exercem uma função
didática e outra coordenadora. Aquela se dá porque, "como enunciados sintetizadores de uma
grande quantidade de informações, torna possível uma descrição econômica de uma
determinada realidade (do direito, no caso), cumprindo desse modo uma função didática de
grande importância."
Complementando, Manero e Atienza (1996, p.6) acrescentam uma terceira função: a de
dotar de sentido as regras jurídicas.
Canotilho (1998, p.1090) lembra que, em decorrência de sua "referência a valores ou de
sua relevância ou proximidade axiológica, os princípios exercem uma função normogenética e
uma função sistêmica". Ainda para Canotilho, estes funcionam como "fundamento de regras
jurídicas e tem uma idoneidade implícita no texto constitucional" são denominados
doutrinariamente como "princípios jurídicos fundamentais", concluindo- se assim que em
verdade o dizer "direitos fundamentais" refere-se a “princípios de jurídicos fundamentais."
1.2. Evolução histórica dos direitos fundamentais
Segundo Gomes (2004), os direitos humanos de primeira dimensão foram
reconhecidos entre os séculos XVI e XIX. Estes direitos fazem referência ao valor da
liberdade. Seu estatuto mais remoto, todavia data do século XIII, através da Magna Charta
Libertatum de 15 de junho de 1215, assinada pelo Rei João Sem Terra. Outros documentos
mais recentes são: o Edito de Nantes (tolerância religiosa), promulgada por Henrique IV da
França, em 1598; Paz de Augsburgo (1555); Paz de Westfália (1648) que marcou o fim da
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Guerra dos Trinta Anos; Toleration Act (1649); Habeas corpus act (1679) e Carlos II; Bill of
Rights (1688), aprovado pelo Parlamento do Reinado de D'Orange após a Revolução
Gloriosa; Establishment Act (1701); a Declaração de Direitos do povo da Virgínia (1776);
Declaração Americana (1776) e dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).
Os direitos humanos de segunda dimensão são os denominados direitos sociais,
culturais e econômicos, que correspondem aos direitos de igualdade. Estes surgem para
diminuir a carência da coletividade. Como bem assevera Cruz (2002, p.141):
A doutrina constitucional inicial pretendeu deixar por conta dos cidadãos a
satisfação de suas necessidades materiais entretanto, não foi difícil perceber,
principalmente ao longo das crises econômicas dos séculos XIX e XX - com
destaque para a segunda revolução industrial e a Grande depressão de 1929 - que o
mero jogo de forças de mercado, balizados pela competitividade e pela lei da oferta
e da procura, não podia garantir, inclusive nos países ricos, condições mínimas de
estáveis de vida.
Sendo assim, conclui Cruz (2002, p. 208-209) que por conta desta situação, a
intervenção estatal na vida econômica e social torna-se uma necessidade, para garantir um
mínimo de bem-estar à grande parte da população, inclusive como maneira de impedir as
chamadas crises cíclicas. Surgem, portanto, nesta situação os direitos fundamentais de
segunda dimensão.
Nasce neste contexto diversas Cartas históricas que passam a reconhecer alguns direitos,
dentre as quais destacam-se: o Cartista – Inglaterra e a Comuna de Paris (1848). Constituição
de Weimar (1919), a Constituição do México (1917), a Lei Inglesa de Saúde e Moralidade
(1802), a Lei do Horário de Trabalho Francês (1848) e o Tratado de Versalhes (1919), a
Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador (1918) e a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948). (LENZA, 2006, p.436-437)
Os direitos de terceira dimensão são caracterizados como direitos de solidariedade –
desenvolvimento sustentado ou Novos Direitos. (PASOLD, 1988, p.67)
Ao reconhecer esses direitos de terceira dimensão, nas suas vertentes de solidariedade
ou fraternidade, o seu incremento dá-se segundo Mbaya (apud BONAVIDES, 1999, p.523524) através do:
1. Dever de todo Estado particular de levar em conta, nos seus atos, os interesses de
outros Estados (ou de seus súditos);
2. Ajuda recíproca (bilateral ou multilateral), de caráter financeiro ou de outra
natureza para a superação das dificuldades econômicas (inclusive com auxílio
técnico aos países subdesenvolvidos e estabelecimento de preferências de comércio
em favor desses países, a fim de liquidar déficits);
