Visão geral do metabolismo glicídico

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Visão geral do metabolismo glicídico; Rui Fontes
Visão geral do metabolismo glicídico
1.
Todas as células do organismo podem usar glicose oxidando-a (processo exergónico) de forma
acoplada com a formação de ATP (processo endergónico).
a)
O catabolismo da glicose envolve a actividade das enzimas da glicólise que no seu conjunto
catalisam a seguinte reacção soma:
glicose + 2 ADP + 2 Pi + 2 NAD+ → 2 piruvato + 2 ATP + 2 H2O + 2 NADH
b)
Para que a glicólise possa prosseguir todo o NADH formado tem de ser continuamente
oxidado a NAD+. Em condições de anaerobiose o NADH é oxidado pelo piruvato formando-se
lactato. Em condições aeróbias o NADH é oxidado pelo O2 na cadeia respiratória. Contudo, o
facto de o complexo I (a “enzima” capaz de ligar e oxidar o NADH) ter o centro activo voltado
para a matriz da mitocôndria e não existir na membrana interna da mitocôndria transportador
para o NADH impossibilita a interacção directa do NADH formado no citosol com o complexo
I. Neste contexto é importante a acção das lançadeiras do malato e do glicerol-3-P.
c)
As enzimas da glicólise que tem o papel mais importante na regulação da velocidade do
catabolismo da glicose são também as que catalisam reacções fisiologicamente irreversíveis: a
hexocínase, a cínase da frutose-6-P e a cínase do piruvato.
d)
O piruvato formado na glicólise pode entrar para a mitocôndria e ser oxidado a acetil-CoA
numa reacção que também é fisiologicamente irreversível e é catalisada pela desidrogénase do
piruvato.
piruvato + NAD+ + CoA → acetil-CoA + NADH + CO2
e)
A oxidação do resíduo de acetato da acetil-CoA tem lugar dentro da mitocôndria por acção das
enzimas do ciclo de Krebs que no seu conjunto catalisam a seguinte reacção soma:
Acetil-CoA + 3 NAD+ + FAD + ADP + Pi → CoA + 2 CO2 + 3 NADH + FADH2 + ATP
f)
A formação de acetil-CoA é um passo indispensável na oxidação completa de todos os
nutrientes. A oxidação dos aminoácidos que geram intermediários do ciclo de Krebs envolve a
sua conversão em oxalacetato e a conversão sequencial deste em fosfoenolpiruvato
(carboxicínase do fosfoenolpiruvato), piruvato e acetil-CoA. A oxidação dos aminoácidos que
geram intermediários do ciclo de Krebs ou piruvato também pode ocorrer via conversão em
glicose (gliconeogénese) e posterior oxidação da glicose formada.
g)
Os complexos da cadeia respiratória fazem a acoplagem da oxidação do NADH (formado por
acção de várias desidrogénases) e do ubiquionol (formado pelas desidrogénases do succinato ou
do glicerol-3-P) pelo O2 (processo exergónico) com o transporte de protões da matriz para o
espaço intermembranar da mitocôndria (processo endergónico). O regresso dos protões à matriz
através da componente Fo da síntase do ATP (processo exergónico) permite a síntese de ATP
(processo endergónico).
h)
Admitindo que à oxidação de um mole de NADH corresponde a formação de 2,5 moles de ATP
e que à oxidação de um mole de FADH2 1,5 moles de ATP pode calcular-se que à oxidação
completa de um mole de glicose (glicose + 6 O2 → 6 H2O + 6 CO2) pode corresponder a
formação de 30 a 32 moles de ATP. A maioria dos ATPs formam-se por acção da síntase do
ATP mas algumas correspondem a fosforilações “ao nível do substrato”. O NADH forma-se por
acção catalítica das desidrogénases do gliceraldeído, do piruvato, do isocitrato, do αcetoglutarato, do malato e do glicerol-3-P (isoenzima citoplasmática). A formação do FADH2 e
a subsequente redução da ubiquinona ocorre por acção da desidrogénase do succinato ou (no
músculo e cérebro) por acção da desidrogénase do glicerol-3-P (isoenzima presente na face
externa da membrana interna da mitocôndria).
