Saúde no Brasil desperdiça e gasta mal,diz Banco Mundial Rio de Janeiro, RJ - sexta-feira, 13 de junho de 2008 Em estudo divulgado ontem em São Paulo, especialistas do Banco Mundial reprovam os hospitais brasileiros, públicos e particulares, e dizem que, no Brasil, o setor de saúde gasta mal, desperdiça e é mal gerido. No estudo "Desempenho hospitalar brasileiro", a rede de hospitais mereceu apenas a nota 0,34, numa escala de 0 a 1. Mais de 30% das internações são desnecessárias, o que causa desperdício de R$ 10 bilhões por ano. Os pesquisadores dizem que os hospitais são ineficientes e caros, e defendem que o modelo seja totalmente reformado. "Não adianta apenas ter recursos a mais. É preciso gastar bem o dinheiro", disse o professor Bernard Couttolenc, referindo-se à nova CPMF, aprovada pela Câmara. 'Não adianta só ter mais recursos' Rio de Janeiro, RJ - sexta-feira, 13 de junho de 2008 Estudo do Banco Mundial mostra que Brasil gasta mal as verbas destinadas à saúde Tatiana Farah, SÃO PAULO O setor de saúde no Brasil gasta mal, desperdiça e é mal gerido. Especialistas do Banco Mundial (Bird), que fizeram amplo estudo sobre a rede hospitalar brasileira, reprovaram tanto unidades públicas como privadas. O relatório "Desempenho hospitalar brasileiro", lançado ontem em São Paulo, mostra que o sistema no país é ineficiente e encarece os custos hospitalares. Após cinco anos de estudos, os pesquisadores Gerard La Forgia e Bernard Couttolenc apresentaram o "escore de eficiência" dos hospitais: de uma escala de 0 a 1, a nota no Brasil é um amargo 0,34. Eles defenderam uma reforma profunda no modelo atual. - Não adianta apenas ter recursos a mais. É preciso gastar bem o dinheiro disse o professor Couttolenc, um dos autores do relatório, referindo-se à Contribuição Social para a Saúde (CSS), a nova CPMF aprovada na véspera pela Câmara. A pesquisa revela que 52% dos hospitais fora de São Paulo não têm critérios sobre diagnósticos para controle de vigilância contra infecção ou perderam os dados sobre isso. - No sistema brasileiro de saúde, o centro do universo são os hospitais. É a maior fonte de gastos do sistema, mas há pouca informação sobre gastos e desempenho. São serviços muito caros e que nem sempre contribuem para a boa saúde da população - diz Gerard La Forgia, o principal especialista em saúde do Bird. A transformação do hospital nesse centro nervoso da saúde causa um desperdício de dinheiro porque o cidadão acaba sendo atendido em um equipamento público ou privado de alta complexidade quando, na verdade, precisaria apenas de um procedimento médico simples. Dos R$ 196 bilhões gastos em saúde em 2006, 67% foram para os hospitais. A média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 55%. Desse total, cerca de 30%, ou R$ 10 bilhões, foram gastos em internações que não requeriam cuidados hospitalares. "É um problema sistêmico hoje" Para La Forgia, há importantes observações que podem resumir seus cinco anos de pesquisa no sistema hospitalar brasileiro: - Os hospitais são muito caros e ineficientes. É um problema sistêmico, não unicamente do SUS. A maioria dos hospitais é ineficiente em escala e produtividade. Poderia fazer muito mais com os recursos de que dispõe. Os modelos de governança, seja público ou privado, que têm mais autonomia, com responsabilização dos gestores, são melhores em termos de desempenho que os demais. Os contratos e sistemas de pagamento feitos com o hospital fazem pouca pressão para vincular os quesitos de qualidade, desempenho e produção. Os dados do estudo serão encaminhados aos gestores dos hospitais brasileiros e ao Ministério da Saúde. Os pesquisadores apontaram que a taxa de ocupação de leitos dos hospitais brasileiros é de 37%. - Esse índice é um levantamento do próprio Ministério da Saúde, mas é feito no dia 31 de dezembro de cada ano - disse Couttolenc, destacando que, com isso, pode haver distorções: - Se pensarmos de forma simplista, teríamos uma taxa de ociosidade de 60%. Mas nem todos esses leitos têm de ser fechados. É preciso haver uma política de racionalização, porque muitos não estão em condições de serem ocupados. Em muitos casos, não há nem médicos para o atendimento do hospital - ponderou. No escore de eficiência, de acordo com os especialistas, quanto maior o hospital brasileiro, mais ele obteve boa pontuação. Os hospitais que obtiveram nota superior a 0,45 têm mais que 250 leitos. Os que têm 99 leitos ficaram abaixo de 0,35. Do total da rede nacional, foram testados 488 hospitais. Segundo o especialista Couttolenc, os nomes das instituições não foram divulgados. Foram usados dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e os hospitais foram identificados apenas por números. Dos 7.426 hospitais brasileiros, apenas 56 têm selo de qualidade. Desses, 43 estão no Sudeste, oito no Sul, dois no Centro-Oeste e três no Nordeste. Na Região Norte, não há um único hospital com certificação de qualidade. Segundo o Bird, o Brasil tem o melhor marco regulatório da América Latina para o licenciamento de um hospital. No entanto, os hospitais não cumprem a legislação. A diferença entre um hospital certificado e outro sem certificação é gritante e pode ser mortal para o paciente: a mortalidade cirúrgica chega a ser três vezes maior em um hospital sem selo de qualidade do Ministério da Saúde. O diretor de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Alberto Beltrame, atribuiu o resultado apontado pelo relatório do Banco Mundial ao desempenho ruim dos hospitais pequenos do país. Beltrame afirmou que 