3. Uma coordenação sistemática de política econômica.
Está inserido neste contexto o direito à higidez do meio ambiente e o direito dos povos
ao desenvolvimento. Tendo em vista que não é mais o indivíduo nem a coletividade, mas pela
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primeira vez, o gênero humano como titular de direitos. (GUERRA FILHO, 2001, p.38-39 e
45-46)
2. Antinomias e colisões
Inicialmente é instigante perguntar se, no ordenamento jurídico, é possível a
ocorrência de contradições ou colisões entre normas, regras e princípios, vale dizer, cabe
indagar até que ponto o ordenamento é coerente ou coeso. Responde esta pergunta Diniz
(1996, p.111) quando argúi que:
A coerência lógica não é requisito essencial do direito, mas do sistema jurídico, logo
a incompatibilidade entre normas é um fato. Não há como negar a possibilidade dos
órgãos jurídicos estabelecerem normas conflitantes entre si, ante a impossibilidade
de conhecerem todas as normas existentes.
Estas contradições e colisões são denominadas antinomias. Conceituando antinomias
para Diniz (1996, p.111-112) é “conflito entre duas normas, entre dois princípios; uma norma
e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular.” De forma
simplificada, Melo (2000, p. 11) entende antinomia como “contradição entre normas ou entre
princípios dentro de um sistema jurídico.”
2.1. Colisão de regras
Quanto às regras, Canotilho (1998, p. 1145) entende que “se uma tem validade deve
cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais nem menos”, portanto, é inviável
a validade simultânea de regras contraditórias.
Neste sentido, Bobbio (1997, p.60) descreve para a solução de conflitos entre regras três
critérios: o cronológico, o hierárquico e o da especialidade. Entretanto, estes critérios não são
úteis quando se trata de conflitos entre direitos fundamentais. Para Farias (2000, p.119) temse que:
O critério cronológico (denominado outrossim de Lex posterior) é utilizada para
solucionar o conflito de regras na hipótese de uma suceder a outra no tempo e
verificar-se oposição entre ambas, situação em que prevalece a norma posterior –
Lex posterior derrogat priori. Acontece que os direitos fundamentais vêm expressos
em normas contemporâneas albergadas na constituição. O critério hierárquico
(chamado outrossim de Lex superior) é aquela pelo qual se resolve o choque entre
duas regras jurídicas, sendo uma delas hierarquicamente superior – Lex superior
derogat Lex inferior. Sucede que não há hierarquia entre os direitos fundamentais.
Estes, quando se encontram em oposição entre si, não se resolve a colisão
suprimindo um em favor do outro. Ambos os direitos protegem a dignidade da
pessoa humana e merecem ser preservados o máximo possível na solução da colisão.
O critério da especialidade ( também designado por Lex specialis) é invocado para
dirimir o conflito de regras jurídicas incompatíveis, sendo uma geral e outra especial
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– Lex specialis derogat generali. Todavia, na colisão de normas consagradoras de
direitos fundamentais, ambas são gerais.
Portanto, quando há ocorrência de colisões entre regras, somente uma delas irá
prevalecer e ser válida diante do caso em concreto.
2.2. Colisão entre princípios constitucionais
Para Canotilho (1998, p.1145), “os princípios, ao constituírem exigências de
otimização, permitem o balanceamento de valores e interesses, consoante o seu peso e a
ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes.”
Neste ínterim, em casos de colisão entre princípios, a solução é levar-se em conta o peso
ou importância relativa de cada um, com o fito de escolher-se qual deles no caso concreto
prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro. (FARIAS, 2000)
Fixada essa premissa, podemos entender que ocorre colisão entre princípios
constitucionais em três hipóteses, segundo De Cara (1995, p.287), quais sejam:
As situações de conflito que podem ocorrer em matéria de direitos fundamentais no
sentido da aplicação de duas normas constitucionais ao mesmo tempo podem ser de
três tipos: a concorrência de direitos fundamentais, a colisão dentre direitos
fundamentais e os conflitos entre um direito fundamental e um bem jurídico
constitucional.
Portanto, passemos à análise de conflitos tendo por perspectiva a concorrência de
direitos fundamentais.
2.2.1.Concorrência de direitos fundamentais
Para a concorrência de Direitos Fundamentais, o titular deste direito fundamental, por
meio de um único comportamento, exerce vários direitos de uma vez, de tal modo que a
mesma ação pode ser subsumida em vários supostos de fato distintos direitos fundamentais.
