PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Arisson José de Lima Caminotto CONTRIBUINDO PARA A TRANSIÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO PSIQUIÁTRICA CENTRO DE REABILITAÇÃO DE CASA BRANCA - SP EM UM HOSPITAL GERONTO/GERIÁTRICO MESTRADO EM GERONTOLOGIA SOCIAL São Paulo 2008 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Arisson José de Lima Caminotto CONTRIBUINDO PARA A TRANSIÇÃO DE UMA INSTITUIÇÃO PSIQUIÁTRICA CENTRO DE REABILITAÇÃO DE CASA BRANCA - SP EM UM HOSPITAL GERONTO/GERIÁTRICO MESTRADO EM GERONTOLOGIA SOCIAL Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Gerontologia sob orientação do Prof. Doutor Paulo Renato Canineu. São Paulo 2008 BANCA EXAMINADORA _____________________________________ _____________________________________ _____________________________________ Sabemos que a necessidade, na medida em que obriga o homem a transformações adaptativas, impulsiona-o para temas novos e específicos do conhecimento. Abram Eksterman DEDICATÓRIA À Deus, Por ter me dado força para vencer obstáculos, por ter me feito forte, não permitindo que o cansaço me dominasse, e se consegui chegar a esse ideal, mais do que tudo devo ao Senhor.....que a luz divina continue a iluminar o meu caminho. Aos meus pais, Erdi Maria e Antônio Carlos, Aos quais me deram o presente mais precioso do universo: a vida! Já por isso seria infinitamente grato, mas vocês não se contentaram em presentear-me apenas com ela, revestriam minha existência de amor, carinho e dedicação; Cultivaram em mim todos os valores que me transformaram num adulto responsável e consciente. Abriram as portas do meu futuro, iluminando meu caminho com a luz mais brilhante que puderam encontrar: o estudo. Hoje, agradeço-lhes e pelo sonho que realizo. À Thaciana, Que nos momentos difíceis, quando o casaco já se apossava do meu ser, me fazia parar e refletir sobre o quão belo e admirável é aquele que luta e persiste na busca e encontro dos seus objetivos, não só namorada, mas amiga de tantas horas, aventuras e devaneios. À Sandra, Oswaldo, Priscilla e Luis Pedro, Serei sempre grato pela dedicação, companheirismo e pelo simples convívio que, ao longo desses anos fortaleceram a minha caminhada. À Manoela e Fátima, Pelo carinho, apoio e incentivo e mais, pela concretização de um sonho. Obrigado por tudo. RESUMO CAMINOTO, A. J.L. Contribuindo para a transição de uma instituição psiquiátricaCentro de Reabilitação de Casa Branca-SP em um hospital Geronto/geriátrico. Dissertação (Mestrado em Gerontologia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Idosos com 60 anos e mais vêm ganhando gradualmente maior representatividade dentro da população brasileira como um todo, seja pelo crescente aumento de sua proporção, como pelas implicações econômicas e sociais que esse fato acarreta. Com o envelhecimento da população, é notório o aumento do número de idosos que procuram atendimento devido a problemas de saúde física e mental, sendo imperativo o conhecimento da realidade dessa população para a implementação de medidas adequadas que resultem num envelhecimento com qualidade. De acordo com as evidências epidemiológicas a Geriatria, como especialidade, adquire papel fundamental no sistema de saúde pública, tanto em relação ao cuidado médico direto ao paciente como na capacitação dos recursos humanos em outras áreas envolvidas no processo. O presente estudo propõe um projeto para a implantação de serviço comunitário, aberto, referência regional de atendimento especializado e multidisciplinar ao idoso. Pelo fato do envelhecimento ocorrer também em instituições psiquiátricas onde existam pacientes de longa permanência e pela carência de estudos na literatura pesquisada, objetivou-se buscar um novo foco de análise para a desinstitucionalização da unidade estudada, o CRCB, para então tornar-se num Centro de Referência através de um projeto de assistência integral à saúde do idoso na DRS – XIV. Palavras - chave: Envelhecimento, idoso, geriatria, instituição psiquiátrica, desinstitucionalização. ABSTRACT CAMINOTO, A. J.L. Contributing to the transition from a psychiatric institutionCenter for Rehabilitation of White House-SP in a hospital Geronto / geriatric. Dissertação (Mestrado em Gerontologia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Elderly aged 60 and over are gradually gaining greater representation within the Brazilian population as a whole, is the growing increase in its proportion, as the economic and social implications that this fact implies. With an ageing population, is the remarkable increase in the number of elderly people seeking care because of problems of physical and mental health, and essential knowledge of the fact that population for the implementation of appropriate measures that result in aging and quality. According to epidemiological evidence on Geriatrics, as specialty, acquires key role in the public health system, both in relation to direct medical care to patients and the training of human resources in other areas involved in the process. This study proposes a project for the deployment of community service, open, regional reference of multidisciplinary and specialized care to the elderly. Because of ageing also occur in psychiatric institutions where there are long-stay patients and the lack of studies in the literature search, it was aimed to seek a new focus of analysis for deinstitutionalisation unit of study, the CRCB, then become a Centre Reference through a project of assistance to full health of the elderly in DRS - XIV. Key - words: Aging, elderly, geriatric, psychiatric institution, deinstitutionalization. LISTA DE ABREVIATURAS ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária CAIS Centro de Atenção à Saúde Caps Centro de Atenção Psicossocial CNSM Conferência Nacional de Saúde Mental CONASP Conselho Consultivo de Administração de Saúde e Previdência CRCB Centro de Reabilitação de Casa Branca DataSUS Fonte de dados do Sistema Único de Saúde DML Depósito de Material de Limpeza DiR-XX Divisão Regional de Saúde XX DINSAM Divisão Nacional de Saúde Mental DRS Delegacia Regional de Saúde ERSAS Escritórios Regionais de Saúde HD Hospital-Dia IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatística ILPP Instituição de Longa Permanência Psiquiátrica MEC Ministério da Educação MLA Movimento da Luta Antimanicomial MTSM Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental NAPS Núcleos de Atenção Psicossocial NTC Núcleo de Terapia Comportamental OMS Organização Mundial da Saúde OPS/OMS Organizações Panamericana e Mundial de Saúde PIB Produto Interno Bruto SAME Serviço de Arquivo Médico Estatístico SUS Sistema Único de Saúde LISTA DE TABELAS TABELA 1- Percentual de Idosos na População da DRS-XIV, Por Faixa Etaria, 004.............................................................................. 58 TABELA 2- Percentual de Idosos por Faixa Etária, DRS-XIV, 007.......... 59 TABELA 3- População Masculina Por Faixa Etária, DRS-XIV, 2007......... 60 TABELA 4- População Feminina por Faixa Etária, DRS-XIV, 007........... 60 TABELA 5- Evolução da População Acima de 60 Anos na DRS-XIV........ 61 TABELA 6- Percentual de Internações de Idosos na DRS-XIV, 004........ 61 TABELA 7- Percentual de Internações de Idosos na DRS-XIV, 2006....... 62 TABELA 8- Valor Médio de Internações, Geral e Mais de 60 Anos, 2006. 63 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 13 2 REVISÃO BIBLIOGR[AFICA................................................................ 17 CAPÍTULO I 1 BREVE HISTÓRICO DA PSIQUIATRIA............................................... 17 2 PSIQUIATRIA COMO ESPECIALIDADE MÉDICA.............................. 24 3 REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA........................................... 26 4 A RELAÇÃO ENTRE A REFORMA SANITÁRIA E A REFORMA 33 PSIQUIÁTRICA.................................................................................... 5 O MOVIMENTO DE LUTA ANTIMANICOMIAL.................................... 34 6 OS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL SUBSTITUTIVOS AO 35 MODELO MANICOMIAL....................................................................... 6.1 RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS.......................................................... 37 CAPÍTULO II 1 DESINSTITUCIONALIZAÇÃO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO......... 39 2 UM SERVIÇO PARA O IDOSO DA REGIÃO DA DRS-XIV................. 43 CAPITULO III 1 HISTÓRICO DO CRCB......................................................................... 49 1.1 CARACTERÍSTICAS SÓCIO-ECONÔMICAS DA REGIÃO DO CENTRO DE REABILITAÇÃO DE CASA BRANCA.............................. 55 1.2 A INSTITUIÇÃO: SEU ESPAÇO E UTILIZAÇÃO A INSTITUIÇÃO: SEU ESPAÇO E UTILIZAÇÃO.............................................................. 58 3 JUSTIFICATIVA............................................................................ 62 4 OBJETIVOS........................................................................................... 71 5 METODOLOGIA.................................................................................... 72 6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS....................................................... 79 7 CONCLUSÃO........................................................................................ 82 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................... 85 ANEXOS................................................................................................ 88 1 1 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, segundo FERNANDES FILHO et al (2006), observase uma tendência mundial de crescimento da faixa etária acima dos 60 anos, devido principalmente ao desenvolvimento de novas tecnologias e conhecimentos científicos na área da saúde, com conseqüentes mudanças nos perfis epidemiológicos. Estudos estatísticos demonstram aumento considerável de idosos nos países menos desenvolvidos, que mesmo apresentando parte da população vivendo em condições desfavoráveis conseguiram, ao longo dos últimos 60 anos, prevenir e curar muitas doenças fatais. O século XX foi marcado pela explosão de medidas protetoras visando postergar a morte; naquelas populações onde tais medidas inexistem ou são precárias, seus elementos estão mais expostos a riscos e a possibilidade de morte está presente em todos os períodos da vida, enquanto nas populações protegidas, que fazem parte de comunidades mais desenvolvidas, a morte pode ser postergada por muitos anos (CAMARANO, 2004). Diante das mudanças nos perfis epidemiológicos em nosso país ocorridas desde o início do século passado, estudos apontam um crescimento acentuado da população idosa e em conseqüência a maior evidência das doenças crônicodegenerativas, mudando assim o perfil epidemiológico brasileiro. As estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2005), no ano de 2025 serão mais de 30 milhões de idosos, o que colocará o Brasil na sexta posição mundial. Um exemplo típico dessa transição demográfica é o aumento da longevidade da população; um brasileiro nascido durante a Segunda Guerra 2 Mundial tinha como expectativa de vida ao nascer, 39 anos de idade, sendo que atualmente, essa expectativa saltou para aproximadamente 68 anos, devendo ainda, aumentar nas próximas décadas (RAMOS et al. 2003). Ainda segundo o IBGE, para o ano de 2020 a estimativa é de um decréscimo de 2% da população na faixa etária de O a 14 anos de idade, já para a faixa etária de 15 a 64 anos, um acréscimo de 105%, enquanto que, para a faixa etária de 60 anos ou mais de idade, esse acréscimo será ainda maior (250%). Em vista do crescente número de pessoas idosas, o manejo do seu bemestar constitui um desafio para o futuro, já que esse aumento populacional será acompanhado de grandes mudanças na freqüência e distribuição do processo saúde-doença desses indivíduos. E esse desafio cabe a toda comunidade, como diz o Artigo 3°, inciso II da Lei 8842 de 1994 (Lei do Idoso): "o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos”. E em relação à área da saúde, o Artigo 10, inciso II, alínea b diz: "prevenir, promover, proteger e recuperar a saúde do idoso, mediante programas e medidas profiláticas". FERNANDES FILHO et al (2006) destacam as preocupações na área da saúde são, sobretudo, quanto às limitações e diminuição na qualidade de vida dos idosos, e não somente com as doenças decorrentes do aumento da expectativa de vida, pois há investimentos, mesmo que limitados, em cuidados especializados e em produção de conhecimento: multidisciplinares. A maioria dos indivíduos deseja viver cada vez mais, porém a experiência do envelhecimento está trazendo angústias e decepções principalmente aos países em desenvolvimento, cujas sociedades não se 3 encontram preparadas para esta rápida mudança no perfil epidemiológico. Uma questão muito presente na Gerontologia, mas pouco abordada pelos demógrafos, até porque foge um pouco do seu campo de trabalho, é a qualidade de vida ou sobrevida dos idosos, em termos de saúde e autonomia. Existem doenças crônicas que antes de representarem um risco de vida constituem uma ameaça à autonomia e independência do indivíduo (UYEHARA, 2004). Estudos da OMS em 1984 estimam que, numa corte na qual 75% dos indivíduos sobrevivem aos 70 anos, cerca de um terço de sobreviventes será portador de doenças crônicas e pelo menos 20% terão algum grau de incapacidade associada. Esta constatação leva à preocupação imediata com o aumento da demanda por serviços de saúde e nos custos que o envelhecimento da população pode acarretar. A abordagem médica tradicional do adulto hospitalizado, de um modo geral adequada para o adulto jovem, não se aplica em relação ao idoso. Estudos populacionais demonstram que a maioria dos idosos (85%) apresenta pelo menos uma doença crônica e destes idosos (10%) possuem, no mínimo, 5 destas patologias (RAMOS e cols., 1993). A falta de difusão de conhecimento geriátrico junto aos profissionais de saúde tem contribuído decisivamente para as dificuldades na abordagem médica do paciente idoso. De acordo com as evidências epidemiológicas expostas acima, a Geriatria, como especialidade, adquire papel fundamental no sistema de saúde pública, tanto em relação ao cuidado médico direto ao paciente como na capacitação dos recursos humanos em outras áreas envolvidas no processo. A manutenção da capacidade funcional na senescência está intimamente ligada à qualidade de vida, sendo um bom indicador de saúde. 4 Entende-se por capacidade funcional, a capacidade de realizar as atividades básicas e instrumentais de vida diária, ou seja, a manutenção da autonomia e independência dos idosos. Em janeiro de 1994, foi promulgada a lei nº 8842/94, consagrando a Política Nacional do Idoso, visando assegurar os direitos do idoso, assim com as condições para a promoção de sua autonomia integral e a participação na sociedade; não obstante, pouco se concretizou desde então. Com o apoio das políticas sociais e de saúde, consegue-se promover habilidade funcional da população idosa e construir um sistema adequado de suporte a ela, aumentando as chances de uma velhice saudável. Inspirado por essa realidade, ou seja, pelo envelhecimento que também ocorre em instituições psiquiátricas que possuem pacientes de longa permanência e pela escassez de estudos na literatura a respeito da prevalência de demências em hospitais, surgiu esta proposição de estudo, objetivando buscar através de uma abordagem qualitativa um novo foco de análise sobre a desinstitucionalização de uma instituição de longa permanência psiquiátrica (ILPP), no caso específico o Centro de Reabilitação de Casa Branca (CRCB) situada no interior de São Paulo, para uma de referência, elaborarando um projeto de assistência integral à saúde do idoso para a DRS – XIV afim de contribuir para capacitação de uma equipe multiprofissional pré-existente para assistência à saúde integral do idoso na região DRS – XIV e finalmente historiar a transição de um hospital psiquiátrico para centro de referência para o idoso e Conhecer a história da instituição. Para entender-se melhor a natureza deste estudo, é importante elaborar uma revisão bibliográfica sobre a história do surgimento da Psiquiatria como especialidade médica passando pela Psiquiatria Brasileira, bem como seu processo 5 de reforma e desinstitucionalizaçâo, contextualizando com a política econômica de saúde. Necessário para dar uma seqüência lógica no trabalho é fazer um levantamento histórico do CRCB, desde sua fundação até os dias atuais, realizando uma consulta junto aos sites do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística) e DataSUS (Fonte de dados do Sistema Único de Saúde) a fim de se conhecer a população de idosos com mais de 60 anos, bem como seu volume de internação, tempo de permanência e suas principais causas, na região da DIR XIV, uma divisão administrativa adotada pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, que tem sua sede na cidade de São João da Boa Vista e é composta pela cidade de Casa Branca, sede do CRCB, juntamente com outros 19 municípios. Com estes dados pretende-se concluir esta pesquisa. Esperamos justificar nosso pleito com bases epidemiológicas e estatísticas, mostrando a situação atual da rede pública no tocante ao atendimento destinado ao idoso em nossa região administrativa, ou mesmo o que talvez seja realidade a nível nacional. Muito além de nossa realização pessoal e profissional no âmbito da saúde pública, a concretização deste projeto poderá ampliar os horizontes dos demais profissionais em nossa região ou mesmo a nível estadual, colaborando efetivamente para melhorar a assistência a esta população que há longo tempo tem sido negligenciada pela sociedade. Devemos também ressaltar que proporcionando uma melhor assistência ao idoso, além de resgatar merecidamente sua dignidade e cidadania, estaremos contribuindo ativamente para a utilização racional dos recursos do estado reduzindo gastos desnecessários com internações, reinternações e procedimentos que muitas 6 vezes são indicados sem levar em conta a situação clínica global dos pacientes, e nem sempre resolvem ou mesmo aliviam seus males. De acordo com tudo que foi exposto até então devemos enfatizar que, no decorrer da implantação e funcionamento deste serviço, poderemos modificar suas características de acordo com a realidade observada ou necessidade da população assistida, visto que nosso objetivo, entre outros, também consiste na obtenção de novos dados epidemiológicos e estatísticos. A partir daí, teremos as bases necessárias para o entendimento deste estudo. 