i)
A velocidade de oxidação da glicose (e dos outros nutrientes) depende principalmente da
velocidade de hidrólise do ATP. A subida da concentração de ADP (e AMP) vai estimular
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directa ou indirectamente as enzimas “marca-passo” dos processos catabólicos que aumentando
a velocidade de oxidação da glicose permitem aumentar a velocidade de formação do ATP de
modo a manter a sua concentração estacionária. A concentração intracelular de Ca2+ também
tem uma importância crucial na estimulação dos processos oxidativos (e na hidrólise do ATP).
2.
3.
4.
A galactose e a frutose são transformadas nas células acabando por gerar intermediários idênticos
aos que se formam no caso da glicose.
a)
Um dos intermediários formados no metabolismo da galactose é a UDP-galactose que é o
substrato dador de galactose na síntese de glicoproteínas, glicolipídeos e da lactose do leite.
b)
No metabolismo hepático da frutose forma-se frutose-1-P que acaba por gerar intermediários
da glicólise.
A actividade das enzimas “marca-passo” do ciclo de Krebs não aumenta quando aumenta a formação
de acetil-CoA. Quando a concentração de glicose no sangue é elevada (após ingestão de glicídeos)
aumentam os níveis hormonais de insulina e diminuem os de glicagina aumentando os processos
metabólicos que levam ao consumo de glicose e à formação de substâncias de reserva energética,
nomeadamente, glicogénio e gorduras.
a)
Na regulação do metabolismo da glicose tem especial relevância o fígado e o tecido adiposo.
b)
Quando a concentração de glicose aumenta no sangue após uma refeição rica em glicídeos
entram em acção mecanismos homeostáticos que aumentam o consumo de glicose pelas células.
No fígado, a par com a formação de ácidos gordos e gordura, tem importância a estimulação da
glicogénese: a via metabólica que leva à formação de glicogénio.
c)
A glicogénese envolve a fosforilação da glicose a glicose-6-P (glicocínase hepática ou
hexocínase muscular), a isomerização da glicose-6-P a glicose-1-P (fosfoglicomútase), a
uridilação da glicose-1-P pelo UTP e consequente formação de UDP-glicose1 (pirofosforílase
do UDP-glicose) e a glicosilação de um “primer” de glicogénio por acção catalítica da síntase
do glicogénio (glicogénio(n) + UDP-glicose → glicogénio(n+1) + UDP). A enzima “marca-passo”
na síntese do glicogénio é a síntase do glicogénio cuja actividade aumenta quando a insulina
está elevada e a glicagina baixa. O glicogénio é um polímero ramificado e no processo de
formação de glicogénio também intervém uma transférase intramolecular denominada enzima
ramificante.
d)
O papel da glicose na formação de gordura é triplo: (1) através da glicólise e da
desidrogénase do piruvato dá origem a acetil-CoA, (2) através da via das pentoses-P pode ser
oxidada à custa da redução do NADP+ a NADPH e (3) por redução de um intermediário da
glicólise (a di-hidroxiacetona-P) pode gerar glicerol-3-P. O NADPH é o agente redutor na via
de síntese de ácidos gordos a partir de acetil-CoA. Altos níveis de insulina e baixos de glicagina
levam ao aumento (no fígado e no tecido adiposo) da actividade das enzimas “marca-passo” da
glicólise, da via das pentoses-P (desidrogénase da glicose-6-P e desidrogénase do 6fosfogliconato) e das vias de síntese de ácidos gordos e de gordura. O glicerol-3-P e os ácidos
gordos são os substratos para a síntese de gordura.
e)
A síntese de ácidos gordos ocorre no citosol das células e envolve a passagem da acetil-CoA
formada na mitocôndria para o citosol; nesse processo intervêm a síntase do citrato, um
transportador para o citrato e a líase do ATP citrato.