(DE CARA, 1995, p.287)
Para Canotilho (1998, p.1091) é semelhante à situação concreta em que um
comportamento do mesmo titular preenche os pressupostos de fato de vários direitos
fundamentais. Pode dar-se a concorrência de duas formas: (1) por cruzamento; ou (2) por
acumulação de direitos.
Para o mesmo autor, dá-se o fenômeno do cruzamento quando “o mesmo
comportamento de um titular é incluído no âmbito de proteção de vários direitos, liberdades e
garantias. O conteúdo desses direitos tem, em certa medida e em certos setores limitados, uma
cobertura normativa igual.” (1998, p. 1189)
Corroborando com o tema, Gomes (2004) cita que:
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Seguindo essa lógica de raciocínio, no direito constitucional brasileiro vislumbra-se
concorrência de Direitos Fundamentais por cruzamento, v.g., quando um mesmo ato
do titular é incluído no âmbito de proteção dos seguintes direitos, liberdades e
garantias: princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), princípio
fundamental da liberdade (artigo 5º, caput), princípio da legalidade (artigo 5º, inciso
II), princípio da liberdade de pensamento e expressão (artigo 5º, incisos IV e IX),
princípio da liberdade de culto (artigo 5º, inciso VI) e outros.
Por outro lado, a concorrências de direitos fundamentais por acumulação ocorre
quando “um comportamento pode ser subsumido no âmbito de vários direitos que se
entrecruzam entre si; um determinado ‘bem jurídico’ leva à acumulação, na mesma pessoa, de
vários Direitos Fundamentais.”(CANOTILHO, 1998, p. 1189)
2.3. Conflito entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionais
Este tipo de conflito dá-se quando o exercício de um direito fundamental gera uma
contradição ou prejuízo a um bem jurídico constitucionalmente protegido. A existência de
ditos bens jurídicos ou a contradição e o prejuízo que podem supor o exercício do direito
fundamental a referido bem se utilizam como causas de justificação para a introdução de
limites ou intervenções por parte do Poder Legislativo aos direitos fundamentais. (DE CARA,
1995, p.289)
2.4.Colisão de princípios
Para Engish (1998, p.288) contradições de princípios são aquelas desarmonias que
surgem numa ordem jurídica pelo fato de, na constituição desta, tomarem parte diferentes
idéias fundamentais entre as quais se pode estabelecer um conflito.
Ainda, Bobbio (1997, p. 90) alerta que as antinomias entre princípios não podem ser
consideradas como antinomias jurídicas propriamente ditas. Apesar disto, alerta que pode dar
lugar a normas incompatíveis pela concreção de princípios em colisão. Portanto, no processo
de densificação dos princípios constitucionais surgem regras incompatíveis entre si.
Neste sentido, Canotinho (1998, p. 1191) aponta duas formas de colisões entre
princípios, quais sejam colisão autêntica de direitos fundamentais e colisão de direitos em
sentido impróprio. Para ele:
Considera-se existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais quando o
exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício
do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos perante um
cruzamento ou a acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas
perante ter um choque, um autêntico conflito de direitos. A colisão de direito em
sentido impróprio tem lugar quando o exercício de um direito fundamental colide
com outros bens constitucionalmente protegidos. Na colisão o conflito de direitos
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fundamentais encerra, por vezes, realidades diversas nem sempre diferenciadas com
clareza.
Alexy (2001, p. 35) menciona, ainda, colisão entre direitos fundamentais em sentido
estrito e colisão entre direitos fundamentais em sentido amplo. O primeiro ocorre nos casos
em que um direito fundamental individual embate-se com outro Direito Fundamental
individual. Colisão em sentido amplo ocorre quando há a oposição de direitos fundamentais
em face de bens coletivos.
3. O princípio da proporcionalidade na solução de colisões entre direitos fundamentais
Tendo em vista que, na interpretação constitucional, especialmente nos casos que
envolvem uma aparente concorrência de princípios, é necessário ter-se a idéia de que a ordem
constitucional não está estruturada hierarquicamente. Portanto, os princípios encontram-se
lado a lado em plano horizontal uns com os outros. Neste ínterim, encontramos no Princípio
da Proporcionalidade um instrumento crucial para a elucidação desses aparentes conflitos.