7 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA CAPÍTULO I 1 BREVE HISTÓRICO DA PSIQUIATRIA “A história da nossa psiquiatria é a história de um processo de asilamento; é a história de um processo de medicalização social”. (Amarante, 1994:74) Casos de perturbações mentais estão registrados por toda a História e são, desde as épocas mais remotas, citados por historiadores, poetas, pintores, escultores e médicos. O século XVII traz o tema da ''loucura'' em obras poéticas, enquanto o mundo científico, Leonardo da Vinci, Galileu Galilei, Descartes, Pascal e Isaac Newton revolucionavam as ciências naturais e o pensamento humano. Estas descobertas influenciaram a evolução científica natural da medicina e da própria psiquiatria com descrições sobre a cólera aguda, a mania, a histeria, a paralisia geral, a miastenia e a esquizofrenia. Do ponto de vista assistencial, entretanto, os doentes eram marginalizados, escondidos. O primeiro grande passo para o progresso científico da Psiquiatria ocorreu no século XVIII, com os estudos do médico francês Philippe Pinel, o qual instituiu reformas humanitárias para o cuidado com os doentes mentais. A Psiquiatria nasceu no final do século XVIll, de acordo com Michel Foucault, quando foi reconhecida a uma área da medicina a incumbência de cuidar de uma determinada parcela da população excluída do meio social, sendo decisivo o papel assumido pelo alienismo ao ceder a marginalização de indivíduos o sentido de 8 assistência e cura (MAGRI, (2005). A constituição do paradigma psiquiátrico, no entanto, remonta ao século XVII, quando, foram criadas casas de internamento para indigentes, homossexuais, epilépticos, alienados, entre tantos pertencentes à população excluída, com o objetivo de ordenar o espaço social de um contingente que, ávido por mudanças, pretendia redimensionar o mundo da miséria. Até sua constituição enquanto disciplina médica, a Psiquiatria passou por Inúmeras reformas sendo uma das principais a mudança da função dos hospitais ou casas de internação. Antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar presente tanto para recolhê-lo, quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna. O personagem ideal do hospital, até o século XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo [ ... ] (Foucault, 1979, p.10). Portanto, se antes a internação tinha por objetivo a assistência aos indigentes e pobres, a partir do século XVIll ocorre a modificação da função hospitalar que adquire a função de instrumento terapêutico". Enquanto que a loucura: No novo mundo asilar tornou-se um fato que concerne essencialmente à alma humana, sua culpa e liberdade, ela inscreve-se doravante na dimensão da interioridade; ela inscreve-se doravante na dimensão da interioridade; c por isso, pela primeira vez, no mundo ocidental, a loucura vai receber status, estrutura e significado psicológicos. Mas esta psicologização é apenas a conseqüência superficial de uma operação mais surda e situada num nível mais profundo - uma operação através da qual a loucura encontra-se inserida no sistema de valores e das repressões morais. [ ... ] (Foucault, 1968, p. 83-84). Foram as reformulações da sociedade ocidental frente às transformações ocasionadas pela primeira Revolução Industrial que levaram a uma maneira diferente de se encarar loucura, de intervir sobre ela. A inserção da loucura na vida social trouxe uma nova reflexão sobre o personagem social do louco ou do homem 9 passível de enlouquecimento. Novas necessidades surgiram com a Revolução Industrial, novas exigências que influíram "criação de um novo homem" (BIRMAN, 1978, p.178) e em novas necessidades. Ainda de acordo com Birman, a inserção da nova concepção de loucura no espaço social em fins do século XVIlI constituiu, através de suas diversas instituições, e em última instância, a caracterização do normal e do anormal. A família seria a responsável por marcar em primeiro lugar as regras do convívio social que assim definiam os limites do normal e do anormal. O louco é tomado como incompreensível, fora do mundo concreto das instituições e dos aspectos culturais que definem o espaço social. Benedict (1934) refere-se ao fato de que o que o que liga os homens em determinada sociedade é a cultura, idéias e padrões que tem em comum, considerando anormais aqueles que fogem às ações e reações aceitas como "normais". Cada sociedade, ao elaborar seus padrões de normalidade, por meio de depósitos legais ou tradição de costumes, pretenderia garantir orientação às gerações seguintes. Estes "padrões de cultura" seriam responsáveis pela aceitação ou não dos indivíduos identificados como "normais" ou não no decorrer do cotidiano dos grupos sociais. Na Europa embasada pelo positivismo e pelas teorias de degeneração, Birman (1978) acrescenta o que seria estar alienado: [ ... ] Estar alienado significa perder as normas atuais da cultura e do desenvolvimento, e passar a viver segundo normas correspondentes á outros estágios da formação da cultura. Ser alienado corresponderia a regredir aos estágios precoces da humanidade (Birman, 1978, p. 209). O autor afirma ainda que a concepção positivista de normal e patológico era análoga à da Medicina e da Psiquiatria de então. Dessa forma, a alienação e as exigências de uma nova sociedade em processo de industrialização se implicam 10 intimamente tornando necessário o surgimento de uma ciência capaz de estabelecer parâmetros e regras de conduta a serem exercitados pelos sujeitos sociais. Na sociedade liberal, havia chances constantes de desenvolvimento e crescimento industrial para todos os indivíduos que assim desejassem. Nesta ordem, considerada a "etapa mais desenvolvida da História” estaria definido o instrumento de separação entre aqueles mais preparados física, moral e geneticamente para a nova fase da humanidade. Os distúrbios presentes na figura do louco seriam então similares aos apresentados na estrutura moral do selvagem, entretanto apesar desta desconfiança, os alienados são de uma imprevidência que só pode ser comparada à dos selvagens (BIRMAN, 1978). A criação da Psiquiatria contribuiu decisivamente para esta nova ordem, afastando do convívio social, com o objetivo de "recuperação moral", os alienados considerados como obstáculos para a nova sociedade que nascia. Eram assim considerados como obstáculos na medida em que eram seres improdutivos, massa inerte que em nada contribuía para as atividades industriais. Os alienados eram considerados o "negativo" da ordem sendo necessário, portanto, sua reclusão para evitar qualquer impedimento ao trajeto regular da sociedade industrial. Além do mais, os loucos acarretavam também despesas, cuidados e observação permanente o que significaria diminuição de braços e renda na família; e com o surgimento do asilo, essa demanda de despesas e cuidados desapareceu, portanto o "asilo tornouse a própria possibilidade de crescimento industrial" (BIRMAN, 1978, pp 241-242). Não sendo elemento socializado, ou seja, não incorporando os padrões usuais esperados pela sociedade industrial, o ator social poderia ser apontado como desviante merecedor de um processo de isolamento social a fim de que pudesse ser resgatado para o convívio coletivo. É através da supressão de seus direitos civis e 11 de sua liberdade, que os alienados receberiam sua punição por estarem alheios à sociedade real. A normatização destes indivíduos, ou seja, à volta a sua condição de homem produtivo, seria a condição para a recuperação de sua liberdade, direitos e voz frente à sociedade. Nesse processamento o ator social, ao socializar-se, terá que digerir os códigos que simbolizam o viver em sociedade, de forma padronizada e ideologizada; o próprio grupo social e principalmente as instituições acabaram por moldar os comportamentos e assimilar os papéis sociais exercidos por cada um e de acordo com normas pré - estabelecidas. Para Birman, [ ... ] o alienado é colocado num contexto pedagógico que teria dois efeitos simultâneos e intrinsecamente articulados. Dominado por um lado, ele percebe também a dominação sofrida pelos agentes de sua dominação. O alienado sente a submissão, t1sica e simbolicamente, e percebe no outro os efeitos desta. Através deste duplo registro da hierarquia um ensinamento vai se formulando e se impondo ao louco: quem manda e quem é mandado; quem dirige e quem executa; de que lugares e funções o sistema de poder, que define o espaço social, se constitui e o asilo reproduz numa menor escala ( Birman, 1978, p. 387). Neste sentido, a Medicina, e sua mais nova área, a Psiquiatria, funcionariam conjuntamente com o Estado para a manutenção da ordem e, contra a desordem da sociedade. A desordem seria então encarada não apenas como influência negativa sobre a saúde física dos indivíduos, mas, fundamentalmente uma "deficiência" na moral, responsável pela corrupção dos costumes, pela criminal idade, pela descrença na religião, enfim, por uma "decadência da civilização" (MACHADO, 1978). [...].Os crimes e a alienação mental constituiriam exemplos privilegiados, assim como todas as faltas e ataques ao sistema de regras estabelecidas. A Medicina investigando o homem do ponto de vista físico e moral, poderia ser então encarada como instrumentadora do Estado para a manutenção da Ordem (Birman, 1978. p.253). 12 Quando a saúde física e moral dos indivíduos está comprometida, estes se tornam uma ameaça para o Estado e por conseguinte, exige uma espécie de "polícia médica" para proteger o homem do perigo que ele mesmo representa; a medicina portanto, representa uma estância de controle da vida social. Higienizadora do espaço público, encarregada de recuperar os corpos alienados, a Medicina e a Psiquiatria seriam "instrumentadores" do Estado na remoção dos “obstáculos" que se oporiam ao progresso. A Psiquiatria articulou-se no plano da manutenção da Ordem desenvolvendo uma vigilância moral, uma normatização dos indivíduos, fundando suas teorias e explicando as anormalidades principalmente através das ciências biológicas. A função da Medicina, bem como da Psiquiatria, é repor o funcionamento normal do organismo dentro de um padrão de normalidade construído por meio da observação, experimentação, estudos de caso e padronização dos papéis sociais exercidos dentro da sociedade. Logo, durante os processos terapêuticos, o profissional da psiquiatria, o médico em geral, tem por objetivo corrigir os problemas de desvio, recompondo o organismo, restaurando a sua ordem, a saúde e controlando sua desordem físico-orgânica (D' LNEÃO, 1992, p.290). Durante todo o século XIX, a Psiquiatria manteve-se presa às idéias raciais. Tais idéias foram incrementadas com novas vestes científicas. No Brasil, estas idéias sofisticaram-se, seja com a adoção e adaptação das teorias nascidas na Europa, seja com a própria produção intelectual nacional. Inclusive, houve a incorporação das descobertas microbiológicas que serviram para experimentos que correlacionavam certas características histológicas às causas das doenças mentais. Porém, todas se pautavam no princípio da inter-relação entre as características "hereditárias, as correlações anatomofisiológicas e a gênese da doença. Desta 13 maneira, houve um predomínio dos enfoques organicistas e dos aspectos comumente apontados como reveladores da doença mental" (ENGEL, 2001, p.155). É importante ser ressaltado que no século XIX as pesquisas da medicina avançavam nos estudos sobre as bases do sistema nervoso, dos órgãos, dos tecidos, sobre a Biologia em geral. Nesta tendência, a doença mental começa a ser entendida como sendo de ordem neurocerebral, ou seja, os processos mentais seriam explicados com base na neurofisiologia e na bioquímica do sistema nervoso, mesmo ainda não detectado com clareza a ordem do corpo afetada. Desta forma, a loucura passou a ser medicalizada e descrita por meio do modelo organogenético inspirado nos trabalhos de Morel sobre a degenerescência, na perspectiva de que o louco não seria aquele que se comporta mal, de maneira anormal, e sim um organismo que funciona mal, que produz atitudes imprevisíveis que, necessita de mais estudos, controle e disciplina para sua possível cura. O organicismo representou uma nova fase na Psiquiatria: a conclusão do processo de medicalização da loucura, ou seja, a incorporação definitiva do saber alienista como área médica. No Brasil, o organicismo é responsável pela própria inauguração da Psiquiatria, a qual caberiam "[ ... ] as funções de cura e assistência, de medicalização e exclusão, da prática hospitalar e da limpeza da cidade [ ... l"(CUNHA, 1988, p.44). O organicismo não exclui o tratamento moral, mas abrange-o. A moral, veiculada pela Psiquiatria, relaciona-se com o processo de transformação, proporcionado pela ação alienista e pela instituição asilar, de um caráter indisciplinado em um indivíduo regulado por normas e disciplinado (BIRNAN, 1978). O espaço asilar se confirmaria mais uma vez como a representação da Sociedade contendo aspectos e mecanismos do espaço social que "visam 14 restabelecer os internados em direção de algum padrão ideal" colocando assim o alienado mental con1o um tipo especial de doente a que cabe a instituição asilar tratar. Desde suas origens a Medicina Mental sempre procurou uma justificativa de ordem física para a alienação mental; um fundamento de ordem empírica e, portanto, corpórea que justificasse a sua inserção enquanto área da medicina. Se a Psiquiatria tinha pretensões de pertencer ao campo da Medicina deveria apresentar fundamentos estabelecidos que fossem coerentes e homogêneos com sua prática curativa, de forma que validassem os seus métodos e discursos. Sendo assim, seria importante que os princípios da fisiologia estivessem presentes na prática clínica da medicina mental a fim de que se tornasse uma "Ciência como Medicina somática, surgido com o progresso humano deflagrado pelo Século das Luzes" (BIRMAN, 1978, p.43). De acordo com Birman (1978), Pinel, também responsável pela primeira revolução psiquiátrica que trouxe o rompimento com a "tradição demonológica da loucura" e sua transformação em doença mental, foi o primeiro a delinear o conflito que se estabeleceu entre o aspecto físico e o moral e a importância destes dois elementos na etiologia da alienação, na escolha sobre quais desses aspectos, teria maior preponderância na ação Psiquiátrica. Estes elementos ou concepções surgidas era a escola somaticista, que buscava no corpo as causas da alienação mental e a escola psicológica que transferia o "problema” somente para o aspecto moral, para a desregulamentação do universo afetivo dos indivíduos. Tais concepções se complementariam posteriormente, mas a causa orgânica sempre tentando sobrepor-se à psicológica. Há uma procura constante, uma insistência por um corpo anátomo-patológico 15 para fixar a alienação mental e os comportamentos correspondentes. Existindo sempre uma insistência em localizar a loucura no espaço cerebral, considerado centro das funções vitais e base da sustentação do espírito. Para que os loucos se tornassem objetos da percepção e tratamento médico, seria necessário que a loucura fosse considerada uma doença. Uma vez que o médico é considerado um indivíduo que possui um saber sobre a doença, aquele que pode proporcionar sua cura, para que os loucos pudessem ser tratados por um médico seria necessário que fossem transformados em doentes. Era necessário tratar e falar dos loucos como enfermos para justificar a sua inclusão na instituição médica, já que ainda não estava tão claro no final do século XVIIl e início do XIX que os loucos deveriam ser objeto de cuidados médicos. Na medida em que foram tornados objetos da Medicina Mental foram também considerados doentes e, portanto, dependentes de ajuda médica. Mas, para tal, foi necessário que o saber médico desse legalidade, validasse e oferecesse jurisdição sobre o processo de recuperação moral do alienado (BIRMAN, 1978). A transformação da doença mental como objeto permitiu e cedeu legitimidade para o diagnóstico, apropriação e cura do louco, que passou então, a ser objeto da ação do alienista, Apesar de ainda serem inexistente as marcas cerebrais na alienação mental no início do sécu1c XIX, a loucura transformada em doença mental poderia ser curada pela ação psiquiátrica, pois ainda existia o desvio das paixões, da moral do indivíduo. Apesar das verdadeiras causas físicas não serem conhecidas, existiam as condições predisponentes que levariam ao estado de loucura ou distúrbios mentais. Dentre as causas citadas estariam, por exemplo: "as condições de gestação, quedas ou golpes na cabeça, epilepsia, desvios sexuais, prostituição e outras doenças 16 epilepsia, desvios sexuais, prostituição e outras doenças crônicas e, principalmente a hereditariedade" (ESQUIROL, 1819, p. 64 apud BIRMAN, 1978, pp.72-73). Percebe-se que a doença mental, na maioria das vezes, era tratada como sinônimo de moralização, esse traço que aparece de forma clara no que se refere ao papel feminino na sociedade do XIX. O casamento, o ambiente familiar, a maternidade, enfim, manifestar qualquer resistência em relação a estes valores, considerada essenciais a toda mulher, é transformado em causa física da alienação na medida em que contraria a norma instituída. "Na loucura feminina, a transgressão atinge não apenas as normas sociais, senão a própria natureza que destinou à mulher o papel de mãe e esposa" (CUNHA, 1988, p.144). Sendo assim, a moral da Sociedade é, antes de tudo, a moral da família. A Psiquiatria não cria as normas, a moral social, as práticas de exclusão ou controle social, ela legaliza, uma "densidade" cientifica, um arcabouço conceitual, para justificar certas práticas de controle e exclusão. É no espaço social, de acordo com Cunha (1988), que a exclusão é realizada, pelo projeto de dominação que uma Sociedade e uma Cultura realizam em si mesmas, que passa a avaliar no conjunto dos comportamentos os que são coerentes ou não com o seu projeto global. É neste contexto que o discurso psiquiátrico pode surgir para ser o instaurador da normalidade, da moral, da família, da escola, que vão constituir o sujeito adequado para o mundo da burguesia triunfante. 17 2 PSIQUIATRIA COMO ESPECIALIDADE MÉDICA Para PICCININI (2000) a Psiquiatria, como especialidade médica, tomando Philippe Pinel (1745-1826) como seu marco inicial, estaria completando duzentos anos. A loucura, seu objeto de estudo é tão antiga quanto a do homem na face da terra. A psiquiatria nasceu dentro dos asilos e da necessidade de abrigar, proteger, cuidar, investigar, diagnosticar e tratar os indivíduos que da loucura fossem acometidos. Fica bastante claro que os loucos existiam antes do que os psiquiatras, e que a loucura representa um tremendo desafio para todos interessados em estudá-la. Tanto a loucura é um desafio que muitas outras áreas do conhecimento se associam neste processo de investigação dos seus segredos. Filósofos, sociólogos, antropólogos, neuroscientistas, psicofarmacologistas São apenas os mais notáveis nesta luta. Terminada a Segunda Grande Guerra Mundial aceleraram-se as mudanças positivas na psiquiatria, o surgimento dos antipsicóticos e antidepressivos aceleraram o esvaziamento dos grandes hospitais. O Action for Mental Health do Pres. Kennedy estimulou a assistência ambulatorial e comunitária com o conseqüente surgimento de novas técnicas psicoterápicas e novas abordagens terapêuticas. Saímos de uma psiquiatria sem diagnóstico para uma psiquiatria com diagnóstico e surgiram questionamentos fundamentados sobre a psicanálise. No momento em que parte das névoas que envolviam a loucura começavam a dissipar-se surgiu o movimento chamado de antipsiquiatria que sacudiu os ambientes universitários e o grande público. Os psiquiatras que vinham revolucionando o atendimento do doente mental ficaram na defensiva. 18 O primeiro a se lançar contra a concepção psiquiátrica de doença mental foi Thomas Szazs com seu "Mito da Doença Mental". Szaz era um psicanalista húngaro e sua idéia era simples: se houvesse lesão, era caso neurológico, se fosse problema de conduta a lei resolveria, o tratamento seria psicológico e os psiquiatras não tinham nada a fazer. A ele se seguiram David Cooper, Ronald Laing e A. Esterson. Com pequenas diferenças eles encontraram os culpados pela doença mental, a família e a sociedade. Laing defendeu a concepção da metanóia, ou seja, viagem interior em que a doença mental constitui a única maneira de escapar à ação alienante da sociedade. Basaglia e seu grupo de seguidores acrescentou a concepção política. A sociedade é o flagelo essencial e ela é que deve ser combatida. Surgiu então a Lei 180 da Reforma Italiana tão cara ao movimento antimanicomial brasileiro. Certamente é um fato notável neste processo histórico o surgimento desta corrente de pensadores que resolveram o problema da loucura afirmando que ela não existia e que era uma criação dos psiquiatras a serviço de uma burguesia em ascensão. O mais incrível ainda foi constatar a adesão de alguns psiquiatras a estas idéias. Foucault deixa bem claro isso quando afirma " caminho aprisionador sobre a loucura, qual seja a que submete a experiência radicalmente singular de enlouquecer à classificações terapêuticas ditas científicas; submissão da singularidade da norma da razão e da verdade do olhar psiquiátrico, rede de biopoderes e disciplinas que confirman o controle social do louco". Alguns autores brasileiros repetem estas afirmações usando palavras diferentes. (BIRMAN, . 