MINISTÉRIO PÚBLICO, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS Willian Buchmann∗ Área: Política Institucional e Administrativa 1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E PARTICIPAÇÃO POPULAR: UMA (PRÉ)ANÁLISE NECESSÁRIA É o Estado Democrático de Direito, em virtude do qualificativo democrático, que está a reclamar uma participação popular efetiva e direta na gestão e no controle da Administração Pública. Trata-se de um conceito preeminentemente político, calcado, mormente, no princípio da soberania popular, que exige a participação efetiva do povo na administração do bem público, o qual detém mecanismos eficazes de controle de decisões. Com a Constituição-Cidadã de 1988, o tema participação social na coisa pública, ao tempo que aponta os limites duma democracia meramente representativa, ganha novos contornos, em contraposição à forma centralizada e autoritária de administração, emergindo, nesse contexto, uma revalorização da participação popular (RAICHELIS, 1998, p. 75). Só liberdade e propriedade já não bastam. É preciso garantir (e ampliar) direitos sociais de cidadania. Significa dizer que a visão reducionista de democracia (representativa), atrelada apenas à participação popular na elaboração de leis diz com uma postura liberal-individualista de Estado de Direito, absolutamente destoante (e descontextualizada) do que foi preconizado pelo constituinte de 1988 desde o preâmbulo da Constituição, ao prever que a República brasileira se constitui em Estado Democrático de Direito. Pondere-se que tais noções de democracia não são excludentes. Pelo contrário, a Constituição Federal alargou o projeto de democracia, compatibilizando princípios da democracia representativa com os da democracia participativa, e reconhecendo a participação social como um dos elementos-chave na organização das políticas públicas (SILVA; JACCOUD; BEGUIN, 2009, p. 374). Afinal, se a democracia é um bem da soberania popular, a participação dos cidadãos é, precisamente, a sua marca eminente, exprimindo uma concepção de transformação que vem dos cidadãos (ZVIRBLIS, 2006, p. 62). Assim, neste modelo, Estado e sociedade interpenetram-se e surge uma esfera de relações semipúblicas (HABERMAS apud RAICHELIS, 1998, p. 53), em que atuam as organizações sociais privadas (econômicas e de massa). O intercâmbio permanente entre Estado-sociedade civil politizada é necessário para que a democracia não fique flutuante, em um plano abstrato demais e, com isso, sem a afirmação de novas hegemonias. Todavia, considerando-se que a noção de esfera pública habermasiana não contempla a participação da sociedade civil em níveis decisórios sistêmicos, de modo que podem ou não influenciar nos domínios institucionais, defende-se, neste estudo, um maior empoderamento da sociedade nos espaços públicos, ∗ Promotor de Justiça no Estado do Paraná. atribuindo-se-lhe poder de deliberação, além da inclusão de públicos tradicionalmente excluídos do processo político formal (SILVA, 2009, p. 23). Para tanto, a par do ativismo civil, necessária a criação de espaços políticos em que os grupos sociais atuem como sujeitos de pensamento, vontade de ação e capacitados para se universalizarem, gerando, assim, um sentido de pertencimento coletivo, de tornar visíveis as injustiças sociais e os problemas de co-gestão das políticas públicas. São as denominadas instâncias participativas, consistentes em espaços cujo propósito é permitir que os sujeitos atuem conjuntamente e, consequentemente, potencializem seus esforços participativos e a consecução de seus objetivos (ESCOREL; MOREIRA, 2008, p. 983-4). E criando-se, com, isso, uma cultura participativa, difundindo-se e incutindo-se valores democráticos, gradativamente, em toda a sociedade. Nesse passo, fazer política passou a ser papel não apenas do Estado e partidos políticos, mas de toda a sociedade. O fortalecimento da sociedade civil foi considerado fundamental para a construção da democracia (DAGNINO, 2000, p. 69). Forjou-se, com isso, um novo padrão de cidadania, com reivindicações de participar efetivamente da definição do sistema, exigindo o cumprimento das promessas constitucionais de cidadania e vida digna, muitas das quais ainda não cumpridas. Dentre as formas de participação, destacam-se, no âmbito individual, opinião pública, voto, protesto, e, no espectro coletivo, os movimentos sociais, partidos, sindicatos conselhos gestores de políticas públicas, conferências e audiências