60% dos 7.426 hospitais do país contam com, no máximo, 50 leitos. - Esses hospitais têm mais dificuldade que os de médio e grande porte e puxam a avaliação para baixo - disse Beltrame. Segundo o diretor, esses hospitais têm um custo muito alto para os serviços que são capazes de oferecer. Beltrame explicou que há muita ociosidade nessas unidades e que a taxa de ocupação é muito baixa. - São hospitais que não apresentam resultados. Acabam sendo hospitais onde o paciente passa o dia. Talvez nem é necessário interná-lo. Alberto Beltrame disse que, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), houve uma preocupação do Estado em ampliar a oferta de serviços para a população e o enfoque agora é a qualidade desse atendimento. "Inaugurar hospital pode ser bom só para o prefeito" Rio de Janeiro, RJ - sexta-feira, 13 de junho de 2008 CORPO A CORPO - Bernard Vouttolenc SÃO PAULO. PhD em Economia da Saúde pela John Hopkins University, Bernard Couttolenc, da USP, "fez e refez" as contas com o colega Gerard la Forgia, a quem ajuda nas palavras complicadas do português, mas não teve jeito: a nota do Brasil é baixa mesmo quando se trata de eficiência hospitalar. E o problema, dizem, está longe de ser sanado apenas com mais dinheiro. Tatiana Farah O GLOBO: O novo imposto, a CSS, vai ajudar o país? BERNARD COUTTOLENC: Recursos são sempre bem-vindos. O problema é a forma de gastar esse dinheiro. Tem de gastar bem. Sem melhora de qualidade, não adianta. O dinheiro não pode entrar no geral do financiamento de saúde. O senhor disse que 60% dos leitos, segundo o Ministério da Saúde, estão ociosos, mas há gente morrendo à espera de um leito.Por que isso acontece? É a má gestão da qual tratamos hoje. Inaugurar um hospital pode ser bom para o prefeito, mas nem sempre é bom para a população. O hospital não é a solução para tudo. Quanto aos leitos, grande parte dos que estão desocupados nem está em condições de estar ocupada (pela precariedade). Há mesmo leitos sobrando? Quando a gente diz que a taxa de ocupação é de 37%, é a média nacional. Uma parte desses leitos não está nem tem condições de ser ocupada. A gente precisa ser cuidadoso com essa história de fechar leito porque é um raciocínio simplista dizer que tem 60% de leitos ociosos. Precisa-se de uma política mais ampla de racionalização da oferta de serviços hospitalares. Isso vai contemplar a todos. Qual o impacto dessa ineficiência sobre o paciente? Ele sofre um reflexo direto. Se o dinheiro é mau usado, vai faltar medicamento. Vai faltar o tratamento adequado. Se o senhor levasse o hospital para o hospital, quais seriam as medidas de emergência para salvá-lo? Não há como resolver tudo em dois meses. Mas temos de tomar medidas o quanto antes. É importante fazer uma reforma, ver como eles são gerenciados. Como são feitos os mecanismos de pagamento (financiamento). A pesquisa do Banco Mundial considerou o fator corrupção como um dos custos do gerenciamento nos hospitais do Brasil? Não entramos nesse campo, mas, sem dúvida, a corrupção é um dos custos e gera dispêndios, sim. Os senhores defendem os modelos de Organizações Sociais de Saúde (OSS). Mas como controlar isso em um hospital? O modelo tradicional de gestão pública implica que todos os controles ou quase todos sejam sobre os processos, quantas consultas foram feitas. Esse modelo não se preocupa em avaliar resultado. Então, é um modelo burocrático, pesado. Você precisa de autorização para pegar isso aqui, mas não dá conta do impacto. Mas o modelo de OSS que responsabiliza o gestor pelo resultado é muito mais flexível e dá mais certo. Não é mais frouxo, não, do que tentar amarrar com o orçamento, que precisa de autorização para comprar isso, aquilo. Agora, o modelo de contratação só funciona bem se o contratante sabe fazer a parte dele, que é estabelecer metas e resultados e cobrar resultados. Especialistas defendem gestão autônoma Rio de Janeiro, RJ - sexta-feira, 13 de junho de 2008 Modelo das Organizações Sociais de Saúde é o mais bem avaliado SÃO PAULO. Os especialistas do Banco Mundial (Bird) avaliam que o melhor modelo de gestão são as OSS (Organizações Sociais de Saúde), implantadas nos últimos dez anos pelo Estado de São Paulo. Os modelos, no entanto, são polêmicos para os políticos paulistas. Os deputados estaduais acabaram de concluir um relatório da CPI que investiga a forma de pagamento de honorários médicos das OSS paulistas. O relatório deve ser votado nas próximas semanas. O modelo de gestão, no entanto, está entre os mais bemavaliados entre os 7.400 hospitais brasileiros. O Brasil tem 17 hospitais geridos por OSS. - Este é um modelo de alta performance no Brasil, tanto no setor público quanto no privado. É o modelo de gestão autônoma, mas com responsabilidade - disse o principal especialista em saúde do Bird, Gerard La Forgia. Segundo La Forgia, um ponto importante da administração dos recursos e que não pode ser negligenciado pelo pagador - no caso, o SUS (Sistema Único de Saúde) - são os indicadores de desempenho. Também deve haver a responsabilização do gestor desses recursos: - Sem fiscalização, sem gestão de contrato, sem monitoramento dos indicadores, a coisa não funciona. Se você não pode aplicar sanções, se não tiver informações, não pode fazer cumprir o desempenho. A fiscalização financeira tem de ser técnica também. Tem de verificar se estão cumprindo com as informações que estão entregando. Para ele, as OSS têm bom desempenho e apresentam as contas com transparência: - É um modelo transparente, sim - afirma. (Tatiana Farah)