1978). Já Serra, (1979) é bem mais explícito "as espécies patológicas foram produzidas pela psiquiatria a partir da maneira como ela organizou os asilos, da maneira que ela selecionou aquelas que deveriam ser recolhidas". O mesmo autor 19 (Serra,1979) a sociedade burguesa se socorreu da psiquiatria para resolver um grande problema, o que fazer dos indivíduos cujo comportamento era incompatível com a ordem proposta e ao mesmo tempo impossível de serem tratados como criminosos". Examinar estas supostas verdades, questionar afirmações político-ideológicas apresentadas como ciência é um dos objetivos do estudo da História. Ela não deve ser uma mera cronologia de fatos, é imperiosa a necessidade de se relacionar os acontecimentos com sua época, entender as relações sociológicas, políticas e econômicas envolvidas, sem esquecer que estamos lidando com um fato concreto, a loucura. 3 REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA Tratar da reforma psiquiátrica brasileira requer abordar a história da psiquiatria no Brasil, bem como a sua concepção acerca da loucura. A psiquiatria surge, com a chegada da Família Real ao Brasil, com o objetivo de colocar ordem na urbanização, disciplinando a sociedade e sendo, dessa forma, compatível ao desenvolvimento mercantil e as novas políticas do século XIX. É a partir do embasamento nos conceitos da psiquiatria européia, como degenerescência moral, organicidade e hereditariedade do fenômeno mental, que a psiquiatria brasileira intervém no comportamento considerado como desviante e inadequado às necessidades do acúmulo de capital, isolando-o e tratando-o no hospital psiquiátrico. “O saber e o poder médicos, artificialmente, criam uma legitimidade de intervenção da classe dominante sobre os despossuídos através da nova especialidade - a psiquiatria - da 20 nova instituição (...) o Hospital Psiquiátrico. O objeto dessa intervenção (...) o sofrimento mental - é reduzido, através de um artifício conceitual, a categoria de “doença mental”, subtraindo-se toda a complexidade de fenômenos diversos, singulares e compreensíveis no contexto da existência humana” (Feffermann et al, 200: 4). O Manicômio, dentre outros dispositivos disciplinares igualmente complexos, atravessou séculos até os nossos dias, conformando uma sociedade disciplinar com dispositivos disciplinares complementares num processo de legitimação da exclusão e de supremacia da razão. Na década de 60, com a unificação dos institutos de pensões e de aposentadoria, é criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). O Estado passa a comprar serviços psiquiátricos do setor privado e concilia pressões sociais com o interesse de lucro por parte dos empresários. Dessa forma, cria-se uma “indústria para o enfrentamento da loucura” (AMARANTE, 1995, p.13). É no contexto do Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental, no fim da década de 70, que surge a questão da reforma psiquiátrica no Brasil. Pequenos núcleos estaduais, principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais constituem o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). A questão psiquiátrica é colocada em pauta: “... tais movimentos fazem ver à sociedade como os loucos representam a radicalidade da opressão e da violência imposta pelo estado autoritário”. (ROTELLI et al, 1992: 48) A violência das instituições psiquiátricas, dessa forma, é entendida como parte de uma violência maior, cometida contra trabalhadores, presos políticos e, portanto, contra todos os cidadãos. A reforma psiquiátrica no Brasil passou por várias transformações. Surgiu devido à emergência de movimentos sociais populares, devido a organização e 21 avanços dos movimentos sociais dos trabalhadores, familiares e usuários de saúde mental e principalmente, devido aos direito do "doente mental" como cidadão. "Está sendo considerada reforma psiquiátrica o processo histórico de formulação crítica e prática que tem como objetivos e estratégias o questionamento e elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria. No Brasil, a reforma psiquiátrica é um processo que surge mais concreta e principalmente a partir da conjuntura ao subsídio nacional de saúde mental, mas também, e principalmente, na crítica estrutural ao saber e às instituições psiquiátricas clássicas, no bojo de toda a movimentação político-social que caracteriza esta mesma conjuntura de redemocratização”. (AMARANTE, 1995, p.91). Na segunda metade da década de 1970, surgem críticas à ineficiência da assistência pública em saúde e também ao caráter privatista da política de saúde do governo central. Começa a acontecer denúncias sobre os maus-tratos aos doentes mentais nos grandes hospícios do país. Em 1974 criou-se a Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), o qual passou a cumprir funções normativas para prestação de assistência psiquiátrica. Logo em seguida, em 1975 criou-se o Sistema Nacional de Saúde, tendo entre seus objetivos de estabelecer a obrigatoriedade e a responsabilidade do Estado no tratamento de pessoas com transtornos mentais e também com o intuito de garantir o controle das condições de trabalho que causaram danos à saúde mental. No Rio de Janeiro e em outras partes do país, surge o Movimento dos Trabalhadores em Saúde· Mental (MTSM), em 1978, onde se discutia a política psiquiátrica exercida no país e se registrava as queixas às políticas privatizantes de assistência psiquiátrica, por parte da Previdência Social. Quanto às condições públicas ou privadas de atendimento à população, se fazia mobilização pela humanização dos hospitais psiquiátricos, pois havia denúncias da indústria da loucura, que eram os hospitais privados e conveniados com o antigo INAMPS. 22 Desse modo, conscientiza-se os cidadãos de maneira que se enxergue os doentes mentais como seres excluídos, oprimidos pela sociedade. Devido às críticas às políticas de saúde, o movimento de saúde elaborou lima proposta alternativa para mudança do Sistema Nacional de Saúde, que mais tarde se denominou Reforma Sanitária. Em 1980, o programa do movimento sanitário chega à gestão efetiva dos serviços e das políticas públicas, e inicia-se a "Co-Gestão" entre o Ministério da Previdência e o Ministério da Saúde para administração dos hospitais públicos do país, que se deu devido a vitória dos governos estaduais oposicionistas (Tancredo Neves e José Sarney). Assim, permitiu-se a entrada de lideranças do MSTM nas secretarias estaduais de saúde, intervindo crescentemente nos hospitais psiquiátricos privados e estatais e também se programou o plano CONASP (Conselho Consultivo de Administração de Saúde e Previdência), uma expansão da rede ambulatorial em saúde e saúde mental no Brasil. A CONASP "possibilitou a implementação gradativa em todo país do Modelo Sanitarista das Ações Integradas de Saúde" que desaguaram mais tarde no Sistema Único de Saúde (SUS). (VASCONCELOS, 2000, p.24). Alguns objetivos da política de saúde do MSTM foram: Expansão da rede ambulatorial em saúde; Humanização dos asilos; Não criação de novos leitos nos hospitais psiquiátricos; Regionalização das ações de saúde mental e reinserção social dos pacientes. A nova proposta de Política de Saúde Mental da Nova República, de 1985, mostrava que a crítica de quinze anos atrás, não mudou a política de financiamento de internações: dos recursos gastos pelo lNAMPS em serviços psiquiátricos contratados junto às clínicas privadas, 81,96% se destinavam à área hospitalar e 4% 23 se destinava à assistência ambulatorial. (LEAL, 2000, p.12). A década de 80 teve três processos importantes para a consolidação da reforma: a ampliação dos atores sociais envolvidos no processo, a iniciativa de reformulação legislativa e o surgimento de experiências institucionais bem sucedidas no campo de cuidados em saúde mental. Em 1986, criou-se os ERSAS (Escritórios Regionais de Saúde) com proposta de desenvolver trabalhos com doentes mentais, em centros de saúde e ambulatórios, contando com apoio de uma equipe multiprofissional e também fazendo com que a família assumisse a doença como sua responsabilidade. Em 1987, ocorreu a I Conferência Nacional de Saúde Mental e o posterior II Encontro Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental, realizado em Bauru, poucos meses mais tarde. Com a I Conferência, a trajetória da reforma sanitarista alcançou em parte sua finalidade, ou seja, de transformar o sistema de saúde, dando início à trajetória da desconstrução no cotidiano das instituições e também na sociedade, das várias maneiras de como lidar com a loucura. É o processo de desinstitucionalização. No II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, foi criado o movimento anti-manicomial, levantando-se a bandeira "Por uma Sociedade sem Manicômios", lutando pela implementação de serviços substitutivos ao do hospital convencional. "Substituir uma psiquiatria centrada no hospital por uma psiquiatria sustentada em dispositivos diversificados, abertos e de natureza comunitária ou territorial, esta é a tarefa da reforma psiquiátrica" (TENÓRlO, 2002, p.35). Com todo esse movimento, para conquistar em lei o direito de pleno exercício de cidadania ao doente mental, e para reestruturação da assistência à saúde mental com bases mais humanas, que em 1989, o deputado Paulo Delgado apresentou o 24 projeto lei n° 3.657, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, por acordo de lideranças, em 14-12-1990. O projeto lei propunha a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos, com artigos sobre o impedimento da construção ou da contratação de novos hospitais psiquiátricos pelo poder público; direcionamento das verbas públicas para criação de recursos anti-manicomiais e a obrigação de comunicar as internações compulsórias à autoridade judiciária. Este projeto contribuiu muito para o crescimento da consciência crítica quanto à atual situação psiquiátrica brasileira, dando abertura para debates sobre o pensamento anti-manicomial entre todos os segmentos da sociedade civil. Também em 1989, em Santos, inicia-se um novo tipo de cuidados em saúde mental. Essa experiência nasceu devido à intervenção pública realizada pela nova administração municipal que foi assumida pelo Partido dos Trabalhadores, na Casa de Saúde Anchieta. A clínica Anchieta mantinha convênio com o INAMPS, apesar de ser uma clínica particular e assumia toda demanda da região. Devido a várias denúncias de morte, superlotação, houve desapropriação por razões de utilidade pública e para acabar de vez com o manicômio, implementou-se um Programa de Saúde Mental organizado em tomo dos Núcleos de Atenção Psicossocial, ou seja, os Naps. Os Naps "são estruturas abertas, regionalizadas, com responsabilidade por toda demanda da região, independentemente de sua gravidade, oferecendo cuidados 24 horas por dia, inclusive acolhimento do tipo intenação, cada unidade dispondo de seis leitos, aproximadamente" (LEAL, 1994, p.84). Em São Paulo, experiências importantes também surgiram, relacionadas com exemplos do novo paradigma de cuidados em saúde mental, como o Caps (Centro de Atenção Psicossocial). O Caps é um serviço em que o paciente passa o dia, á 25 noite volta para sua casa, ou seja, é um serviço de atendimento dia. Funcionam oito horas por dia, cinco dias. Portanto, o paciente pode freqüentar os Caps todos os dias da semana, se for preciso, articulando-se com várias atividades terapêuticas e contando com o apoio de uma equipe multiprofissional. O Caps e o Naps foram regulamentados pelo Ministério da Saúde, em 1991, pela portaria 189 e em 1992 pela portaria 224. A portaria 224 divide o atendimento de saúde mental em hospitalar e ambulatorial. "O atendimento hospitalar compreende a internação e a semiinternação, esta última na forma dos hospitais dia" (TENÓRIO, 2002, p.41) e "o atendimento ambulatorial compreende o ambulatório propriamente dito e os Caps e os Naps, considerados ambulatoriais no sentido mais amplo, à medida que nãohospitalares, mas distintos do ambulatório como estrutura específica" (TENÓRIO, 2002, p.42). De acordo com o Ministério da Saúde/ Brasil (1994), os Naps e os Caps são unidades de saúde locais ou regionais que contam com a população adescrita pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar em um ou dois turnos de quatro horas, por equipe multiprofissional e pela regulamentação legal, devem oferecer os seguintes atendimentos: Atendimento individual; Atendimento grupal (psicoterapia, grupo operativo, oficina terapêutica, atividades sócio-terápicas); Visitas domiciliares; Atendimento à família; Atividades comunitárias, enfocando a integração do doente mental na comunidade e sua reinserção social. Paralelos ao processo de desospitalização, foram abertos em todo país, mais de dois mil leitos psiquiátricos em hospitais gerais e 200 serviços de atenção psicossocial, segundo a análise de Vasconcelos, em 1996, indicando o processo de 26 substituição gradativa da assistência psiquiátrica com base em internações para assistência baseada em serviços abertos. (Naps, Caps, Hospitais-Dia). Em Dezembro de 1992, é realizada a II Conferência Nacional de Saúde Mental, e é considerado um marco histórico da reforma psiquiátrica brasileira. Nessa conferência, houve uma participação intensa de dois segmentos: usuários e sociedade civil, governos e prestadores de serviços e no final da conferência, o relatório foi publicado pela Organização Mundial de Saúde e adotado no Brasil como diretriz oficial de reestruturação da atenção em saúde mental. São estabelecidos ali dois marcos conceituais: ação integrada e cidadania. Em geral, o modelo de atenção em saúde mental propunha responsabilidade como forma de "ruptura com o modelo hospitalocêntrico" e de garantir "o direito dos usuários à assistência e à recusa de tratamento, bem como a obrigação abandonálos a própria sorte" (Ministério da Saúde/ Brasil, 1994, p.22). O relatório também pedia a implementação de programas de atenção saúde mental, na perspectiva da municipalização, já prevista em lei. No governo de Fernando Henrique Cardoso, efetiva-se uma política neoliberal, assim, no plano federal, surge um bloqueio às tentativas de avanço reforma através de novas portarias de serviços e também há uma diminuição lideranças políticas da Coordenação de Saúde Mental no Ministério da Saúde. Em 1999, Ana Pitta entra na coordenação de saúde mental, com o cargo de direção. Avanços foram conquistados, como a legislação federal se cooperativas sociais, incluindo o trabalho de indivíduos dependentes e também portaria do Ministério da Saúde sobre os serviços residenciais terapêuticos (VASCONCELOS, 2000). Pela extinção progressiva dos manicômios, hospícios e hospitais psiquiátricos, o Ministério da Saúde editou 11 portarias que em seu conjunto 27 constituem uma estrutura normativa importante, tanto para o controle dos hospitais psiquiátrico no país quanto para o incentivo à criação de dispositivos de novos tipos, que dependiam uma nova sistemática de financiamento público (Ministério da Saúde/Brasil, 2000). Além do Caps e do Naps, do qual já citamos anteriormente e representam avanços para consolidação das práticas no processo extra hospitalar, existe também os Hospitais-Dia, Hospitais-Noite e Pensão Protegida, Centro de Convivência Lar Abrigado. Os Hospitais-Dia são destinados para casos onde o paciente necessita de tratamento e acompanhamento intensivos, sendo intermediário entre a internação e o acompanhamento ambulatorial, pois permite um acompanhamento do paciente ao mesmo tempo em que não o retira do convívio familiar. Visa a interação social do paciente. Os Hospitais-Noite e Pensão Protegida são hospitais onde ocorre sistema inverso ao do Hospital Dia, pois o paciente tem algum tipo de trabalho, porém não tem condições de morar sozinho ou junto aos familiares, então dispõe de um local para morar ou passar o fim de semana, sob supervisão. No Brasil, existem pouquíssimos hospitais noite e pensões protegidas em funcionamento. Centro de Convivência é um local, um espaço público, de livre acesso, aberto a todos, em particular a pacientes com transtornos mentais, para se beneficiarem com atividades ali desenvolvidas. Serviços Residenciais Terapêuticos, também conhecidos como lares abrigados, são casas inseridas na comunidade para pacientes moradores do hospital psiquiátrico, que já estão internados há muito tempo e que não possuem laços familiares e suporte social, a fim de viabilizar sua reinserção social. É uma 28 moradia assistida, porém fora do ambiente hospitalar, pois contam com assessoria técnica em seu processo de reabilitação psicossocial. É uma forma de auxílio para que eles possam reconstruir suas vidas, garantindo assim o exercício de cidadania. Além disso, de acordo com a portaria 106, do Ministério da Saúde, cada transferência de paciente do hospital psiquiátrico especializado para o serviço de residência terapêutica, deve se reduzir ou descredenciar do SUS igual número de leitos naquele hospital, realocando-se o recurso correspondente. Na portaria, o fechamento de leito se dá como conseqüência da efetivação de vaga em residência terapêutica. Não se trata de diminuir o cuidado, mas sim de melhorá-lo. No âmbito legislativo, é aprovado em janeiro de 2000 um projeto substitutivo ao projeto lei de Paulo Delgado, pois este enfrentava muitas dificuldades no Senado. O novo projeto, mais ameno tinha por autoria o senador Sebastião Rocha e era ambíguo quanto ao papel da regulamentação da internação e também autorizava a construção de novos hospitais e a contratação de novos leitos em hospitais psiquiátricos, nas regiões que não existia estrutura assistencial. O projeto voltou a Câmara dos Deputados e conseguiu retirar o artigo referente à construção de novos hospitais psiquiátricos e a contratação de novos leitos. Dessa forma, a lei foi finalmente aprovada e foi considerada pelos lutadores da reforma um passo a frente. O avanço da reforma psiquiátrica brasileira, na década de 1990, prossegue nos primeiros anos da presente década, finalmente com a aprovação da Lei da Saúde Mental, em abril de 2001. 29 4 A RELAÇÃO ENTRE A REFORMA SANITÁRIA E A REFORMA PSIQUIÁTRICA O movimento de reforma sanitária tem influência constitutiva no movimento de reforma psiquiátrica. Nos primeiros anos da década de 80 os dois movimentos se unem, ocupando os espaços públicos de poder e de tomada de decisão como forma de introduzir mudanças no sistema de saúde. “A Proposta da Reforma Sanitária Brasileira representa, por um lado, a indignação contra as precárias condições de saúde, o descaso acumulado, a mercantilização do setor, a incompetência e o atraso e, por outro lado, a possibilidade da existência de uma viabilidade técnica e uma possibilidade política de enfrentar o problema”. (Arouca, 1988, p.2) Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde, foi um marco para a realização desse processo, na qual o movimento “... assumiu definitivamente a bandeira da descentralização, pleiteando a criação de um sistema único de saúde universal, igualitário, participativo, descentralizado e integral”. (Conferência Nacional de Saúde, 1987 apud PAIM, 1998, p.9) A partir daí foram tomadas várias iniciativas para o alcance desse objetivo como a Constituição Federal Brasileira, promulgada, em 5 de outubro de 1988. Esta possui uma seção exclusiva para a questão da saúde (Art.196 a Art. 200) na qual se consolida a universalização da assistência, a integralidade da atenção à saúde realizada por ações de promoção, prevenção, cura e reabilitação -, o reconhecimento do direito e necessidade da participação da comunidade na gestão do sistema - através do Conselho de Saúde -, a hierarquização, a eqüidade e a descentralização do sistema - com comando único em esfera de governo. Um modelo de atenção coerente com as diretrizes da Constituição pressupõe o fortalecimento do poder público, capacitando-o a implementar políticas de impacto 30 articuladas e integradas nas diversas áreas, buscando melhoria na qualidade de vida. A saúde, dessa forma, passa a ser entendida de forma ampla, determinada socialmente e, portanto, como sendo fruto de políticas de governo que promovam condições adequadas de vida ao conjunto da população. Este modelo não é viável através de uma política de Estado mínimo, mas da descentralização e da configuração de um verdadeiro poder local de caráter público e, portanto, permeável ao controle por parte da população. Todos esses avanços foram originados pelo movimento de Reforma Sanitária. Ao mesmo tempo em que o movimento de reforma psiquiátrica se articula ao de Reforma Sanitária, ele continua com suas atividades questionadoras e transformadoras. 