públicas, reuniões, iniciativa popular de projeto de lei, referendo e plebiscito. Modernamente, assim, a esfera pública não compreende (ou não deveria compreender) apenas o Estado e seus Órgãos, mas também, em contínua relação, as organizações sociais1. Nada obstante, no dia a dia do processo de transformação social e democrática proclamado pela Constituição da República vigente, a democracia representativa (ou seus representantes), em sua arena política formal, ainda configura o maior obstáculo, já que não consegue (ou não deseja) se adaptar e conviver com a democracia participativa. Talvez por implicar verdadeira necessidade de partilha de poder. É nesse cenário que emerge o projeto democrático, destinado a tornar viável o governo do povo (soberania popular), com participação popular ampliada nos processos de tomada de decisão. Tal projeto pressupõe cidadãos ativos da democracia, devendo, por isso, ser constantemente (re)criados e (re)organizados. (NOGUEIRA, 2004, p. 87; 91). 2 POLÍTICAS PÚBLICAS E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA Antes de adentrar-se na abordagem das políticas públicas propriamente ditas, cumpre, brevemente, incursionar em sua epistemologia. Para tanto, necessário ver, inicialmente, que o termo política significa forma de regulação social (que se contrapõe à coerção) típica de democracias ou Estados ampliados, servindo de instrumento de consenso entre partes conflitantes (PEREIRA, 2008, p. 89). Portanto, a conflituosidade é elemento que compõe a arena política, destinada a, com a ampliação da cidadania e consequente valorização da dimensão social (PEREIRA, 2008, p. 91), via mediação estatal, (re)estabelecer consensos e garantir a convivência humana em sociedade. 1 É o fenômeno da publicização, baseado em alianças entre Estado e sociedade civil (com seus sujeitos sociais). Entende-se política pública como uma forma política contemporânea de exercício do poder nas sociedades democráticas, resultante de complexa interação entre Estado e sociedade – e não apenas intervenção do estado em situação considerada problemática (DI GIOVANNI, 2009). Até porque a expressão políticas públicas revela avassaladora presença na vida cotidiana dos países democráticos, como o Brasil. Significa dizer que, numa hermenêutica consentânea com a Constituição Federal vigente, o paradigma da legitimidade das decisões políticas – inclusive e especialmente definições de políticas públicas – restou alterado, para se fazer garantida a efetiva e direta participação social nesta direção. É o que se infere de diversos dispositivos da denominada Constituição-Cidadã, que estabeleceu sistemas de gestão democrática em vários campos de atuação da Administração Pública, como (a) o planejamento participativo, mediante a cooperação das associações representativas no planejamento municipal, no art. 29, XII; gestão democrática do ensino público, no art. 206, VI, gestão administrativa da seguridade social com a participação quadripartite de governos, trabalhadores, empresários e aposentados (SILVA, 2009, p. 14), no art. 194, VII; proteção dos direitos da infância e juventude e serviço de assistência social, tendo como diretrizes a descentralização político-administrativa e a participação popular (arts. 204, I e II, e 227, § 7º). Daí dizer com Escorel e Moreira (2008, p. 987) que A participação social é a base constitutiva da democracia e, por conseguinte, o aperfeiçoamento e a ampliação de uma estão diretamente relacionados ao desenvolvimento e à universalização da outra. Nessa “socialização do poder” com uma sociedade civil tipicamente plural e heterogênea, faz-se mister um dar-se-conta de que esse processo democratizante envolve conflitos e disputas e, por isso mesmo, desigualdades que marcam a composição social, em que setores antes marginalizados podem, doravante, galgar espaços e ocupar posições no cenário político para fazer valer, igualmente, suas demandas (Grupo de Estudos sobre a Construção Democrática, 1998/1999, p. 79) Assim sendo, a participação social é, via decorrencial, elemento-chave na organização de políticas públicas. Disso, não se pode descurar, ainda, para a adequada e contextualizada noção do termo público, que, pelo informe democrático, transcende a mera noção de estatal. Afinal, ‘‘a política pública não é só do Estado, visto que, para a sua existência, a sociedade também exerce papel ativo e decisivo; e o termo público é muito mais abrangente do que o termo estatal’’ (PEREIRA, 2008, p. 94). E