Sua precedência está intimamente ligada à idéia de limitação do poder, isto ainda no
Século XVIII (STUMM, 1995, p. 78). Todavia, há registros doutrinários quer reconhecem seu
surgimento em épocas bem mais remotas, aceitando o marco da Idade Média apenas como seu
resgate.
Conforme as ponderações de Bonavides (2005, p.398), esse princípio “é, em rigor,
antiqüíssimo. Redescoberto nos últimos duzentos anos”, foi tradicionalmente aplicado no
campo do Direito Administrativo. Stumm (1995, p. 78), abre o leque ao afirmar que o tema
não era cuidado à época apenas pelo Direito Administrativo, mas também pelo Direito Penal,
acrescentando que “nesse sentido, é detentor de raízes iluministas, sendo mencionado por
Monstesquieu e por Beccaria, ambos tratando sobre a proporcionalidade das penas em relação
aos delitos.”
O Barão de Montesquieu (2007, p.164), por sua vez, dedica todo o capítulo XVI do
Livro VI da obra “O Espírito das Leis” à necessidade de proporção das penas ao delito,
valendo destacar o seguinte segmento: “É uma questão essencial que haja certa proporção nas
penas, porque o essencial é mais pernicioso para a sociedade, em vez daquele que é menos.”
3.1. Aplicação do princípio da proporcionalidade
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Verificado o aparente conflito entre princípios constitucionais, a doutrina invoca a
presença do princípio da proporcionalidade para melhor ponderar os valores ora colidentes. É
com base neste conceito que Barros (2003, p.117) esclarece que:
Para prevenir os inúmeros conflitos resultantes de pretensões colidentes, a fim de
garantir segurança jurídica nas relações sociais, justifica-se, freqüentemente, a
edição de leis que restrinjam o exercício dos direitos considerados, se que, para
tanto, exista uma específica autorização constitucional. Nestes casos, tem-se que a
coexistência espácio – temporal de direitos pode ser validamente prevenida, desde
que a tarefa de concordância prática respeite os limites dados principalmente pelo
princípio da proporcionalidade.
Portanto, através de juízos comparativos de ponderação dos interesses colidentes no
caso concreto, é que se faz necessário o incremento do princípio da proporcionalidade, como
bem ressalta Bonavides (2005, p. 386) quando cita que:
Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da
proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que
ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca daí solução conciliatória,
para qual o princípio é indubitavelmente apropriado. As cortes constitucionais
européias, notadamente o Tribunal de Justiça da Corte Européia, já fizeram uso
freqüente do princípio para diminuir ou eliminar a colisão de tais direitos.
Além da ideia de ponderação entre duas vertentes, o principio da proporcionalidade,
sobretudo, em sentido amplo “é mais do que isso, pois envolve ainda considerações sobre a
adequação entre meios e fins e a utilidade de um ato para amparo de um determinado direito.”
(ALMEIDA, 1998)
Por outro lado, o princípio da proporcionalidade pode confundir-se com uma
ponderação em sentido estrito. Neste sentido, assevera Stumm (1995, p. 80-81) que:
Confunde-se com a pragmática da ponderação ou lei da ponderação. Decorre da
análise do espaço de discricionariedade semântica (plurissignificação, vaguidade,
porosidade, ambigüidade, fórmulas vazias) presentes no sistema jurídico. Constitui
requisito para a ponderação de resultados a adequação entre meios e fins (...) O juízo
de ponderação entre os pesos dos direitos e bens contrapostos deve ter uma media
que permita alcançar a melhor proporção entre os meios e os fins.
No sentido de se evitar que as decisões judiciais fiquem sujeitas ao arbítrio sopesamento
do juiz é que se faz necessário a ponderação dos valores ora colidentes, até porque:
Não há, no sistema nenhuma norma a orientar o intérprete e o aplicador a propósito
de qual dos princípios, no conflito entre eles estabelecido, deve ser privilegiado,
qual o que deve ser desprezado. Em cada caso, pois, em cada situação, a dimensão
do peso ou importância dos princípios há de ser ponderada. (GRAU, 1993, p. 142).
Portanto “o princípio da proporcionalidade condiciona o exercício da função legislativa,
de modo a impedir abuso ou fraude à Constituição por meio de lei.”(BARROS, 2003, .p.76)
Ainda, pondera Grau (2001, p.49) que os bens, na ótica da proporcionalidade, devem ser
enfocados em seu todo, "desde o texto da constituição aos mais singelos atos normativos,
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como totalidade", como sistema jurídico, razão pela qual o momento de a atribuição de peso
maior a um determinado princípio revela-se de uma densidade e ímpar.