5 O MOVIMENTO DE LUTA ANTIMANICOMIAL Na década de 80, ocorrem vários encontros, de preparação para a I Conferência Nacional de Saúde Mental (I CNSM), que ocorreu em 1987 e recomenda a priorização de investimentos nos serviços extra-hospitalares e multiprofissionais como oposição à tendência hospitalocêntrica. No final de 1987 realiza-se o II Congresso Nacional do MSTM em Bauru, no qual se concretiza o Movimento de Luta Antimanicomial e é construído o lema ‘por uma sociedade sem manicômios’. Nesse congresso amplia-se o sentido políticoconceitual acerca do antimanicomial. “Enfim, a nova etapa (...) consolidada no Congresso de Bauru, repercutiu em muitos âmbitos: no modelo assistencial, na ação cultural e na ação jurídico-política. No âmbito do modelo assistencial, esta trajetória é marcada pelo surgimento de novas modalidades de atenção, que passaram a representar 31 uma alternativa real ao modelo psiquiátrico tradicional...” (Amarante, 1995:82) Nesta trajetória é construído o Projeto de Lei 3.657/89, conhecido como Lei Paulo Delgado, que contém três pontos: detém a oferta de leitos manicomiais financiados com dinheiro público, redireciona os investimentos para outros dispositvos assistenciais não-manicomiais e torna obrigatória a comunicação oficial de internações feitas contra a vontade do paciente oferecendo: “(...) pela primeira vez um instrumento legal de defesa dos direitos civis dos pacientes”.(BEZERRA, 1992, p. 36). Em 1990, a conferência ‘Reestruturación de la Atención Psiquiátrica en la Región’, promovida pelas Organizações Panamericana e Mundial de Saúde (OPS/OMS), Caracas, proclama a necessidade premente de reestruturação imediata da assistência psiquiátrica pela adequação das legislações dos países de forma que “(...) assegurem o respeito dos direitos humanos e civis dos pacientes mentais e promovam a reorganização dos serviços que garantam o seu cumprimento”. (CRP, 1997, p. 26). Essa conferência tem como ponto principal demarcar a crescente tendência internacional de superação dos velhos modelos de psiquiatria e reforma psiquiátrica. Além da Conferência de Caracas, há um outro documento político adotado pela Organização das Nações Unidas: “Princípios para a proteção de pessoas com problemas mentais e para a melhoria da Assistência à Saúde Mental”, que visa assegurar os direitos da pessoa portadora de sofrimento mental, tratando-a, dessa forma, como cidadã. 32 6 OS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL SUBSTITUTIVOS AO MODELO MANICOMIAL No campo da assistência, a Portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992 do Ministério da Saúde estabelece as diretrizes para o atendimento nos serviços de saúde mental, normatizando vários serviços substitutivos como: atendimento ambulatorial com serviços de saúde mental (unidade básica, centro de saúde e ambulatório), Centros e Núcleos de atenção psicossocial (CAPS/NAPS), HospitalDia (HD), Serviço de urgência psiquiátrica em hospital-geral, leito psiquiátrico em hospital-geral, além de definir padrões mínimos para o atendimento nos hospitais psiquiátricos, até que sejam totalmente superados. A Portaria nº 106, de 11 de fevereiro de 2000(3), cria os Serviços Residenciais Terapêuticos em saúde mental para pacientes de longa permanência em hospitais psiquiátricos. Além desses serviços, existem os Centros de Convivência, as Cooperativas de Trabalho, dentre e outros criados por municípios. Assim como os outros tipos de serviços substitutivos, eles “... têm garantido a população dos municípios onde se localizam um atendimento mais humano, sem exclusão e com resolubilidade”. (CRP, 1997, p. 4) Assim, os paradigmas da reforma psiquiátrica são sustentados por conferências, documentos e portarias, que versam sobre a substituição progressiva do hospital psiquiátrico por uma rede de atenção integral à saúde mental antimanicomial, sobre o desmonte do aparato jurídico-institucional que legitima a 33 instituição manicomial e o enfrentamento da cultura manicomial, ressignificando a loucura. É uma luta intensa que enfrenta grandes interesses lucrativos do setor privado e mudanças culturais a cerca da tolerância frente às diferenças do humano, em suas diversas dimensões, e de suas inúmeras relações. A menina-dos-olhos do Ministério da Saúde, no que se refere à assistência em saúde mental, são os Caps. Na prática, esse tipo de centro de tratamento já existe desde 1987, com a inauguração da unidade Luís da Rocha Cerqueira, em São Paulo, conhecida como Caps Itapeva. Porém, só em fevereiro de 2002, por meio da portaria nº 336 do ministério, é que se normatizaram as características desse serviço. Em um Caps, assim como no HD, o portador de transtorno mental passa o dia ocupado com atividades variadas, além de ser medicado. Também é atendido por uma equipe multiprofissional. A internação só ocorre em casos muito graves, durante um período suficiente para o controle da crise. De acordo com a portaria, foram criados os Caps I, II e III. A diferença está na complexidade da estrutura da instituição e em sua abrangência populacional. O Caps I foi pensado para pequenas localidades, sem muita demanda por serviços na área de saúde mental. Já a segunda modalidade tem um corpo de profissionais um pouco maior e pode, se necessário, receber pacientes em três turnos diários. O único que possui leitos para internação e que, por isso, deve funcionar 24 horas é o Caps III. Existem ainda outros dois tipos: um destinado ao atendimento de viciados em álcool e drogas, e outro para crianças e adolescentes. A solução para a reforma da assistência à saúde mental enfrenta ainda outros entraves. O Ministério da Saúde assegura uma verba fixa apenas para a construção 34 de Caps, através Estratégicas e Compensatórias (Faec). "Há dois problemas com o Faec. O dinheiro barganhado ano a ano, e as prefeituras deixam de investir em outros serviços, pois já existe a verba destinada aos Caps", explica Merval Figueiredo. Sem o desenvolvimento de outras unidades, cresce o medo de que os Caps se transformem em outra instituição total, como foi o hospital psiquiátrico no passado. Dessa forma, a assistência, ao deixar de ser centrada no hospital, tenderia a tomar como eixo os Caps. "O problema do manicômio não está nas paredes. Pode-se reproduzi-lo em uma unidade aberta", conclui Sandra Fischetti, diretora do Caps Itapeva. 6.1 RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS Outra alternativa à internação hospitalar são as residências terapêuticas. De acordo com a portaria nº 106/2000, do Ministério da Saúde, elas constituem moradias ou casas, preferencialmente inseridas na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais egressos de internações psiquiátricas de longa permanência (moradores) que não possuam suporte social e familiar. Tais residências pretendem viabilizar a reinserção social desses pacientes. O Centro de Reabilitação de Casa Branca, no interior de São Paulo, por exemplo, conta com 609 pacientes moradores, dentre os quais 170 residem em casas localizadas tanto dentro quanto fora da instituição. A maioria é de idosos que precisam de cuidados clínicos e psiquiátricos. Depois de ter alta da internação, os moradores começam a freqüentar o ambulatório do hospital e o Caps. 35 A transferência dos leitos do hospital para as casas exige um demorado trabalho para gerar autonomia, principalmente no trato com a higiene pessoal. Há também um processo de aprendizado para o gerenciamento de um orçamento doméstico. Os resultados às vezes impressionam os profissionais do centro; certos casos caminham rapidamente para a alta. A convivência em ambiente menos hermético contribui para a melhora dos pacientes e já levou até à formação de casais. Antônio Theodoro, de 78 anos, e Natalina Bueno, de 51, se conheceram em uma das oficinas do centro e se apaixonaram. Cerca de sete meses depois, casaram-se. A cerimônia aconteceu no centro de Casa Branca, com a igreja lotada. Hoje, o casal mora em uma das residências, recém-pintada e com eletrodomésticos e móveis novos – tudo bancado pelo hospital. O sonho da diretoria é transformar o centro de reabilitação em um espaço da comunidade. Como a política é de diminuição de leitos, o terreno do hospital seria aberto e abrigaria as casas, já livres da intervenção hospitalar. No Centro Hospitalar Philippe Pinel, que aderiu à prática das residências terapêuticas, elas são chamadas de lares abrigados. Dos 70 moradores, 30 estão alocados em casas, e os demais participam do programa de reabilitação social. Patrícia e Wilma moram juntas com mais duas colegas. Elas limpam, cozinham e tomam conta de sua casa. Às vezes, saem dos limites do Pinel para ir ao supermercado ou passear. Mas suas vidas ainda estão atreladas ao hospital. "É preciso devolver os pacientes moradores à sociedade", afirma Guidolin. Entretanto, isso não significa apenas desospitalizar. A tarefa mais árdua é a desinstitucionalização, ou seja, fazer com que o portador de transtorno mental consiga viver sem a tutela e os recursos de um hospital. 36 A tentativa de recuperação da sociabilidade dos pacientes moradores ainda esbarra no forte vínculo com a instituição que os abriga, principalmente pelo fato de as residências terapêuticas estarem dentro dos limites do hospital. Além disso, eles precisam do apoio de profissionais que os visitam semanalmente para orientá-los na administração de seu lar. 37 CAPÍTULO II 1 DESINSTITUCIONALIZAÇÃO DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO Um dos maiores desafios que o Brasil enfrenta atualmente, na área da saúde, é a consolidação da reforma psiquiátrica. As mudanças mais significativas ocorreram em 2001, com a aprovação da lei 10.216, que rege a saúde mental. Até bem pouco tempo atrás, não eram raras as instituições que mais pareciam um depósito humano do que local de tratamento. Hoje, a ordem do Ministério da Saúde é repensar o modelo de atendimento, criando serviços alternativos aos manicômios, como os centros de atenção psicossocial (Caps), hospitais-dia (HD), ambulatórios e leitos em hospitais gerais. O objetivo é permitir que pessoas com problemas psíquicos não sejam alijadas do convívio social. O Brasil seguiu a trilha das reformas psiquiátricas realizadas em outros países. Dentre todas, a maior inspiração vem da Itália. Lá, as mudanças nessa área começaram na década de 60, orientadas por Franco Basaglia, em Trieste. Ele propunha a transferência do atendimento para a comunidade e o esvaziamento dos hospitais, com a abolição dos métodos tradicionais de isolamento dos portadores de transtornos (LOPES; BARROS, 2003). Os princípios da reforma italiana encontraram terreno fértil no Brasil. Em 1987, surgiu o Movimento da Luta Antimanicomial (MLA), como fruto do 2º Encontro Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental. Atualmente se recomenda a internação em último caso, depois de esgotadas todas as opções de serviços abertos. E, mesmo depois de consumada, o 38 período máximo é de 40 dias, renováveis por mais 30, suficientes para o controle da crise. Dessa forma, o que preocupa, é que muitos pacientes retornaram para as instituições psiquiátricas e permaneceram internados cronicamente e outros nem chegaram a sair de lá. Constituem os chamados “crônicos” ou “moradores”, sendo que lá envelheceram e hoje se encontram em situação diferente daquela que apresentavam quando foram internados anos atrás. Muitos foram perdendo os vínculos com o mundo exterior, pelas rupturas familiares e pelo abandono Esses pacientes idosos precisam ser estudados, pois têm peculiaridades ocasionadas pelo longo tempo de permanência nas unidades psiquiátricas, longe do convívio social. (CANINEU, 2001). Reintegrá-los à sociedade é a parte mais difícil da reforma psiquiátrica. Os hospitais psiquiátricos são responsáveis pela cisão entre aqueles que estão ligados à política de saúde mental no Brasil. Os integrantes da causa antimanicomial querem sua extinção e, em contrapartida, a expansão dos serviços alternativos e comunitários. Porém, para o diagnóstico de demência, há necessidade de uma sistematização clínica: História clínica – com um membro da família ou outro cuidador que esteja familiarizado com o paciente; Avaliação cognitiva com realização de testes para cada um dos vários aspectos da cognição: memória, linguagem, habilidades motoras, habilidade construcional, atenção, julgamento e pensamento abstrato. Estes constituem os testes chamados neuropsicológicos; Exame físico geral, neurológico e psiquiátrico; Investigação laboratorial: entre outros exames, T3, T4 e TSH; dosagem da vitamina B12 plasmática, ácido fólico e outros exames bioquímicos; Investigação por imagens: tomografia computadorizada do cérebro, 39 ressonância nuclear magnética, PET e SPECT. A repetição das avaliações em vários meses sucessivos se o diagnóstico ficou incerto (CANINEU, 2001). O Estado de São Paulo possui oito grandes hospitais psiquiátricos de autarquia Estadual. São eles: Água Funda, Pinel, na grande São Paulo; Juqueri em Franco da Rocha; Hospital Psiquiátrico de Botucatu e Centro de Reabilitação de Casa Branca; CAIS Santa Tereza em Ribeirão Preto; CAIS Santa Rita do Passa Quatro; CAIS Clemente Ferreira situado em Lins Essas instituições têm em comum o fato de abrigarem pacientes psiquiátricos em sistema de moradia. Isso explica as grandes dimensões territoriais desses hospitais e sua disposição em alas (pavilhões) de acordo com sexo, patologia, grau de comprometimento físico e mental. O fato de o paciente psiquiátrico fixar moradia dentro dessas instituições faz com que as mesmas criem outros serviços não essenciais do ponto de vista assistencial, porém fundamentais para a manutenção do modelo vigente. Esses anexos demandam um contingente maior de funcionários que somados as suas grandes dimensões territoriais tornam sua manutenção extremamente dispendiosa. Com a prática da desinstitucionalização do paciente psiquiátrico e a não admissão de novos internos força a abertura de novos serviços dentro dessas instituições a fim de se aproveitar a estrutura física existente bem como os recursos humanos, já que os mesmos são funcionários públicos concursados e possuem estabilidade de emprego. Através de uma mudança de organograma algumas dessas instituições receberam a denominação de CAIS - Centro de Atenção à Saúde. 40 Após a abertura por parte dos mesmos de outros serviços (que não psiquiátricos) destinados a população geral. São exemplos desse modelo: CAIS Clemente Ferreira em Lins; CAIS Santa Tereza em Ribeirão Preto e CAIS Santa Rita do Passa Quatro. No caso da CRCB recomendou-se a abertura de um serviço destinado a população idosa (acima dos 60 anos). No início do século passado, muitos hospitais psiquiátricos eram depósitos de pessoas excluídas e marginalizadas, como mendigos, alcoólatras, prostitutas, menores criminosos e, obviamente, portadores de transtornos mentais. Esses lugares ficavam longe dos centros urbanos, "pois cumpriam a função de afastar aqueles que perturbavam a ordem estabelecida", Os espaços das colônias de hansenianos e tuberculosos, também distantes das grandes aglomerações urbanas, deram lugar a hospitais psiquiátricos a partir da segunda metade do século 20. O Complexo do Juquery também é um exemplo dessa política de isolamento. Atualmente, além da área psiquiátrica, ele abriga uma rede inteira de saúde, com pronto-socorro e hospital de clínicas, que assiste a uma população de mais de 400 mil habitantes. No final da década de 60, chegou a abrigar extra-oficialmente 17 mil pessoas. Não é difícil imaginar que faltassem cuidados básicos para os pacientes. Um relatório da própria instituição registra que, nessa época, houve o "confinamento progressivo dos internos nos pavilhões e clínicas. Desde então, passaram a ser comuns os escândalos na imprensa, com denúncias de maus-tratos e desvios de verbas". Excluídos e em regime asilar, os pacientes dos manicômios ficaram esquecidos por décadas, até que se propôs uma reforma no fim dos anos 80 transtornos. Além de residir em antigas instalações, ser vítima de preconceito social e alvo de graves problemas econômicos, a maioria dos moradores não tem contato 41 com suas famílias. Por mais que recuperem a autonomia, perdida durante os anos de internação, poucos poderão voltar à convivência da qual foram privados. (LOPES; BARROS, 2003). O Caism da Santa Casa de São Paulo é um caso à parte. Ali o atendimento é feito em instalações novas e livres de grades e cadeados. Além disso, não há pacientes moradores, mas sim pessoas com quadro agudo e os freqüentadores do HD. A infra-estrutura se assemelha à de um hospital geral, com paredes claras, pé-direito baixo e quartos com duas ou três camas. Para manter o alto padrão, a instituição utiliza outras verbas além daquela recebida do SUS. Outra alternativa à internação hospitalar são as residências terapêuticas. De acordo com a portaria nº 106/2000, do Ministério da Saúde, elas constituem moradias ou casas, preferencialmente inseridas na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais egressos de internações psiquiátricas de longa permanência (moradores) que não possuam suporte social e familiar. Tais residências pretendem viabilizar a reinserção social desses pacientes. A transferência dos leitos do hospital para as casas exige um demorado trabalho para gerar autonomia, principalmente no trato com a higiene pessoal. Há também um processo de aprendizado para o gerenciamento de um orçamento doméstico. No Centro Hospitalar Philippe Pinel, que aderiu à prática das residências terapêuticas, elas são chamadas de lares abrigados. Dos 70 moradores, 30 estão alocados em casas, e os demais participam do programa de reabilitação social. Patrícia e Wilma moram juntas com mais duas colegas. Elas limpam, cozinham e tomam conta de sua casa. Às vezes, saem dos limites do Pinel para ir ao supermercado ou passear. Mas suas vidas ainda estão atreladas ao hospital, isso não significa apenas desospitalizar. A tarefa mais árdua é a desinstitucionalização, 42 ou seja, fazer com que o portador de transtorno mental consiga viver sem a tutela e os recursos de um hospital (LOPES; BARROS, 2003). A tentativa de recuperação da sociabilidade dos pacientes moradores ainda esbarra no forte vínculo com a instituição que os abriga, principalmente pelo fato de as residências terapêuticas estarem dentro dos limites do hospital. Além disso, eles precisam do apoio de profissionais que os visitam semanalmente para orientá-los na administração de seu lar. O caso específico do Centro de Casa Branca, em virtude da experiência do atendimento de pacientes em idade geriátrica optou-se pela abertura de um serviço destinado a população idosa. 