complementa Pereira (2008, p. 94), com percuciência, quanto à palavra pública, que sucede à palavra política: Sua maior identificação é com o que em latim se denomina de res publica, isto é, res (coisa), publica (de todos), e, por isso, constitui algo que compromete tanto o Estado quanto a sociedade. É, em outras palavras, ação pública, na qual, além do Estado, a sociedade se faz presente, ganhando representatividade, por decisão e condições de exercer sobre a sua própria reprodução e sobre os atos e decisões do governo. Clareie-se com um exemplo recente, proveniente da atuação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, que, em investigações referentes às contas do Natal Luz, tradicional festa de fim de ano realizada em Gramado, na serra gaúcha, apurou o pagamento e aplicação de verbas públicas de forma irregular por gestores municipais entre os anos 2007 e 2010 (MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL, 2011). Neste caso, entendeu aquele Órgão Ministerial que, em se tratando de festividade comunitária, em que a Prefeitura nomeia, entre notáveis da comunidade, a comissão organizadora – embora não promova ou organize diretamente a referida festa -, o evento tem natureza pública, devendo pautar-se por normas que regem a Administração Pública, de sorte que os integrantes de tal comissão estariam inclusive impedidos de ter empresas ou parentes contratados para atuar nos festejos (ZERO HORA, 2011, p. 18-9). Diante do até aqui exposto quanto ao modelo de Estado de Direito inaugurado pelo Constituinte de 1988, focado na (necessária e legitimadora) participação-popular-cidadã quanto às decisões políticogovernamentais adotas, fácil concluir o acerto do norte emprestado pelo Ministério Público gaúcho no exemplo supra, já que adotado posicionamento ampliativo do conceito de público. Assim, se a política é pública, significa que é de todos, não no sentido de vinculação com o Estado ou com a dimensão da demanda social que lhe requer atenção, mas por significar um conjunto de decisões e ações que resulta do imbricamento Estado-sociedade, tendo por função essencial a concretização de direitos (sociais) de cidadania conquistados pela sociedade e guarnecidos por normas jurídicas (PEREIRA, 2008, p. 95; 101-2). Ainda num enfoque conceitual, lecionam, com idêntico norte, Costa e Battini (2007, p. 24) que ‘‘As políticas públicas são áreas de pactuação entre o Estado e a sociedade, constituindo-se em medidas acima do programa dos governos’’. Para a implementação das políticas públicas, além do crescimento econômico do Estado, é imprescindível que as forças políticas (vontade política da sociedade) estejam voltadas para o desenvolvimento social, revelando-se, nessa direção, importantes os mecanismos internos (como os conselhos gestores de políticas públicas) e externos (como o Ministério Público) de controle – inclusive quanto ao destino de verbas orçamentárias (BATTINI; COSTA, 2007 p. 25; 29). Dentre as destacadas formas como se projetam, de modo participativo, as políticas públicas, para além de reuniões e audiências públicas, cita-se os conselhos de políticas públicas, como é o caso dos Conselhos da Saúde, de caráter deliberativo, que bem refletem uma das diretrizes do sistema único de saúde previstas na Constituição Federal, qual seja, a participação da comunidade (art. 198, III). Os conselhos gestores são típicas formas de participação popular direta na deliberação e/ou consultas acerca de políticas públicas a serem implementadas. São eles integrados por representantes do Estado e da Sociedade, na esfera pública, sendo responsáveis pela apresentação, processamento de demandas, expressão e articulação de interesses, negociação, acompanhamento e controle da política e, em muitos casos, de decisão (SILVA; JACCOUD; BEGUIN, 2009, p. 376). Reconhece-se, a partir de seus aperfeiçoamentos, que problemas pertinentes, e.g., à saúde, educação e infância e juventude não são apenas técnicos, mas políticos e, portanto, resultado de conflitos e acordos entre diversas forças políticas (SILVA; JACCOUD; BEGUIN, 2009, p. 385), a serem absorvidos, arbitrados e efetivados pelo poder público constituído. 