Quando a concentração de glicose baixa no sangue após um período mais ou menos prolongado
de jejum baixam no sangue os níveis de insulina e aumentam os de glicagina que estimulam as vias
metabólicas que levam à formação de glicose (glicogenólise e gliconeogénese hepáticas) e inibem as
vias que levam ao consumo de glicose (glicólise e glicogénese). Paralelamente e oferecendo aos tecidos
um nutriente alternativo à glicose (ácidos gordos) também aumenta a velocidade de hidrólise das
gorduras no tecido adiposo.
1
A UDP-glicose pode ser dador directo de resíduos glicose na formação de glicoproteínas mas também pode sofrer
isomerização a UDP-galactose ou oxidação a UDP-glicurónico. O UDP-glicurónico é o substrato dador de ácido
glicurónico na formação de proteoglicanos e na glicuro-conjugação da bilirrubina e xenobióticos.
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5.
a)
A glicogenólise é a via metabólica que permite converter o glicogénio em glicose-6-P. Esta via
metabólica tem como enzima “marca-passo” a fosforílase do glicogénio que catalisa a
fosforólise do glicogénio (glicogénio(n) + Pi → glicogénio(n-1) + glicose-1-P) formando-se
glicose-1-P que se converte em glicose-6-P. No fígado, durante o jejum, também está
estimulada a actividade da glicose-6-fosfátase (glicose-6-P + H2O → glicose + Pi) aumentando
a velocidade de conversão de glicose-6-P em glicose que se verte no sangue2. O glicogénio é um
polímero ramificado e no processo de degradação do glicogénio também intervém uma outra
enzima (enzima desramificante) que tem duas actividades: transferásica e hidrolítica (na
ligação α-1,6).
b)
Designa-se como gliconeogénese o conjunto de processos metabólicos que permitem a
formação de glicose (ou glicogénio) a partir de substratos não glicídicos. Embora também
exista no rim e intestino tem particular importância no fígado. É costume mencionar como
importantes substratos da gliconeogénese o lactato, os aminoácidos ditos glicogénicos (como a
alanina e o glutamato) e o glicerol. Os ácidos gordos de cadeia par não são substratos da
gliconeogénese.
c)
A formação de glicose no fígado a partir do lactato que continuamente se vai formando nos
eritrócitos envolve algumas enzimas que também têm um papel na glicólise; estas enzimas são
as que catalisam reacções fisiologicamente reversíveis e que, nas condições metabólicas em que
a gliconeogénese está activada (e a glicólise inibida) operam catalisando a reacção inversa.
Contudo algumas das enzimas da glicólise (glicocínase, cínase da frutose-6-P e cínase do
piruvato) catalisam reacções fisiologicamente irreversíveis. A conversão do lactato em glicose
envolve primeiro a acção de uma enzima que catalisa uma reacção fisiologicamente reversível
(desidrogénase do lactato) e que, neste caso, catalisa a oxidação do lactato a piruvato. A
passagem de piruvato a fosfoenolpiruvato não é possível por acção da cínase do piruvato mas
pode ocorrer por acção de duas enzimas: a carboxílase do piruvato (que catalisa a carboxilação
do piruvato a oxalacetato) e a carboxicínase do fosfoenolpiruvato (que catalisa a conversão do
oxalacetato a fosfoenolpiruvato). A conversão da frutose-1,6-bisfosfato em frutose-6-P não é
possível por acção da cínase da frutose-6-P mas é catalisada por uma hidrólase: a frutose-1,6bisfosfátase. De modo análogo a conversão da glicose-6-P em glicose também não é possível
por acção da glicocínase mas é catalisada por outra hidrólase: a glicose-6-fosfátase. Quando os
níveis de glicemia são baixos e os níveis hormonais de glicagina aumentam estão estimuladas
as enzimas próprias da gliconeogénese e inibidas as que se lhe opõem na via glicolítica.
d)
A processo de formação de glicose a partir de alanina é muito semelhante ao referido para o
caso do lactato porque por acção de uma transamínase a alanina pode converter-se em piruvato.