2 A SEGREGAÇÃO E ALIENAÇÃO DE PESSOAS IDOSAS As razões que justificam o aumento na proporção de idosos e também o aumento da expectativa de vida média da população brasileira resultam dos menores índices de mortalidade e fecundidade encontrados atualmente, além de outros fatores como a descoberta dos antibióticos, dos medicamentos eficazes no tratamento e controle das doenças crônico-degenerativas e do avanço nas técnicas de diagnóstico precoce de doenças, permitindo tratamento mais rápido e eficaz e melhora da qualidade de vida. Um exemplo típico dessa transição demográfica é o aumento da longevidade da população; um brasileiro nascido durante a Segunda Guerra Mundial tinha como expectativa de vida ao nascer, 39 anos de idade, sendo que atualmente, essa 43 expectativa saltou para aproximadamente 68 anos, devendo ainda, aumentar nas próximas décadas (RAMOS, 2003, BARBOSA; BARBOSA, 2002). Embora muitas pessoas da faixa etária de 60 anos possam levar uma vida independente e saudável, há um desafio lançado aos profissionais para cuidarem da saúde dos idosos, particularmente aqueles com limitações socioeconomicoculturais, pois o conhecimento de técnicas e abordagens de tratamento nessa população ainda é escasso. Mudanças nos paradigmas do mundo neocapitalista ocidental também precisa ser enxergada, pois há nessa sociedade um culto à desvalorização dos idosos, considerados em termos econômicos como improdutíveis e desnecessários. Esse conjunto de situações resulta no abandono e marginalização desses indivíduos, não somente pela sociedade, como também, muitas vezes, pelos seus próprios familiares, agravando ainda mais o quadro caótico em que se encontra a população idosa. Sendo assim, as estimativas de crescimento do número de idosos exigirão planejamentos adequados que justificarão a assistência, o controle e manutenção da saúde desses indivíduos contando com a integração de profissionais de diferentes áreas para administrar os processos em saúde promovendo assim, maior qualidade de vida à população durante seu envelhecimento. Em estudo realizado no município de São Paulo, foi observado que características socioeconômicas e demográficas relativas à saúde como ser do sexo feminino, ter baixo nível de escolaridade, ser aposentado e/ou dona de casa, ter percepção ruim da sua saúde, se associaram à dependência moderada/grave, 44 sugerindo uma complexa rede causal do declínio da capacidade funcional (ROSA, 2003). Em nosso meio, a institucionalização tem sido quase sempre o único recurso das famílias, já que faltam meios alternativos de atenção ao idoso. 3 O IDOSO NA REGIÃO DA DRS-XIV Na região de São João da Boa Vista, composta por vinte e um municípios, a população de idosos com mais de 60 anos representa 10,5% do total de habitantes (IBGE, censo de domicílios e habitantes por faixa etária; contagem para os anos intercensitarios). Na tabela 1 encontra-se demonstrado o número de habitantes, por faixa etária, acima de 60 anos em 2004 (ano da primeira discussão com a DRS-XIV), e na tabela 2 a mesma estatística para o ano de 2007. Observa-se a manutenção do mesmo percentual em ambos, e ainda, que existam municípios próximos de Casa Branca (inclusive) com percentuais acima de 10% o que significa que a região um índice maior do que o previsto pela OMS (5,2% para maiores de 65 anos). Embora os percentuais permaneçam estáveis, os números absolutos da população idosa apresentam um aumento de um período para outro. 45 Tabela 1 - Percentual de Idosos na População da DRS-XIV, POR FAIXA ETARIA, 2004. MUNICÍPIO pop.total 60-64 65-69 70-74 75-79 80-+ total % 30.154 887 825 624 409 318 3.063 10,2 7.306 290 289 264 143 133 1.119 15,3 Caconde 18.822 629 511 395 274 268 2.077 11 Casa Branca 27.403 937 828 758 463 439 3.425 12,5 Divinolândia 12.101 426 370 271 165 143 1.375 11,4 Espirito Santo do Pinhal 41.815 1.478 1.245 1.024 619 546 4.912 11,7 9.739 264 206 162 98 52 782 8 66.130 2.279 1.923 1.564 972 1.026 7.764 11,7 Aguaí Águas da Prata Estiva Gerbi Itapira Itobi 7.742 233 201 176 105 99 814 10,5 68.496 2.188 1.818 1.375 858 883 7.122 10,4 133.737 3.815 2.889 2.040 1.366 1.151 11.261 8,4 Moji-Mirim 88.242 2.680 2.211 1.777 1.096 1.066 8.830 10 Santa Cruz das Palmeiras 27.071 817 595 490 281 263 2.446 9 Santo Antonio do Jardim 6.343 209 188 146 102 85 730 11,5 São João da Boa Vista 80.725 2.883 2.438 2.027 1.222 1.099 9.669 12 São José do Rio Pardo 52.306 1.684 1.430 1.189 790 753 5.846 11,2 São Sebastião da Grama 12.716 413 321 297 155 135 1.321 10,4 Tambaú 23.230 773 612 499 303 291 2.478 10,7 Tapiratiba 13.405 440 343 253 179 146 1.361 10,2 Vargem Grande do Sul 38.472 1.276 1.032 864 524 415 4.111 10,7 Mococa Mogi-Guaçu 10,5 TOTAL 765.955 24.601 20.275 16.195 10.124 9.311 80.506 Fonte: IBGE – Censos Demográficos e Contagem Populacional; para os anos intercensitários, estimativas preliminares dos totais populacionais, estratificadas por idade e sexo pelo Ministério da Saúde/SE/Datasus. 46 Tabela 2 - Percentual de Idosos por Faixa Etária, DRS-XIV, 2007. MUNICÍPIO Aguaí Águas da Prata Caconde Casa Branca Divinolândia Espirito Santo do Pinhal Estiva Gerbi Itapira Itobi Mococa Mogi-Guaçu Moji-Mirim Santa Cruz das Palmeiras Santo Antonio do Jardim São João da Boa Vista São José do Rio Pardo São Sebastião da Grama Tambaú Tapiratiba Vargem Grande do Sul TOTAL pop.total* 32.304 7.504 19.313 28.066 12.186 43.288 10.711 69.155 8.045 71.701 144.177 95.687 28.735 6.548 84.396 54.756 13.005 24.302 13.912 40.854 60-64 950 298 645 959 429 1.530 290 2.383 243 2.291 4.113 2.906 867 216 3.014 1.763 423 809 457 1.355 65-69 883 297 524 848 372 1.289 226 2.011 209 1.904 3.115 2.397 632 194 2.549 1.497 328 640 356 1.096 70-74 668 271 406 776 273 1.060 178 1.636 183 1.439 2.199 1.927 521 151 2.119 1.244 304 522 262 917 75-79 438 147 282 474 166 641 108 1.017 109 898 1.473 1.189 298 105 1.277 827 159 317 186 556 80-+ 340 137 275 449 144 566 57 1.073 102 924 1.241 1.156 279 87 1.149 788 138 305 152 441 total 3.279 1.150 2.132 3.506 1.384 5.086 859 8.120 846 7.456 12.141 9.575 2.597 753 10.108 6.119 1.352 2.593 1.413 4.365 % 10,2 15,3 11 12,5 11,4 11,7 8 11,7 10,5 10,4 8,4 10 9 11,5 12 11,2 10,4 10,7 10,2 10,7 808.645 25.941 21.367 17.056 10.667 9.803 84.834 10,5 Fonte: IBGE – Censos Demográficos e Contagem Populacional; para os anos intercensitários, estimativas preliminares dos totais populacionais, estratificadas por idade e sexo pelo Ministério da Saúde/SE/Datasus. Observa-se a manutenção do mesmo percentual em ambos, e ainda, que existam municípios próximos de Casa Branca (inclusive) com percentuais acima de 10% o que significa que a região um índice maior do que o previsto pela OMS (5,2% para maiores de 65 anos). Embora os percentuais permaneçam estáveis, os números absolutos da população idosa apresentam um aumento de um período para outro. As tabelas 3 e 4, demonstram o percentual por município da população de idosos do sexo masculino e feminino, evidencia-se maior percentual de mulheres idosas na região, conforme perfil estatístico apurado no restante do Estado e no País. 47 Tabela 3 - População Masculina Por Faixa Etária, DRS-XIV, 2007. 32.304 7.504 19.313 28.066 12.186 43.288 10.711 69.155 8.045 71.701 144.177 95.687 28.735 6.548 84.396 54.756 13.005 24.302 13.912 40.854 60-64 447 140 339 540 220 727 151 1.162 111 1.139 2.029 1.402 444 104 1.427 846 228 403 234 673 65-69 404 131 278 453 191 579 111 926 120 909 1.540 1.121 323 97 1.180 715 156 325 189 511 70-74 314 120 188 405 134 515 85 738 80 667 1.081 863 230 69 894 584 153 259 127 423 75-79 183 79 139 245 85 285 65 431 65 390 684 507 135 60 548 344 77 138 80 254 80-+ 150 54 114 181 68 208 25 404 45 358 500 456 115 46 444 289 63 117 60 182 total Aguaí Águas da Prata Caconde Casa Branca Divinolândia Espirito Santo do Pinhal Estiva Gerbi Itapira Itobi Mococa Mogi-Guaçu Moji-Mirim Santa Cruz das Palmeiras Santo Antonio do Jardim São João da Boa Vista São José do Rio Pardo São Sebastião da Grama Tambaú Tapiratiba Vargem Grande do Sul 1.498 524 1.058 1.824 698 2.314 437 3.661 421 3.463 5.834 4.349 1.247 376 4.493 2.778 677 1.242 690 2.043 4,6 6,9 5,5 6,5 5,7 5,3 4,1 5,3 5,2 4,8 4 4,5 4,3 5,7 5,3 3,3 5,2 5,1 4,9 5 TOTAL 808.645 12.766 10.259 7.929 4.794 3.879 39.627 4,9 MUNICIPIO pop.total* % Fonte: IBGE – Censos Demográficos e Contagem Populacional; para os anos intercensitários, estimativas preliminares dos totais populacionais, estratificadas por idade e sexo pelo Ministério da Saúde/SE/Datasus. Tabela 4 - População Feminina por Faixa Etária, DRS-XIV, 2007. MUNICÍPIO Aguaí Águas da Prata Caconde Casa Branca Divinolândia Espirito Santo do Pinhal Estiva Gerbi Itapira Itobi Mococa Mogi-Guaçu Moji-Mirim Santa Cruz das Palmeiras Santo Antonio do Jardim São João da Boa Vista São José do Rio Pardo São Sebastião da Grama Tambaú Tapiratiba Vargem Grande do Sul TOTAL pop.total* 32.304 7.504 19.313 28.066 12.186 43.288 10.711 69.155 8.045 71.701 144.177 95.687 28.735 6.548 84.396 54.756 13.005 24.302 13.912 40.854 60-64 503 158 306 419 209 803 139 1.221 132 1.152 2.084 1.504 423 112 1.587 917 195 406 223 682 65-69 479 166 246 395 181 710 115 1.085 89 995 1.575 1.276 309 97 1.369 782 172 315 167 585 70-74 354 151 218 371 139 545 93 898 103 772 1.118 1.064 291 82 1.225 660 151 263 135 494 75-79 255 68 143 229 81 356 43 586 44 508 789 682 163 45 729 483 82 179 106 302 80-+ 190 83 161 268 76 358 32 669 57 566 741 700 164 41 705 499 75 188 92 259 total 1.278 468 768 1.263 477 1.969 283 3.238 293 2.841 4.223 3.722 927 265 4.028 2.424 480 945 500 1.640 % 3,9 6,2 3,9 4,5 3,9 4,5 2,6 4,7 3,6 3,9 2,9 3,9 3,2 4 4,8 4,4 3,7 3,9 3,6 4 808.645 13.175 11.108 9.127 5.873 5.924 45.207 5,6 48 A tabela 5 demonstra, por município, o total da população acima de 60 anos na região da DRS-XIV (dados da fonte acima, atualizados pela Secretaria Estadual de Saúde para os anos intercensitários). Tabela 5 - Evolução da População Acima de 60 Anos na DRS-XIV. MUNICÍPIO Aguaí Águas da Prata Caconde Casa Branca Divinolândia Espirito Santo do Pinhal Estiva Gerbi Itapira Itobi Mococa Mogi-Guaçu Moji-Mirim Santa Cruz das Palmeiras Santo Antonio do Jardim São João da Boa Vista São José do Rio Pardo São Sebastião da Grama Tambaú Tapiratiba Vargem Grande do Sul 2000 2.862 1.093 2.029 3.349 1.365 4.755 710 7.441 785 6.818 10.461 8.152 2.309 708 9.269 5.596 1.294 2.374 1.314 3.879 2001 2.918 1.093 2.044 3.371 1.368 4.794 731 7.579 793 6.905 10.694 8.346 2.350 715 9.366 5.665 1.302 2.402 1.326 3.979 2002 2.966 1.108 2.054 3.388 1.371 4.837 747 7.609 800 6.975 10.876 8.504 2.380 719 9.477 5.725 1.307 2.428 1.339 3.998 2003 3.014 1.113 2.066 3.407 1.372 4.874 764 7.686 807 7.050 11.069 8.667 2.413 724 9.574 5.785 1.314 2.453 1.351 4.055 2004 3.063 1.119 2.077 3.425 1.375 4.912 782 7.764 814 7.122 11.261 8.830 2.446 730 9.669 5.846 1.321 2.478 1.361 4.111 2005 3.170 1.135 2.105 3.466 1.381 4.999 820 7.942 830 7.287 11.697 9.199 2.520 743 9.887 5.981 1.335 2.535 1.387 4.237 2006 3.225 1.143 2.119 3.487 1.382 5.042 840 8.031 837 7.372 11.919 9.387 2.559 748 9.999 6.050 1.343 2.563 1.400 4.302 2007 3.279 1.150 2.132 3.506 1.384 5.086 859 8.120 846 7.456 12.141 9.575 2.597 753 10.108 6.119 1.352 2.593 1.413 4.365 TOTAL 76.563 77.741 78.608 79.558 80.506 82.656 83.748 84.834 Fonte das tab. 4 e 5 : IBGE – Censos Demográficos e Contagem Populacional; para os anos intercensitários, estimativas preliminares dos totais populacionais, estratificadas por idade e sexo pelo Ministério da Saúde/SE/Datasus. Nas tabelas 6 e 7 encontra-se demonstrado o volume de internações realizadas na região, por faixa etária, nos períodos de 2004 e 2006. Tabela 6 - Percentual de Internações de Idosos na DRS-XIV, 2004. MUNICÍPIO Aguaí Águas da Prata Caconde Casa Branca Divinolândia Espirito Santo do Pinhal Estiva Gerbi Itapira Itobi INT.TOTAL 3.090 615 1.935 2.244 1.298 3.083 60-64 65-69 70-74 75-79 80-+ 156 19 86 116 77 183 164 35 101 92 108 212 159 74 119 120 94 214 122 45 57 91 78 131 167 58 129 111 87 156 total 768 231 492 530 444 896 % 24,9 37,6 25,4 23,6 34,2 29,1 495 6.410 544 22 291 25 37 306 18 21 346 26 25 299 34 17 366 29 122 1.608 132 24,6 25,1 24,3 49 continuação Mococa 5.844 327 335 329 226 367 1.584 Mogi-Guaçu Moji-Mirim Santa Cruz das Palmeiras Santo Antonio do Jardim São João da Boa Vista São José do Rio Pardo São Sebastião da Grama Tambaú Tapiratiba Vargem Grande do Sul 9.521 5.092 1.966 553 202 73 522 244 81 473 248 66 393 261 59 494 275 48 2.435 1.230 327 27,1 25,6 24,2 16,6 402 29 31 23 15 17 115 28,6 6.639 4.250 1.813 339 185 97 399 213 102 390 203 120 388 236 94 444 256 81 1.960 1.093 494 29,5 25,7 27,2 1.521 762 3.418 99 42 174 93 41 181 86 48 185 61 30 212 72 48 180 411 209 932 27 27,4 27,3 60.942 3.095 3.315 3.344 2.857 3.402 16.013 26,3 TOTAL Tabela 7 - Percentual de Internações de Idosos na DRS-XIV, 2006. MUNICIPIO Aguaí Águas da Prata Caconde Casa Branca Divinolândia Espirito Santo do Pinhal Estiva Gerbi Itapira Itobi Mococa Mogi-Guaçu Moji-Mirim Santa Cruz das Palmeiras Santo Antonio do Jardim São João da Boa Vista São José do Rio Pardo São Sebastião da Grama Tambaú Tapiratiba Vargem Grande do Sul TOTAL INT.TOTAL 3.030 547 2.203 2.421 1.358 3.366 740 6.231 520 5.609 10.881 4.776 2.082 442 6.541 3.901 1.875 1.566 1.077 3.387 60-64 65-69 70-74 75-79 80-+ 125 32 113 141 79 198 32 353 23 267 606 224 70 27 326 213 83 88 49 213 187 30 114 160 57 251 35 351 33 300 636 222 81 32 406 191 114 80 41 204 181 38 69 141 108 190 31 355 26 300 582 210 53 29 415 253 98 83 48 208 149 34 117 132 95 188 29 292 43 278 590 185 60 19 365 229 114 50 51 186 158 64 127 150 100 173 46 393 43 378 583 223 58 50 485 289 136 59 65 223 total 800 198 540 724 439 1.000 173 1.744 168 1.523 2.997 1.064 322 157 1.997 1.175 545 360 254 1.034 % 26,4 36,2 24,5 29,9 32,3 29,7 23,4 28,0 32,3 27,1 27,5 22,3 15,5 35,5 30,5 30,1 29,1 23,0 23,6 30,5 62.553 3.262 3.525 3.418 3.206 3.803 17.214 27,5 Fonte das tabelas 6 e 7: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). Onde se observa que do total de internações realizadas no período de 2004, 26,3% foram para pessoas acima de 60 anos; no período de 2006, este percentual eleva-se para 27,5%. As doenças dos aparelhos circulatório, respiratório e digestivo 50 foram as principais causas apontadas, com tempo de permanência variando desde o preconizado até a longa permanência, ou seja, de trinta dias ou mais. Tais dados demonstram, em primeiro lugar, a deficiência da rede ambulatorial em proporcionar tratamento diferenciado ao idoso, o que acarreta a ocupação prolongada de leitos em hospital geral por esta população. Justifica-se, portanto, a necessidade de se investir em atendimento qualificado, especializado, e programas de prevenção e promoção de saúde para esta população. Na tabela 8, comparamos o custo médio de internação por faixa etária, observa-se valores discretamente mais elevados no grupo estudado, na maioria dos municípios pesquisados (é importante ressaltar que muitos destes não tratam seus doentes mais graves pois costumam transferi-los via central de vagas) . Tabela 8 - Valor Médio de Internações, Geral e Mais de 60 Anos, 2006. MUNICIPIO Aguaí Águas da Prata Caconde Casa Branca Divinolândia Espirito Santo do Pinhal Estiva Gerbi Itapira Itobi Mococa Mogi-Guaçu Mogi-Mirim Santa Cruz das Palmeiras Santo Antonio do Jardim São João da Boa Vista São José do Rio Pardo São Sebastião da Grama Tambaú Tapiratiba Vargem Grande do Sul MÉDIA GERAL VALOR MÉDIO DE INT. (GERAL) 497,79 706,88 527,67 1.299,57 1.609,54 1.131,03 597,34 1.023,02 607,62 576,39 649,06 991,40 571,68 705,94 617.64 536,44 484,24 590,66 529,87 559,94 VALOR MÉDIO DE INT. (60a+) 740,08 852,49 Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). 541,64 694,93 473,68 2.363,64 799,71 1.269,14 777,12 1.141,28 855,99 751,61 795,54 951,77 646,08 708,65 692,63 617,36 441,05 660,49 535,17 642,48 51 Nos hospitais psiquiátricos em Pinhal, Itapira e Casa Branca o tempo de permanência é alto, enquanto que Divinolândia através da UNICAMP conta com procedimentos de alta complexidade nos serviços de oftalmologia, ortopedia e otorrinolaringologia. Os custos se elevam com a complexidade da atenção prestada ao idoso, particularmente àquele com co-morbidades. 4 UM SERVIÇO PARA O IDOSO DA REGIÃO DA DRS-XIV Vivemos no século da informação, a informação epidemiológica (no campo da Saúde Coletiva) deve ser valorizada por sua capacidade de antever eventos e possibilitar o diagnóstico precoce, em especial em relação às doenças crônicas, e assim retardar o aparecimento de suas complicações e seqüelas melhorando a qualidade de vida e abordagem terapêutica (PARADELA, LOURENÇO E VERAS 2005). Para o idoso é fundamental postergar o máximo possível o início das doenças. Ou seja, deve-se buscar a compreensão da morbidade e levá-la para o mais próximo possível do limite biológico da vida (FRIAS 1980; FRIAS e CRAPO, 1981). Com tal objetivo concentramos a prevenção primária para idosos em dois planos: a) Prevenção dos agravos à saúde, ou seja, ações que tentam evitar instalação de quadros mórbidos, o que inclui os programas de promoção, educação em saúde e vacinas. A detecção precoce de problemas de saúde potenciais ou já instalados, cujo avanço poderá por em risco as habilidades e a autonomia dos 52 idosos através da antecipação diagnóstica antes da instalação da doença ou em sua fase inicial. (g.n.) Nas ações de prevenção recomenda-se a aplicação de vacinas (influenza, tétano, antipneumococcica), medida já consolidada para a infância mas com prática ainda limitada e recente para idosos. Além de programas educacionais, atividade física, grupos de convivência, grupos de orientação e ajuda mútua para os cuidadores. b) Programas de screening, triagem e rastreamento visando a detecção de problemas crônicos de saúde tentando reduzir seu ritmo de evolução ou minimizando o risco de seqüelas: Antecipação dos danos sensoriais, Utilização dos protocolos próprios para situações comuns entre os idosos, tais como risco de queda, alteração de humor, perdas cognitivas, Utilização de instrumentos já consagrados de avaliação funcional, Prevenção de perdas dentárias e de outras afecções da cavidade oral, Prevenção do isolamento social, com a criação de centros de convivência e Criação de mecanismos que permitam diferenciar entre idosos expostos a maior risco, com necessidade de intervenção especializada, e aqueles que possam ser tratados sem prejuízo por médico clínico, não geriatra, na unidade básica de saúde do município de origem, promovendo a utilização racional e adequada dos recursos da rede pública. Lembrando que tudo isso será feito em um ambiente amplo em íntimo contato com a natureza, dependências iluminadas, arejadas, socializadas, e totalmente adaptadas às necessidades especiais da clientela geriátrica. Contando com equipe multidisciplinar capacitada para acolher o idoso que não será submetido ao mesmo 53 sistema de filas de espera resultante do atual congestionamento observado nos diversos ambulatórios gerais e de outras especialidades ao qual a clientela mais jovem é costumeiramente submetida. Além das justificativas técnicas (epidemiológicas) e legais (Estatuto do Idoso e Política Nacional de Saúde do Idoso) para a implantação de um serviço especializado para esta população, o diferencial deste serviço será: • Estrutura física adequada para as necessidades de locomoção e conforto desta clientela: acessibilidade, portas largas, banheiros adaptados, ambiente de estar visualmente agradável e alegre (totalmente diferenciado dos ambulatórios tradicionais), localizado em paisagem privilegiada. • Recursos Humanos qualificados, capacitados e treinados especificamente para o cuidado ao idoso oferecendo tratamento humanizado, ou seja, digno e respeitoso além de tecnicamente adequado. • O atendimento será único e diferenciado: o idoso não será submetido às mesmas condições de espera como o restante da demanda do serviço. Por sua consulta demandar maior tempo no atendimento, não será mais causador de demora e não será atendido apressadamente para agilizar o atendimento aos demais clientes em espera. • Atenção especial deverá ser dada ao cuidador (familiar ou outro) do idoso, ao qual será oferecido (a): a) Orientação e treinamento quanto aos cuidados necessários. b) Cuidado com o cuidador, pois este muitas vezes também é idoso e sofre com a dependência de quem cuida. 