Segundo Archanjo (2008, p. 163) “o princípio da proporcionalidade em sentido amplo é
composto por três elementos: adequação, necessidade de proporcionalidade em sentido
estrito.”
Ainda no entender de Archanjo (2008, p. 163):
Ainda, para a autora por adequação de meios, entende-se que a medida restritiva de
direitos deve ser compatível com a finalidade da lei. O meio escolhido deve
contribuir para a obtenção do resultado. Significa dizer que a medida restritiva deve
ser a ponta no sentido de ser capaz de solucionar o conflito, mas vi ao mesmo
tempo, deve estar em conformidade com os fins que motivaram a sua adoção. Se a
medida restritiva não for idôneo para a consecução da finalidade perseguida, há de
ser considerada inconstitucional.
Sobre a necessidade, entende Stumm (1995, p. 79) que:
a medida deve ser passível de prova no sentido de ter sido a melhor e única
possibilidade viável para a obtenção de certos fim e de menor custo os ao indivíduo.
O atendimento a relação custo-benefício início de toda decisão político jurídica à
fim de preservar o máximo possível o direito que possui o cidadão.
Sobre o princípio da proporcionalidade estrita, Barros (2003, p.84-85) entende que:
Muitas vezes, um juízo de adequação de necessidade não é suficiente para
determinar a justiça da medida restritiva adotada em uma determinada situação,
precisamente porque dela pode resultar uma sobrecarga ao atingido que não se
compra desse com a idéia de justa medida. Assim, o princípio da proporcionalidade
strictu sensu, complementando os princípios da adequação e da necessidade, é de
suma importância para indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável
proporção com o fim perseguido. A idéia de equilíbrio entre valores e bens é
exalçada.
Há situações em que é plenamente possível identificar um desequilíbrio na relação meio
- fim, sem que se possa concluir pela desnecessidade da providência legislativa, porque não
está em causa a existência de outra medida-lesiva, mas, sim, a precedência de um bem ou
interesses sobre outro. (2003, p.85)
Considerações finais
No transcorrer do trabalho viu-se que o ordenamento jurídico é composto por regras e
princípios. As normas não se limitam a traçar um conjunto de regras desvencilhadas do
contexto político e social no qual está imerso. O ordenamento também é composto por
princípios, que desempenham papel fundamental na aplicação normativa.
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Estes princípios refletem um conjunto de direitos provindos do trabalho de diferentes
atores sociais, ou seja, um trabalho resultante de uma pluralidade de idéias e interesses.
Muitos desses princípios estão estampados na Constituição Federal, que, ser a lei suprema de
nosso país, faz com que esses direitos transcendam ainda mais em importância.
Neste contexto podemos entender que os princípios constitucionais são normas que
fundamentam o sistema jurídico constitucional, são os valores basilares e supremos de nossa
sociedade. Estes princípios não constituem em meros verbetes, programas ou linhas
sugestivas ao Poder Público, mas sim, vinculam e direcionam todo o Estado e sociedade no
sentido de tornar plenos os direitos esculpidos no seio da Constituição.
Portanto, estes princípios trazem consigo uma eficácia normativa e vinculativa de todo o
ordenamento jurídico. Assim considerando, este estudo, voltou-se à uma análise teórica dos
possíveis conflitos constitucionais resultantes do embate entre estes vários princípios
expressos em nossa Constituição. A solução desses conflitos constitucionais dá-se através de
uma hermenêutica constitucional, vivificada no raciocínio tópico e pela aplicação da máxima
da proporcionalidade.
É neste contexto que se inseriu o trabalho aqui findado, tendo por base que o princípio
da proporcionalidade deve ver visto como um meio integrador e facilitador quanto da solução
de conflitos entre princípios constitucionais. Portanto, pelo princípio da proporcionalidade
faz-se uma ponderação de valores ora colidentes a fim de se evidencie qual direito deve ser diante do caso concreto - restringido e qual deve ser preservado.
Entende-se que para uma melhor locução da hermenêutica constitucional, deve-se
utilizar exaustivamente o princípio da proporcionalidade, para que possamos alçar ao caso
concreto uma melhor, mais justa e completa solução.
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