3 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Desse contexto, resta evidente o compromisso constitucional do Ministério Público, pois nada mais condizente com o papel de defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, entregue ao parquet no artigo 127, caput, da CF, do que a efetiva atenção e contribuição ministeriais para o pleno exercício e funcionamento dos mecanismos legítimos de promoção de políticas públicas, radicados nos instrumentos de participação popular, como os Conselhos Gestores. Assim agindo, para além de instrumento garantidor da livre mobilização de (diferentes) vontades coletivas, o Órgão Ministerial atuará como co-autor de transformação social. Com tal mister, ressoa mais consentânea com a heterogeneidade dos interesses da sociedade em jogo, na incessante busca da democratização das relações sociais e afirmação da cidadania, a atuação dita resolutiva do Ministério Público, isto é, aquela que visa intermediação dos conflitos desvelados por meio da composição extrajudicial. E internamente, a Instituição bem se atentou para a necessidade de romper com a resistência conservadora que (ainda) pretende ver um Ministério Público consubstanciado em mero apêndice do Poder Judiciário, em sua atuação como custus legis, desfocado para a sua maior base legitimadora, qual seja, a sociedade e seus diferentes e antagônicos desafios e anseios. Não por outras razões – e ciente das suas limitações orçamentárias e estruturais -, de modo a otimizar a atuação ministerial, dirigindo-lhe os esforços para a sua missão preponderantemente constitucional, é que o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Recomendação n. 016/2010, assim como o Ministério Público do Paraná, por meio da Recomendação n. 01/2010, nas quais apontadas série de demandas judiciais em que, pelos interesses envolvidos, revela-se dispensável a atuação ministerial como órgão (meramente) interventor, isto é, fiscal da lei. Por isso, em tempos de resistência à posição institucional mais conservadora - que ainda se conforma com um Ministério Público meramente parecerista - o momento pelo qual passa a Instituição parece ser o do amadurecimento (FINGER, 2010, p. 93). Amadurecimento que passa pela percepção de que é o Ministério Público instrumento institucional indispensável, na ordem constitucional vigente, para a mobilização das vontades coletivas, a serem manifestadas, por exemplo, por meio de campanhas, fóruns, conferências, conselhos, seminários, reuniões e audiências públicas. Tem o papel primordial, portanto, de promover a socialização democrática do poder, primando, como preconizado (conforme, aliás, visto alhures) pelos ideais de fortalecimento da sociedade civil enquanto arena política. Nesse cenário, o Ministério Público deve, em síntese, atuar para a formação do exercício pleno da cidadania e de uma cultura política compatível. Para tanto, sendo o conceito de políticas públicas evolutivo, refletindo processo de constante transformação e mudanças no tempo e no espaço (PEREIRA, 2008, p. 99), o Ministério Público deve fazer uma constante releitura das demandas sociais, trabalhando para garantir espaços de efetiva participação da sociedade. Em outros termos, é papel do MP de incutir/despertar, gradativamente, valores democráticos em toda a sociedade. Nada obstante, como clareado alhures, passando a deliberação de políticas públicas e as “mudanças de rumo” quanto à formulação e efetivação destas pela vontade política da sociedade, importante a análise sobre as relações sociais, já que sem alteração da dinâmica da sociedade civil, o pacto político torna-se conservador (NOGUEIRA apud BATTINI; COSTA, 2007, p. 23). Especialmente tendo-se como pano de fundo um capitalismo cuja realidade permanente vem a ser a conjugação do desenvolvimento capitalista com a vida suntuosa de ricas e poderosas minorias burguesas e com o florescimento econômico de algumas nações imperialistas também ricas e poderosas. Um capitalismo que associa luxo, poder e riqueza, de um lado, à extrema miséria, opróbrio e opressão, de outro. Enfim, um capitalismo em que as relações de classe retornam ao passado remoto, como se os mundos das classes socialmente antagônicas fossem os mundos das “nações” distintas, reciprocamente fechados e hostis, numa implacável guerra civil latente (FERNANDES, 2006, p. 353-4). Este o modelo (engessado) vigente, ao qual se conjuga (e muito por conta disto) uma dinâmica social também ainda muito apegada ao modelo liberal individualista de Estado de Direito – e, por isso, pouco cidadã – que vem se traduzindo numa das dificuldades a serem superadas de transformação do panorama jurídico-social estabelecido. Diante desse quadro, como criar uma cultura social participativa numa sociedade histórica e eminentemente patrimonialista