54 • O atendimento geriátrico, por se caracterizar pela atenção integral ao idoso, dispensa o excesso de encaminhamentos para outras especialidades, diminuindo o congestionamento da rede de saúde pública. • O serviço poderá oferecer avaliação e conduta multidisciplinar, como por exemplo: c) Screening de próstata d) Pequenas cirurgias e) Interconsultas com os demais especialistas do CRCB (p.ex. reumatologista, urologista, cardiologista, psiquiatria, entre outros) que farão parte do apoio matricial ao serviço. • Localização geográfica privilegiada para o acesso. • Além do atendimento médico, o serviço oferecerá a medicação indicada para o tratamento (conforme padronização do Ministério da Saúde) evitando que o idoso tenha que sofrer com filas ou falta de medicação no município de orígem. • Este serviço, quando em pleno funcionamento, deverá atender integralmente a necessidade de atenção desta clientela. Segundo dados do IBGE, os indivíduos com mais de 60 anos de idade representam 8,6% da população brasileira, o que corresponde a 17,6% milhões de pessoas. Esse grupo etário, também denominado de terceira idade ou ainda idade da maturidade, vem crescendo drasticamente nas últimas décadas: era de 4% em 1940, 8,6% em 2000, com uma projeção de 15% no ano de 2020 (BELTRÃO CAMARANO E KANSO, 2004). E, ainda, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS,1979;1982), no ano de 2025 serão mais de 30 milhões de idosos, o que colocará o Brasil na sexta posição mundial em números absolutos. 55 As razões que justificam esse aumento na proporção de idosos e também o aumento da expectativa de vida média da população brasileira resultam dos menores índices de mortalidade e fecundidade encontrados atualmente, além de outros fatores como a descoberta dos antibióticos, dos medicamentos eficazes no tratamento e controle das doenças crônico-degenerativas e do avanço nas técnicas de diagnóstico precoce de doenças, permitindo tratamento mais rápido e eficaz e melhora da qualidade de vida. Um exemplo típico dessa transição demográfica é o aumento da longevidade da população; um brasileiro nascido durante a Segunda Guerra Mundial tinha como expectativa de vida ao nascer, 39 anos de idade, sendo que atualmente, essa expectativa saltou para aproximadamente 68 anos, devendo ainda, aumentar nas próximas décadas (RAMOS et al.,1987, BARBOSA; BARBOSA, 2002). Ainda segundo o IBGE, para o ano de 2020 a estimativa é de um decréscimo de 2% da população na faixa etária de 0 a 14 anos de idade, já para a faixa etária de 15 a 64 anos, um acréscimo de 105%, enquanto que, para a faixa etária de 65 anos ou mais de idade, esse acréscimo será ainda maior (250%). Em vista do crescente número de pessoas idosas, o manejo do seu bem-estar constitui um desafio para o futuro, já que esse aumento populacional será acompanhado de grandes mudanças na freqüência e distribuição do processo saúde-doença neste grupo. Este desafio cabe a toda comunidade, como diz o Artigo 3°, inciso II da Lei 8842 de 1994 (Lei do Idoso): “o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos”. E em relação à área da saúde, o Artigo 10, inciso II, alínea b diz: “prevenir, promover, proteger e recuperar a saúde do idoso, mediante programas e medidas profiláticas”. 56 Embora muitas pessoas da faixa etária de 60 anos possam levar uma vida independente e saudável, há um desafio lançado aos profissionais para cuidarem da saúde dos idosos, particularmente aqueles com limitações socioeconomicoculturais, pois o conhecimento de técnicas e abordagens de tratamento nessa população ainda é escasso. Mudanças nos paradigmas do mundo neocapitalista ocidental também devem ser vislumbradas, pois há nessa sociedade um culto à desvalorização dos idosos, considerados em termos econômicos como improdutívos e desnecessários. Esse conjunto de situações resulta no abandono e marginalização desses indivíduos, não somente pela sociedade, como também, muitas vezes, pelos seus próprios familiares, agravando ainda mais o quadro caótico em que se encontra a população idosa. Uma questão muito presente na Gerontologia, mas pouco abordada pelos demógrafos, até porque foge um pouco do seu campo de trabalho, é a qualidade de vida ou sobrevida dos idosos, em termos de saúde e autonomia. Existem doenças crônicas que antes de representarem um risco de vida constituem uma ameaça à autonomia e independência do indivíduo. Estudos da OMS em 1984 estimam que, numa coorte na qual 75% dos indivíduos sobrevivem aos 70 anos, cerca de um terço de sobreviventes será portador de doenças crônicas e pelo menos 20% terão algum grau de incapacidade associada. Esta constatação leva à preocupação imediata com o aumento da demanda por serviços de saúde e nos custos que o envelhecimento da população pode acarretar. Com base nestas estimativas justifica-se planejamento adequado da assistência, controle e manutenção da saúde desses indivíduos, promovidos pela integração de profissionais de diferentes áreas para administrar os processos em 57 saúde, promovendo assim, maior qualidade de vida à população durante seu envelhecimento. O quadro abaixo (1) demonstra que as principais patologias encontradas no idoso comprometem diversos órgãos e sistemas, cujo cuidado normalmente demanda integração de diferentes especialidades médicas no atendimento. Quadro 1: Proporção de idosos pelo tipo de problema de saúde que apresentavam segundo o grupo etário e sexo, Brasil. Homens Doença de coluna ou costas Hipertensão (pressão alta) Artrite ou reumatismo Doença do coração Depressão Diabetes Bronquite ou asma Doença renal crônica Tendinite ou tenossinovite Câncer Cirrose Tuberculose Mulheres 60-80 1998 2003 42,1 32.1 80+ 60-80 1998 2003 40.8 40.4 1998 48.3 2003 31.3 36.7 40.2 49.9 42.6 36 29 16.2 8 8.1 7.3 7 3.6 19.0 15.1 5.9 10.7 5.9 4.6 3.4 42.7 20.1 15.4 12.0 7.5 6.6 5.6 28.5 21.3 5.8 11.0 8.4 6.3 4.2 1.4 0.5 0.2 2.0 0.5 0.5 0.8 0.2 0.1 3.5 0.4 0.5 80+ 1998 46.2 2003 35.7 55.4 48.8 54.9 38.2 20.1 8.7 7.2 12 6.7 2.9 32.0 17.9 13.1 14.8 6.9 3.8 6.3 49.2 26.5 14.1 12.7 9.1 7.3 5.3 39.1 24.0 11.1 14.3 7.1 3.3 3.7 1.9 0.6 0.3 2.0 0.1 0.3 1.4 0.4 0.1 2.5 3.7 0.3 Fonte: IBGE, PNADs de 1998 e 2003. Os principais problemas são os psiquiátricos. O quadro abaixo (2) mostra que, praticamente um terço do percentual de óbitos decorre com maior prevalência pelas quatro primeiras patologias descritas, doenças reconhecidamente crônico-degenerativas que frequentemente podem coexistir, o que predispõe a um maior grau de dependência. Quanto mais cedo ocorrer a intervenção menor o grau de dependência, menor o custo final e melhor qualidade de vida. 58 Quadro 2: Distribuição Percentual dos Óbitos Idosos Segundo Determinadas causas de Morte e Sexo,Brasil – 1980-2000 Doenças cerebrovasculares Doenças isquêmicas Doenças hipertensivas Diabetes melitus Pneumonia Neoplasias Causas externas Causas maldefinidas Outras causas Homens 1980 2003 14.0 11.5 13.0 11.0 2.4 3.0 1.7 3.8 2.6 3.6 3.3 5.5 2.1 2.3 22.4 16.1 38.5 43.3 1998 15.9 12.4 3.2 3.2 2.8 1.8 1.1 22.6 37.0 2003 12.3 10.2 4.0 6.3 4.3 2.8 1.0 16.0 43.2 Total 100 100 100 100 Mulheres Fonte: Ministério da Saúde (SIM). Causas ? A abordagem médica tradicional do adulto hospitalizado, de um modo geral adequada para o adulto jovem, não se aplica em relação ao idoso. Estudos populacionais demonstram que a maioria dos idosos (85%) apresenta pelo menos uma doença crônica e destes idosos (10%) possuem, no mínimo, 5 destas patologias (RAMOS e cols., 1993). A falta de difusão de conhecimento geriátrico junto aos profissionais de saúde tem contribuído decisivamente para as dificuldades na abordagem médica do paciente idoso. De acordo com as evidências epidemiológicas expostas acima, a Geriatria, como especialidade, adquire papel fundamental no sistema de saúde pública, tanto em relação ao cuidado médico direto ao paciente como na capacitação dos recursos humanos em outras áreas envolvidas no processo. 59 CAPITULO III 1 HISTÓRICO DO CENTRO DE REABILITAÇÃO DE CASA BRANCA O Centro de Reabilitação de Casa Branca (CRCB) é uma instituição psiquiátrica desde 1970, situado no município de Casa Branca, São Paulo. Possui 34 mil m2 de área construída e 36 alqueires de área total. Esse espaço foi construído em 1930 para abrigar hansenianos e planejado para funcionar como uma cidade auto-suficiente. Enquanto abrigava portadores de Hanseníase, funcionava como uma cidade onde o respeito ao cidadão era cultivado. Ao se transformar em hospital psiquiátrico, negou qualquer direito de cidadania àqueles que aí se internaram, ficando abandonado à deterioração até 1999 (VIEIRA, 2001). Atualmente, conta com 688 pacientes/ moradores 1 , porém, no inicio chegou a abrigar 1.500 pacientes, todos do sexo masculino, com idade predominante entre 50 e 60 anos e atingindo um período de internação média de 20 a 30 anos. No momento, os moradores se dividem ocupando 7 unidades, cada uma com 3 a 4 pavilhões, além de 29 casas localizadas dentro do conjunto do CRCB. Tudo começou em 1932, na cidade de Casa Branca, interior do Estado de São Paulo, quando um senhor, dono de muitas terras e conhecido como Barão de Cocaes doou uma área de 283 alqueires para a construção de um leprosário, o Asilo Colônia Cocaes. Instituições desse tipo vinham crescendo desde a década de 20, 1 Morador, paciente/ morador – designam neste projeto os pacientes de longa permanência. 60 quando começaram a ser criados os asilos-colônia no Brasil. Nessa época, no Estado de São Paulo, eles eram em número de cinco. Na década de 30, foi promulgada a lei que obrigava o isolamento compulsório dos doentes e, enquanto no Brasil ainda se mantinha a idéia de que o isolamento traria a erradicação da doença, na Europa já era notório que a possibilidade de ascensão social e conseqüente melhoria nas condições de vida das pessoas eram o ponto chave dessa questão. Os asilos deveriam ter atrativos com a finalidade de manter ali os excluídos. Em outras palavras, eles precisavam gostar do lugar, ter ali o que teriam nas cidades, com exceção da liberdade. Esta, por sua vez, era cerceada até nas cartas que eram enviadas para as famílias que, além de passarem por um processo de desinfecção, eram censuradas para saber se continha reclamações do asilo. Em caso afirmativo, o remetente era remetido à delegacia, situada dentro do próprio asilo, onde ficavam alguns dias de recluso. O asilo era uma pequena réplica de uma cidade. Nas casas moravam os casais que ali se casavam ou que adoeciam juntos, nunca um são e o outro doente. Moravam também os esportistas, sendo que estes mantinham uma empregada para cozinhar e fazer as tarefas domésticas. Nos pavilhões moravam os solteiros ou que ali se encontravam sós, separados por sexo. Esses pavilhões eram formados por quartos como uma pensão, mantendo uma certa individualidade. As crianças ficavam em um prédio separado. O Estado remunerava os que se dispunham a trabalhar em atividades de manutenção do lugar ou em serviços especializados como enfermagem. A remuneração não era grande coisa mais permitia que principalmente os homens 61 sustentassem suas famílias. Também havia trabalho no comércio mantido pelos internos. A comunicação com o mundo exterior era realizada no parlatório, muro que separava a parte limpa da parte suja do asilo. Com a chegada da sulfona, primeiro importada por aqueles que tinham dinheiro, ou doada por caravaneiros que visitavam o lugar levando conforto material e espiritual, e depois trazida pelo próprio Estado, começou a haver o tratamento efetivo. Após alguns anos, o muro foi retirado permitindo o reencontro com os familiares e a comunicação externa livre. À medida que a medicação ia fazendo efeito, os hansenianos recebiam alta e retornavam para a comunidade, alguns com a possibilidade de voltar ao lar, outros não, pois haviam perdido contato coma família após longos anos de reclusão. Não se tem notícia de que tenha havido um processo de ressocialização ou de tratamento psicológico para esse recomeçar. Muitos continuaram enfrentando o estigma da doença e de suas mutilações sozinhos. Também os asilos pararam de receber o incentivo do governo, pois a necessidade de isolamento não mais persistia. Agora deveriam desocupar o local. Em 1969, com a aprovação da lei da Deputada Estadual Conceição Santa Maria que extinguia os leprosários do Estado de São Paulo e propunham a remoção de pacientes psiquiátricos da Colônia Franco da Rocha para esses asilos, o local teve outra destinação, a de abrigar loucos e desvairados. A história da criação e utilização dos asilos colônia para hansenianos tem, assim, proximidade com a história de tratamento dos doentes mentais, principalmente no que tange à exclusão. A reutilização do espaço dos asilos não é simples coincidência e, assim como ocorreu com a hanseníase, no Brasil também foi 62 evidente o atraso na compreensão do doente mental como ser social, assim como do seu tratamento com essa base conceitual. Na década de 70, houve uma outra ocupação asilar de novos excluídos, pois o Juquery chegara a abrigar oficialmente 13.000 (17.000 oficiosamente) pacientes psiquiátricos. A necessidade de distribuir essa clientela para dar melhor atendimento conduziu mais de 1.500 pacientes para o Centro de Reabilitação de Casa Branca, dentre muitos outros que foram transferidos para cerca de 110 hospitais psiquiátricos no Estado de São Paulo (DELLOSI, 2000). Para compreender a situação desses excluídos, o que levou uma instituição pública a abrigar 13 mil pessoas, como foi dito anteriormente, é necessário compreender um pouco o rumo da loucura no Brasil. 2 Na Europa do século XVI, com a implantação do sistema econômico que iria desembocar no capitalismo, a necessidade de mão de obra especializada, o crescimento das cidades, a imigração e outros componentes da evolução social trouxeram à tona a loucura que até então convivia tranqüilamente na sociedade rural e de ocupação artesanal. No intuito de limpar as cidades dos desocupados e mendigos, dos loucos e outros inoportunos, houve um amplo processo de exclusão em que todos foram asilados em casas de correção e trabalho que eram chamadas de hospitais. No Brasil, três séculos ainda persistiam essa situação e, enquanto na Europa já fervilhavam manifestações de tratamento mais efetivos e humanitários aos portadores de doença mental, aqui se trilhava o caminho da ignorância. No Brasil como em vários outros países, a questão social envolvendo a loucura está ligada ao conceito de trabalho. Na nossa sociedade, à época da colônia, o trabalho era uma atividade desprezível, realizada por negros escravos. Com o 2 Essa história foi reconstruída com base no livro de Tundis e Costa, (2000) 63 crescimento da população, verificou-se o aumento no número de desocupados, não pela falta de trabalho nem pela necessidade de mão de obra especializada, mas pela indisposição da população em relação a ele. A população de desocupados e arruaceiros expôs o louco que passou a ser percebido por suas reações às chacotas e pela maneira estranhas de agir, vestir, relacionar-se com o mundo exterior ao seu. Passou-se a ser menos tolerante com eles e a sociedade começou a exigir uma solução para isso. Era necessário escondê-lo, privá-lo do convívio com os não loucos. O tratamento, entretanto, dependia da sorte e não tinha o mesmo sentido que para as outras doenças. Eles eram levados para as Santas Casas de Misericórdia onde eram tratados não por médicos, nem pela caridade das religiosas, mas por leigos cuja base era a contenção, a repressão física e a negligência. Outros eram levados às prisões onde a repressão não era menor, nem mesmo as condições de precariedade. A exclusão foi sempre endossada por justificativas humanitárias e depois até científicas com as pessoas sendo tiradas do convívio para proteger a sociedade e seus bens. Os loucos eram levados a hospitais afastados das cidades aparentemente para dar-lhe um ambiente de paz, para curá-los e diminuir-lhes o sofrimento, mas, na verdade, o que se pretendia era livrar a sociedade deles. Quando da inauguração, em 1852, do primeiro hospício do Brasil, o D. Pedro II no Rio de Janeiro, com capacidade para 350 leitos, ao abrir suas portas havia 144 leitos ocupados e em pouco mais de um ano estava completamente lotado. A população de internos era formada por pouquíssimo negros sendo os homens livres a grande maioria, mais uma vez mostrando a ligação da loucura com o trabalho ou a ausência dele. 64 Sem qualquer função curativa, os primeiros hospitais foram criados para manter a ordem social e excluir todo aquele que importunasse, fosse qual fosse o motivo. Assim, eles abrigavam loucos, bandidos, órfãos etc. Em 1872 soma-se à problemática, já existente o aumento populacional ocasionado pela chegada dos imigrantes para o trabalho na lavoura, o crescimento desproporcional e desorganizado das cidades traz nova desordem social e principalmente em relação aos problemas de saúde, encaminhando muitas pessoas aos hospícios. Com o passar dos anos a classe médica começou a reclamar sua posição nas definições dos tratamentos e direções dos hospitais, com denuncias e exigências para a melhoria das condições humanas nessas instituições e abrindo caminho para novas mudanças. Por não ter um tratamento eficaz e científico, a psiquiatria passou a utilizar o trabalho com fins terapêuticos. Houve, porém um equivoco, pois a sociedade caminhava a passos largos rumo à exportação e industrialização e o ambiente rural dos asilos não preparava os seus internos para esse novo enfrentamento. Essa iniciativa de mudanças promovidas por médicos da época, como Teixeira Brandão, Juliano Moreira, Franco da Rocha e Ulysses Pernambuco acabou vencida pela falta de base científicas que sustentassem seus métodos e pela pressão social que exigia a exclusão dos inadaptados. Nem mesmo os princípios humanitários propostos antes evocados para que ocorressem reforma no tratamento psiquiátrico, tiveram forças para impedir a continuidade das internações. Até 1964, a psiquiatria desenvolveu-se muito pouco no Brasil, desprezada que era por carregar o fracasso em que se tornaram as instituições psiquiátricas. Só passou a ser valorizada quando teve necessidade de manter equilibrada a mão de 65 obra para a indústria, encerrando a possibilidade de investimento e lucro com essa demanda. A partir daí, com as novas políticas trabalhistas, foram surgindo os hospitais conveniados ao sistema público, para onde eram encaminhados os trabalhadores. Essa estratégia não diminuiu a população dos hospitais públicos e o serviço contratado cresceu magnificamente dobrando sua oferta de leitos no curto espaço de 5 anos. Os poucos serviços ambulatoriais existentes funcionavam mais como porta de entrada para as internações que como locais de tratamento extra-hospitalar. De 1970 a 1975, a psiquiatria e a saúde mental deram um salto em sua evolução, passando a controlar as internações, desestimulando os macro hospitais, incentivando a rede ambulatorial a assumir novas funções. Os hospitais-escola também foram colocados a serviço da saúde mental e surgiram propostas de reintegração social dos internados. Porém, novamente, questões econômicas desestimularam o investimento nesse setor para parcialmente aplicá-lo no saneamento básico e outras medidas de melhoria da saúde da população que vinha sofrendo com sua perda da capacidade econômica. Nesse momento, vale a pena retornar à cena do CRCB, ex-asilo de leprosos que passou a receber pacientes psiquiátricos vindos do Juquery que precisava se humanizar. Os doentes chegavam ao CRCB em grande número, muitas vezes irreconhecíveis em relação às fotos de seus prontuários. Perdiam-se pelo hospital, morriam, depredavam o local. A reforma proposta quando do esvaziamento do Juquery não chegou com os pacientes. Em pequeno número, despreparados para lidar com essa nova clientela e ainda sentidos com as mudanças ocorridas, quando da desativação do asilo de leprosos, os poucos funcionários do CRCB passaram a improvisar formas de lidar 66 com doentes, acabando por adaptar-se aos péssimos costumes adquiridos por eles, durante os longos anos de internação, não conseguindo proporcionar-lhes uma melhor qualidade de vida. Mudaram apenas de endereço. Ainda no período de investimento em saúde mental, em 1973, o hospital recebeu mais funcionários, entre eles, uma psicóloga que deu início à primeira experiência de reabilitação. Nas construções situadas no fundo do hospital, isoladas dos pavilhões centrais, foi introduzida a alguns pacientes um sistema de terapia comportamental. Surgiram trabalhos em oficinas protegidas e até atividades na cidade. Este sistema obteve êxito junto aos pacientes, melhorando aspectos do seu comportamento e dando-lhes uma condição mais humana de vida dentro do hospital. Esse espaço tornou-se conhecido como NTC - Núcleo de Terapia Comportamental. Até 1980, esse projeto desenvolveu-se chegando a ter inclusive casas reformadas para serem habitadas pelos pacientes, que passaram a ter uma condição de vida e oportunidades um pouco melhores. No entanto, porém não se cogitava a idéia de que deveriam ser preparados para o convívio social, não se pensava em reabilitar e incluir, apenas melhorar um pouco a situação de precariedade vigente. Estagnado, ainda que cheio de possibilidades para se desenvolver, o projeto não cumpriu seu papel reabilitador, por apostar mais na técnica que nos seres humanos que ali existiam. O hospital como um todo passou por várias experiências e tentativas de humanização, porém nenhuma se mostrou eficaz. Somente através da supervisão técnica de 1999, do estudo e internalização dos conceitos de reabilitação psicossocial é que as mudanças ocorrerem verdadeiramente e a realidade de “pacientes, passivos, porque foram impossibilitados de dirigir seu próprio futuro pela 67 insistência do hospital-asilo, que preferiu tutelar ao invés de ousar e apostar na autonomia e no direito de decisão destes cidadãos” (DELLOSI, 2000). 