O glutamato pode (também por acção de uma transamínase) converter-se no intermediário do
ciclo de Krebs α-cetoglutarato e, portanto, formar oxalacetato que pode converter-se em glicose.
e)
O glicerol formado no tecido adiposo aquando da hidrólise da gordura pode no fígado
converter-se em glicerol-3-P (cínase do glicerol) que pode ser oxidado a di-hidroxiacetona-P
um intermediário da gliconeogénese (e da glicólise).
A glicose é também oxidada numa via metabólica em que o oxidante é o NADP+ (via das pentosesP); assim, origina-se NADPH que entre outros papeis é o redutor em processos anabólicos com a síntese
de ácidos gordos. Para além de ter um papel como redutor do oxigénio e do NADP+ a glicose também é
percursor de outras oses como por exemplo a ribose e a desoxiribose dos nucleotídeos e dos ácidos
nucleicos. Nos tecidos em que (caso do músculo) as actividades das enzimas da fase irreversível da via
das pentoses-P é baixa a ribose-5-P pode formar-se a partir de frutose-6-P e gliceraldeído-3-P
através da acção catalítica das enzimas da fase reversível da via das pentoses-P.
2
O músculo não contém glicose-6-fosfátase e também não é sensível à glicagina: o glicogénio muscular não tem
nenhum papel na manutenção da glicemia (concentração da glicose sanguínea). A degradação do glicogénio de cada
fibra muscular é regulada em última análise pela actividade contráctil dessa mesma fibra muscular.
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Galactose
Lançadeiras do
malato ou do
glicerol-3-P
→
Fosforilação
oxidativa
Glicogénio
UDP
ATP
2 NAD+
ADP
2 NADH
UDP-Glicurónico
X
UDP-Glicose
Galactose-1-P
PPi
UDP
Pi
UTP
Glicurónico-X
UDP-Galactose
Glicose-1-P
6-Fosfogliconolactona
H2O
ATP ADP
NADPH
6-Fosfogliconato
Glicose
Glicose-6-P
Pi
NADP+
NADP+
H2O
NADPH
ATP
ADP
Ribulose-5-P
Frutose-6-P
Frutose
ATP
Pi
ADP
ATP
ADP
H2O
Frutose-1,6-bisP
Frutose-1-P
Gliceraldeído-3-P
Di-hidroxi-acetona-P
Gliceraldeído
Pi + ADP +
NAD+
ADP
ATP
QH2
NADH
Fosfoenolpiruvato
ADP
Q
ATP
NAD+
Piruvato
Glicerol-3-P
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Gliceraldeído-3-P
NAD+
Pi
NADH
1,3-BisP-glicerato
Lançadeiras do
malato ou do
glicerol-3-P
→
Fosforilação
oxidativa
ADP
ATP
3-Fosfoglicerato
2-Fosfoglicerato
H2O
Fosfoenolpiruvato
ADP
GDP
ATP
Piruvato
CO2
Lactato
Ác. gordos
CoA
ATP
CO2
NADP+
CO2
NADPH
+
NAD
GTP
Acetil-CoA
Oxalacetato
NADH
ADP +
Pi
ADP + Pi
ATP
H2O
Oxalacetato
CoA
NADH
Malato
CoA
Citrato
NAD+
H2O
isocitrato
Fosforilação oxidativa
NADH/FADH2+ ½ O2 → H2O
Fumarato
NAD+
FADH2
FAD
NADH
ATP
ADP+Pi
NAD+
CoA
CO2
CoA
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α-cetoglutarato
NADH
Succinil-CoA
Succinato
CO2
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