e consumerista? Modo geral, a resposta a esta indagação passa pelo nível de desenvolvimento social, responsável por afetar diretamente a qualidade e a execução das políticas sociais públicas. Se bem que, vale o parênteses, em meados deste ano (2013), ainda que por motivos variados e sem lideranças e propostas bem identificadas, o país foi tomado por manifestações em nível nacional, em que a sociedade, em suas mais diversas camadas, mobilizada especialmente pelas redes sociais, tomou as ruas para protestar sobre múltiplos temas, como por exemplo, aumento de tarifas do transporte público, corrupção política, gastos públicos em eventos esportivos internacionais e má qualidade dos serviços públicos2. Sob tal perspectiva, ganha importância o aspecto orçamentário, no sentido da necessidade de adequação dos gastos públicos às contingências do desenvolvimento social, coibindo o uso indevido de recursos da comunidade (BATTINI; COSTA, 2007 p. 27). Aliás, a pretensão estatal no Estado Democrático deve sempre se dirigir para a busca da justiça social por meio da aplicação das verbas públicas em políticas que visem à redução das diferenças sociais através da distribuição eqüitativa de riquezas (TAVARES, 2011, p. 129). Estes, aliás, objetivos da República do Brasil, previstos no art. 3º, II e III, da Constituição Federal. Ainda, na análise do significado, abrangência e operatividade das políticas públicas, devem ser considerados o modo de organização da sociedade contemporânea (“sociedade do capital financeiro global”), fundada na acumulação do capital, na exploração do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção (BATTINI; COSTA, 2007, p. 42-3). 2 “Os protestos no Brasil em 2013 são várias manifestações populares por todo o país que inicialmente surgiram para contestar os aumentos nas tarifas de transporte público, principalmente em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro e que ganharam forte apoio popular depois da repressão violenta e desproporcional que foi promovida pelas policiais militares estaduais contra as passeatas, levando grande parte da população a apoiar as mobilizações. Atos semelhantes rapidamente começaram a se proliferar em diversas cidades do Brasil e do exterior em apoio aos protestos, passando a abranger uma grande variedade de temas, como os gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, a má qualidade dos serviços públicos e a indignação com a corrupção política em geral. Os protestos geraram grande repercussão nacional e internacional. Em resposta às maiores manifestações populares realizadas no Brasil desde as mobilizações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello em 1992, o governo brasileiro anunciou várias medidas para tentar atender às reivindicações dos manifestantes e o Congresso Nacional votou uma série de concessões, como ter tornado a corrupção como um crime hediondo, arquivado a chamada PEC 37 e proibido o voto secreto em votações para cassar o mandato de legisladores acusados de irregularidades. Houve também a revogação dos então recentes aumentos das tarifas nos transportes em várias cidades do país, com a volta aos preços anteriores ao movimento.” (“PROTESTOS NO BRASIL EM 2013”, em https://pt.wikipedia.org/wiki/Protestos_no_Brasil_em_2013). Visando à superação de tais obstáculos, à formatação de um modelo democrático de gestão da coisa pública, em que imperem políticas públicas legitimadas pela efetiva e plural participação da sociedade civil na vida política institucional, de relevo a criação e consolidação de instâncias (espaços) participativas, como fóruns, audiências públicas, reuniões, conferências e Conselhos Gestores de Políticas Públicas. É o que se verificou, por exemplo, na orientação emanada do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP – e Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública do Ministério Público do Paraná, por meio, respectivamente, do Ofício n. 353/2011 e Ofício Circular n. 12/2011, no sentido de que os Promotores de Justiça tivessem atuação direta e efetiva nas Conferências Municipais de Saúde e na garantia de plena e regular funcionalidade dos Conselhos Municipais de Saúde. Tudo de modo, em ultima ratio, a assegurar a deliberação e promoção de políticas sociais legítimas. Outro exemplo de significativa repercussão no âmbito de atuação ministerial afeta à efetivação de direitos sociais garantidos constitucionalmente, por meio de política pública de indisfarçável interesse