1.1 Características Sócio-Econômicas da Região do Centro De Reabilitação de Casa Branca O CRCB é uma instituição pública de administração direta da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e atualmente, tem a missão de oferecer à sua população moradora e comunidade atenção integral de qualidade em saúde mental, baseado no modelo desinstitucionalização, de Reabilitação desospitalização e Psicossocial conseqüente promovendo ressocialização a dos portadores de sofrimento psíquico reinserindo-os na comunidade. Está situado no município de Casa Branca, na Região de São João da Boa Vista, estado de São Paulo. São João da Boa Vista encontra-se na Média Mogiana, junto à Serra da Mantiqueira, fazendo parte da 5ª Região Administrativa do Estado de São Paulo, sendo também sede de uma Mini-Região de Campinas. Situa-se a posição leste do Estado de São Paulo, não longe da divisa d o Estado de Minas Gerais, a 220 km da Capital paulista, a 113 km da cidade de Campinas e a 180 km de Ribeirão Preto, dois grandes pólos de tecnologia e produção agropecuária do estado e do país. A região possui aeroportos como o aeroporto internacional de Viracopos (Campinas), o de Ribeirão Preto, o de Poços de Caldas (MG) e o aeroporto de São João da Boa Vista (DRAGÃO e JERÔNIMO, 2006), A cidade de Casa Branca pertence à Região da DIR-XIV que é composta pelas cidades de Aguaí, Águas da Prata, Caconde, Divinolândia, Espírito Santo do Pinhal, Itapira, Itobi, Mococa, Mogi-Guaçu, Moji-Mirim, Santa Cruz das Palmeiras, 68 Santo Antonio do Jardim, São João da Boa Vista, São José do Rio Pardo, São Sebastião da Grama, Tambaú, Tapiratiba e Vargem Grande do Sul. Os dados referentes às características econômicas e sociais da região fundamentam-se em dados disponibilizados no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE (2005) e do Ministério da Educação-MEC (2002). A população de cada município concentra-se basicamente na região urbana. Conforme o IBGE 2005 a região não apresenta condições sub-humanas de moradia e as condições de saneamento básico tem recebido atenção especial de seus dirigentes. A população tem acesso a bibliotecas, museus, cinemas, clubes, estádios esportivos, livrarias e estações de rádio e TV. Portanto, há uma vida cultural e social ativa. As cidades são muito bem servidas em termos de rodovias. Segundo dados levantados pelo IBGE em 2004, a população de Casa Branca é de 27.735 habitantes. Considerando dados sobre o Valor Adicionado (valor acrescentado é a diferença entre as vendas da empresa e suas compras de matérias-primas e de serviços de outras empresas. O valor acrescentado é constituído pelos salários, juros e lucros acrescentados à produção pela empresa ou ramo de atividade, SAMUELSON e NORDHANS, 1993, p. 487), compreendendo neste setor o comércio, existe certo equilíbrio nos valores adicionais nos três setores, havendo ligeira vantagem para o segmento de serviços/comércio. No setor agropecuário Casa Branca faz parte dos quatorze municípios com maior valor adicionado no Brasil, ocupando terceiro lugar no país e o segundo lugar na região. A cultura é basicamente as mesmas em todos os demais municípios, como café e laranja (culturas permanentes); algodão, batata, cana-de-açúcar, milho, feijão soja e sorgo (culturas temporárias). Na pecuária, tem-se o gado bovino de corte, de leite, suínos e frangos (DRAGÃO e JERÔNIMO, 2006), 69 No setor industrial, Casa Branca ocupa o 10° lugar, pois a maior concentração se dá nas cidades de Mogi Guaçu e Mogi Mirim tendo como principais produtos fabricados a cerâmica, refratários, papel e celulose, embalagem, alimentação, metalurgia e máquinas agrícolas. O comércio e a prestação de serviços guardam uma relação grande com o contingente populacional e há uma diversificação nas atividades. Segundo pesquisa realizada por (DRAGÃO e JERÔNIMO, 2006), há na região 17.605 estabelecimentos comerciais, 445 na construção civil, 2.576 estabelecimentos na atividade imobiliária, aluguéis e serviços prestados a empresas, 394 na área de educação e ainda, estabelecimentos prestadores de serviços nas áreas de transporte, armazenagem, comunicação, saúde e serviços sociais. Casa branca encontra-se em 7° lugar no que diz respeito ao valor adicionado no serviço. O IBGE ressalta que o Produto Interno Bruto (PIB) com maior dispersão é a agropecuária, uma vez que os catorze maiores municípios produtores representavam 5% da produção total em 2002, estando Casa Branca em 4° lugar. A região tem atividade intensa nas áreas da saúde e educação. No setor saúde, a região é bem servida com inúmeros estabelecimentos, como consultórios, clínicas, postos de saúde e unidades hospitalares. Casa Branca conta com 7 estabelecimentos de saúde e 475 leitos, sendo com Itapira os municípios com a melhor média habitantes/leitos. Importante ressaltar que as duas cidades mantêm unidades para abrigar pessoas com necessidades especiais. Conta com várias instituições de ensino superior. Com base nos números de 2004, o ensino contava com cerca de 1/3de alunos matriculados no ensino médio e 1/3 dos alunos no ensino fundamental. O Brasil conta com 4.163.730 alunos matriculados no ensino superior, representa 2,26% da população. A cidade de São 70 João da Boa Vista apresenta 5.368 matrículas, sendo a cidade com maior número de alunos matriculados. Casa Branca possui 3.766 matrículas no ensino fundamental, 1.431 no ensino médio e 226 no ensino superior. Na região apenas as cidades de Vargem Grande do Sul, São Sebastião da Grama, Águas da Prata e Santo Antônio do Jardim não oferecem curso superior (DRAGÃO e JERÔNIMO, 2006), Assim, pode-se dizer que a região da DIR IVX é uma região onde a agropecuária, a indústria e o setor de serviços convivem harmoniosamente e numa proporção de certa igualdade, o que é positivo, pois não sofre grandes abalos em crises setoriais. A partir de 1996, iniciou-se um processo de transformação da assistência com a contratação de funcionários, visando desenvolver o trabalho através de equipe multiprofissional. No entanto, com a composição das equipes observou-se a necessidade de planejamento das ações, pois os projetos desenvolvidos não avaliavam as necessidades da clientela, o que dificultava a sua execução. Diante desta avaliação, “em maio de 1999 a Secretaria de Estado da Saúde, através da Coordenadoria de Saúde do Interior e da Diretoria Regional de Saúde de São João da Boa Vista, passou a envidar esforços no sentido de promover mudanças no modelo de atenção à saúde mental no Centro de Reabilitação de Casa Branca. Além de recursos financeiros para promover reformas nos espaços construídos e nos equipamentos de saneamento básico, foram também contratados serviços de intervenção nas rotinas e supervisão dos projetos terapêuticos”, tendo como base a Reforma Psiquiátrica, através dos marcos conceituais estabelecidos na Declaração de Caracas e na portaria MS/224/92 e MS/106/00. 71 A intervenção técnica abrangeu a elaboração de um instrumento, o PTI Projeto Terapêutico Individual, (elaborado por Verônica Sanduvette), baseado numa pesquisa realizada com 377 pessoas, entre funcionários e pacientes, que permitiu avaliar cada paciente nos aspectos comportamentais, do seu cotidiano na instituição. A partir dessa pesquisa, as equipes puderam identificar necessidades individuais, o que ajudou a definir planos de ação a serem traçados na proposta terapêutica de cada paciente ou conjunto de pacientes, bem como identificar pontos críticos a serem trabalhados e, a partir deles, elaborar os projetos terapêuticos. Assim, quando cheguei à instituição do Cocaes em 2004, senti a real e imediata necessidade do desenvolvimento de trabalhos gerontológicos entre os pacientes, motivo pelo qual resultou este trabalho. 1.2 A INSTITUIÇÃO: SEU ESPAÇO E UTILIZAÇÃO Localizada a esquerda de quem chega e fora do conjunto hospitalar, há o jardim e as casas da colônia que anteriormente eram ocupadas pela direção, assessores, e técnicos de manutenção. À direita fica a portaria do hospital e seguindo-se em frente, pela estrada, há a recém construída penitenciária Joaquim de Sylos Cintra que, há dois anos, trouxe para Casa Branca novos excluídos. A sua criação causou na população da cidade e também ao Hospital um clima de incerteza, acompanhado pelo medo de fugas e violência, gerando várias manifestações contra sua instalação e permanência nesse local. A portaria do C.R.C.B. é uma construção de alvenaria com um portão ao centro com paredes altas e pintura desgastada pelo tempo. É guardada por 72 funcionários o tempo todo, que cuidam de anotar entrada e saída de todos que transitam pelo local. Passando o portão de entrada, à direita está a sala de registro de ponto dos funcionários. Perpendicular à rua de entrada, há casas e barracões utilizados para o apartamento médico, garagem, escritório da Associação de Funcionários e Centro de Convivência Infantil. Quem passa pela rua de entrada, entre a portaria e os pavilhões, encontra pacientes que transitam permanentemente pelo hospital, observando o movimento de entrada e saída de funcionários, desejando boas vindas, buscando uma oportunidade para conversar. Neste trajeto, à esquerda, foi construída uma capela que é utilizada para velar os mortos, prática essa que era desconsiderada até pouco tempo. Os pavilhões são ligados por um corredor único que também integra o Serviço de Nutrição e Dietética, Setor de Farmácia, Serviço de Lavanderia e Direção Administrativa. No centro do corredor fica o Serviço de Nutrição e Dietética e os refeitórios onde são preparadas e fornecidas as refeições dos pacientes. Em 1999, esse serviço implantou o Projeto de Dietas, com o objetivo de melhorar a alimentação, voltando seus olhos às necessidades dos pacientes, conforme suas condições clínicas e possibilidades físicas. O serviço de nutrição também fornece marmitas para os moradores do Programa Lar Abrigado. À direita do setor de nutrição situa-se o Serviço de Lavanderia. Os demais prédios que estão tanto à direita quanto à esquerda são os pavilhões. Quatro deles, maiores e mais centrais, os de numero 50, 49, 57, 58, são os que mantêm aspecto mais hospitalar. Um deles, o 50, abriga hoje a Enfermaria Clinica, para onde são transferidos os pacientes que apresentam intercorrências 73 dessa ordem. Os de numero 57 e 58 encontram-se em reforma, mas em curto prazo retornarão a prestar assistência mais especializada de enfermagem clínica para pacientes que se encontram mais debilitados do ponto de vista orgânico. O segundo tipo de pavilhões, que constitui a maioria, num total de 26, são enfermarias coletivas, tendo em média de 26 leitos cada e na parte oposta à entrada, de um lado, um sanitário, provido em geral de três fossas turcas e, de outro, um depósito para guarda de materiais. Um desses pavilhões é chamado de balneário e contém chuveiros coletivos para os pacientes. Duas outras construções anexas também cumprem a função de banho coletivo. Para adequar as condições de instalações sanitárias e proporcionar qualidade de vida aos seus usuários, foram reformados seis pavilhões que agora contam com vasos sanitários, pias e chuveiros para 24 pacientes. Nesses 26 pavilhões estão instaladas as unidades I, II, III, IV, com aproximadamente 400 pacientes, que apresentam seqüelas institucionais, com ou sem autonomia pessoal e/ou sociabilidade comprometida. A unidade P4 tem 19 pacientes, com prevalência de problemáticas psíquicas mais acentuadas, e a unidade 15, com 40 pacientes, que tem associado a doença mental, deficiência físicas. Em frente ao serviço de nutrição tem um corredor que leva a uma construção em forma de T que abriga farmácia, odontologia, fisioterapia, laboratório, esterilização de materiais, Serviço de Arquivo Médico Estatístico (S.A.M.E.) e, no piso superior, a Direção Administrativa. Construído e planejado como uma cidade e por não ter passado por muitas reformas, o C.R.C.B. mantém dimensões bastante humanas. Atrás do prédio da Direção Administrativa há uma avenida extensa onde fica, no centro, o Cinema. Ele 74 possui duas salas laterais, uma ocupada pela gráfica que também é utilizada como espaço de oficina terapêutica e na outra a rádio interna, espaço comunitário de lazer e informação. Nessa mesma avenida, ladeando o cinema, há mais dois prédios que são chamados de prédios redondos, devido sua construção arredondada. São ocupados por diversos serviços como: carpintaria, serralharia, marcenaria, almoxarifado e outros. No piso superior de um dos prédios fica o Salão de Baile. Há também várias casas, algumas fechadas devido a seu precário estado de conservação, e outras ocupadas como vestiário de funcionários. O Ateliê é um espaço novo onde os moradores têm oportunidade de expressar seus conteúdos internos, através de desenhos, pinturas, argila etc, estimulando relações grupais e inter-relação. Muitos trabalhos são expostos e vendidos, retornando a renda ao morador. O Ateliê localiza-se na avenida, atrás das casas desativadas. Na parte baixa do hospital, atrás do cinema, ficam a unidade Convívio, composta por 7 prédios, dos quais 5 possuem de 7 a 10 quartos com 3 leitos, um banheiro coletivo, uma sala de convivência e TV, e uma copa. Abrigam 120 pacientes com autonomia pessoal em relação às atividades da vida prática e atividades da vida diária, e possibilidade de inserção sócio-econômica a serem trabalhadas. Para o prédio central, hoje ocupado pelo posto de enfermagem, copa, escritórios e consultório médico, há a proposta de criação de um Serviço de Ambulatório e Hospital-Noite que deverá funcionar 24 horas, e atenderá em caráter de urgência e por agendamento, toda a população do Convívio e do Programa Lar Abrigado. O último prédio está desocupado e aguarda condenação. 75 Fazendo-se um círculo ao redor dos prédios centrais do Convívio, estão as 45 casas que constituem a estrutura física do Lar Abrigado, sendo que, neste momento, apenas 29 delas estão ocupadas com 117 moradores, com autonomia pessoal e que interagem e negociam bem. As demais estão em reforma. Completam o conjunto jardins, campo de futebol, marcenaria, quadra de vôlei, cassino, uma Igreja Católica (que já foi usada como refeitório e atualmente está desativada aguardando recuperação como Igreja) e a Casa do Padre, anexa à Igreja, onde funciona a Administração do Lar Abrigado (planta da instituição em anexo 1). Há outras construções que não foram descritas por não se envolverem diretamente com este estudo. 2 IMPLANTAÇÃO DO PROJETO E SUAS ETAPAS O Centro de Reabilitação de Casa Branca, no bojo das transformações propostas pela Política de Saúde Mental, iniciou a partir de 1999 a sua participação na implementação de um novo modelo de assistência em saúde mental para a região da DRS -XIV de São João da Boa Vista – São Paulo. Para isso, implantou o Serviço Residencial Terapêutico, ampliou suas Oficinas Terapêuticas e reabriu suas portas para o SUS atendendo também a clientela externa com a criação do CAPS-III (24 horas). Ao rediscutir suas prioridades assistenciais descobriu-se a vocação ao atendimento de idosos, uma vez que, pelo longo período internação psiquiátrica seus moradores foram envelhecendo, o que fez com que a equipe se adaptasse especializando-se em cuidados geriátricos/gerontológicos. 76 O trabalho de reabilitação psicossocial desenvolvido por toda a equipe do Centro de Reabilitação de Casa Branca com sua clientela interna e externa, se pauta na seguinte premissa: assegurar a todos, respeitadas as suas diferenças e singularidades, a possibilidade de ampliação de vínculos, da rede social aumentando seu poder de troca e contratualidade, consequentemente promovendo saúde, integração social e cidadania. Portanto, buscando otimizar a tecnologia de cuidados desenvolvida ao longo deste percurso e refletindo sobre como poderíamos impactar na qualidade de vida da população ao redor do Centro de Reabilitação de Casa Branca propomos, numa primeira etapa do projeto de abertura para novas clientelas, a implantação do centro de assistência integral ao idoso. O Projeto será implantado por fases, sendo que a primeira terá data definida no início e as demais serão condicionadas pela demanda levantada no decorrer da mesma. 2.1 Descrevendo as etapas da implantação do projeto O Projeto está na sua primeira fase de implantação, sendo que as demais serão condicionadas pela demanda levantada no decorrer da mesma. Atualmente o projeto se encontra na FASE I. foi aberto em caráter experimental o ambulatório constituído por 2 médicos, 2 enfermeiras, 2 assistentes sociais, 2 psicólogas e 4 auxiliares de enfermagem exclusivas ao serviço. Contamos também com apoio de psiquiatras para avaliação psicológica quando solicitada pelo clínico locados no CAPS III (Centro de Atenção Psicossocial) e outros serviços como fisioterapia e odontologia que são de uso do hospital, porém dão 77 respaudo ao ambulatório. Foi acertado junto com a DRS XIV que somente o município de São Sebastiaão da Grama seria atendido, a princípio, pelo serviço. Isso para que haja tempo de reconhecer as falhas, reconhecer o tipo de público que freqüentaria nosso serviço, fazer as adaptações necessárias. A escolha do município foi pela proximidade com o hospital (aproximadamente 40 km) e pela escassez de serviços destinados a população idosa naquele município. Foi para isso reformado uma das dependências do CRCB com a preocupação de acolher bem todos os pacientes seguindo todas as normas de metragens regulamentadas pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O ambulatório está em funcionamento desde abril de 2008, e por enquanto todos os exames ambulatoriais e de imagem, estão sendo de responsabilidade do município de origem. Talvez seja esse o único motivo de crítica negativa por parte dos profissionais de saúde, já que com relação ao atendimento dispensado e as instalações físicas, as críticas foram muito positivas. Vale ressaltar que até o presente momenta (junho de 2008) o CRB continua sendo predominantemente uma instituição psiquiátrica de pacientes crônicos que lá residem, não sendo admitido pacientais agudos. Iniciou seu funcionamento de segunda a sexta, das 7:00 às 13:00 horas, com possibilidade de ampliação de horário até 19:00 horas (dependendo de concurso público, cuja autorização já se encontra em andamento). O agendamento é realizado por telefone, diariamente, no mesmo horário de funcionamento do serviço e o atendimento é feito conforme protocolo em anexo 2, seguindo a seguinte rotina: 78 É de São Sebastião da Grama que parte o idoso referenciado pelo médico do município para atendimento após agendamento por telefone. Chegando ao serviço é feita a identificação do idoso e seu acompanhante (familiar, agente de saúde ou outra pessoa), sendo este obrigatório. Após a identificação o idoso passa por: Psicóloga: que faz avaliação cognitiva com o objetivo de identificar os primeiros sinais de distúrbios de memória. Também é avaliado sintomas depressivos, desvios de personalidade, sinais de ansiedade. Assistente social: que faz o inquérito social, ou seja, as condições sócioeconômicas da pessoa. Enfermeira: realiza a pré-consulta, levantando o histórico de vida da pessoa, realiza os diagnósticos de enfermagem, faz as primeiras orientações sobre cuidados gerais como hidratação da pele, alimentação dentre outros. Auxiliar de enfermagem que verifica os sinais vitais. Só depois passa por consulta. Durante a consulta é feita a anamnese médica, solicitação de exames, prescrição medicamentosa. Quando há necessidade de buscar alguma informação adicional ou acionar algum profissional do município de origem como, por exemplo, uma nutricionista, isso é feito mediante contra-referência que é preenchida pela enfermeira e/ou assistente social, ocasionalmente pela psicóloga. Por enquanto os exames solicitados ficam de responsabilidade do município de origem, ou seja, São Sebastião da Grama. Já as medicações ficam por responsabilidade do CRCB até a ampliação dos serviços. 79 Os clientes do serviço poderão, caso indicado, freqüentar as oficinas do CRCB para o desenvolvimento de atividades, bem como a fisioterapia e a intercorrência clínica. Para isso conta com a área física inicial: • Prédio Reformado e adaptado exclusivamente para o atendimento ao idoso, dispondo de: a) Dois (2) consultórios, com um (1) banheiro cada um e com ante-sala fechada para pré e pós-consulta. b) Espaço de Recepção/Administrativo, com balcão rebaixado permitindo que o cliente receba atendimento sentado. c) Dois banheiros para público (masculino e feminino), cada um com dois sanitários (um adaptado) e um chuveiro. d) Dois banheiros (masculino e feminino) para funcionários. e) Posto de Enfermagem f) D.M.L. (depósito de material de limpeza) g) Sala de Espera ampla (70m2), ventilada e iluminada adequadamente, podendo se transformar em sala de reuniões de equipe quando não houver atendimento. h) Espaço externo calçado, onde serão colocados bancos à sombra de árvores. A área física poderá sofrer ampliações a medida que o projeto evolua. Fotos das novas instalações em anexo 3. • Espaço Físico Comum a Outros Projetos: i) Oficinas: Marcenaria, Rádiodifusora, etc. Ateliê, Gráfica, Tecelagem, Cinema, Estação 80 j) Fisioterapia k) Intercorrência Clínica: enfermaria clínica dispondo de 17 leitos divididos em três enfermarias e um quarto para isolamento, sala de eletrocardiograma, consultório, posto de enfermagem, sala de curativos e sala de pequenas cirurgias. Dispõe dos seguintes equipamentos: carro de parada com desfibrilador, ventilador pulmonar, monitor cardíaco, oxímetro de pulso. l) Equipe contando com: enfermeiros, auxiliares de enfermagem e médicos plantonistas com cobertura nas 24 horas . • Recursos Humanos Destinados ao Projeto: 1) Dois (2) médicos especialistas em geriatria e gerontologia (40 horas, inicialmente); 2) Um (1) médico cardiologista e especialista em diabetes (20 horas); 3) Quatro (4) auxiliares de enfermagem (120 horas); 4) Um (1) enfermeiro (30 horas, inicialmente); 5) Um (1) assistente social (30 horas) 6) Um (1) escriturário (40 horas); 7) O ambulatório poderá contar (conforme indicação e demanda, com agendamento prévio) com atendimento pelos seguintes profissionais : a) Terapeuta Ocupacional b) Dentista c) Educador Físico d) Farmacêutico 81 FASE 2 : HOSPITAL-DIA GERIÁTRICO A partir da demanda identificada no atendimento do Ambulatório, serão ofertadas vagas (20) àqueles idosos que necessitem de cuidado e atenção por maior período (meio período ou período integral). O funcionamento será de segunda a sexta, das 7:00 às 19:00 horas, com cuidados médicos, de enfermagem e outros necessários ao idoso. FASE 3 : LEITOS DE RETAGUARDA Serão disponibilizados inicialmente seis (6) leitos reversíveis (masculinos ou femininos, conforme necessidade) para a Central de Regulação da DRS-XIV. Os casos indicados serão aqueles cuja recuperação necessita de maior intensidade de cuidados e que não se beneficiam do atendimento do hospital-dia. Cuidados médicos, de enfermagem e outros serão oferecidos. Além da retaguarda de um (1) leito de suporte de vida. 2.2 Apoio diagnóstico ao projeto Inicialmente contaremos com os seguintes métodos diagnósticos: • Eletrocardiograma • Exames laboratoriais o CRCB o Parceria com Próprio do Estado • Avaliação urológica e Biópsia de Próstata 82 Está em discussão com a Coordenadoria de Serviços de Saúde a adequação (reforma e equipamentos), para a oferta de apoio diagnóstico nas seguintes áreas: • Laboratório (do CRCB, para oferta completa de exames) • Colonoscopia • Tomografia • Ultrassom A completa qualificação e oferta destes serviços, acreditamos, será possível a partir do segundo ano de funcionamento do Projeto, e fornecerá importante apoio diagnóstico que aumentará a sua resolutividade. 2.3 Mecanismos de Referência / Contra Referência O ambulatório de geriatria do CRCB receberá pacientes de toda região da DRS XIV para avaliação e tratamento especializado mediante encaminhamento médico formal, detalhado e escrito em formulário próprio. As consultas deverão ser agendadas previamente por telefone, a partir da unidade básica de saúde pública no município de origem. Os pacientes deverão comparecer ao serviço acompanhados por cuidador ou familiar, sendo permitido apenas 01 (um) acompanhante por pessoa. Caso necessário o ambulatório de geriatria poderá referenciar o usuário a outros serviços especializados ou de maior complexidade disponível na rede pública. 2.4 Financiamento 83 As fontes de financiamento do serviço serão as seguintes: • Manutenção da estrutura física e recursos humanos (inclusive qualificação e capacitação): orçamento próprio do CRCB. • Medicamentos e Insumos: orçamento próprio do CRCB. • Procedimentos e exames complementares não disponibilizados pelo SUS, ou não contemplados nos tetos atuais: transformação de parte teto SIH do CRCB em teto SIA (proveniente da redução de leitos). Também, haverá a utilização do valor SIA alocado no teto do Ambulatório de Saúde Mental (já cadastrado como Ambulatório/Clínica de Especialidades). 2.5 Indicadores para avaliação do serviço Os indicadores serão propostos a partir do início do funcionamento do serviço devendo permitir o acompanhamento da qualidade de assistência prestada e seu impacto, tanto para a clientela quanto para a rede SUS. Ao dar entrada no serviço o paciente preencherá um cadastro pessoal de interesse não somente cadastral, mas também com outras informações que servirão para futuras avaliações do próprio serviço, estatísticas e pesquisa científica. Haverá a implantação de pesquisa de satisfação, como forma de avaliar as deficiências do atendimento (o projeto CONTE COMIGO já existente, tem essa finalidade). O serviço, também, se responsabilizará pela manutenção do contato com o município de origem do paciente através de referência e contra-referência buscando avaliar a resolutividade da atenção prestada. 84 3 ANÁLISE E RESULTADOS Descrever os resultados dessa pesquisa como aluno, esbarra nas dificuldades e limitações vivenciadas por nós para a implantação deste projeto. destacamos as principais como sendo: Adequação do espaço físico para adaptação das instalações de acordo com as exigências da vigilância sanitária; Aquisição de equipamentos como ultra-som, tomografia, colonoscopia dentre outros, Capacitação dos profissionais técnicos envolvidos no projeto, Vencer o estigma de uma instituição considerada pela população como sendo um “hospital de loucos”, Transporte dos pacientes, já que os mesmos são oriundos de várias localidades, ou seja, de diferentes municípios, Ampliação do laboratório para abranger um número maior de exames, Ampliação do serviço de fisioterapia, 85 Disponibilização de alimentação para todos os pacientes durante o período de permanência dos mesmos na instituição e Adaptação das oficinas terapêuticas já existentes ( tecelagem, gráfica, ateliê, marcenaria) para essa nova população. 86 4 DISCUSSÃO Uma questão muito presente na Gerontologia, mas pouco abordada pelos demógrafos, até porque foge um pouco do seu campo de trabalho, é a qualidade de vida ou sobrevida dos idosos, em termos de saúde e autonomia. Existem doenças crônicas que antes de representarem um risco de vida constituem uma ameaça à autonomia e independência do indivíduo. Estudos da OMS em 1984 estimam que, numa coorte na qual 75% dos indivíduos sobrevivem aos 70 anos, cerca de um terço de sobreviventes será portador de doenças crônicas e pelo menos 20% terão algum grau de incapacidade associada. Esta constatação leva à preocupação imediata com o aumento da demanda por serviços de saúde e nos custos que o envelhecimento da população pode acarretar. Segundo o IBGE e PNADs de 1998 e 2003, muitas patologias encontradas no idoso comprometem diversos órgãos e sistemas, cujo cuidado normalmente demanda integração de diferentes especialidades médicas no atendimento. As doenças mais comuns são: doença de coluna ou costas, hipertensão (pressão alta), artrite ou reumatismo, doença do coração, depressão, diabetes, bronquite ou asma, doença renal crônica, tendinite ou tenossinovite, câncer, cirrose, e tuberculose. O Ministério da Saúde (SIM) apontou que de 1980 a 2003 um terço do percentual de óbitos decorre com maior prevalência pelas patologias descritas como sendo: doenças cerebrovasculares, doenças isquêmicas, doenças hipertensivas, diabetes melitus, pneumonia, neoplasias, causas externas, causas maldefinidas reconhecidamente crônico-degenerativas que frequentemente podem coexistir, o que predispõe a um maior grau de dependência. O percentual reconhecidoesteve 87 igualmente distribuído entre homens e mulheres. Quanto mais cedo ocorrer a intervenção menor o grau de dependência, menor o custo final e melhor qualidade de vida. Estudos demonstraram que a maioria dos idosos apresenta pelo menos uma doença crônica sendo que destes idosos (10%) possuem, no mínimo, 5 das patologias descritas acima. A falta de divulgação de conhecimento geriátrico junto aos profissionais de saúde tem contribuído decisivamente para as dificuldades na abordagem médica do paciente idoso. Amparado em citações de vários autores foi possível confirmar que existe na sociedade um culto à desvalorização dos idosos, considerados em termos econômicos como improdutíveis e desnecessários. Esta situação resulta no abandono e marginalização desses indivíduos, pela sociedade e também, pelos próprios familiares, agravando ainda mais o quadro desordenado em que se encontra a população idosa. As tabelas expostas neste estudo demonstraram que no percentual por município da população de idosos do sexo masculino e feminino, evidenciou-se maior percentual de mulheres idosas na região, conforme perfil estatístico apurado no restante do Estado e no País. Observou-se ainda, municípios próximos de Casa Branca (inclusive) com percentuais acima de 10% o que significa que a região um índice maior do que o previsto pela OMS (5,2% para maiores de 65 anos). Embora os percentuais permaneçam estáveis, os números absolutos da população idosa apresentam um aumento de um período para outro. Em nosso estudo constatou-se que o volume de internações realizadas na região, por faixa etária, nos períodos de 2004 e 2006, 26,3% foram para pessoas 88 acima de 60 anos; no período de 2006, este percentual eleva-se para 27,5%. As principais causas apontadas foram doenças dos aparelhos circulatório, respiratório e digestivo com tempo de permanência variando desde o indicado até trinta dias ou mais o que acompanha outras situações descritas na literatura. Estes dados demonstraram a deficiência da rede ambulatorial em proporcionar tratamento diferenciado ao idoso, o que acarreta a ocupação prolongada de leitos em hospital geral por esta população. Justificou-se, portanto, a necessidade de se investir em atendimento qualificado, especializado, e programas de prevenção e promoção de saúde para esta população. Os custos se elevaram com a complexidade da atenção prestada ao idoso, particularmente àquele com co-morbidades. Com este estudo pretendeu-se, buscar um novo foco de análise sobre a desinstitucionalização de uma instituição de longa permanência psiquiátrica (ILPP), para uma de referência, elaborarando um projeto a fim de contribuir para capacitação de uma equipe multiprofissional pré-existente para assistência à saúde integral do idoso na região DRS – XIV. 89 5 CONCLUSÃO 90 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, A.F.; BARBOSA, A.B., Odontologia Geriátrica – Perspectivas Atuais, J Brás Clin Odontol Int., Curitiba, v.6, n.33, p231-234, Mai./Jun.2002. BRASIL. Portaria do Gabinete do Ministro de Estado da Saúde de nº 1395, de 9/12/1999, que aprova a Política Nacional de Saúde do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil 1999; 13 dez. BRASIL. Lei 8842 de 04 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Brasília, D.O.U. de 05 de janeiro de 1994. BRASIL. Lei 10741 de 1º de outubro de 2003. 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Monografia de Conclusão do Curso de Especialização em Saúde Mental, 2001. 92 ANEXOS 93 1 PLANTA DO CENTRO DE REABILITAÇÃO DE CASA BRANCA 94 2 PROTOCOLO ATENDIMENTO DO AMBULATÓRIO DO CRBC 95 96 97 98 99 100 TESTES DIAGNÓSTICOS MINI EXAME DO ESTADO MENTAL DE FOLSTEIN Instruções para aplicação e pontuação do Mini-Exame do Estado Mental: Comece explicando que vai fazer um teste rápido de memória e orientação, o que servirá como preparo para o paciente em relação ao conteúdo do teste. Orientação Temporal 101 Pergunte “Qual é a data?”. Provavelmente serão ditos o dia do mês e o mês. Pergunte pelo dia da semana e ano. Certifique-se que nenhum relógio esta visível e pergunte “Sem olhar no relógio, que horas são?”. Considere correto até uma hora a mais ou a menos em relação a hora real. Um ponto para cada resposta correta. Orientação Espacial Pergunte “Que lugar é este?”, apontando com o indicador para baixo, indicando o local específico (consultório, enfermaria, etc..). Em seguida pergunte “Que lugar é este?” fazendo um gesto circular, para indicar o local genérico (clínica, hospital, etc..). Na seqüência pergunte pelo bairro ou uma rua próxima ao local do exame, cidade e estado. Um ponto para cada resposta correta. Memória Imediata Diga “vou falar 3 palavras que o sr (sra) vai repetir em seguida e repetir novamente daqui a pouco”. Diga 3 palavras não relacionadas (p ex.: vaso, carro e tijolo) no ritmo de uma palavra por segundo. Dê um ponto para cada palavra repetida. Caso não sejam repetidas as três, diga novamente e peça para repetir mas sem contar pontos desta vez. Atenção e Cálculo Pergunte quanto é 100- 7. Se a resposta for correta peça para subtrair 7 do resultado. Caso seja incorreta, aguarde um momento em silêncio. Se houver correção espontânea considere como certo e vá em frente. Se não houver corrija e continue até completar 5 subtrações. Um ponto para cada resposta correta. Alternativamente diga “Gostaria que dissesse a palavra MUNDO letra por letra, mas de trás para adiante começando pela letra O”. Um ponto para cada letra na posição correta. Memória de Evocação Imediata Memória de Evocação Recente 102 Diga “Lembra daquelas palavras que foram repetidas? Gostaria que fossem repetidas novamente ”. Um ponto para cada palavra correta Linguagem Mostre um relógio e uma caneta e pergunte o nome. Um ponto para cada resposta correta. Diga “Repita comigo - Nem aqui, nem alí, nem lá”. Um ponto se corretamente repetido. Diga “Faça exatamente como eu falar - pegue este papel com a mão direita, dobre ao meio e coloque-o no chão”. Em seguida coloque uma folha de papel sobre a mesa em frente ao paciente. Um ponto para cada etapa correta. Diga - “Vou mostrar uma coisa para o sr (sra.) ler e fazer. Estou pedindo uma coisa por escrito.”. Mostre a frase: “Feche os olhos”. Um ponto se os olhos forem fechados. Diga - “Quero que escreva uma frase. Tem que ter começo meio e fim. Pode ser um pensamento alguma coisa que o sr (sra) fez hoje, o que o sr (sra) quiser, mas tem que ter começo, meio e fim”. A explicação é necessária porque a resposta a um simples “escreva uma frase, pode ser escrever o nome. Um ponto se a frase for inteligível. Não considere erros de ortografia ou concordância. Diga - “Copie este desenho” e mostre dois pentágonos superpostos. Um ponto se duas figuras com 5 ângulos que se sobreponham por um deles. INTERPRETAÇÃO DO MINI EXAME DO ESTADO MENTAL (MMSE) Pontuação Escolaridade Diagnóstico <24 Altamente escolarizado Possível demência <18 Ginásio Possível demência <14 Analfabeto Possível demência 103 MINI EXAME DO ESTADO MENTAL Orientação Qual é a data? Pontos Pontos Dia do mês 1 mês 1 ano 1 dia da semana 1 hora 1 Local específico 1 local genérico 1 Bairro 1 Cidade 1 Estado 1 Memória Imediata Vaso, Carro e Tijolo 3 Atenção e Cálculo 100 - 7 (sucessivos) ou MUNDO 5 Memória de evocação recente recordar os 3 objetos anteriores 3 Linguagem Nomeação (relógio e caneta) 2 repetir “Nem aqui, nem alí, nem lá” 1 Pegue o papel com a mão direita, dobre-o ao meio e coloque-o no chão 3 Ler e executar: “Feche os olhos” 1 Escrever uma frase 1 Copiar um desenho 1 Que lugar é este? Pontuação total 30 TAREFA DO DESENHO DO RELÓGIO (CLOCK DRAWING TASK) O desenho do relógio a mão livre é uma tarefa complexa que requer diferentes habilidades, além daquela construcional. Tem-se demonstrado que tal teste é um sensível meio ara avaliação da praxia de construção, mas também podendo refletir déficits gerais na concepção do tempo. Tal tarefa é particularmente 104 útil como método de triagem, para diferenciar indivíduos idosos normais daqueles pacientes com comprometimento cognitivo, particularmente com a doença de Alzheimer, que totaliza cerca de 55% ou mais, de todas as demências. É importante notar-se que a performance, nesse breve teste de triagem, não estabelece o diagnóstico de demência Todavia, o exame pode ser útil, pelo menos, para se determinar se serão necessárias avaliações adicionais da cognição do indivíduo. INSTRUÇÕES Utilize uma folha em branco e peça ao paciente para desenhar um relógio, colocando os números nas posições corretas. Após ele(a) tiver desenhado um círculo e adicionado os números em posição, solicite que ele(a) desenhe os ponteiros, indicando onze horas e dez minutos ou, alternativamente, oito horas e vinte minutos. PONTUAÇÃO Desenha um círculo fechado: o1 ponto Coloca os números nas posições corretas: 01 ponto Inclui, corretamente, os 12 números: 01 ponto Coloca os ponteiros nas posições corretas: 01 ponto INTERPRETAÇÃO Certos erros, assim como contorno grosseiramente distorcido ou marcas impertinentes ao desenho, raramente são produzidas por pessoas com a cognição intacta. Deve-se exercer um julgamento clínico, porém uma baixa pontuação indica a necessidade de outras mais detalhadas avaliações. É importante enfatizar que qualquer pontuação de corte é subjetiva e arbitrária e, assim, podem ocorrer erros 105 de classificação. É improvável, contudo, que um paciente com comprometimento cognitivo desenhe perfeitamente, um relógio. 106 3 FOTOS DAS INSTALAÇÕES DO AMBULATÓRIO DO CRCB Entrada do CRCB Entrada do CRCB 107 Paisagismo externo Logotipo do ambulatório construído em mosaico de pedra por internos do CRCB 108 Vista externa do ambulatório Vista externa do ambulatório 109 Salão central do ambulatório de geriatria Balcão de agendamento 110 Sala de pré consulta Consultório médico 111 Sala de exames Banheiro adaptado 112 Banheiro adaptado Vista externa do ambulatório 113 Praça de convívio