público, refere-se à ação do o Ministério Público do Paraná, por meio do seu Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Educação, ao lançar campanha destinada a que os Municípios criem nos próximos quatro anos novas vagas para a Educação Infantil, atendendo, assim, inclusive, a meta estratégica da instituição. A campanha denomina-se “100% Pré-Escola e Creche para Todos”. Pelo projeto, as Promotorias de Justiça de Proteção à Educação deverão atuar junto às Prefeituras, a fim de cobrar o desenvolvimento de um Plano de Ampliação das Redes Municipais de Ensino, de modo que, até o início ano letivo de 2016, o Paraná atenda todas as crianças em idade escolar, como estabelece a Constituição Federal. A Emenda Constitucional nº 59 tornou obrigatória a freqüência escolar a partir dos 4 anos de idade no Brasil. Ainda, no mesmo diapasão, registre-se a atuação do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Paraná, que, no início do ano 2013, além de divulgar amplo material a respeito no seu sítio oficial, expediu o ofício-circular n. 01/2013 às Unidades Ministeriais com atuação na aludida área, orientando e sugerindo o acompanhamento, pelos Promotores de Justiça, das etapas das Conferências Municipais das Cidades, inclusive para contato com o Executivo e o Legislativo dos municípios sobre o andamento e organização desta, para o estabelecimento de interlocução com a sociedade civil organizada quanto à temática, e para o acompanhamento das reuniões preparatórias e da própria conferência quanto à lisura e regularidade do processo. Afinal, As políticas de desenvolvimento urbano, de usos e ocupações dos espaços das cidades, de asseguramento do acesso à moradia digna, de saneamento, de transporte e mobilidade urbana, que compõem o chamado direito difuso a cidades sustentáveis e socialmente justas, devem ser formuladas e executadas de forma planejada e participativa (MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ, 2013). Os três exemplos supra bem ilustram uma atuação ministerial consentânea com seus misteres que lhe foram conferidos pela Constituição da República de 1988, notadamente aqueles afetos à defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tal qual os ideais defendidos no presente estudo. 4 CONCLUSÃO OBJETIVA O presente estudo pretendeu ressaltar a importância de uma atuação resolutiva do Ministério Público, pautada numa interpretação constitucional do seu papel institucional, especialmente o que diz com a defesa do regime democrático e dos interesses sociais indisponíveis. Objetivou-se, ainda, focar o Órgão Ministerial como verdadeiro instrumento de garantia e consolidação das instâncias participativas, de modo a legitimar as políticas públicas a serem implementadas. Tais políticas sociais públicas – vistas, em síntese, como conjunto de decisões e ações nas sociedades democráticas, resultante de complexa interação entre Estado e sociedade, tendo como papel fundamental a concretização dos direitos sociais -, devem se radicar em deliberações permeadas da efetiva participação da sociedade civil. Tudo após a identificação do modelo de sociedade atual e dos entraves ao exercício de parcela do poder político a ser por ela exercido. Daí a importância de um Ministério Público que fomente a constituição e consolidação de uma cultura social participativa, por meio, por exemplo, dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas e de Conferências Públicas. E que, ao cabo, garanta efetividade aos direitos sociais fundamentais consagrados constitucionalmente, por meio da realização de políticas públicas legítimas - jurídica e socialmente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATTINI, O. (Org.); COSTA, L. C. da. Estado e Políticas Públicas: contexto sócio-histórico e assistência social. In: SUAS: Sistema Único de Assistência Social em Debate. São Paulo: Veras, CIPEC, 2007. DAGNINO, E. Cultura, Cidadania e Democracia: a transformação dos discursos e práticas na esquerda latinoamericana. In: ALVAREZ, Sonia E.; DAGNINO, E.; ESCOBAR, A. Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos. Belo Horizonte: UFMG, 2000, p. 61-102. DI GIOVANI, G. As Estruturas Elementares das Políticas Públicas. Caderno de Pesquisa n. 82, Unicamp: Nepp, 2009. ESCOREL. S.; MOREIRA, M. R. Participação Social. In: GIOVANELLA, L. (Org.). Políticas e sistemas de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008, p. 979-1010. FERNANDES, F. 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